Capítulo 7
Durante a manhã minha tia me levou até o rio, disse que treinaríamos hoje a minha percepção. Ela fez novamente o bloco de gelo, mas desta vez, pediu para eu ficar sentada e me entregou uma venda.
- Muito bem Lia, você precisa aprender a escutar ao seu redor, a água é o mais fácil para você aprender, por ter afinidade com ela. Eu vou convocar ondas para irem na sua direção, tente saber de onde elas estão vindo e tente para-las.
Assenti com a cabeça e respirei fundo, eu estava em cima do bloco de gelo. Dizem que quando perdemos um sentido, os outros ficam mais apurados, assim que coloquei a venda, comecei a sentir o flutuar do bloco de gelo embaixo de mim e o vai e vem das águas do rio.
O bloco não me permitia tocar na água, o que dificultava a minha conexão com ela. Estava concentrada no movimento do bloco de gelo, quando percebi uma estranha agitação, mas não fui rápida o suficiente, para parar a onda que me atingiu pela lateral direita.
- Se concentre Lia.
Eu precisava abrir o meu corpo e escutar ao meu redor, mas não só escutar, eu precisava sentir também. Lembrei das seções de meditações com Kuana, elas sempre me acalmavam e faziam meus pensamentos ficarem claros.
Dessa vez não me foquei somente no movimento do gelo, estava tentando encontrar qualquer outra coisa, que me desse uma dica, de saber de onde estava vindo o próximo ataque.
Novamente a perturbação na água, virei minha cabeça para o lado esquerdo. Entretanto, não consegui parar o golpe, pois não conseguia sentir a água por um todo. Soube de onde ela vinha, mas não sabia a velocidade, o tamanho da onda e nem a que distância ela estava para eu para-la.
- Você conseguiu se conectar, esta usando seus sentidos, mas precisa ir mais fundo, tente ver sem olhar. – A voz da minha tia vinha da margem do rio – Esse é o caminho, já sabe de onde vem, precisa agora aprimorar isso, vamos de novo.
Eu já estava encharcada com a quantidade de ondas que me atingiam. Conseguia saber a direção, mas não conseguia visualizar todo o cenário. Ansal alternava as direções que ela mandava os golpes, também variava a distância que formava a onda, o tamanho e a velocidade da mesma.
Sempre que eu falhava, minha tia só dizia "de novo", perdi a conta de quantas ondas levei na cabeça e de quanto tempo ficamos ali. Tinha me engasgado com o último golpe, que foi uma onda gigantesca e forte, que fez eu cair de lado em cima do bloco de gelo.
- Levante-se, de novo.
- Espera – Eu gritei entre tosses. – Me dá um minuto, quero tentar uma coisa.
- O que está aprontando menina?
- Só me de um minuto, antes de me atacar novamente.
O silêncio de Ansal foi resposta suficiente para mim, conseguia imaginar ela assentindo com a cabeça. Me endireitei no bloco de gelo, uma brisa fria soprava em meu rosto.
Me lembrei do treinamento com a Ani, de como me senti quando entrei em contato com os elementos, e de como precisei me conectar especificamente com cada um deles, para não sucumbir aos mesmos.
Não sei explicar, mas senti algo mudando em mim, o vento que batia no meu rosto não era somente uma brisa, eu me comunicava com ele, via de onde ele estava vindo e para onde ia.
A água também se tornou mais clara para mim, o fluir do rio, a movimentação que os peixes faziam, fazendo um pequeno deslocar no caminho natural da água.
Um sorriso se estendeu em minha face, vi a água se agitar e o vento ser cortado e desviado. Me virei rapidamente, pois o golpe viria na direção das minhas costas.
Consegui ver a água fluir no sentido contrário do fluxo natural, o vento parecia me avisar que algo estava vindo. Estendi minhas mãos para me conectar e tentar desfazer a onda.
Apesar deu conseguir me conectar, não consegui visualizar totalmente a onda, errei a distância que ela estava e a velocidade que vinha. A onda estourou em cima de mim, pois meu golpe não foi rápido o suficiente para para-la.
- Isso já é um progresso, desça dai e venha até aqui.
Retirei a venda, e me deparei com um sol já alto no céu. Eu estava molhada até os ossos, assim que cheguei perto da minha tia, meu estômago roncou, fazendo ela me olhar de lado e rir.
- Vamos comer antes de continuar. – A segui para dentro da casa.
Enquanto comíamos um ensopado que Ansal tinha preparado, ela resolveu me dar mais algumas lições e conselhos, sobre o treinamento que estava fazendo.
- Você me lembra as pequenas ninfas, que não sabem usar suas habilidades e se enrolam muito.
Franzi minhas sobrancelhas e fiz uma careta por estar sendo chamada e criança. Eu não tinha cinco anos de idade, já passei e fiz coisas que crianças não fazem, mas não respondi a minha tia.
- Não faça essa cara, você só está um pouco atrasada no treinamento, na história do seu povo...
- Já entendi Ansal.
- Muito bem, como estava dizendo, você conseguiu se conectar com o seu arredor, agora precisa aprender a usar isso para visualizar sem precisar necessariamente ver.
- Eu consegui sentir a água e o vento mudar, vi a onda vindo em minha direção, mas não consegui ver o seu tamanho e nem saber a sua distância correta.
- Eu percebi isso, mas é normal você não vai conseguir isso de uma hora para a outra, precisará de treino.
- Mas não temos tempo para treinos!
- Como você é impaciente, você não pode querer apressar as coisas, treine todo dia, e assim vai melhorando, mas não ache que vai aprender tudo de uma hora para a outra.
- Como treinarei se eu preciso de você para isso?
- Cara sobrinha, você não precisa de mim, pode fazer isso sozinha.
Fiz uma cara de quem não entendeu nada, Ansal suspirou antes de explicar.
- Te coloquei na água, pois achei que se conectaria com mais facilidade ao seu arredor, e acertei nisso. Você rapidamente sentiu o rio fluir, mas preste atenção Lia, se estiver na floresta pode estar afastada de algum corpo hídrico, e isso pode dificultar as coisas.
- Ainda não entendi como treinarei.
- Faça a mesma coisa que fizemos hoje, feche os olhos e se concentre no seu arredor. De preferência em lugares que não tenham água, se conseguir nesses locais, sem o seu elemento de maior afinidade para te ajudar, melhor preparada você ficará.
Fiquei pensando no que ela falou, Ansal terminou de comer antes de voltar a falar.
- Faça isso todo o dia, não importa aonde esteja, sempre faça esse exercício. Se estiver na floresta, tente achar os animais que andam por ela, ver as folhas secas sendo carregadas pelo vento, essas coisas.
- Eu compreendi, mas não acho que temos tempo para isso.
- Ter, não temos, mas não posso apressar esse processo, teremos que fazer o melhor que pudermos com o que temos até o momento.
Fiz uma careta para a resposta que ela me deu.
- Sobrinha, você tem que entender que o nosso tempo, é diferente do tempo que você está acostumada. Enquanto um ano para os humanos é muita coisa, para nós não é nada, é como se fosse uma hora que passou no relógio, você entenderá isso melhor conforme envelhecer.
Terminamos de almoçar, arrumamos as coisas e então Ansal falou para eu ir tomar um banho, pois não teríamos mais treinamentos físicos hoje, e ela não queria que eu ficasse doente por estar com roupas molhadas por muito tempo.
Quando a reencontrei de banho tomado e roupas secas, minha tia indicou para eu colocar as botas que estavam no chão da clareira do lado de fora da casa, ela me esperava perto da fogueira que tinha montada ali.
- Durante a cerimônia temos algumas tradições, e uma delas é a dança cerimonial.
- Dança? – Senti um suor frio percorrer meu corpo, eu sou péssima em dançar.
- Sim, vou te ensinar a dança que terá que fazer durante a cerimônia.
Ansal começou a cantarolar uma canção que alternava o ritmo entre lenta e rápida. Me chamou para ficar do seu lado e começou a dançar, tentei acompanha-la, mas meu corpo é extremamente desajeitado.
Minha tia me olhava com desaprovação, falando que eu precisava dar mais leveza aos meus movimentos, que tinha que me focar no meu equilíbrio, mas como fazer isso enquanto você tem que rodopiar, se curvar e fazer tantas outras coisas.
Ansal dançava com uma leveza e maestria sem igual, percebi que ela ficava feliz enquanto dançava, pois, um pequeno e raro sorriso surgiu em sua face, enquanto mexia seu corpo no ritmo da música que cantava.
Ela teve mais paciência de explicar essa parte do que nos outros treinamentos, mas para mim, eu preferia mil vezes ter que passar por qualquer treinamento de batalha, do que ter que aprender a dançar.
Um desespero brotava na boca do meu estômago só de imaginar, que teria que fazer isso na frente de outras pessoas que nunca vi na vida, e não poderia errar, para não estragar o disfarce.
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