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VINTE E DOIS
Chegamos ao fim do canyon e a neve aqui é mais alta do que nos outros lugares. Andamos alguns metros com dificuldade, até vermos um montinho suspeito.
– Aposto que tem uma placa aí embaixo. – Eu comento, tirando o mapa e observando-o. – Devemos começar a atravessar Nebrasca agora...
– Tudo bem, vamos descobrir o que nos aguarda. – Max deixa a mochila cair e começa a cavar a neve com as mãos.
Eu coloco a minha cuidadosamente no chão, já que estou transportando o Leopoldo, e vou ajudá-lo. Desenterramos a parte de cima apenas o suficiente para lermos:
– "Nebrasca: Cuidado. Não ultrapasse". O quê?! Só isso? – Eu falo, indignada.
– Agora ele resolveu falar nossa língua! – Max chuta um punhado de neve. – Até parece que não vamos atravessar. – Eu olho para ele com uma cara de indecisão. – O que foi? Não vem me dizer que passamos por tudo aquilo para desistir agora!
– Eu sei, mas é que... – Max cruza os braços, esperando que eu termine, no entanto, nem sei ao certo o que pensar. – Já está quase anoitecendo. Vamos passar a noite aqui e amanhã continuamos...
– Ok. Pegue a lona da sua mochila e forre o chão, se não quiser morrer congelada.
– Minha mochila tem o quê?!
Max mostra para mim o fundo da sua, que tem um zíper. Quando o abro, vejo a parte de baixo da mochila se desprender. Desenrolo-a e percebo que se trata de uma espécie de tapete.
– Para que serve isso?
– Para forrar a neve. Essas mochilas são usadas pelo meu time quando saímos para caçar e temos que dormir na floresta. A gente coloca o colchão térmico em cima desse tapete isolante, mas eu esqueci de pegar o colchão...
– Ah...
Sento no meu tapete e abro a mochila. Vejo o Leopoldo me encarando com os olhinhos esbugalhados e a bochecha toda manchada de roxo. Seu pestinha, comeu minhas amoras! Pego o cantil com água, mas quando abro a tampa, nenhuma gota cai em minha boca.
– Mas que diabos! Minha água congelou!
– Isso é impossível! Sua mochila é térmica, a menos que você não tenha fechado direito...
É claro, eu deixei uma gretinha para o Leopoldo respirar! Olho para dentro e o ratinho começa a guinchar desesperadamente, com as patinhas para cima.
– Que barulho é esse?
– Nada não. – Pego o queijo, as bolachas e as nozes para começar a comer, porém os olhos investigadores do Max estão sobre mim. – Eu acho que fechei mal a mochila, sem querer.
– Ai, meu Deus! – Ele grita, batendo a mão na testa.
– O que foi?!
– O rato! Você pegou o rato, não foi?! – Tento desmentir, porém ele não cai na minha. – Melinda... O lugar dele era na...
– Olha aqui, por nossa culpa ele não tem família. E eu não vou abandonar o Leopoldo.
– Apelidou o rato com o nome do meu avô?! – Max faz uma cara de choque.
– Eu... É... Bem... Posso mudar. Afinal, como eu ia saber que o seu avô... – Não terminei a frase porque Max caiu na risada. – É brincadeira, não é?! Seu ridículo!
– Devia ter visto sua cara. – Pego um punhado de neve e jogo na cara dele. Max vem para o meu tapete ver o Leopoldo dentro da mochila. – Pobre ratinho... Ele quer sair. Devia ter deixado...
– Nem vem. Ele está muito feliz aí.
– Tome. – Max estende o cantil dele para mim. – Beba.
Depois de comer, nos preparamos para deitar. Tiro o Leopoldo da mochila e a faço de travesseiro, deito e coloco o ratinho em cima da minha barriga.
– Querido, você pode ir embora se quiser, mas eu sugiro que fique aqui conosco. – E dou-lhe um pedacinho de queijo, esperando que essa bajulação funcione.
– Ele vai fugir. – Ignoro o comentário do Max. – Olha, parece que estamos deitados no universo!
Os trilhões de estrelas formam um espetáculo que ninguém é capaz de descrever. Faz-me sentir pequena e impotente, ao mesmo tempo abraçada pelo infinito!
– Max, lembra a profecia que você leu naquele diário? – Ele concorda e eu continuo. – Você acha que eu sou o Valente?
Ele se engasga numa risada e diz surpreso:
– Por que seria você?!
– Por que não eu? – Sinceramente, esse tom de voz me ofendeu.
– Ora, porque eu tive a ideia de vir atrás do coração da Rainha.
– Ah, não, isso é uma meia-verdade! Nós bolamos o plano juntos. E se não fosse por mim, você não teria vindo.
– Ok. Convença-me de que você é o Valente.
– Eu desafiei a Rainha, fui atrás do mapa, venci e te ajudei a vencer os monstros interiores... – Enumero meus feitos e devo dizer que fiz mais coisas nessa semana do que em toda a minha vida!
– Eu descobri a fraqueza da Rainha e a existência do mapa, sugeri que o coração dela estaria na Lagoa Real, solucionei o enigma do Campo Nebuloso e te ajudei a atravessar a ponte. – Max vira a cabeça na minha direção, sorrindo.
– Mas você não teria feito nada disso se não fosse por mim. – Ele ri e volta a olhar para as estrelas. – E você já é o Capitão América, pare de ser ganancioso. – Rimos e eu ouço os guinchinhos do Leopoldo. Ele estava dormindo, mas quando ri os balanços da minha barriga o acordaram. – Vai dormir, Max, o Leopoldo está aqui reclamando conosco.
– Boa noite.
– Boa noite – respondo fechando os olhos.
– Eu estava falando com o Leopoldo.
– Cala a boca – falo sorrindo. Abro os olhos uma última vez para confirmar que o ratinho dorme tranquilamente e então adormeço.
❄ ❄ ❄
Sinto os raios do sol batendo no meu rosto e logo viro de lado, espreguiçando. Ouço um guinchinho de reclamação e subitamente estou acordada, procurando o Leopoldo.
– Oh, meu amorzinho, desculpa! Esqueci você... – Pego-o no colo e abro a mochila, procurando pelo potinho de amoras. – Tome, já que eu não vou mais poder comê-las mesmo...
Deixo o filhote comendo fofamente e vou balançar o Max:
– Bom dia, flor do dia! – Ele faz uma careta para mim.
– Você é sempre irritante assim? – resmunga, virando-se na direção oposta.
– Você sabe que sim, e também sabe que ganha de mim.
Max levanta, tomamos café e começamos a guardar tudo. Tento deixar minha mochila o mais confortável possível, mas, mesmo assim, o pobre ratinho quase entra em pânico quando o coloco lá dentro.
Começamos a caminhar e logo eu o Max estamos "discutindo". É algo inevitável, ele provoca e logo eu estou dando o troco, quando não é o contrário. Aliás, isso lembra um pouco a minha relação com o Adrian... A diferença é que eu amava o meu melhor amigo e provocava para chamar atenção.
❄ ❄ ❄
Max e Melinda caminhavam rumo à Lagoa Real, atravessando Nebrasca.
Há alguns metros, por trás da placa semidesenterrada, encontrava-se gravada uma frase que eles não tinham visto:
Apenas o Valente vencerá.
❄ ❄ ❄
Max me disse que eu sou agressiva, muito chata pela manhã, medrosa e precipitada. Devolvi dizendo que ele era irritante o tempo inteiro, dramático e convencido. Mas logo deixamos os elogios de lado e começamos a conversar como pessoas normais, discutindo os filmes favoritos, seriados, livros e músicas. Como ele veio para cá antes de mim, eu sei de umas coisas que ele não sabe.
– Ah, seu time perdeu no ano passado.
– Droga! – Vejo a expressão de desilusão dele e acabo ficando com dó.
– Brincadeira, fizeram uma campanha incrível e venceram.
– Muito legal da sua parte me torturar assim.
– Essa foi por ter me dito que seu avô se chamava Leopoldo!
Estamos caminhando há várias horas e já paramos para comer e descansar duas vezes. O vento começou a soprar mais forte há alguns minutos e está ficando cada vez pior. A neve começa a cair e logo se transforma numa tempestade.
– Era o que faltava, uma nevasca! – Max grita. Apesar de estar do meu lado, o vento está tão forte que se ele não fizer isso, não serei capaz de ouvi-lo.
– Precisamos de abrigo! – Andar, que antes estava difícil, agora é praticamente impossível.
Porém, meia hora se passa e ainda não encontramos nada. Sinto meus dedos dos pés gelados, o que significa que a bota já não está mais me protegendo do frio...
– Max, precisamos nos abrigar imediatamente! – Não quero assustá-lo, mas sinto os primeiros sinais da hipotermia... Além disso, sofro com uma dor de cabeça horrível!
– Pegue o tapete que usamos ontem e se enrole nele!
Eu tiro minha mochila das costas, porém assim que pego a lona preta para me enrolar nela, o vendaval a carrega para longe.
– Maldição!
– Não se preocupe, vamos encontrar um lugar!
Forço-me a continuar andando, porém todos os meus músculos tremem e o frio parece trincar meus ossos. Não sei quanto tempo continuamos caminhando, porém assim que avistamos uma pequena rocha relativamente alta, nos abrigamos por trás dela, na direção oposta ao vento.
Max forra o chão com o seu tapete, tomando muito cuidado para ele não voar, e nós sentamos. Nos abraçamos e ficamos assim, agarradinhos, tremendo e torcendo para que a nevasca passe logo...
Porém, nosso tempo vai se esvaindo e a tempestade não dá sinais de que vai diminuir...
Já não sinto meus pés e o meu tremor diminuiu, o que me preocupa. Todas as minhas energias estão sendo convertidas para meus órgãos vitais. Escondo o rosto no peito do Max, que encosta a cabeça na minha.
– M-Melinda...? – Ouço-o gaguejar e sua voz denuncia uma fraqueza...
– F-Fala... – Meus lábios devem estar roxos e eu daria tudo por um simples sopro quente...
– Quando falei o que não gosto em você, eu não disse que amo o seu sorriso e o jeito inocente que encara a vida... – Ele fala com dificuldade e eu agarro seu sobretudo, sentindo um nó na garganta. Sinto um medo primitivo. Medo de morrer...
– Eu também não falei que adoro seu olhar... E o jeito como me protege e incentiva. – Não sei se ele me ouviu, mas fui sincera e daria tudo para poder repetir, numa hora em que não estivéssemos correndo risco de vida...
O tempo passa e eu começo a sentir uma perigosa sonolência... Minha cabeça dói e já não consigo pensar direito, estou de olhos fechados e não seria capaz de dar três passos, mesmo que isso significasse salvar minha vida... Não tenho mais forças e mal sinto o Max respirar.
– M-Max...? – sussurro. Será que ele morreu? Deus, por favor...
– E-Estou aqui...
– Obrigada... – Esforço-me para falar essa única palavra. E eu espero que ela signifique toda a gratidão que sinto por ele ter ficado do meu lado e nunca desistido de mim...
Lentamente viro a cabeça para cima e abro um pouco os olhos, o suficiente para ver os dele. Estão quase sem vida e a borda da íris parece mais azul do que nunca...
Forço minha mão e ergo-a lentamente, apenas para encostar os dedos na face dele...
Por que não te conheci antes? Poderíamos ter sido amigos e eu te procuraria naquela noite em que o Adrian partiu meu coração... Não teria vindo para cá e ficaria do seu lado quando você chorasse a morte do seu irmão... Ah, Max, se a gente apenas tivesse se conhecido antes... Desculpe-me por ter te arrastado para a morte...
Sinto a mão direita do Max passando no meu pescoço e erguendo-o lentamente... Fecho os olhos e espero... Nossos narizes se encostam e em seguida os lábios. Um segundo. Escorrego minha mão do rosto para o pescoço dele. Dois... Três... Quatro segundos. Nossos lábios ficam apenas encostados por quatro segundos, mas ainda assim é um beijo forte e gelado... E, à medida que nossas faces se distanciam, sinto a morte se aproximar. Não foi um beijo emocionante e eu não sei o que ele significa... Talvez signifique apenas que queremos viver.
Encosto a cabeça no ombro direito do Max e ouço o baque abafado da mão dele caindo na neve.
Sinto que estou partindo
mas tudo o que consigo pensar
é que, pelo menos, estou com ele
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