Capítulo 8
O terceiro dia na ilha foi bem movimentado, Ansal quis fazer uma recapitulação de tudo que tentou me ensinar nos últimos dois dias. Não tive um resultado muito diferente do que os anteriores, mas não tínhamos mais tempo.
Eu estava me sentindo uma criança com os treinamentos dela, como se tudo que eu aprendi anteriormente, não servisse para nada. Conforme anoiteceu, um sentimento de ansiedade se instalou em mim.
No dia seguinte eu ia para a capital, ia conhecer aonde minha mãe tinha morado. Contudo, também estava com medo, pois não estava segura com o meu disfarce, e se alguém desconfiasse que eu não fosse quem eu interpretava ser, poderia colocar Ansal e a mim em problemas.
Minha tia estava deitada numa rede estendida, entre dois coqueiros do lado da fogueira acesa. Ela olhava contemplativa para a lua, que refletia o seu brilho no rio que corria sereno.
Me sentei num tronco perto de onde ela estava, fiquei encarando as chamas dançarem e me perdi nos meus pensamentos. Um filme de tudo que me aconteceu passou pela minha mente, e um detalhe que me escapou antes, veio a minha mente.
- Tia? – A chamo com a voz incerta.
- Sim. – A mulher vira seu rosto sereno na minha direção.
- Você viu tudo que me aconteceu quando entrou na minha mente, correto?
- Sim – Ela franze o cenho.
- Tem uma coisa que eu nunca entendi, e de alguma forma a minha mãe sabia que eu os tinha.
Ansal me encarava com os olhos cada vez mais estreitos, tentando entender do que eu estava falando.
- Desde nova, eu tenho sonhos que não consigo entender, nunca os contei para a minha mãe, mas ela sabia, de alguma forma, do que se tratavam eles. Você os viu, sabe do que se tratam?
Vi que Ansal estava tentando se lembrar do que tinha visto em minha mente. Fiquei a encarando e percebi quando o seu rosto mudou, quando ela provavelmente soube do que eu estava falando.
- Sim Lia, eu sei do que você esta falando.
- Pode me explicar o que são eles?
- Eu posso te falar que eles não eram sonhos, e sim memórias da sua mãe.
Fiz uma cara de confusão para o que ela tinha acabado de falar.
- Não me perguntei o porque de você as ter, eu não vou saber lhe responder isso, mas acredito que sua mãe quis te deixar um aviso ou pistas de quem realmente você era, através dessas memórias que ela passou para você.
- E do que se tratam essas memórias?
- Eu vi dois desses sonhos em sua mente, o primeiro não é bem uma memória, mas sim uma pista, é o que você se vê sentada num trono com uma cora na cabeça, essa sala real, é a sala do castelo de minha mãe.
A encarei lembrando do sonho, esse era um dos que eu mais gostava de ter. Quando pequena, sempre que o tinha, acordava falando que eu ia ser uma princesa um dia e que teria uma linda coroa, minha mãe sorria e sempre dizia que tudo era possível.
- Acredito que ela colocou fragmentos da vida dela quando princesa para você, caso precisasse um dia, pudesse saber a verdade.
- E o outro sonho? – Esse era o que mais me perturbava.
- O outro é um dos piores dias que já vivi na minha vida. – O semblante de Ansal fica sombrio conforme ela se lembra.
Esse sonho eu comecei a ter quando já era mais velha, mas estava mais para pesadelo do que sonho. Um incêndio descomunal consumia tudo a minha volta, eu estava no meio da floresta, com alguém tentando me puxar para longe enquanto eu queria voltar e ajudar.
Conforme ia lembrando do sonho, me dei conta de quem tentava me tirar do incêndio, era Ansal, eu não sabia quem era na época pois não a conhecia, mas agora, os pontos começaram a se ligar na minha cabeça.
- Você estava nele, o que aconteceu Ansal? – Minha voz era quase de súplica para entender, pois sempre acordava gritando e com uma dor no peito enorme pelo que tinha acontecido.
Percebi que a ninfa estava relutante em me dizer o que aquele sonho significava. Seu olhar estava perdido nas chamas da fogueira, eu me levantei e fui até ela, me ajoelhei no chão e segurei uma de suas mãos.
- Por favor tia, eu preciso saber, sei que é dolorido para você, mas eu preciso saber o porque da minha mãe ter colocado essa memória na minha cabeça.
- Esse dia Lia, foi o dia que a ordem foi dizimada.
Eu arregalei os meus olhos, não esperava essa resposta, mas precisava saber mais. Fiquei a encarando em silêncio e segurando a sua mão, que era tão delicada, entre as minhas, como sinal de apoio a ela.
" Aconteceu a anos atrás, de tempos em tempos todos os membros da ordem se reúnem, para discutirem assuntos internos, contudo, esses encontros com toda a cúpula são bem raros.
Naquele dia, uma reunião de emergência tinha sido convocada por causa da guerra que se alastrava durante décadas, pelo pouco que sua mãe falou, ela suspeitava que a ordem estava pensando em intervir nesse conflito.
Eu era responsável por escolta-la até o lugar sagrado, que só os membros frequentavam, mas naquele dia, sua mãe se atrasou para me encontrar e por isso chegamos tarde.
Quando chegamos no local marcado, um banho de sangue se estendia pela região. Uma horda de Raruks tinham atacado a ordem, os membros e guardas lutavam para defender suas vidas e o portal, que os levava para o local sagrado.
Assim que vimos o que estava acontecendo corremos para ajudar, mas eles eram muitos, e apesar de todas as nossas habilidades, eles não estavam sozinhos, alguma força muito sombria estava atuando junto deles.
Não sei o que é ou quem é até hoje, mas era muito poderoso, nunca me esquecerei da sensação que tive. Pela primeira vez na minha vida tive medo, não por mim, mas por não conseguir defender quem eu amava.
A batalha continuou e quando pensamos que conseguiríamos suprimi-los, um fogo surgiu do nada. Aqueles monstros têm pele a prova de fogo normal, mas nós não, e aos poucos, um a um foi sendo derrotado.
Quando olhei ao meu redor e vi que não conseguiríamos ganhar, fiz a única coisa que estava ao meu alcance, eu tentei proteger a sua mãe. Enfrentando aqueles monstros que saiam das chamas parecendo que vinham do inferno, consegui alcançar a minha irmã.
Conseguimos nos afastar do conflito, mas sua mãe não queria ir embora, ela ficava falando que não podia deixa-los, que tinha que fechar o portal. Eu implorei para ela sair dali enquanto ainda tinha tempo, mas ela não queria.
Nesses poucos minutos de discussão, as chamas nos alcançaram e os Raruks também, o embate contra eles recomeçou. Foi então que eu a vi correndo de volta para o centro da clareira.
Esses breves segundos que me distrai, foram o suficiente para um dos Raruks, me atingir com sua garra paralisante e me dar um golpe na cabeça, que me fez desmaiar.
Eu quase morri naquele dia, por algum milagre estou viva. As tropas ninficas que estavam perto do local, avistaram a fumaça e foram ver o que estava acontecendo.
Eles me acharam e me trouxeram para ser tratada urgentemente, por muito pouco eu sobrevivi, mas ninguém mais que estava naquele dia teve a mesma sorte.
Um corpo foi achado, este estava carbonizado e com uma flecha élfica cravada nas costas. Este corpo foi considerado ser de sua mãe, pois tinha o cordão real que ela sempre usava envolta do pescoço.
Quando acordei e recebi a noticia, não conseguia acreditar, pois não tinha sentido a dor que falam, quando o outro que faz parte do laço de alma morre, entretanto, me convenceram que eu não senti, pois estava sobre o efeito paralisante e a beira da morte.
Durante muito tempo eu negava tal fato, procurava sua mãe incessantemente, mas depois de tantas tentativas frustradas eu desisti e me conformei com a perda dela e a sua. "
Eu estava chocada com tudo que ela tinha acabado de me falar, acho que esse meu choque transpareceu no meu rosto.
- Não fique com a cara confusa, eu sabia sobre você, na verdade, soube naquele dia fatídico. Lembra que disse que sua mãe tinha chegado atrasada, pois bem, ela me contou que tinha acabado de descobrir que estava grávida, mas vi que algo a perturbava, contudo, ela não quis me falar naquele momento, disse que depois conversávamos, mas esse depois nunca chegou.
Sei que insisti para ter essas informações, mas estava zonza com tudo que estava descobrindo.
- Foi por causa desse corpo que a rainha se isolou não foi?
- Sim, minha mãe se afundou na dor da perda da minha irmã, ela nunca mais foi a mesma desde aquele dia, e apesar dela nunca falar, sei que me culpa por não ter salvado sua filha e ter sobrevivido invés dela.
- Não acho que ela pense assim.
- Você não a conhece, não tem como saber. – Vi um relâmpago de dor passar por seus olhos.
- Mas Ansal, eu não entendo uma coisa, como a ordem que é formada pelos mais poderosos seres, caíram para um ataque de Raruks.
- Lia, o Raruk que você enfrentou é apenas um rastreador, eles são excelentes em achar pessoas, mas péssimos lutadores e estrategistas.
- Quer dizer que eles se dividem em classes?
- Sim, como nós, eles também têm a sua divisão interna.
- Como ela é?
- Não sou a maior conhecedora, só sei em relação a batalha.
- Ok...
- Como em qualquer exército, no deles existem os soldados, generais, rastreadores, espadachins e por aí vai.
- Quais que atacaram vocês?
- Eu nunca tinha visto aquele tipo antes, mas pesquisei depois para descobrir. Os que nos atacaram são chamados de Ortopos, são uma espécie de batalhão de elite, os melhores dos melhores.
- Por isso você falou para caso eu visse algum correr.
- Sim, você enfrentou um dos mais fracos entre eles, não gosto nem de pensar se o Ortopo te encontra, provavelmente não estaríamos conversando agora.
Fique pensativa pelo que Ansal falou, e uma dúvida me surgiu na cabeça.
- Ansal, se o que eu enfrentei era um dos mais fracos, como conseguiu matar minha mãe? – Ela me olha pensativa.
- Acredito que por dois motivos, sua mãe foi pega de surpresa, mas esse motivo não a teria matado. – Percebo que ela fica em dúvida se continua a falar – Mas não foi só isso que aconteceu aquela noite.
- Do que você está falando?
- O rastreador não estava sozinho naquela noite. – Fico surpresa com essa informação.
- Como não? Somente ele veio atrás de mim!
- Sim, porque eu matei os outros dois. – Fico mais em choque ainda – Quando estava por perto da sua aldeia e senti o vinculo, corri na direção dele, no caminho me deparei com o primeiro Raruk, ele acabou tomando mais tempo do que eu queria, mesmo estando quase morto pela sua mãe.
- Você disse o primeiro? – Engulo em seco.
- Sim, imaginei que ele não estaria sozinho, principalmente depois de ver o que foi feito com sua mãe. Comecei a caçar o resto deles, foi então que me deparei com o rastreador e um Ortopo. O rastreador fugiu indo atrás de você, o outro desgraçado não teve a mesma sorte. – Ela sorri sombriamente.
Estou em choque de mais para conseguir falar qualquer coisa, nunca me passou pela cabeça que pudesse ter mais de uma daquelas criaturas atrás de mim, ou melhor, atrás da minha mãe.
- Eu tive sorte de enfrenta-los separadamente – Ela respira fundo – Sua mãe não teve chance contra os três juntos, mesmo ela sendo uma excelente guerreira, era uma luta perdida.
Um silêncio doloroso cai sobre nós, mas minha cabeça não para de girar e formular mais perguntas.
- E porque eles atacaram vocês Ansal? O que eles tinham contra a Ordem?
- Eu não sei, mas esses monstros foram caçados depois disso, mas quando se recolheram nas montanhas não nos atrevemos a segui-los.
- Porque não?
- Porque lá é território deles, não conhecemos o terreno, seria suicídio entrarmos cegos de raiva como estávamos. Desde então eles nunca mais foram vistos, até o ataque a sua mãe.
Ansal voltou a encarar o luar no rio, dando por finalizada a nossa conversa, eu me encaminhei até o tronco, sentei no chão e apoiei minha cabeça na madeira.
Estava olhando o céu estrelado, que parecia guardar os segredos que eu precisava descobrir. Nessa noite minha tia não cantou, ficou em silêncio durante todo o tempo, provavelmente relembrar o passado a fez ficar triste.
Conforme a noite foi passando, tracei os planos do que eu queria fazer após a cerimonia. Depois de tudo que Ansal contou, senti que precisava ir até o lugar aonde tudo aconteceu, eu precisava de mais respostas, como eu queria que você estivesse aqui mãe.
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