• Ladrões •
Estamos saindo da vila dos lobos agora.
Minha perna ainda dói se fizer muito esforço, mas temos que continuar. Até agora fizemos a parte mais fácil, sim, mais fácil porque nosso próximo passo é chegar nos elfos.
E o lugar mais próximo onde existe uma cidade élfica são as longínquas montanhas de Hednar, que ficam a mais ou menos três províncias de distância, ligando as terras do sul às terras do norte.
Bem, ligar não é bem o termo. Porque não dá pra passar pelas montanhas, pois elas são muito altas, íngremes, a altitude elevada faz com que haja muita neve, e não existem trilhas. Entre as terras do sul e norte existe o mar de Feyr, que geralmente é o caminho que realmente liga as duas pontas.
Ai você me pergunta:
Como existe uma cidade élfica lá então? Como você vai achar se não da pra passar?
Bem, quanto as trilhas para passagem o nosso plano que está uma merda se posso dizer, seria eu usar magia para podermos passar. Já a cidade, bem, pura ilusão. Além de bem posicionada, conta com uma magia élfica poderosa de camuflagem. Assim, mesmo que algum louco consiga passar pelas montanhas, jamais encontrará a cidade.
E o nosso maior desafio é não ter a cabeça acertada por uma flecha durante o processo.
Acabamos de chegar ao limite da floresta, agora teremos que pegar estrada.
– Como está a perna Samhara?
- Está bem tio - mentira- até agora tudo bem.
Ela já estava doendo por conta do tempo que estávamos andando, mas não iria ficar reclamando e parando toda hora. Detesto isso.
- Qualquer coisa você avisa e ai a gente para pra descansar ok?
- Ok.
Continuamos a caminhar. Se passou o dia e o pôr do sol já estava quase começando.
- Só tem estrada, nem floresta tem aqui o que a gente faz?
- Vamos continuar, tem um descampado logo a frente. Apenas mais meio quilômetro - ele diz olhando o mapa.
- Droga - resmunguei baixo pela fisgada de dor.
Continuamos até achar o local, a essa altura o sol já havia se posto e a escuridão lentamente tomava conta. Montamos duas barracas num descampado que havia em cima de uma colina, junto com uma fogueira, onde preparamos nossa refeição.
- Sam o que é isto ? - ele pergunta apontando minha perna.
- Merda - olho para o local e percebo que está inchada - Eu senti a calça apertar mesmo um pouco aqui na panturrilha, mas nem reparei. Por isso está doendo tanto.
- Porque você não me falou? Teríamos parado! - se indignou.
- Tio, para de paranóia. É só um inchaço. Vou colocar uns panos quentes pra ver se melhora e descansar agora durante a noite. Amanhã já vai ter passado.
- Paranóia, estou preocupado com você.
- Não é preciso.
- Claro que é! Sam, não dá pra ser forte o tempo todo. Ninguém é forte o tempo todo. Não exija demais de si mesma.
- Sou forte quando é preciso ser. E nessa parte da minha vida a toda hora é preciso. Nunca sei quando o destino vai me dar uma rasteira. Por isso estou atenta. Pra estar sempre preparada - levantantei e fui pra minha barraca. Parei na entrada e completei sobre os ombros:
- E eu não exijo demais de mim mesma tio, a vida já faz isso por mim - entrei de vez e murmurei um boa noite.
Lá dentro encontrei um pedaço de tecido rasgado e molhei com a água do meu cantil. Me concentrei esquentando as gotas de água do pano, como a minha calça é aberta nas laterais, fechada com uma trança de cordões, desamarrei o cordão do tornozelo, abrindo até poder enrolar a beirada e por o pano.
Passei um tempo acordada até adormecer de vez.
°°°°°°
Barulho.
Ouço um barulho do lado de fora da barraca. Levanto e saio coçando os olhos. Mas não há nada aqui. Não há barraca, não há meu tio, não há descampado nem fogueira. Só há escuridão.
Eu estou pisando em algo mas não sei o que é porque esta tudo escuro demais.
- Sam...- ouço alguém dizer.
Fico parada. Não sei o que fazer.
Um vento frio vindo não sei de onde passa cortando meu rosto.
- Sam...
Viro-me pra ver se encontro quem me chama nesse sussurro. Mas não encontro.
Então ainda de costas alguém põe a mão em meu ombro. Abruptamente viro segurando o pulso de seja lá quem for e me deparou com minha tia Aghata.
- Tia...que bom poder vê-la! - digo a abraçando - Que lugar é esse? Onde estou?
- Shiii...calma minha flor de lotus. Tudo vai ficar bem...- ela diz, e então some.
- Tia? - pergunto ao vazio - Mas que merda é essa?
- Oh minha querida não se estresse. Sempre teve esse gênio forte não é? - diz minha mãe, surgindo ao meu lado e logo sumindo também.
- Alguém me explica que porra é essa?
- Calma marrenta, tudo na hora certa - alguém diz me abraçando por trás e eu simplesmente congelo.
Congelo com a menção do velho apelido. Congelo com essa voz que a tanto tempo não ouço e que me faz tanta falta.
- J-jason! - digo virando de frente pra ele e topando com o mesmo dando aquele meio sorriso ladino, sem perder mais tempo enlaço seu pescoço para ter os seus braços em minha cintura num abraço mais que apertado.
- Quanta falta... quanta falta você me faz - digo enquanto deixo lágrimas rolarem.
- Eu sei marrenta...eu sei...- ele diz me embalando, enquanto sinto seu cheiro, com minha cabeça apoiada na curva de seu pescoço. Ali, eu nem sequer lembro de nada, não quero saber de nada. Não preciso saber de nada
- Você, você não tinha morrido? -pergunto ainda na mesma posição.
- Não...não morri. Nunca deixaria você.
Dane-se onde estou, o que importa é que estou com ele aqui. E só.
Então, ele some também.
- Jay? - pergunto.
E uma fraca luz aparece iluminando. Dou alguns passos, e ouço um "creck". Olho pra baixo e percebo estar pisando em...
OSSOS! Estou pisando EM OSSOS! mas, espera, há algumas peças de roupas espalhadas por aqui, são as roupas, as roupas da minha família!
Os vestidos que tia Aghata e minha mãe estavam usando a pouco antes de sumirem!
MAS QUE MERDA É ESSA? O QUE ESTÁ ACONTECENDO? estou completamente em pânico!
Espera, tem algo brilhando ali.
Dou alguns passos, abaixo e pego, o colocando contra a luz.
- AAH! - grito soltando o pingente. Era o cordão com a pedra que dei a Jason.
- De novo? O perdi outra vez? Porque?- choro alto.
Então braços novamente me embalam.
- Shiii...calma sam. Vai ficar tudo bem...- ouço Michel dizer.
- Parem de falar isso! Não vai ficar nada bem! Nada! E que merda de lugar é esse? O que está acontecendo?
- Você quer mesmo saber?
- Quero!
Então sinto uma dor lancinante atravessar meu peito. Levo a mão ao local e ela sai banhada em sangue.
Michel me vira pra ele, e seus olhos estão escarlate vivo.
- O que acontece é que ninguém vai me empedir. Ninguém! Eu vou destruir a todos que você ama, um por um, até chegar em você.
Ele diz com uma voz estranha e começa a se derreter. Literalmente se derreter, até sobrar apenas os ossos no chão. Minhas forças se vão, e eu caio no chão de ossos, ao lado do cordão, o pegando em seguida.
Uma névoa negra se levanta do piso, e toma a forma de uma mulher. Encoberta por um capuz. Mas eu sei quem é.
Mégara.
Seu corpo é pura sombras, e debaixo do capuz seus olhos escarlate brilham intensos. Ela me esfaqueou. Não foi Michel.
- Menina tola. Acha que é mais forte que eu? É apenas uma criança brincando de ser adulta. Eu vou tomar tudo de você. Tudo.
Ela grita e se vai. Sem forças pra mais nada, meus olhos pesam, e eu mergulho na inconsciência.
°°°°°°°°°°°°°°°°
Acordei totalmente assustada, ofegando e suando frio. Minhas mãos tremiam e tudo parecia girar.
- Que porra é essa? - digo baixinho e pausadamente enquanto ponho as mãos ao redor da cabeça tentando me recompor.
Passam-se alguns minutos e já com a respiração e os batimentos cardíacos controlados, saí de minha barraca em busca de ar puro.
A lua estava cheia e derramava seus raios prateados pela colina, tornando a noite clara uma vez que não havia nuvens no céu. Acabei por sentar no chão e olhar a paisagem. Ao pé da colina podia ver a estrada que estavamos seguimos. Ela seguia reta e ao seu redor uma rala vegetação, composta por gramíneas, alguns pequenos arbustos, e até mesmo flores se formava.
- Você não vai brincar com minha sanidade Mégara. Se é que ainda a tenho. Quem manda nessa merda de mente ainda sou eu. - mirei a lua.
Acabei por voltar pra minha barraca e dormir novamente. Desta vez sem mais sonhos estranhos. Acordei com o nascer do sol e um leve aroma no ar. Ao sair, vi meu tio a fazer café. Me sentei a seu lado apreciando o doce cheiro.
- Bom dia querida. Nada melhor que um bom café puro pra acordar não?
- Bom dia. O senhor sabe que eu adoro café - esboçei um sorriso em meus lábios.
- Sei sim. E como vai a perna?
- Bem. Já não está mais inchada. Os panos quentes fizeram efeito - mostrei o local que já havia voltado a normalidade - E peço perdão pela forma que agi ontem. Fui imprudente ao achar que poderia seguir sem uma pausa.
- Não precisa se desculpar querida.
- Preciso sim. E não só por isso, mas por desfazer da sua preocupação. Sei que só quer o melhor pra mim. E faz de tudo pra me ajudar o máximo possível.
- Não se preocupe com isso. Somos família não somos? É um cuidando do outro - ele diz segurando minhas mãos entre as suas - E você recebeu golpes bem pesados da vida com tão pouca idade. Sei como isso mexeu com seu emocional. Mas lembre de não deixar o destino lhe controlar. De não deixar que ele amargure sua vida. Você é forte. Vai dar a volta por cima - Ele completa.
Eu concordei com um menear de cabeça e apertei de leve suas mãos antes de desvencilhar as minhas das dele.
O restante do caminho foi tranquilo. Desta vez cedi á algumas paradas pra descanso. Já passou faz tempo do meio do dia e só agora chegamos a um bifurcamento. A trilha da esquerda seguia para a cidade mais próxima. A da direita continuava até virar para Oeste.
Seguimos para a cidade mais próxima, uma vez que o outro caminho acabaria por uma hora voltar ao Sul. Por sorte antes do anoitecer chegamos a Montorn, uma das principais fabricantes de tecido do Reino.
Havia alguns homens interceptado o caminho que seguia pra dentro da cidade. Montorn não possuia muralhas em si, mas tem muros bem altos ao redor. Mas são apenas muros, não tem torres de vigília ou uma mega altura.
- Com licença, mas há algum problema? - pergunta meu tio.
Os homens estavam vestindo pedaços de armaduras. Todas incompletas. Alguns usavam peitorais, outros ombreiras, e um ou outro usava uma cota de malha. Ao todo eram oito homens. Seis usavam espada e dois usavm arcos curtos.
- Sim. Pra passar tem pedágio - Disse um baixinho troncudo, que parecia mais um porco com sua cara amassada, enquanto comia uma maçã.
- Certo. E quanto o rei impôs de pedágio para Montorn? - Meu tio perguntou já revirando a bolsa a procura das moedas.
- Rei? - o baixinho diz - O forasteiro está nos achando com cara de guardas pessoal! - todos caíram na gargalhada.
- Achar achar a gente não está achando não. Mas vai saber se não estão empregando sem tetos para diminuir os mendigos das ruas não é mesmo? - respondi com um meio sorriso na boca.
- Olha só. A Cadela sabe latir.
- E morder também - já ia fazendo menção de levantar minha mão.
Mas ela foi interceptada por meu tio que a abaixou mostrando algumas pessoas observando o conflito detrás da passagem que os bandidos estavam interceptando. Legal. Sem Magia.
- O que ia fazer einh? Brincar de levitação? - O projeto falho de anão retrucou.
Eu já estava com o arco curto em mãos. Então rapidamente puxei uma flecha atrás da outra dando um total de quatro.
Quatro flechas. Quatros mortos. Os dois arqueiros que poderiam apresentar mais perigo e os dois maiores de espada.
- Prefiro brincar de tiro ao alvo - respondi sorrindo. Um sorriso sem um pingo de humor.
- Peguem a cadela! E o papaizinho dela também. - Disse aos quatro que restaram além dele.
- Não se mexam! Ou eu acerto o crâniozinho do seu líder. Um passo e eu atiro - rosno como resposta.
Eles ficaram em dúvida se seguiam ou não o comando. Talvez não presassem tanto assim a vida de seu líder.
- Ou vocês nos deixam passar, ou seu porco líder morre - digo.
- É o seguinte garota. Conosco não tem negociação - ele diz com um sorriso na boca e logo em seguida sou agarrada por trás.
Um pano foi colocado em meu nariz. Prendi a respiração o máximo que pudi me debatendo. Meu tio lutou com a espada com um dos bandidos. Dei um pisão e uma cabeçada em quem me segurava e consegui me desvencilhar indo em seguida ajudar meu tio que agora já lutava com dois e começava a perder.
Desembanhei minha faca de caça a tempo de dar um impulso com a perna boa, saltando, e cravar a mesma nas costas de um dos dois adversários de meu tio, ao mesmo tempo que ele transpassava o pescoço do outro.
Com uma cambalhota me levantei, dessa vez sentindo a perna protestar. Meu tio se juntou a mim e ficamos costa a costa. Dois se foram, mas ainda tem o que chegou de surpresa por trás de mim. O mesmo avançou e como estava desarmado tentou um soco, me esquivei rasgando seu pescoço.
Tá. Porque alguém desarmado tentaria bater em alguém armado? De qualquer forma agora restavam apenas o líder e mais um.
- Bem. Acho que agora podemos passar Sam.
- Também acho.
Passamos pelos dois que não ofereceram nenhuma resistência, mas assim que pisamos do outro lado do muro mais desses ladrões surgiram. Desta vez tinha de doze a quatorze homens.
Eles nos agarraram e no amarraram. Olhei pro meu tio e ele de volta ao meu lado. Em conjunto demos cada um uma cabeçada em quem nos prendia e saímos correndo de volta pra estrada.
Mas é ai que as coisas dão errado. Minha perna machucada falhou, eu caí no chão e segurei um grito de dor. Não iria dar o gosto de me ver gritar á eles. Tentei me levantar, mas não consegui. Meu tio veio e tentou me ajudar já que tinha livrado das cordas, mas assim que ficamos de pé, fui acertada na cabeça.
Aos poucos minha visão escureceu. E a última coisa que vi, foi meu tio lutando até eu cair na inconsciência.
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