• Fim de Jogo •
Então um grito soou. O meu grito. Longo e suplicante. Junto com ele um raio largo de energia púrpura e verde subiu aos céus depois de explodir á minha volta. E enquanto eu gritava ele atingia a abóbada celeste e girava lá em cima. Rodando e rodando. Logo o céu ficou negro e não havia mais estrelas, pois nuvens repentinas surgiram e se amontoaram respondendo ao chamado.
Toda a minha vida. Uma mentira.
Uma trovoada.
Eu. Uma mentira.
Outra trovoada.
Todos que eu amei, uma mentira.
Raios começaram a cruzar as nuvens e lançavam flashes de luz acima de nós. O raio de energia emanado de mim continuava a nutri-las incessantemente.
Todas as cenas da minha infância, todas as minhas brincadeiras, todos os momentos em família que passei, cada risada, cada pessoa que eu conheci. Foi tudo ilusão.
Uma ventania começou, forte e veloz e se juntou com as trovoadas e raios que atingiam o chão. O conjunto dos três formava um barulho ensurdecedor.
Mas não me importa. Eu só consigo ouvir minha mente e nela o som que ecoa é o da risada de Mégara a momentos atrás. De novo e se novo. Com a explosão enérgica todos foram jogados pra longe de mim.
Todos os solstícios. Todos os meus aniversários. Todos os momentos juntos. Tudo uma farsa.
Então começou a chover. E a água se juntou aos outros elementos e uma mega tempestade passou a varrer o que encontrava pela frente.
Eu fui uma peça. Um peão. Eu não sou nada além de uma criança rejeitada de todas as formas possíveis a quem fizeram de tudo pra matar.
As nuvens no céu giravam e giravam e começaram a se afunilar, e desceram em cone até atingir o chão alimentadas por minha energia. O tornado pegou fogo, contrariando a tempestade, e começou a rodar pelo campo de batalha incendiando onde passava, acompanhado da chuva de raios.
Durante dezesseis anos um fui brinquedo sem graça e defeituoso nas mãos de outras pessoas. Um brinquedo que tentaram a todo custo quebrar.
O chão começou a tremer.
Senti os olhos inflamarem e meu corpo se ajustar ao fardo da carga de poder. Apenas forçei as amarras mágicas e elas se soltaram sob o peso dos poderes de Kyendra.
- Você quer que eu lhe responda como eu me sinto Mégara? - Pergunto indo em direção à megera. - eu me sinto estúpida. Me sinto ingênua e parva. Uma completa idiota. Mas eu nunca me senti melhor. - uma gargalhada sádica saiu de minha boca se misturando ao meio caótico.
Andei em sua direção enquanto ela levantava do chão aos tropeços tentando se equilibrar devido ao terremoto.
- Sam, por favor me escute você precisa se acalmar - a voz de Cassandra irrompeu do caos - desse jeito vai matar a todos nós! Olhe o que você está causando, uma catástrofe!
- Pois então que seja. - a encarei por sobre os ombros.
Ela ativou a própria transformação e tentou chegar até mim, mas usei do vento que já estava a rugir para atirá-la longe.
- Não se meta Cassandra. Agora o assunto é particular. Inclusive sabe o que eu andei notando? - virei-me pra a escudeira - que todo mundo aqui tem muita palavra. Todos cumprem seus juramentos e acordos. Pois eu lembro de um que fiz lá na praia de Illydia.
Estendi a mão na direção da bruxa e a contive. Se ela podia mexer com minha vida, eu podia mexer com o corpo dela.
- Viu só Mégara? Não preciso de amarras mágicas pra te prender. Mas voltando ao assunto, eu fiz esse juramento quando fiquei sabendo da suposta morte de Jason. E sabe o que eu jurei? Eu jurei que acabaria com a responsável da minha vida ter se desmoronado.
" [...] Ela vai morrer gritando aos quatro cantos, enquanto eu arranco seus membros um a um, e ela vai implorar pra nunca ter cruzado o meu caminho "
A dor anda de mãos dadas com o ódio. E estes, abraçados á vingança.
- E como todos aqui cumpriram seus tratos é chegada a hora de eu cumprir o meu. Que tal um dedo pra cada pessoa que você me fez crer ser minha família? Me parece bom, vamos começar.
- Me larga sua fedelha maldita! Lute comigo na espada! Me enfrente lâmina a lâmina! - ela se debateu inutilmente.
- Ah não, não. Assim fica mais divertido. Além do mais você se divertiu as minhas custas então chegou o momento de eu me divertir as suas.
Girei a mão a fechando e levando os dedos pra um estalo.
- Tia Aghata - estalei os dedos e um dedo dela foi arrancado da mão junto com um grit. - Tio Allan - outro dedo - Michel - mais um - os gêmeos - apenas um pros dois - Minha mãe - Agora os da outra mão - meu pai - mais um grito - Tio Ray - mais um - Tia Allis. E pra finalizar os parentes mais relevantes as gêmeas Ketelyn e Karoline. Olha que interessante, foram-se todos os dedos!
As mãos jorravam sangue escuro no chão a medida que lágrimas de dor e raiva escorriam por seu rosto enquanto ofegava tentando conseguir mais ar pra gritar.
- É por isso que eu estou me sentindo ótima Mégara. Porque agora, a déspota divina que ditar a música da dança e cuspí-la em você, sou eu.
- Você espera o quê? Que eu peça perdão e misericórdia? - ela ri - jamais! Pode me arrancar a pele, mas nunca ouvirá isso de mim! A única coisa de que me arrependo é de não ter mandado as ordens de Agnes pros ares antes e te enviado pro inferno enquanto era um bebê idiota!
- A não não preciso que peça misericórdia eu posso me contentar.com seus gritos. Quanto a seus arrependimentos pouco me importam. Agora a próxima, é pela minha vida que você manipulou tão habilmente.
Girei a mão fechada num movimento de pulso e arranquei seu braço que voou ao vento forte e um pouco do sangue dela respingou em mim.
- Por mim mesma, que você manipulou.
Outro giro e mais um grito agudo ecoou em meio ao caos.
- Pelas mentiras e palavras que você proferiu pra me usar.
Mais um movimento e a língua da cretina saiu de dentro da boca. Não preciso dizer a sangria em que se encontrava o que resta de seu corpo.
Não sei explicar o que estava sentindo. Mas era bom, muito bom. Não tinha barreiras ou limites, não tinha correntes pra me segurar não tinha nada pra me fazer parar. O sangue em minhas veias queimava em êxtase de adrenalina enquanto um suor frio escorria pela face. Não tinham mais lágrimas nos meus olhos e meu corpo vibrava ao rugido do vento feroz que varria por onde passa, meu coração palpitava no ritmo das trovoadas e relâmpagos e eu me sentia mais viva do que jamais me senti em toda minha existência. O controle do mundo estava comigo e ninguém poderia me atingir ali.
- E por último - me aproximei - Por todas as vezes que você brincou com meus sentimentos. Por se passar por minha amiga e mexer com minhas emoções. Por ter feito de mim sua fantoche.
Dessa vez a trouxe até mim e ao invés de estalar os dedos, cravei-os acima de seu coração. Minha mão esquentou e esquentou até que se inflamou e começou a carbonizar o músculo cardíaco.
O cheiro podre da carne queimando apenas ali naquele local específico fedia, mas chegava a ser inebriante. O grito esquisito que saía de sua boca pela falta da língua era a música que embalava o momento enquanto o líquido preto caía em mim.
Com mais um mínimo esforço, arranquei o coração carbonizado de dentro do corpo já morto que foi ao chão. Ao apertá-lo, eles se desfacelou, e as cinzas voaram na tempestade apagando pra sempre a existência de Mégara.
- Samhara por favor, já chega! Você precisa voltar a si! - novamente ouço Cassandra me chamar.
- Não obrigada eu gosto assim.
- Não, não gosta! Essa não é você! Lembra do que eu te expliquei? Essa não é você Sam, está fora de si! Olhe só a catástrofe que está causando! Tem gente inocente no meio disso Samhara!
- Pois que estejam. Ainda tenho coisas a resolver com meus familiares amados. Inclusive minha querida mãezinha biológica.
- Pois que você resolva em seu estado normal! - os olhos dela estavam úmidos e exasperados tentando em vão me puxar de volta.
- Essa sou eu Cassandra! Sou eu de verdade. Sem falsos dogmas ou valores, sem o passado falso que me fizeram acreditar, sem ter ninguém pra me manipular.
- Não é não! - Tentou se aproximar, mas a impedi.
- Então diga quem sou eu já que você insiste tanto? - ironizo.
- Você é minha irmãzinha! Minha irmãzinha grossa e travessa que sempre se mete em confusão! É a garota mais forte que já conheci na minha vida e a quem mais admiro. Por favor Samhara, não se consuma de ódio, volte pra gente! - suplica.
- Que gente Cassandra? Não percebeu? Não tem " gente". Não tem ninguém. E o que você quer que eu ponha no lugar do ódio? Amor? - Minha gargalhada ecoou - Confiança talvez? Quem sabe amizade? Isso não existe. É tudo farsa apenas esperando pra ser desmascarada.
- É claro que existe amizade e confiança. - Uma segunda voz apareceu - Já se esqueceu de mim Sam? Seu lobo abusado preferido?
- Ah Lucian, quer mesmo que eu acredite nisso? O que me garante que vocês dois também não foram simples peões que aquela ordinária esqueceu de mencionar nos fatos? - questiono sarcasticamente.
- Eu sei que você sabe que não somos - responde - apesar dessa mágoa toda ai dentro, soterrada abaixo delas você sabe que não. Por favor Sam, volte pra gente.
- Suponho que você também tenha uma opinião sobre quem eu sou. - ironizei outra vez.
-Tenho sim. Você é a pessoa mais incrível que passou na minha vida. De uma determinação insuperável e que não tem medo de se jogar de cabeça atrás do que quer. Que por mais durona que se faça, estava sempre preocupada com o bem estar do grupo acima até mesmo de si própria. Que não tinha medo de morrer lutando pelo que queria. Minha amiga baixinha e mandona a quem eu tanto gosto. Volta pra gente Sam.
Assim como Cassandra ele tentou se aproximar e eu novamente os afastei.
- Own, muito tocante suas palavras. Acho que me emocionei - reviro os olhos - Aquela garota era uma mentira Lucian. Assim como toda a vida dela. Uma criaturinha ridícula usada tão facilmente que chega a ser humilhante, uma verdadeira tola. Percebi que não defendeu que existe amor - rio - parece que até vocês já desacreditaram nele.
- É porque eu pretendo defendê-lo. - uma terceira voz surgiu.
- Ah claro. E eu imagino que é nessa hora que eu deveria recuar apenas por te ver, certo? Acho que não Jason.
- Não, não é nessa hora. Essa hora é aquela em que você para com essa catástrofe, e poupa os inocentes em toda essa tragédia!
- E porque deveria? Eu nunca me senti tão livre na vida! - abri os braços em meio ao caos.
- Porque eles não tem nada a ver com a história Samhara! E isso não é digno de você.
- E o que é digno de mim Senhor Sabe Tudo? Eu já falei e vou repetir, aquela garota era uma mentira! Uma fraca e inútil mentira! - outro trovão soou coroando minha voz.
- Não pra mim! - ele tentou se aproximar, outra vez impedi - Samhara você foi a única pessoa capaz de me fazer esquecer meu passado. É digno de você cada sorriso alegre. É digno de você cada brisa fresca e raio luminoso de sol. Esse ódio não é seu Sam, nem essa mágoa e rancor. Eu sei como está aí dentro, está idêntico à aqui fora, esse caos, porque você sempre foi assim, transparente, mas no meio desse caos está a garota da minha vida e eu não vou perder ela pra esse mar de confusão!
- Acho que escorreu uma lágrima dos meus olhos - enxuguei falsamente o rosto - É bem provável que a sua garota já tenha se afogado Jason. E agora por favor me deixem tratar dos meus assuntos de família.
- Não vou deixar. Porque eu nunca vou desistir de você Samhara eu já disse. Não importa a situação.
Ele tentou vir até mim novamente assim que virei as costas, mas quando notei a aproximação virei-me para barrá-lo.
- Se você insistir, serei obrigada a matá-lo.
- Então vai Sam. Me mata. Olha no fundo dos meus olhos e me estraçalha assim como fez com Mégara.
- Aquele foi tratamento especial.
- Pois faça como quiser. Mas eu disse pra você Samhara que eu estaria aqui quando você caísse, pra te levantar. Se lembra?
- O que espera com isso?
- Que se lembre. De tudo que a gente viveu até aqui. Nada daquilo foi mentira Sam. Nenhum dos dias que passamos juntos, nenhuma das nossas brincadeiras, nenhum dos nossos risos foi farsa, foi tudo verdade.
Soltei minha mão o deixando livre. Mas ainda sim ventos fortes demais me rodeavam como uma versão pequena de toda a tormenta que causava ao arredores. E ele tentou cruzá-la.
- Quero que se lembre de todas as nossas memórias desde aquele dia em que nos conhecemos. Quando você atravessou pela primeira vez a soleira da porta de mogno.
Meus olhos desfocaram. Involuntariamente os ruídos se abafaram a medida que mergulhava nas lembranças.
- Porque eu me lembro perfeitamente. Lembro que era um dia monótono como qualquer outro na biblioteca até que de repente a sineta tocou, eu olhei pra porta a tempo de ver uma menina passar por ela. E essa menina quando entrou pareceu puxar atrás de si os raios de luz de meio de tarde que brilhavam lá fora. Ela tinha uma expressão meio sem jeito, mas quando olhou os dois andares cheios de livros nas estantes brilhantes ela exclamou um " pelos Céus" enquanto rodava no salão pra ver melhor ao redor.
É claro que eu me lembrava daquele dia. Jamais me esqueceria. Eu estava inquieta porque era a primeira vez que ia lá, ao contrário do restante da vila que eu já conhecia todos os atalhos. Eu nunca tinha pego num livro antes, então entrei onde depois seria praticamente minha segunda casa, me deparei com diversas estantes polidas e lustrosas, completamente cheias, uma escadaria imensa e lindas cortinas e tapetes vinho. Fiquei totalmente abobalhada com o lugar. No canto um garoto estava sentado lendo, querendo passar despercebido o máximo que podia.
- Mas meu avô estava de saída pra comprar nosso almoço, e me chamou do canto onde estava. Tudo que eu queria era ficar bem quieto e não ser notado, tanto que assim que vi que você ia me descobrir ali eu abaixei a cabeça pras páginas amareladas do livro que lia pra poder passar incógnito. Mas aí ele falou naquela voz grave que ele tinha:
" Jason, deixe de falta de modos e venha já aqui" - foi o que ele falou - " temos uma cliente especial e eu não posso atendê-la, portanto cuide bem dela enquanto eu saio e já já volto".
Eu fiquei constrangida por ter atenção demais de gente que jamais tinha visto o rosto. Geralmente a atenção que eu tinha era um pouco mais hostil devido as traquinagens. Então o senhor robusto pegou o chapéu e o paletó marrom escuro e saiu, me deixando no meio do salão a olhar pro teto.
- Eu já estava suando frio quando depois de me levantar e deixar o livro na cadeira, cheguei perto de você e me apresentei. Eu queria sumir de vergonha afinal eu praticamente não falava com ninguém. Lembro de gaguejar um " O-oi, me chamo Ja-jason" completamente sem jeito.
O garoto saiu do canto e se aproximou quase tropeçando nos próprios pés, e estendeu a mão trêmula enquanto gaguejava o próprio nome. Eu achei muito fofa a reação e apertei a mão dele respondendo:
- "Oie, eu sou Samhara! Que lugar incrível! Você e seu avô que cuidam de tudo sozinhos? É maravilhoso! Nunca vi nada tão bonito antes! Seu nome também é muito bonito sabia? Gostei dele. Eu não gosto muito do meu, mas fazer o que neh?" - Apesar de tagarela, aquela menina abriu um sorriso maravilhoso, e eu queria sair correndo depois que ela disse que gostava do meu nome. Depois disso eu perguntei se ela queria olhar os livros, e ela me respondeu:
"É claro que sim né? Foi pra isso que eu vim aqui." Ele se encolheu com a má resposta e eu tratei de me desculpar. Depois fomos olhar as estantes de cima onde ficavam os contos de fadas e eu ficava espantada com a forma que ele sabia onde estava cada um dos títulos sem errar. Mas eu não queria contos de fadas, achava eles...
- "Chatos e sem graça. Todos eles tem o mesmo final!" - foi o que a menina me disse. E eu insistia dizendo:
" Mas eles todos tem histórias muito bonitas e as meninas que vem aqui sempre gostam de levar um deles" e eu não estava nem aí pras outras meninas. Eu não queria histórias bonitas, queria livros que falassem de:
- "Monstros e batalhas heróicas! Assim como Hércules e Teseu! É dessas histórias de que gosto" ela ficava me dizendo. E eu não entendia porque ela não gostava das que eu indicava, afinal até eu mesmo gostava delas.
E ele insistia dizendo "É muito legal! Tem mundos diferentes cheio de criaturas incríveis! Você vai gostar tenho certeza! Pega esse aqui vai, é ótimo! ". Eu já estava sem paciência de tanto que ele me empurrava o livro quando me estressei e gritei:
- "Mas eu não quero esse!! - e bateu o livro na mesa redonda fazendo o som ecoar - desculpa, eu não quero estragar nada. Só não quero levar esse, droga!" - e se desculpou á sua maneira depois que se acalmou. Depois disso eu perguntei então se ela não queria dar uma olhada nas estantes de baixo e logo descemos as escadas. Eu sugeri que ela olhasse começando da direita e eu da esquerda e assim nos separamos pra achar algum que ela gostasse. Vez ou outra eu olhava pra ela e via o cabelo preto se agitando com a brisa enquanto ela habilmente ia passando pelos títulos. Fomos procurando até chegarmos no mesmo ponto do meio e ao mesmo tempo dizermos:
" Achei!" Enquanto colocamos as mãos no mesmo livro. Acabei rindo e ele também pela primeira vez desde que cheguei lá. O canto esquerdo do rosto dele formava uma covinha quando ele ria. Paramos de rir e ele disse " Então acho que você vai gostar desse aqui. Não tem lutas heróicas, mas é sobre um Cientista que cria um monstro. A história é muito legal."
- "Parece ótimo!" - Ela me respondeu e sorriu agradecendo. Fomos até o balcão pra anotar o empréstimo e aí meu avô voltou junto com a tia dessa menina. A tia disse que era pra garota voltar pra casa que estava ficando tarde. Então ela disse " obrigada Jason, você foi demais" e se despediu com um beijo na minha bochecha dizendo que voltaria pra pegar outros e também pra comentar daquele que levou. Eu lembro que eu fiquei...
Triste. Eu não queria ir embora de lá. Eu tinha me sentido bem de uma maneira que em casa eu não me sentia e estava adorando fazer uma amizade que não fosse com alguma prima, e tinha sido tão legal!
- Eu fiquei meio chateado afinal do mesmo jeito que a menina entrou puxando a luz atrás dela, ela se foi parecendo levar a mesma luz de volta. Além do mais eu nunca havia conversado com as outras crianças da vila, portanto tinha sido muito especial pra mim.
Sem que eu notasse ele veio se aproximando devagar, devagar, até eu dar por mim apenas quando ele virou meu rosto pra encará-lo. Sai das lembranças diretamente pra seus olhos tão desconcertantes e por um momento me perdi neles.
- Você é minha verdade Samhara. A cada vez que você entrava naquela biblioteca eu sorria e ficava nervoso. Durante todos esses anos você foi a pessoa mais importante pra mim e ainda é. E não importa quantas vezes você se perca, eu vou estar aqui pra te achar. Porque eu te amo. Volta pra gente Sam. Volta pra mim Marrenta.
Fechei os olhos. E mesmo com eles assim eu conseguia ver perfeitamente cada traço do rosto dele enquanto sentia o toque frio dos dedos a segurar meu rosto e a voz dançar em meus ouvidos. E era como se tudo fizesse sentido outra vez.
Ao mesmo tempo que me sentia histérica com todo o poder, eu também me afundava nele. Era como se eu estivesse em um pedestal acima de tudo enquanto abaixo de mim as águas turbulentas de um redemoinho se revolviam e subiam cada vez mais pra me pegar, e chegaria uma hora em que eu teria que mergulhar nelas e me entregar pro monstro de dentes afiados que existia dentro dos meus abismos.
Do meio da confusão que existia de mim eu achei um caminho pra seguir guiada pelas boas lembranças. Senti a cabeça rodar e o chão parar de tremer, o vento parar de rugir, a chuva parar de cair, e o tornado e os raios simplesmente desaparecerem como se nunca houvessem existido. Exausta e vertiginosa, caí nos braços dele.
Sem perceber já estava chorando copiosamente enquanto ele me abraçava forte. Aspirei o cheiro amadeirado que nunca deixava de o acompanhar e por um momento me senti em casa. Porque minha casa sempre foi ele.
- Obrigada meu amor. Obrigada por voltar pra mim. - ele sussurrou e me apertou mais contra si - Vai ficar tudo bem, eu estou aqui contigo.
- Não vai Jason, não vai! Olha o estrago que eu fiz olha os corpos no chão! Eu sou um monstro! - respondi chorando ainda mais por me dar conta do que causei.
- Não Samhara, acalma-se. Não era você em suas faculdades mentais, não se culpe por isso está bem?
- Como não vou me culpar Jason? Eu derramei sangue inocente! Eu jamais quis fazer isso!
- Você foi massacrada por causa das revelações de Mégara e entrou em colapso. A gente conversa sobre isso depois.
Apenas meneei a cabeça em concordância. Ainda chorando e expelindo toda a raiva e dor que restavam dentro de mim. Até que me dei conta de que ainda não tinha acabado, e eu tinha pendências a resolver.
- Obrigada por não desistir de mim. Mas agora tenho que resolver algumas coisas.
Me levantei a contra gosto daquele embalo reconfortante e me dirigi a onde eu havia deixado os pulhas magicamente presos.
- O que você vai fazer com a gente Sam? Por favor nós criamos você, não nos mate. - Lindsay apelou.
- Aonde foi parar sua dignidade Lindsay? Ah é, nunca teve não é mesmo?
- Mas o que pretende conosco então?
- Calma Michel já vou falar - olhei pra cada um - Vocês me dão nojo. E pensar que eu os amava, irônico não? - soltei as amarras.
- Vai nos libertar?
- Vou ti...Agatha - me corrijo - Vou libertar vocês porque vocês são medíocres demais para que eu gaste meu tempo.
- Obrigada Samhara, eu sempre sou...
- Cala a boca - Interrompi Stefan - antes eu tenho um presente pra vocês - ergui as mãos - Fur die coin trevant. Fur die coin trevant. Fur die coin trevant. - recitei o feitiço.
Minhas mãos brilharam arroxeadas e uma pequena faísca também se iluminou na testa de cada um deles. Logo uma pequena marca, um sol negro, surgiu no lugar ao final do encanto.
- Uma vantagem do meu colapso, foi ter aprendido essa habilidade. Essa marca em vocês é um símbolo " do mal" para os humanos. Onde vocês passarem, serão caçados. E não Agatha, nenhuma poção sua poderá disfarçá-la. E nenhum feitiço poderá retirar a não ser que venha de mim.
- E onde vamos viver? - Minha falsa mãe pergunta.
- Não sei. Isso não é problema meu. Agora sumam.
Viro as costas e me deparo com Yedryn e Maxuel a minha frente.
- Ora ora. Muito bonitinho todo esse espetáculo, mas você ainda não venceu pirralha.
- Ah Yedryn - rio - você quer mesmo apostar? - propositalmente modifiquei meus olhos.
- Ela ganhou sim - Uma última voz apareceu no cenário - Eu sou a líder do exército negro, e reconheço a derrota.
- Mas e quanto a nós? - Maxuel questiona.
- Se virem. Seus tratos com Mégara não dizem respeito a mim. Se quiserem lutar será por suas próprias contas.
- Porque está fazendo isso Agnes? - a encarei.
- Porque eu sei quando perco. Minhas baixas foram altíssimas, e além do mais, depois da sua demonstração de "habilidades", não tenho como lhe enfrentar. Não sou uma híbrida, portanto não tenho acesso a tanto poder assim.
- Mas uma coisa acontece quando se vence um rei ou uma rainha, você sabe. - ergui as sobrancelhas.
- Sei.
Agnes fez um gesto de mão para que eu a seguisse e fui atrás dela até o ninho. Chegando perto da entrada imensa imaginei o que eu encontraria lá dentro, mas ela ergueu a mão e tentáculos negros responderam a seu chamado saindo das paredes escuras e se entrelaçaram formando uma escadaria em questão de segundos. Subimos os degraus até o topo, onde eu disse antes que achava ser uma segunda entrada ou saída. Mais um movimento de mão, e as veias escuras novamente se movimentaram dançantes pra se enredarem numa trama de fios que se encontraram formando um trono.
- Sente-se, minha filha.
- Eu não sou sua filha. - a respondi indiferente.
- Entendo - ela suspira - e peço perdão por tudo que te fiz. Eu não imaginava que minha decisão a faria passar por tudo isso Samhara.
- Claro que não. Me imaginava morta. - ironizei.
- E o que queria que eu fizesse? Que eu criasse uma filha nesse lugar? - abriu os braços - Não era ambiente pra uma criança. E você era tão preciosa Samhara, tão pura pra ser contaminada aqui. Era uma perolazinha reluzente com tudo que havia de bom em mim. Eu sabia que nenhuma família bruxa te aceitaria, e eu jamais te entregaria para uma que fosse humana.
- Se eu dissesse que preferia ter sido criada por uma família " comum" seria uma mentira absurda. Eu também fui caçada Agnes igual a seus parentes, por culpa de Mégara. Não posso dizer que simpatizo com eles.
- Então venha Samhara, se junte a mim nessa empreitada. Essa terra está doente, precisa ser curada do mal que a corrompe. Eles dizem que nós somos os mal. Vocês nos chamam de bruxas malignas, mas quem são os verdadeiros monstros? Quem que aboliu as criaturas mágicas da terra as chamando de Demônios? Quem que declarou guerra contra a magia da vida? Antes não era assim. Éramos livres! Interagíamos uns com os outros em paz! - seus olhos se inflamavam com seus ideais.
- Não discordo do seu ponto de vista Agnes. Mas suas atitudes são radicais demais. Se você espalhar sua magia por aí vai destruir nosso mundo e eu quero um lugar pra morar sabe.
- Tudo exige sacrifícios filha. E esses tolos ainda não sabem, mas existe muito mais mundo além mar. Um dia eles vão descobrir essas terras e muitas atrocidades serão feitas. Nós poderíamos impedir essa contaminação se acabarmos com ela aqui. Depois da destruição nós reconstruiríamos nosso solo sagrado. Venha conosco Sam. Abrace nossa causa. - ela tenta me convencer de um modo sincero. Ela não mente hora alguma, simplesmente expõe seu ponto de vista por mais sórdido que seja e me convida a aderir.
- Sinto muito. Não posso fazer isso, não nesses termos. Se um dia Agnes você quiser entrar em combate contra eles, arma á arma, ou com magia limpa conte comigo, e ficarei feliz em estar ao seu lado. Mas com esse poder sujo, isso cria um abismo entre nós mesmo eu não sendo a mais " boazinha" das bruxas.
- Jovens - ela sorri - Eu tenho orgulho de você filha. Mesmo eu não sendo a mais " decente" das mães. Mas já que decide assim, vamos as formalidades.
Ela novamente movimenta a mão e as teias negras surgiram trazendo uma coroa. Ela a segurou acima da minha cabeça e deu um último suspiro, e por fim a colocou em mim.
Na hora meus olhos arderam e meus músculos se contraíram ao entrar em contato com a Jóia. Ela emana o poder sombrio que eu não estou habituada e meu braço direito queimava no lugar da tatuagem no pulso. Me levantei do trono e me coloquei na ponta da plataforma.
- Ouçam todos! - magicamente minha voz soou alta e se espalhou no ambiente - Eu, Samhara, assumo meu lugar no trono das forças escuras como não só herdeira legítima, mas como vencedora da Guerra aqui travada! A luta acabou e o exército negro está oficialmente subjugado! - Inesperadamente ouço um brado vindo daqueles que estavam sob meu comando - A partir de hoje eu suspendo quaisquer atividades referentes a este ninho de bruxas e todas que fazem parte deste exército, incluso os Vampiros, devem retomar suas vidas e atividades individuais, sendo proibida ações hostis que envolvam conflitos mágicos e nenhum de seus atos devem estar relacionados à coroa. Vocês agora respondem unicamente por si mesmos. Este covil está oficialmente suspenso.
Os brados de vitória aumentaram e os soldados levantaram suas armas á luz da lua.
- Bem Agnes. Espero que você não planeje um motim contra mim - sorri.
- Eu não vou desistir dos meus planos Samhara. Mas vou pensar também na sua proposta de termos filha. Quem sabe um dia não acabamos por trabalhar juntas não é mesmo? - ela devolveu o sorriso.
- Quem sabe. Mas no momento eu apenas quero que sigamos nossas vidas em paz. Apesar de tudo, acho que não tenho tanta raiva de você.
- Fico feliz em ouvir isso - Ela sorriu de alegria pela primeira vez desde que apareceu. E é um sorriso lindo, como se por baixo de toda a tristeza e raiva ainda vivesse a jovem bruxa que foi soterrada pelo sofrimento anos e anos atrás.
Descemos as duas de volta ao chão e me dei com a dupla de traidores a discutir qualquer coisa.
- Bom acho que só falta cuidar de vocês agora. - digo me aproximando.
- E o que pretende " Vossa Alteza"? Devo lhe chamar assim? Talvez fazer uma reverência? - Yedryn debochou.
- Ah não Lord. Não precisa. Primeiro falemos de Maxuel. - Chamo Cromwell pelo talismã enfeitiçado, mas é seu filho quem responde. Rapidamente ele chega até nós.
- Infelizmente meu pai está morto. Como herdeiro eu quem assumo seu lugar na alcatéia.
- Ryan, primeiramente meus sentimentos por seu pai. Segundamente, qual a tradição para os lobos que traem sua raça?
- A morte general.
- Pois então, que sejam feitas as honrarias devidas ao Lord Traidor.
- Não, olhem, foi tudo um engano, Mégara me enfeitiçou eu não fiz por mim mesmo...- antes que ele terminasse, Ryan e outros cinco lobos saltaram transformados em cima de Maxuel, o arrastando pra longe enquanto ele gritava.
- Já você Yedryn, O Conselho Élfico cuidará de você. Enquanto isso, Cassandra! - Chamei minha irmã que prontamente apareceu - quero te dar o gosto de prendê-lo.
- Com todo prazer - ela recitou um feitiço e logo amarrou o ruivo da cabeça os pés - Vamos lá Yedryn vou arrumar ótimas acomodações pra você.
- Ah Bruxa, isso ainda não acabou. - o elfo resmungou.
- Fale isso da forca. Ou talvez quando eles decidirem retirar seus poderes. - retruquei.
Para voltar atravessamos o Bosque de Kiev da mesma forma que entramos, e com a ajuda dos dragões a volta foi bem mais rápida que a ida. No final as baixas do meu lado não foram das piores, não chegando a cinquenta por cento do contingente. O maior estrago havia sido dentro de mim.
E assim, a guerra acabou.
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