Capítulo 54
- Olha só, teremos peixe de novo para o almoço. – Falo irônica.
Já estamos a quatro dias navegando e não aguento mais ficar dentro deste barco, ainda mais por não ter nada que me distraia, não posso ficar andando pelo convés, da última vez, ganhei um mastro acertando a minha cara, por não conseguir ver onde estava indo.
Zamir tinha achado um barril de vinho em algum canto do barco, isso fez com que o humor azedo que ele estava, mudasse drasticamente. Descobri que um Zamir bêbado gostava de cantar, pena que ele não era tão afinado quanto pensava que era.
Eu ainda não confiava no elfo para lhe contar a verdade, mas aprendi a conviver com o orelhudo, estava infelizmente presa ele, mas nem tudo era ruim, Zamir, por mais incrível que pareça, apesar do seu jeito irônico e sarcástico era um bom companheiro de viagem.
- Peixe fresco para a ninfinha.
- Sabe, estou começando a me acostumar com esse seu apelido.
- Sempre invento os melhores apelidos.
Eu não aguentava mais comer peixe, não tínhamos nenhum tempero para disfarçar o gosto, no máximo era peixe mais assado ou menos assado, dependendo da disposição de Zamir para tosta-los.
- Como você aprendeu a controlar o fogo? – Falei entre uma mordida e outra.
- Não sei muito bem, todos os elfos nascem com a afinidade ao fogo, é o único elemento que temos afinidade, todos os outros vocês roubaram de nós. – Ele fala meio sorrindo.
- Não tenho culpa de sermos mais importantes e bonitas do que vocês.
- Olha quem está de bom humor hoje.
- Preciso está, se não vou acabar inundando esse barco que não aguento mais, mas me fale, você já colocou fogo em alguém?
Ele começa a ri da minha pergunta, mas acaba se engasgando, o que provoca um ataque de tosse forte. Com toda a minha delicadeza, dou três tapas fortes em suas costas para ajuda-lo.
- Bom, você sabe que sou um espião e já matei muita gente, então podemos dizer que sim, já coloquei fogo em alguns seres.
- Não, quis dizer sem ser de propósito, quando ainda estava aprendendo a dominar seus poderes.
- Aaaaa.
O elfo se cala durante um tempo.
- Sabe Lia, o fogo é um elemento feroz de se domar, você tem que ter muita força de vontade – Jura, não me diga, já quase virei churrasco algumas vezes – Quando eu era somente um menino, tinha visto os elfos mais velhos criarem um furacão de chamas, eu coloquei na minha cabeça que iria conseguir fazer o mesmo.
- O céus! – Já estava imaginando o desastre.
- O céus mesmo, fui para o meio do campo e comecei a treinar, me lembro das minhas mãos estarem em carne viva e minha boca toda queimada, pois para fazer esse furacão, tem que se manipular as chamas com as mãos e usar a magia astral do vento para soprar.
- Parece complicado.
- É extremamente complicado se usar os dois tipos de magia juntos, mas para uma criança que era teimosa e não tinha noção do que fazia, bem, lá estava eu no campo, não desisti até conseguir.
- Olha só, um elfo prodígio.
- Eu estava fazendo o furacão, mas perdi o controle, não conseguia desfazer, ele começou a andar em direção as casas, minha mãe viu e foi correndo apartar o desastre antes que ele acontecesse.
- Você colocou fogo na sua mãe? – Fico surpresa.
- Mais ou menos, ela entrou no meio do furacão para desfaze-lo, mas isso teve um custo, ela perdeu os pelos das sobrancelhas e o cabelo queimou todo, você não tem noção de como ela era vaidosa, acho que fiquei de castigo durante décadas por causa daquilo.
Eu ria, imaginando um pequeno Zamir tomar um puxão de orelha de sua mãe careca, onde no fundo ele dava sorriso de satisfação por ter conseguido fazer o furacão.
- Qual é a relação de vocês com os cabelos grandes?
- Para um elfo, ter o cabelo grande é sinal de honra, de que se identifica com sua raça, exibir um cabelo bem tratado é sinal de que se orgulha de onde você vem e de quem você é.
- E você não se orgulha de ser um elfo então? Já que tem os cabelos curtos?
Zamir não me responde, acho que acabei tocando num ponto delicado de mais para ele.
- Eu já vi e vivi muitas coisas, não concordo com o que se foi acordado décadas atrás, o rei não me representa, nem o meu povo que o segue fielmente, essa guerra sem fim, tudo isso está muito errado.
- Entendo, também acho que muitas vidas poderiam ser poupadas se os dois reinos se falassem, uma ameaça bem maior está aí e nós continuamos a nos matar.
O clima tinha se tornado pesado, por isso resolvi mudar de assunto, tinha muitas perguntas para fazer para ele sobre os elfos, e iria aproveitar que ele estava disposto a responde-las hoje.
- Então quer dizer que sua mãe teve trabalho com você.
- Eu era um elfinho curioso, minha mãe já me deu muitos puxões de orelha nessa vida, por isso minhas orelhas são tão pontudas – Nós dois rimos - Mas sempre foi muito carinhosa.
- Não sabia que tinham crianças élficas.
- Elas são raras, mas existem, são nossos bens mais preciosos, quando um bebe elfo nasce, se tem uma comemoração durante uma semana inteirinha.
- E vocês só procriam entre vocês.
Ele faz um barulho como se tivesse dando um sorriso travesso, o que faz ligar mil alarmes em minha cabeça.
- Porque ninfinha, gostaria de descobrir como é se deitar com um elfo.
Sinto o meu corpo todo se alarmar, minhas costas ficam tensas, eu automaticamente invoco a água para me defender, dou alguns passos para trás para em afastar de Zamir.
- Ok Lia, se acalme, assim você irá nos afundar!
Sinto o barco estremecer, meu medo e tanto que não consigo evitar.
- Lia acalme-se, só foi uma brincadeira.
- Não Zamir isso não é brincadeira.
- Me desculpe ok – Escuto o desespero do elfo para tentar me acalmar, ele não se aproxima de mim – Não repetirei tal coisa.
Respiro fundo e vou me acalmando e as águas que estavam invadindo o barco, as fazendo voltarem a ficar calmas e serenas.
- Me desculpe Lia, não foi a minha intenção te fazer lembrar, ou te deixar nesse estado – Ele procurava as palavras para falar comigo – Nem tudo é preto e branco nesse mundo, e eu acabei perdendo o tato de lidar com os outros, ainda mais com os de sua espécie.
- Como assim os de minha espécie?
- Nem todas as leis de afastamento entre as espécies são obedecidas ninfa.
Volto a me sentar, mas mantenho uma distância do elfo, apesar dele ter me ensinado a ter o controle de novo, não confio nele plenamente.
- Como assim não são obedecidas? O que quer dizer com isso.
- Lá na capital, no submundo existem bordéis onde você pode encontrar elfas, humanas e as vezes se souber onde procurar até ninfas, é contra as leis nos misturarmos com humanos e ninfas, mas...
- Você quer dizer que tem humanos e ninfas morando no reino élfico?
- Humanos sim, alguns refugiados do reino de Dakar, o rei faz vista grossa para eles, normalmente são ex-escravos de algum patrão violento, mas como não podem se expor para a sociedade, eles trabalham no que chamamos de submundo, em emprego como bordéis por exemplo.
- E as ninfas?
- Essas eu não vejo a muito tempo, alguns elfos tinham contatos com algumas ninfas que não nos odiavam, essas tinham curiosidade por saber mais sobre nós, assim como você, escutei histórias que alguns desses elfos acabaram se envolvendo romanticamente com elas.
Não acredito no que estou escutando, se o que Zamir está me contando for verdade, ele então poderia saber quem é o meu pai.
- Mas a muitos anos não as vejo mais ou escuto qualquer tipo de menção a esses romances, não desde que sua princesa morreu, acredito que as que ainda simpatizavam conosco, tomaram ódio e nunca mais nos procuraram.
- O que você sabe da princesa?
- Não muita coisa, sei a história geral, que foi morta e que sua rainha nos acusa de mata-la, na época eu estava passando por uma fase meio sombria, tinha perdido minha esposa em uma das batalhas....
O elfo se cala, como se tivesse falado de mais, fico em choque por saber que ele já tinha tido uma esposa, Zamir não me parecia ser um ser, no qual se comprometia com alguém tão intimamente assim.
- Sinto muito. – Me escuto dizer.
- Já faz muito tempo ninfa, isso já não importa mais.
Apesar dele dizer isso, sinto a dor em sua voz.
- Não é porque aconteceu a muito tempo – Me pego falando para ele, mas sei que é para mim também – Que você não irá sentir dor e saudades, e sim, ela importa, todos que amamos, independente se estão vivos ou mortos importam, jamais esqueça disso.
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