• Revanche •
Faz um dia e meio que estamos de viagem. Yedryn deslocou metade de seus soldados para a represália élfica. Estamos sendo comandados pelo general que nos leva seguindo as instruções do traidor.
Assim que saímos de Hednar, passei no condado pra recuperar Devan, que por sorte ainda se encontrava sob os cuidados de Gerd, o estalajadeiro pra quem pagamos a estadia dos cavalos. Reforcei o pagamento dos outros dois e segui viagem.
Agora a Sudeste das montanhas, adentramos uma floresta. Ou o que era pra ser uma. Devan se agitou ao nos apromar-mos do local e tensionou seu corpo, dando um relincho baixo em protesto de prosseguir.
- Vamos lá amigo, estamos juntos nessa. - afago-lhe a crina tentando transmitir o máximo de calma e confiança possível em minha voz.
Ao menos sabemos que estamos no caminho certo e não sendo enganados pelo rebelde já que o lugar é completamente morto, os troncos das árvores são negros, as folhas pútridas resistem nos galhos, enrugadas e escuras, o ar fétido invade as narinas queimando as vias respiratórias e trazendo a sensação de estarmos dentro de um cadáver, como se tudo ao redor estivesse em estado avançado de decomposição.
Não que não aparentasse exatamente isso.
A comissão anda silenciosamente como que num ato de respeito ao meio moribundo. Os únicos sons audíveis são os sopros do vento frio e macabro que passa por nós como que na tentativa de afastar-nos, e o gralhar dos corvos que nos atingem como presságios da morte. Não poderia ser melhor indicador de habitat orc que isso.
Após longas horas de caminhada muda por entre as carcaças do que um dia pode ter sido uma floresta, nos detemos a frente de uma enorme entrada de caverna, a um sinal do general.
- Escutem todos. Lá dentro é um emaranhado de túneis e galerias, o covil se estende a quilômetros de terra abaixo. Não pensem que são toscas tocas de animais, é um complexo sistema de passagens que levam a lugares tão grandes como vilas.
Os soldados respiram fundo e se entreolham apreensivos. Lucian e eu nos encaramos em uma conversa sem falas. Desço de Devan fazendo a lama do chão respingar em minhas calças. O elfo traidor ainda amarrado, é trago para a frente do general.
- O acordo foi cumprido. Você nos trouxe aqui, e agora ganha sua liberdade em troca. Pelo poder dado a mim pelo Lord elfo das montanhas, eu, Holden, general das tropas élficas da cidade de Trynie, retiro seus poderes por hoje e todo sempre, e o amaldiço-o a vida humana comum.
A aura do elfo fica visível, e dela várias linhas de poder se formam e aumentam indo em direção a Holden, que as recolhe colocando dentro de um pequeno frasco. As características orelhas pontiagudas se tornam humanas, seus olhos violeta se tornam castanhos, seus cabelos platinados agora tem apenas a coloração loira comum.
Ele já não pertence mais a raça élfica.
Um dos soldados o desamarra entregando-lhe apenas uma simples faca e o mandando embora aos tropeços. Mas não sem antes ele gritar pra nós.
- Vocês se arrependerão! E será mais breve do que pensam!
Ele some em meio as árvores negras enquanto todos riem de sua ameaça. Ao menos o momento serviu para dar mais confiança aos guerreiros e dissipar a atmosfera tensa que o medo exalado desse ambiente criou.
- Vamos homens! Vamos acabar de vez com essa ameaça! - brada Holden.
Todos desembamhamos as armas em resposta, mas somos silenciados com uma imensa e pesada rede de metal que é jogada de cima da caverna e prende a todo um batalhão fazendo os corvos voarem gralhando das árvores. O meu batalhão.
Junto a isso, várias flechas atingem uma boa parte do contigente das tropas, felizmente depois de passada a surpresa, uma barreira mágica surge protegendo os elfos das setas mortais. De todos os lados surgem Orcs completamente armados dos pés a cabeça encurralando todos os outros batalhões livres.
A luta começa, enquanto nós que estamos presos tentamos em vão erguer a pesada rede, mas as bolas de chumbo presas nas pontas torna o serviço praticamente impossível.
Seria tão bom ter poder sobre o ferro nessas horas.
- Pessoal! Temos que trabalhar juntos! - grito.
- Como? - um deles fala - nossa força já se mostrou inútil aqui.
- Vocês todos aqui são elfos! E eu uma bruxa! Vamos fazer proveito disso! Quero metade trabalhando com magia pra ajudar o pessoal lá fora, e a outra metade, comigo, ponham as mãos na rede, e comecem a derretê-la!
- Não seguimos suas ordens bruxa! - um outro fala.
- Ou seguem minhas ordens, ou vejam seus companheiros emboscados morrerem ali fora - aponto com a cabeça pra luta. - vocês que sabem.
- Vamos gente não escutem o Moren, a ideia da garota é boa! - um dos soldados diz já apoiando a mão na rede.
Enquanto meia parte começa a agir com magia em auxílio da equipe, a outra começa a trabalhar em nossa armadilha, que fica vermelha por conta do calor cada vez mais alto, e em poucos minutos, começa a derreter nos ligamentos onde se encontram as mãos dos soldados.
Conseguimos enfim nos libertar podendo entrar na batalha. Com as adagas em mãos sigo me esquivando de golpes pesados de machados e espadas e revidando com cortes letais.
Um dos elfos é rendido, antes que tenha a cabeça decapitada salto nas costas do Orc, cravando ali as adagas. Eles podem até estar armados até os dentes, mas nunca usam armadura metálica, apenas couro.
De um outro lado Lucian tem o machado jogado longe. Antes que ele se transforme, arremesso uma de minhas facas na garganta adversária. Lucian vale mais humano que lobo. Principalmente porque não terá como voltar a forma humana até chegarmos a algum lugar onde tenha roupas.
Desvio de um ataque de espada indo pra direita, acertando as lâminas em suas costas. Como não acertei fatalmente, não me trás resultado algum, assim, rapidamente atravesso cada uma de um lado de seu pescoço, rasgando pele e carne, e fazendo a cabeça rolar ao chão.
Outro vem a mim tentando vários golpes na altura de meu estômago, desvio de todos dando passos pra trás quando amparo o próximo golpe com as adagas em x dando um forte chute em seu pulso, fazendo-o soltar a espada. Ele tenta pegá-lá, mas o impeço fincando minha arma em sua nuca.
Começo a incendiar vários pra ganhar vantagem pro meu lado, mas eles rapidamente se jogam ao chão enlameado apagando o fogo e impedindo novas investidas de minha parte.
A situação é feia, o inimigo está ganhando facilmente com ajuda do ambiente. Os Orcs eliminaram boa parte do exército a flechadas, além da vantagem de ter nos cercado, e prendido um batalhão inteiro por minutos importantes.
Uma vez que não posso incinerá-los, uso isso como distração, para dar oportunidade aos soldados de acertá-los fatalmente. Eu mesma peguei meu arco e enquanto eles tentavam apagar as chamas do corpo atirava uma de minhas setas. Aos poucos todos começam a seguir a tática de distração de diversas formas diferentes, e a situação acabar por virar a nosso favor.
Quando se perde em força, se vai a estratégia.
Continuo seguindo e me esquivando dos golpes, a luta já começa a declinar e a nosso favor. Então um estrondo se faz ouvir, na verdade vários, e identificamos como pesados passos quando do meio das árvores, surgiram monstros.
Eram enormes, literalmente gigantes, e são bem parecidos com Orcs, mas tem o triplo de tamanho, e são bem mais deformados.
Faço uma contagem rápida, seis criaturas ao todo, erguendo e girando suas pesadas clavas, acertando o chão, e espinando lama pra todos os lados junto do sangue dos corpos estourados com o ataque.
Olho ao redor. A situação parece perdida. Cada vez mais corpos élficos jazem no campo de batalha. Os elfos não tem como fazer poderosas magias com um meio morto, sendo que seus poderes são diretamente ligados a ele.
Os golpes dados nos gigantes, golpes que deveriam decepar braços e pernas, não fazem mais que cortes superficiais na carne dura. Se tentam o gigante, Orcs atacam por trás, se tentam um Orc, são pegos por uma clava.
Então tive uma ideia, mas antes de dizê-lá aos outros precisava testá-la.
- Hey! Heey! Você mesmo seu monte de estrume! Vem me pegar! - grito ao monstro mais perto de mim, agitando os braços e ganhando sua atenção.
Ele vem em minha direção e eu o espero em posição. Ele gira a enorme clava cheia de espinhos e ataca. Salto pro lado, rapidamente fincando minhas adagas em seu pulso. Ele urra de dor e ergue a mão comigo junto.
Antes que me pegue com a outra mão, reúno toda a força que tenho e separo as lâminas pra lados opostos, rasgando a carne, quase decapitando sua mão, que pende no pulso apenas por causa dos ossos, e indo junto ao chão.
A besta da outro grito, e antes que pegue a clava novamente, pego minha faca de caça e enfio em seu pé, o fazendo cambalear manco. Com essa chance tomo impulso em um salto, e finco as lâminas o mais alto que consigo alcançar, e com elas vou escalando suas costas.
Antes que me pegue, alcanço seu pescoço e passo as pernas por sua nuca, podendo enfim acertar sua garganta dos dois lados. Retiro minhas armas, fazendo o sangue negro jorrar enquanto a besta cambalea e vai de encontro a terra, já sem vida, fazendo-me saltar segundos antes do impacto.
- Eles são vulneráveis nas articulações! As articulações! - tanto gritar em meio ao caos, mas sem sucesso.
Vou em auxílio a um elfo que enfrenta um sozinho.
- Eu o distraio e você acerta um ponto letal! - digo ao soldado. - Hey dejeto de bruxa! Vem me pegar! - Grito ao monstro já correndo e que em pouco tempo me alcança. - Agora!
Ao meu comando, o soldado chega por trás e afunda a longa espada na articulação do joelho da criatura, que urra de dor. Com agilidade ele vai até o outro joelho e faz a mesmo coisa, derrubando o gigante para enfim acertar o pescoço.
- Espalhe a tática! - grito ao elfo indo em direção contrária.
Rapidamente a ideia se dissemina, e vejo os elfos as utilizando de diferentes formas, e conseguindo derrotar os gigantes. Resta apenas um, e ele se dirige a Lucian, que está ocupado lutando com um Orc. Num ato de desespero, lanço fogo no monstro, pra chamar sua atenção.
- Cretino vem aqui! - Ele se vira em minha direção e jogo-lhe mais uma bola no rosto o atraindo pra cá. Levo minhas mãos as adagas, mas não as encontro - Onde estão? Ah droga!
Aposto que quando joguei fogo nele desesperada as adagas voaram longe. Minha faca de caça é curta pra carne dura. Faço o que me resta, mesmo nunca tendo tentado direito antes.
Me concentro fazendo algumas chamas surgirem em minha mão. Direciono todo o poder que consigo sentir em meu corpo para minhas palmas, alimentando o fogo ali presente.
Sentindo que minha mão vai explodir por acúmulo de energia, ergo os dois braços na direção do gigante, lançando uma enorme e contínua rajada vermelha imitando a que os dragões lançam.
Ele se detém enquanto começa a queimar profundamente, tapando os olhos com os braços e recuando. Continuo firme o forçando a recuar cada vez mais.
Então uma aura negra lhe rodeia, e aos poucos ele para de sentir o efeito das chamas. Volta a investir até mim, mesmo que com dificuldade de caminhar.
Pensava ter dado tudo que tinha naquele feitiço, mas ainda sintia que tinha mais pra usar. Então direcionei ainda mais energia para o ataque, dobrando o tamanho e intensidade da rajada de fogo. Por sua vez, a aura negra também aumenta quando ele começa a recuar, o fazendo voltar a investir contra mim e se aproximando cada vez mais.
Reuní cada resquício de poder que consigui sentir em meu ser e o usei, aumentando ao máximo a intensidade do ataque. Meus pés fincaram com força no chão, em meu rosto escorria suor, e senti sangue descer do meu nariz com o esforço.
Mesmo assim, a aura negra aumentava junto, e o monstro resistia a tudo que eu tinha.
Eu podia até morrer, mas ele ia ter que cruzar as chamas até o fim pra me pegar.
Com esse pensamento, via a morte chegar em forma da montanha pútrida que era o gigante. Até que a poucos metros de mim a besta tem a perna atravessada por uma pesada espada que ali fica, rapidamente a outra perna recebe um golpe fatal de de machado que a leva ao chão, Lucian pega a arma, e em um ataque furioso, enterra a lâmina na garganta do gigante.
Ofegante, olha pra mim e dá um sorriso aliviado, retribuo um olhar exausto, mas vejo sua expressão passar de alívio a desespero.
- Samhara! - seu grito longo ecoou pelo campo de batalha, enquanto eu arqueava minhas costas, e minha boca se abria sem emitir som algum.
Ao olhar pra baixo, vi a ponta de uma lâmina que transpassou meu corpo terminando em minha barriga. Minha boca se inundou de sangue que escorreu pelos cantos, minha respiração ficou cada vez mais falha, fui jogada sobre o ombro de um orc que deu meia volta e saiu em disparada.
A última coisa que vi foi Lucian correndo até mim, mas sendo atingido fatalmente por uma flecha no lado direito do peito. Ele foi ao chão, e seu olhar desesperado encontrou o meu quase vazio.
Vi meu mundo escurecer aos meus olhos, os sons da batalha já não chegavam a meus ouvidos. Já não sentia o vento roçar minha pele, nem o cheiro horrendo daquele lugar invadir minhas narinas.
Acho que estou morrendo.
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