Epílogo
EPÍLOGO
Tu . . . . Tu . . . . Tu . . . . Tu . . . .
Mexo os dedos de leve. Estou num lugar bastante confortável, inspiro e expiro tranquilamente, apesar da pequena dor de cabeça.
Tu . . . . Tu . . . . Tu . . . .
Mas que diabo de barulho é esse?! Lentamente e com certa dificuldade, abro um pouquinho os olhos, porém não enxergo nada. Minha visão está totalmente embaçada. E então eu escuto a voz de uma pessoa, quase um sussurro, que soa como o pranto de quem chora:
– ...E eu sei que não tenho direito de te pedir isso, nunca fiz nada por você, nada que eu pudesse dizer: ei, você está me devendo uma! Mas, mesmo assim, eu te peço, imploro: traz a Mel de volta... Eu não sei viver sem ela, por favor...
Ashley?!
Abro vagarosamente os olhos e dessa vez espero minha visão ganhar foco. Não reconheço o lugar: é tudo muito limpo e azul com branco, tem uma TV desligada na parede da frente e isso é tudo que consigo enxergar ali. Vejo com o canto do olho uma cortina na direita, que aparentemente vai do teto até o chão, e persianas cobrindo uma janela na esquerda. Estou assimilando o que vejo e enquanto isso as palavras choradas continuam:
– Não faça isso por mim, ou por ela, faça isso porque você é bom... Me perdoe, eu nem sei como fazer uma prece... Mas se está me ouvindo, por favor... Por favor... Eu preciso muito dela...
– Huumm... – Não foi isso que eu quis dizer, mas foi o que saiu.
– MEL?! – Essa é definitivamente a voz da Ashley.
Quero muito virar a cabeça e olhar para ela, mas parece que meu corpo preguiçoso está pesado demais... De repente, um par de olhos esbugalhados aparece na minha frente. É um rosto inchado, vermelho e banhado de lágrimas, mas é o rosto de uma pessoa que eu amo muito.
– Oi... – Caramba, eu estou muito fraca mesmo!
– MELINDA! – Ashley se joga em mim, quase me sufocando. – Deus, obrigada, obrigada, obrigada!
– Ash... O que está acontecendo? – Forço as palavras e tento manter os olhos abertos. Estou me sentindo muito estranha.
– Você acordou! – Ela finalmente se afasta de mim, tornando mais fácil respirar.
– Acordei? – sussurro e um sorriso me escapa. Acordei do quê?!
– É. Você estava em coma.
Engulo em seco e fico encarando-a. Primeiro, penso em brigar com ela, gritar e dar-lhe uns tapas por me assustar dessa maneira. Mas, ao invés disso, fico com os olhos meio arregalados, a boca entreaberta e o olhar perdido. Coma?! COMA?! Fecho os olhos com força, com toda a força que tenho, e visualizo o vulcão explodindo. Lembro direitinho da escuridão, dos raios e das sombras que eles projetavam, da tempestade caindo em meu corpo e me encharcando até a alma, lembro do pânico. Abro os olhos novamente, porém não volto para lá. Ao invés disso, continuo aqui, com a minha amiga me encarando preocupada:
– O que foi, Mel? – Ela pergunta com uma voz assustada.
– Ela acordou? – Um médico entra pela porta, nos interrompendo. – Garota, vou pedir que você ligue para a família dela e os avise. Enquanto isso, – ele volta o olhar para mim – eu vou fazer alguns testes, está bem?
Não respondo. Eu mal consigo respirar. Estou completamente perdida. Como assim coma?! A Ashley sai do quarto, olhando para mim com uma expressão de preocupação e medo. O médico se aproxima da cama e começa a conferir a máquina na qual estou conectada.
– Como se sente?
O que será que aconteceu com o Max? E o Johnny? Ai, meu Deus, o que será que aconteceu com a vila inteira?! Sinto as lágrimas começarem a borrar minha visão e um nó na garganta me sufoca. Mil perguntas pairam em minha mente e a confusão com que elas aparecem só serve para me irritar ainda mais.
– Garota, está me ouvindo?
– Sim. – Eu digo com uma voz metálica e forçada. Olho para o teto, para o médico, para a máquina... Como eu vim parar aqui?!
– Como se sente? – Ele repete a pergunta, afastando-se da máquina e voltando toda a atenção para mim.
– Achei que a máquina te diria como eu estou. – Ótimo, agora o meu estresse e o medo estão falando por mim.
– Ela diz que você está muito bem para quem acabou de sair de um coma. Mas eu quero saber o que você me diz.
– Eu... – Inspiro fundo, tentando manter a calma. – Eu quero o Max. – É tudo o que consigo dizer.
– Ok, Hum... Eu posso mandar chamá-lo. – Hã?! Ele está aqui?! – Mas tem que colaborar comigo.
– Eu colaboro! – digo rapidamente.
O Max está aqui! Meu coração dispara com esse pensamento e um misto de alívio e alegria toma conta de mim. A máquina denuncia meus batimentos cardíacos e o médico ri.
– Namorado? – Abaixo o olhar e sorrio. Devo estar corada agora. Felizmente ele não espera eu responder. – Como você se sente e quem é você?
– Eu sou Melinda Stone – digo olhando para firme para frente, enquanto o médico checa meus reflexos e faz alguns testes que eu não reparo. – Filha dos advogados Jannie e David Stone. Tenho vinte anos e me sinto... Bem. Só um pouco sonolenta.
– Seus reflexos estão bons. – Ele acende uma pequena lanterna e mira nos meus olhos. – Tudo ótimo. – Então sorri. Por que todo médico que eu encontro é lindo? Existe alguma regra que diz que para ser médico tem que ser primeiro bonitão?
– Já liguei para todo mundo importante. – Ashley aparece na porta. Ela lavou o rosto e seu sorriso me tranquiliza.
– Obrigada, garota. – Isso de nos chamar de "garota" está começando a me irritar. – Sua amiga disse que queria falar com um tal "Max", se você puder chamá-lo também... Preciso ir agora. Quando os pais dela chegarem, avise na recepção, eles mandam me chamar.
Ashley estava com uma cara de confusa, mas mesmo assim concordou. Então se aproximou de mim e me perguntou ainda com aquela expressão de dúvida:
– Melinda... Quem é Max?
❄ ❄ ❄
– Ela está bem fisicamente e o que a levou a entrar em coma ainda é uma incógnita, porém devo alertá-los que a filha de vocês se encontra bastante confusa. – O médico tentava falar com os pais da Melinda da melhor forma possível. O casal e o amigo da garota tinham chegado quarenta minutos depois da ligação e agora estavam conversando particularmente com o médico responsável pelo caso dela, antes de irem visitá-la.
– Como assim? – perguntou a mãe, levando a mão rumo ao coração. Ela estava visivelmente aflita.
– Algumas pessoas passam por experiências durante o coma – respondeu o médico, ajeitando os óculos. – É normal que haja certa confusão quando acordam. E sua filha teve uma experiência assim. Ela contou para a equipe como foi, embora nos tenha privado de alguns detalhes. – Olhou para os três parados à frente. Inspirou fundo e prosseguiu: – Sr. e Sra. Stone, a filha de vocês acredita que o que ela passou foi real. Já tentamos convencê-la da verdade, porém ela está bastante abalada emocionalmente. A amiga está com ela no quarto, conversando e tentando tranquilizá-la. É importante que vocês tentem convencê-la da verdade, sem pressioná-la. Entrem um de cada vez para não tumultuar. Obrigado.
– E a bateria de exames? – perguntou o pai. – Aquela que pedimos.
– Começaremos ainda hoje e provavelmente terminaremos amanhã.
– Além dessa confusão... – disse Adrian, antes que o médico saísse. – Ela está bem? Lembra-se de tudo?
– Sim, não teve nenhum dano cerebral. Apenas está chamando por pessoas que não conhece, como Johnny, Max, Summer... Conhecem essas pessoas?
A família negou com a cabeça, assim como o amigo. Então, o médico virou-se para ir embora:
– Sejam pacientes com ela. É importante convencê-la sem fazerem-na se sentir... Bom, como uma louca.
❄ ❄ ❄
Ashley está cabisbaixa, sentada numa poltrona do lado direito, enquanto eu estou sentada na cama, encarando-a. Resumi bastante a história para a equipe médica e para a Ash, contei apenas algumas partes, porém eles não acreditaram em mim. Quem acreditaria? Não ligo para a opinião dos médicos, mas a incredulidade da minha melhor amiga me magoa.
– Você deveria acreditar em mim, não por causa da história, mas porque sou sua amiga e jamais mentiria sobre isso. – Finalmente falo alguma coisa, com as palavras carregadas de acusação.
– Deveria acreditar que você encontrou um portal?! – Ela ergue o olhar e tem lágrimas nos olhos. Também está magoada comigo?! Mas eu não fiz nada! – Que teve seu coração arrancado, viveu uma aventura épica e se apaixonou?!
– Eu não disse que me apaixonei – censuro.
– Não precisou, eu vi como você falou dele. – Nós duas estamos nos encarando, cada uma com o olhar mais acusador do que a outra.
– Ashley, eu entrei no livro – digo com a voz embargada. Odeio quando falo desse jeito, mas não consigo me controlar! É simplesmente terrível quando todos ao seu redor dizem uma coisa que você sabe que é mentira e você se sente maluca. – Eu tive meu coração arrancado, Ash. Senti dor, medo, deixei de sentir e então me descobri apaixonada. Precisa acreditar em mim!
– Droga, Mel! Eu acredito! Sei que você passou por tudo isso. Só estou dizendo que não foi real.
Escondo o rosto nas mãos e o meu peito se aperta. Ouço o médico dizendo que minha família chegou e querem me ver. E então eu me preparo para ouvir mais uma vez as palavras de alívio. Alívio para eles, tortura para mim.
❄ ❄ ❄
Meus pais tentaram, da forma mais carinhosa possível, me convencer de que eu tinha passado por uma experiência incrível durante o coma, porém que nada daquilo tinha sido verdade. Depois, eles tiveram que sair e eu recusei a visita do Adrian. Disse que não queria vê-lo e eles não o deixaram entrar.
Estou há uns vinte minutos sozinha, desolada e com o coração destroçado. A dor que sinto é infinitamente maior do que aquela que senti na noite do encontro com o Adrian. Porque eu amei o Max. E acho que foi um amor mais forte que o antigo. Pudera, passamos por tanta coisa juntos!
– Eu não vou tomar esses remédios – digo para o enfermeiro que acabou de entrar. – Não sou louca.
– Ainda bem, porque não faço ideia do que são ou para que servem. – Viro-me para o homem com uma expressão de choque. O que ele acabou de dizer?! Então, tirando a máscara, reconheço-o. – Adrian?!
– Por favor, não grite! Foi muito difícil invadir a sala dos enfermeiros e roubar um uniforme... – Estou atordoada demais para dizer alguma coisa. Ele se aproxima de mim, segura a borda da cama e me encara, magoado. As próximas palavras dele saem embargadas. – Por que não queria me ver?
Não respondo. Abaixo a cabeça e suspiro. Sinto os dedos dele erguendo meu queixo delicadamente, e eu volto a encará-lo.
– Mel, a Ash me contou sua experiência. Foi por minha culpa. – Os olhos dele brilham pelas lágrimas e eu sinto um nó na garganta. – Eu sinto muito... Fui um completo idiota naquela noite, tudo o que você passou, real ou não, foi por minha culpa!
– Adrian... – Ele endurece a expressão, tentando conter as lágrimas. Engulo em seco e tento falar normalmente. – Você partiu meu coração. Mas a culpa não foi apenas sua. Devia ter te contado antes que eu te amava. – Ele passa os dedos em minha bochecha, enxugando uma pequena lágrima que escorreu. – Mas eu não mudaria nada do que me aconteceu. Por causa de um coração partido, eu conheci aquele que foi a minha cura.
– Melinda... – Ele diz abaixando o olhar.
– Não, Adrian! Eles me disseram que tudo o que passei não foi real. Mas eu não vou desistir de procurá-lo. Meu amor foi verdadeiro. E isso é o que importa. – Ele suspira e, então, me olha pensativo. Por fim, abre um sorriso e diz:
– "Você pode contar comigo, como um, dois, três. Eu estarei lá... Porque é isso que os amigos devem fazer." – Ele cantarola Bruno Mars.
Sorrio. Count on me é a nossa música: minha, dele e da Ash. Adrian, então, segura minha mão e fala:
– Melinda, como você pretende encontrá-lo?
– Eu sei que é como procurar uma agulha no palheiro, mas, pelo menos, tenho um palheiro. E eu vou encontrá-lo, Adrian. Nem que eu tenha que verificar cada centímetro de Nova Iorque!
– Você não vai fazer isso se estiver aqui. – Adrian beija minha testa e recoloca a máscara, preparando-se para partir. – Finja que acredita neles. E, quando sair, poderá procurá-lo.
– E sei que, quando eu precisar, posso contar com você como quatro, três, dois. E você estará lá. – Sorrio de volta, cantando outra parte da canção. Então ele se vai.
❄ ❄ ❄
Passei mais dois dias no hospital, fazendo todo tipo de exame possível. No final, concluíram que eu era mais um caso inexplicável para a Medicina, pois entrara em coma sem motivo algum.
No sábado à noite me deram alta. Não fui para o apartamento do meu pai nem para o da minha mãe, só queria ir para casa e planejar como encontraria o Max. E assim que eu o reencontrasse, começaria a procurar o Johnny.
Quando minha Bulldog Cotone me viu, fez xixi de tanta emoção. E eu chorei ao abraçá-la... Nem tinha me dado conta do tanto que sentia falta dela!
Na manhã de domingo, eu e a Ashley nos arrumávamos para ir à igreja, pois minha amiga insistira que eu deveria ir.
– Tudo pronto? – Ela aparece na porta do meu quarto em seu vestido florido e uma trança lateral. Está meigamente linda.
– Eu poderia estar me preparando para começar a busca... – reclamo.
– Isso não é o resgate do soldado Ryan, Melinda. Ninguém vai morrer se você esperar algumas horas. Além do mais, você faz ideia do inferno que eu passei aqui enquanto você estava ali deitada, vegetando?! – As palavras vão ganhando um tom de revolta à medida que ela fala. – Eu quase enlouqueci! Você pode não acreditar em Deus, ou que foi ele que te trouxe de volta, mas enquanto eu estava orando... Ou tentando, você acordou. Coincidência ou não, quero ir lá agradecê-lo.
– Eu não seria a única a não acreditar em algo extraordinário, não é? – Provoco. Eu não sou ateia e ela sabe disso. Porém a questão em jogo é que eu realmente preferiria ficar em casa, sentada no computador, pesquisando todos os 'Maxs' de Nova Iorque.
Ashley suspira e revira os olhos, saindo da porta do quarto. Ela grita que está me esperando no carro e eu volto o olhar para o espelho. Uso um vestido vermelho e um sobretudo cor de café. O frio de janeiro em Nova Iorque não deve ser subestimado... Passo a mão no cabelo, analisando-me como uma desconhecida.
– Não se deixe convencer por eles. Foi real. Acredite – suspiro e saio do apartamento.
Entro no velho Monza e ela dá a partida. Assim como o apartamento, o nosso antigo carro também foi dividido entre nós duas: ela pagou metade e eu a outra. Acho que se brigássemos, que isso não aconteça, sairia mais caro do que muitos divórcios por aí.
– Aposto que se eu ficasse dez anos em coma, você ainda estaria com o Sr. Mon. – Brinco, referindo-me ao carro que ela tanto ama, e a Ashley não consegue evitar uma risada.
Não conversamos muito e eu ligo o rádio para evitar o silêncio constrangedor. Logo chegamos à igreja e procuramos uma vaga no estacionamento lotado. Sinto um frio na barriga ao imaginar que o templo também estará cheio...
Felizmente, encontramos um espaço vazio num dos bancos mais atrás e sentamos. O coral acabou de cantar e o pastor assume o púlpito.
A pregação dura pouco mais de meia hora. Eu tento prestar atenção, porém, a todo momento me pego pensando em minha aventura. O sermão foi alguma coisa sobre o poder da oração e quando o pastor termina, chama o coral.
Fico olhando para o vitral colorido do templo, enquanto ouço a melodia:
– ...Pois sei que está aí, eu sei que Tu me vês, Tu és o ar que eu respiro, Tu és o chão que me sustenta. Eu sei que Tu estás aí, eu sei que Tu me ouves, posso Te encontrar em qualquer lugar...
Fecho os olhos e mordo os lábios. Estou com vergonha de orar. Ashley disse que pensava que Deus não a ouviria, pois nunca fez nada por ele e por causa do passado turbulento dela. Mas eu acordei enquanto ela tentava orar...
Senhor... Eu também não sei como te pedir isso. Acho que nem deveria pedir. Mas, não sei a quem recorrer... O pastor disse que o Senhor ouve as orações. Poderia ouvir a de uma pessoa que não merece?
Abro os olhos e volto a fitar a vidraça. Minhas pernas tremem e minha mão está suada. Estou com medo... Medo de não conseguir encontrar o Max e os amigos que fiz na Terra dos Sem-Coração. Medo de sucumbir ao apelo do resto do mundo e acreditar que aquilo não foi real.
E então meus olhos pousam sobre um rapaz relativamente alto. Não tão alto quanto um jogador de basquete, porém mais alto que eu. Ele está lá na frente e meu coração dispara. O coral ainda está cantando, porém já não consigo mais prestar atenção.
Vire-se. Vire-se. Vire-se!
O garoto fica de lado e nossos olhares se cruzam. Ele sorri torto e meu mundo para de rodar.
Num dos primeiros bancos da igreja está o garoto de olhos verde-floresta. Floresta onde eu havia tantas vezes me perdido e me encontrado.
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