Capítulo 65
A trilha pelas colinas Kalur não tinha sido fácil, o terreno era estreito, o vento gelado soprava fortemente e o tempo todo eu estava apreensivo de encontrar com algum daqueles seres malditos.
Para a minha sorte, nenhum Raruk se aventurou a cruzar o meu caminho, como eu tinha imaginado, a maioria deles estava no bloqueio da floresta, agradeci por essa benção.
Demorei mais de uma semana para cruzar a colina, por causa do seu terreno traiçoeiro e do vento forte, fui obrigado a parar diversas vezes. Eu não dormia mais do que duas horas por dia, estou exausto, minhas mãos estão em carne viva das escaladas e minhas pernas trêmulas de tanto andar.
Quando eu finalmente alcancei a base do outro lado da colina soltei um suspiro de alivio, eu tinha conseguido vencer mais essa etapa. Precisava urgentemente de suprimentos para continuar atrás de Lia, por isso, fui em direção ao vilarejo mais próximo de onde eu estava.
Assim que cheguei no vilarejo eu estava irreconhecível, minhas roupas em trapos e meu cheiro estava horrível. Não parei um segundo para me dar o luxo de me banhar, eu estava correndo contra o tempo. Contudo, eu precisava de alimento, armas e roupas novas, mas não tinha uma mísera moeda comigo para comprar tais coisas.
Fiquei a esmo na cidade durante dois dias, estava fraco para poder roubar e fugir. Quando estava passando por uma das partes mais simples do vilarejo, me deparei com uma ferraria, a visão do lugar me deu uma ideia para me ajudar na minha jornada.
No estado que eu estava ninguém me reconheceria como sendo da guarda de Dakar, usei isso ao meu favor, implorei para o ferreiro me deixar trabalhar e em troca, pedi abrigo, roupas novas e alimento.
O homem era alto, corpulento e careca, seu rosto tinha as duas maçãs do rosto vermelhas por causa do calor da forja. No início ele tentou me enxotar do lugar, mas fui persistente, fiquei observando um pouco mais afastado, assim que entendi a rotina do homem, criei minha estratégia para ele aceitar meu acordo.
O ferreiro estava sobrecarregado de trabalho, não era para menos, com a guerra que estava acontecendo, todos que sabiam mexer com metal estavam sendo convocados a trabalhar para o rei e suprir a demanda de armas do exército.
Numa noite o homem terminou seu trabalho mais cedo, agarrei essa oportunidade e me esgueirei para dentro do lugar, reacendi a forja e comecei a trabalhar nas armas que estavam inacabadas.
Passei a noite toda trabalhando, mas apesar do meu cansaço físico, exercer a minha antiga profissão, me deu uma paz de espírito que a muito tempo eu não tinha, me fez sentir como se eu tivesse no meu antigo vilarejo novamente, perto da minha família, perto de Lia.
Nos primeiros raios da manhã o homem veio para o trabalho, ao me ver, ficou prestes a gritar comigo e a me escorraçar do lugar, mas quando olhou ao seu arredor e viu, o trabalho que eu tinha feito ficou em silêncio.
Ele andou pela ferraria analisando as armas que eu tinha forjado, como se tivesse avaliando se meu trabalho tinha sido bem feito. Eu tinha adiantado boa parte do que ele precisava fazer, acho que esse fato, mais as armas incríveis que fiz, o fizeram ceder e concordar com meu acordo.
Fiquei alguns dias trabalhando com o homem, somente o tempo suficiente para eu recuperar minhas energias, conseguir alimento e algumas armas para a viagem.
O ferreiro tinha me deixado forjar uma espada nova para mim, pois a minha perdi nas montanhas Kalur, quando escorreguei e quase cai do penhasco. Aos poucos fui ganhando a simpatia do ferreiro, ele era calado, sabia que a qualquer momento eu partiria.
Eu estava prestes a cair na estrada novamente, quando soube que uma comitiva real se aproximava do vilarejo. Meu sangue gelou. Qualquer pessoa que fosse da realeza de Dakar iria me reconhecer, eu precisava ir o mais rápido possível, mas minha curiosidade para saber o que uma comitiva real fazia num vilarejo tão simples como aquele, me fez esperar.
No final da tarde a comitiva real chegou, eu precisava me infiltrar na reunião que aconteceria, todos os comerciantes tinham sido convocados. O ferreiro estava apreensivo com o que Dakar queria, eu disse que poderia ir em seu lugar, mas o homem recusou, não confiava em mim a esse ponto, mas me ofereceu para ir junto como seu aprendiz.
A reunião tinha sido convocada dentro de uma estalagem, que tinha um salão bem grande, fiquei o mais distante possível que eu poderia, não queria ser notado pelo nobre que provavelmente tinha convocado aquela reunião.
Eu já imaginava o que estava por vir, eles iriam fazer um discurso falando como é dever da população oferecer seus filhos a Dakar, e que deveriam trabalhar dobrado e se sentirem gratos por ter um rei que dava valor a eles, por comprar suas mercadorias.
Tudo não passava de exploração barata do rei, para conseguir mais pessoas para sua guerra maldita, e suplementos para sustentar seu exército e o estilo de vida dos nobres gordos. Eu já tinha participado de reuniões assim antes, mas como a situação da guerra mudou, como Dakar conseguiu invadir a floresta, eu precisava saber se teria alguma novidade, ou se era somente a mesma história de sempre.
Os aldeões já estavam impacientes no salão, alguns guardas reais estavam presentes, o nobre ainda não tinha dado as caras, não entendia o porque de tanto atraso algo estava estranho.
Quando a porta do salão se abriu, vi a última pessoa que eu poderia imaginar estar ali. O rei não tinha enviado qualquer um até ali, ele tinha enviado a sua filha, Lara.
Meu corpo gelou com a presença dela, me refugiei mais ainda para as sombras, o que estaria acontecendo para o rei enviar sua própria filha em tempos de guerra, para vilarejos afastado a colocando em risco.
A situação tinha piorado drasticamente para mim, se já era arriscado algum nobre me reconhecer, Lara com certeza saberia quem eu era se me visse e naquele lugar apertado, a sorte estava contra mim.
Quando Lara revelou quem ela era, se fez um burburinho bem grande no salão, os aldeões estavam confusos sobre o que a princesa estaria fazendo ali. Lara começou seu discurso agradecendo todo o esforço e dedicação que o povo vinha tendo, ela era especialista nisso, e mesmo que seu pai explorasse aquelas pessoas, o seu discurso os fazia se sentirem importantes, ela tinha esse dom.
A reunião estava prestes a acabar, eu já estava conformado que ela tinha vindo fazer o trabalho de algum nobre que deveria estar ocupado na guerra, quando a princesa me solta sua palavra final.
Lara anunciou que Dakar tinha feito progresso na guerra, mas essa não foi a noticia que me chocou. O rei tinha feito um retrato de procurado, a princesa explicou que o homem era um traidor da coroa e que qualquer informação sobre o seu paradeiro seria muito bem recompensada.
Meu rosto ficou sem cor, enquanto eu escutava as acusações que eram feitas sobre o homem, pois era o meu rosto que estava no papel. Eu precisava falar com ela, tentar explicar que o que ela dizia sobre mim era mentira, mas com a quantidade de guardas ao seu arredor, eu não teria chance de abrir minha boca antes que eles me prendessem.
Assim que as portas do salão se abriram, sai em disparada, não podia ficar mais nem um segundo naquele lugar, na verdade, em qualquer lugar de Dakar eu estaria correndo perigo, já que a princesa estava viajando com a comitiva para distribuir esse aviso.
O rei foi esperto em fazer essa jogada, fazer com que as pessoas ficassem comovidas ao escutar da boca da própria princesa, como o antigo comandante geral, seu agora ex noivo, tinha se tornado um traidor da coroa.
Eu não sabia quais mentiras o rei tinha contado para ela, pois a mágoa e a raiva de mim eram nítidas em suas palavras. Fui direto para a ferraria pegar as minhas coisas, eu precisava sair dali rápido, antes que o ferreiro resolvesse dar com a língua nos dentes.
Peguei algumas mudas de roupa que ele em deu, junto com alguns alimentos e as armas que eu tinha forjado na ferraria e umas adagas que ele tinha feito.
Pouco tempo depois que eu saí da casa, consegui ver de longe o ferreiro chegar com os guardas reais, eu não o culpo, o discurso da princesa realmente foi bem convincente, eu no lugar dele talvez tivesse feito o mesmo.
Eu corria entre as ruelas do vilarejo até alcançar a estrada que me levaria até Gerda, esse era o caminho que minha adaga apontava para Lia. No final daquele dia eu já estava na cidade, me refugiei no beco, ali ninguém faria fofocas sobre um estranho.
No dia seguinte eu precisava continuar minha jornada, mas um receio me bateu quando vi a direção que a adaga apontava, ela me mandava ir direto para o deserto.
Eu precisava de conselho, por isso chamei por Ani, talvez ela conseguisse me ajudar para onde eu deveria ir, ou então em como atravessar o deserto sem ser morto.
A Lua estava alta no céu noturno, eu já estava desistindo de chamar a mulher, mesmo tendo usado a forma de magia que ela me ensinou. Quando sentei no chão, a voz da mulher soou do outro lado da ruela.
– Que urgência toda é essa para me chamar a essa hora? – A expressão da mulher não era nada contente. – Além do mais, o que você está fazendo aqui?
A mulher parecia meio espantada e desapontada em me ver, como se não esperasse que eu a contatasse novamente, fiquei me questionando o porque daquilo.
– Longa história, mas resumindo eu precisei fugir da floresta, estou indo atrás da Lia, mas a adaga me aponta na direção do deserto, nenhum homem de Dakar jamais conseguiu voltar vivo dali.
– E o que eu tenho haver com isso, não era para você seguir a garota, era para... bem não importa agora, o que você quer de mim?
– Quero saber qual caminho eu tomo para chegar até onde ela está, pensei que talvez você pudesse me ajudar.
A mulher fica pensativa com a minha pergunta, vejo o seu rosto que tinha a expressão de desagrado ficar mais suave.
– Se tem várias formas de atravessar o deserto, mas a mais rápida é seguir em linha reta.
Ela mal acaba de falar e já começa a desaparecer pela ruela abaixo, não me dando tempo de agradece-la ou de fazer qualquer outra pergunta. Ani estava estranha, não era a mesma pessoa que me encontrou das outras vezes.
No dia seguinte não tardei a me levantar, caminhei pelas ruas de Gerda antes que o sol nascesse, precisava sair das terras de Dakar o quanto antes. Algumas horas depois, eu estava na fronteira com o deserto, olhei uma última vez para a paisagem atrás de mim e então, decidi enfrentar aquele lugar escaldante e desconhecido, seguindo o conselho de Ani tinha me dado.
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