18
DEZOITO
Quinze minutos depois, estávamos saindo do outro lado da fenda e devo admitir que, apesar de estar aliviada por deixar aquele lugar tenebroso, onde estamos agora não parece exatamente agradável. A começar pelo fato de eu não enxergar nada! De novo...
– Então aqui é o Campo Nebuloso? Nome conveniente! – comento.
Eu e o Max estamos parados a alguns passos da entrada do Vale, sem saber o que fazer. Pego o mapa e observo:
– Mais à frente vai ter um precipício com duas pontes, então temos que ir na direção de uma das duas.
– A pergunta é: como?! – Max suspira, chateado.
Estamos envolvidos por uma neblina que não nos deixa ver mais do que meio metro à nossa frente, e tudo o que vemos nesse limite é: n-a-d-a. Ops, não exatamente.
– O que é aquilo? – Aponto para a direita, onde, mais à frente, vejo uma sombra estranha. Tem o formato retangular.
– Parece... Uma placa?! – Max fala enquanto força a vista.
Começamos a caminhar lentamente naquela direção e, à medida que nos aproximamos, a coisa vai ganhando forma e detalhes e, sim, é uma placa. Max lê em voz alta:
– "Campo Nebuloso: tão previsível quanto o futuro, tão certo quanto o xeque-mate." Ah, que legal, quem fez a merda dessas plaquinhas não podia simplesmente falar nossa língua?
– É, tipo: "entre aí e morra, seu miserável". – Eu bufo, irritada. Então, me lembro do que a Rainha disse sobre eu não merecer meu coração e tenho uma ideia. – Mas é claro! Eu já sei!
– Descobriu o quê?
– Essa Terra está nos testando! – respondo orgulhosa da minha descoberta. – A coroada disse que se eu quisesse meu coração de volta, teria que merecê-lo...
– Você chama a Rainha de "coroada" na sua mente? – Max pergunta, com um sorriso torto.
– Não... – Eu digo numa mentira muito mal contada, porque ele claramente não acreditou em mim. – Você está focando no lado errado da mensagem. Isso é um teste, do mesmo jeito que os monstros interiores foram!
– Não tinha monstros na fenda. – Max observa.
– É porque eles não estavam no Vale, Max. Estavam dentro de nós. – Ele torce a boca, parecendo concordar, e diz:
– Está bem, então você acha que a resposta para atravessar o Campo com sucesso está na placa?
– Pelo menos uma dica. Vamos lá: "tão previsível quanto o futuro"... Mas o futuro não é previsível! – Droga, sempre fui horrível com charadas!
– Talvez seja justamente isso: o vale é imprevisível. – Max completa, franzindo a sobrancelha.
– O futuro pode ser um pouquinho previsível se você olhar para o passado... – Eu pondero e ele me encara com esse comentário. – Relaxa, não vou bisbilhotar o seu.
Max dá um sorriso e volta a observar a placa.
– "Tão certo quanto o xeque-mate". No xadrez, isso é o fim do jogo. – Ele se vira novamente na minha direção e comenta: Não gosto dessa ideia. Parece que algo fatal nos aguarda.
– Algo fatal nos aguarda se ficarmos aqui. – Minha boca fala primeiro que eu.
Max não responde e eu olho para o chão, pensativa.
– Vamos andando devagar – sugere, mas ele próprio não parece muito contente com a ideia. – Porque, fala sério, ficar aqui não vai adiantar nada.
– Está bem... Devagar e atentos! – Eu suspiro, não temos outra opção.
Max começa a andar na minha frente e eu falo, surpresa, ao reparar numa coisa que, até então, não tinha percebido:
– Ei, o que é isso nas suas costas?!
– O QUÊ?! O que é? Não estou vendo! – Ele fala enquanto tenta inutilmente enxergar alguma coisa. Seu pequeno surto me leva a dar risada:
– Esse arco e flecha! – Max me encara como quem diz "sua psicótica, quase me matou de susto!" e eu provoco: – O que foi, Max? Tem medinho de insetos?
– Se for como essa aranha na sua cabeça, com certeza.
– AAAAHHHH! – Eu não pensei que ele poderia estar mentindo. Simplesmente começo a gritar enquanto bato em minha cabeça desesperadamente. Joguei minha touca no chão e foi então que olhei para o Max, que está chorando de tanto rir. – Idiota! Mas que diabos, eu não fiz de propósito quando falei do seu arco!
– Não me culpe, sou um vingador. – Ele fala dando de ombros e eu reviro os olhos. – Brincadeiras à parte, é melhor pararmos de fazer barulho... – Ele diz isso puxando sua arma das costas.
– Culpa sua... – reclamo, enquanto pego minha touca de volta.
Voltamos a andar, eu ao lado e Max com a flecha preparada para o disparo. Não agarro o braço dele como fiz no Vale, afinal, aqui não está escuro, está apenas nebuloso. É como se estivéssemos envoltos por uma densa fumaça branca, sem a desvantagem do odor de queimado.
– Nunca vi uma neblina como essa – comento, baixinho.
– Eu também. – De repente, ele para de andar e segura meu braço.
– O que foi? – pergunto preocupada.
– Acho que vi alguma coisa.
– Olha aqui... – digo com os olhos semicerrados e uma voz ameaçadora. – Se você estiver com gracinha de novo, quebro o seu nariz!
– Já te disseram que você é um doce de pessoa? – comenta, sarcástico.
– Estou falando sério!
– Eu também! – Max estreita o olhar enquanto fita o horizonte nebuloso. – Estava bem ali!
– Eu não vejo nada – resmungo.
– Fica atrás de mim. – Ele manda, enquanto volta a caminhar lentamente.
Andamos mais alguns metros e eu vejo, lá na frente, uma sombra mais escura. Uma que parece medir uns sete metros de altura!
– Max... – Seguro seu ombro e ele para. – Bem ali. – Aponto.
– Já tinha visto, mas queria que você confirmasse, para ter certeza que era real. – Ele diz, virando-se para trás.
– O que vamos fazer? Não dá para saber se é vivo ou não... – Eu falo preocupada, encarando os olhos verde-floresta dele e procurando algum tipo de coragem.
– Vamos nos aproximar devagarzinho. Você não veio armada, não é? – Nego com a cabeça e ele suspira. – Está legal, então continua atrás de mim. – Max vira-se e volta a andar.
Estamos mais próximos da coisa estranha e ela parece uma parede circular... Alguns passos depois vem a confirmação: é uma torre de pedras brancas!
– Mas que diabos? – Eu exclamo, saindo detrás do Max. Fico ao lado dele e de frente para a torre.
– Eu digo o mesmo. O que é isso?!
– É uma torre. – Eu falo o óbvio.
– Eu quis saber para que serve, gênia. – Ele rebate. Max se aproxima e encosta a mão nas pedras, enquanto olha para cima. – Acha que já houve guerras nessa Terra e isso é um resquício?
– Sei lá... – A torre é bem alta, mas tem umas pedras encaixadas de maneira diferente, como se fosse... É para subir! – Eu já sei! – Ele se limita a me olhar. – Podemos subir e ver o Campo de cima. Talvez dê para ver o precipício e, com muita sorte, as duas pontes.
– Boa ideia! – Max começa a analisar as pedras e se preparar para a escalada.
– Vai me deixar aqui embaixo sozinha?! – Minha voz sai com mais imploração do que planejei.
– Eu subo e jogo a corda para você, vai ser mais fácil subir segurando alguma coisa. – Faço uma careta. Não gosto da ideia de ficar só aqui embaixo, mesmo que por poucos minutos. – Ou você pode subir primeiro.
– Não, tudo bem. – Eu forço um sorriso. Como vou dizer para ele que não sou fã de altura?
Max, então, começa a subir como se estivesse escalando aquelas paredes de rapel. O problema é que ele está com uma pequena mochila nas costas e sem nenhum equipamento de segurança.
Enquanto ele sobe, eu fico olhando para cima e para os lados, receosa de ser atacada a qualquer momento. Por fim, Max joga uma corda e eu a seguro, inspiro fundo e olho para os sete metros acima. Observo as pedras e expiro. Não olhe para trás ou para baixo. Finja que essas pedras são as cabeças de todas as ex-namoradas do Adrian. Vamos lá Melinda, vamos pisar nas inimigas!
De repente, escalar aquela torre não me parece assim tão mal. Eu começo a subir e o tempo todo vou olhando apenas para cima, concentrada em pisar na "cabeça" de todas aquelas idiotas que já namoraram meu melhor amigo.
– Você foi ótima. – Max me recebe com um sorriso quando eu chego lá em cima. – Já fez rapel?
– Não. – Sorrio de volta. Nem te conto meu truque.
– Temos um problema. – Percebo o tom sério dele e meu estresse aumenta.
– Ai, não... O que foi agora? – Será que pelo menos uma vez na vida algo pode dar certo aqui para nós?
– Olha. – Ele abre caminho e eu vejo a mesma neblina.
– Porcaria! – Estou odiando esse Campo mais do que odiei o Vale! – Mas que droga... E agora?
– Daqui a pouco é noite... – Max responde olhando um pequeno relógio de bolso. – Vamos dormir aqui em cima e amanhã pensamos em alguma coisa.
Não respondo, apenas torço a boca. Eu estava contando com essa torre! Agora, não faço ideia de como vamos achar as duas pontes... Tiro minha mochila das costas e lembro que estou com sede. Toda aquela adrenalina me fez esquecer de comer e beber...
– Ah, não... – suspiro, pesarosa, enquanto me ajoelho de frente para a mochila.
– O que foi? – Ele pergunta sem olhar para mim, mexendo em suas coisas.
– Acho que meu cantil com água congelou... – Abro o zíper e começo a procurar por ele.
– Psiu. – Max chama minha atenção. Viro-me e ele está apontando para uma etiqueta em sua mochila. Observo a minha, já que elas são iguais, e leio em voz alta:
– "Mochila térmica". – Apenas sorrio, aliviada.
Seguro o cantil prateado com as duas mãos, encarando meu reflexo nele. A borda azul em meus olhos me faz lembrar o porquê estou nessa jornada, é como um aviso do que acontece se eu não conseguir. Olho para o Max, que está fazendo um lanchinho. Ele não vai voltar para casa conosco, vai ficar aqui e morrer congelado... Viro o rosto e bebo a água, de olhos fechados e tentando tirar aqueles pensamentos de mim. Talvez, no fim de tudo, ele ainda mude de opinião...
Termino meu lanche e uso a mochila como travesseiro, deito no chão e fico tentando achar uma posição menos desconfortável. Max vem e deita ao meu lado, apoiando a cabeça na mochila dele. Deve ser apenas seis da tarde, mas já estamos exaustos, afinal, acordamos às três da manhã!
– Não dá para ver as estrelas... – Ele fala, pesaroso.
Ouvimos um piado alto e assustador, eu agarro instantaneamente o braço dele e sussurro:
– O que foi isso?
– Uma coruja?
Outro piado, dessa vez é mais longe, porém me dá a certeza:
– Não é coruja.
– Acho que foi um falcão. – Eu solto o braço dele e tento relaxar. – Boa noite, Melinda.
– Boa noite.
Volto meu corpo paracima, observo tudo ao nosso redor ir escurecendo pouco a pouco, à medida que anoite cai. A neblina não desaparece e eu fico entretida com ela, olhando asformas mudando na minha frente. Lentamente, meus olhos vão se fechando e o sonochega como a noite: devagar e inevitavelmente.
❄ ❄ ❄
Sinto um feixe de luz no meu rosto e viro de lado, tentando fugir dele. Já é dia! Levanto tão rápido que por um momento fico um pouco tonta... Coço os olhos e quando os abro, vejo um céu lívido e azul.
– A neblina desapareceu! – Max se encolhe onde está e murmura alguma coisa, reclamando do meu grito. – Acorda, Bela Adormecida! – Eu me levanto e observo o Campo. Por um momento, fico estarrecida. – Ai. Meu. Deus!
– O que foi? – Ele finalmente senta e se espreguiça, bocejando.
– Olha. Isso. – Falo pausadamente e boquiaberta.
Max se levanta e fica do meu lado. Estamos de costas para o Vale e observamos o Campo que se estende no horizonte com uma visão espetacular.
– Uau. UAU! – É tudo o que ele consegue dizer.
À nossa frente está simplesmente um tabuleiro de xadrez gigantesco, que poderia ser medido em quilômetros. Cada peça mede uns sete metros de altura, como a torre em que estamos agora. Todas elas, feitas de pedras brancas e pretas, têm um ar de antigo por causa do musgo que as cobre e o terreno é um tabuleiro enorme, com alguns matinhos aqui e ali. O lugar é simplesmente magnífico e a aparência milenar apenas me encanta mais!
– "Tão previsível quanto o futuro, tão certo quanto o xeque-mate". – Max repete as palavras da placa. – Mas é claro! Os mestres do xadrez conseguem visualizar o jogo dali a várias jogadas! E esse jogo está em xeque. – Ele levanta os pés e observa melhor. – Não, não, é mate. As peças brancas venceram. – Ele se vira para mim com os olhos brilhando de empolgação. – Para acharmos as pontes, devemos observar o jogo à nossa frente, acho que elas estão na posição original do rei e rainha das peças pretas... – Franzo as sobrancelhas e o Max explica. – Elas ficam do outro lado e são as peças mais importantes.
– Por que as peças estão caídas no meio do tabuleiro? – Eu pergunto, me referindo a algumas delas, pretas e brancas, que estão caídas, enquanto as outras estão de pé.
– Não sei, elas deveriam estar fora do tabuleiro... Na verdade, esse é um jogo muito estranho...
Acho sexy o jeito que ele olha para aquele cenário e fala como se conhecesse tudo de xadrez. Algumas garotas podem achar motoqueiros tatuados atraentes, mas eu acho o jeito inteligente com um ar de inconsequente do Max bastante charmoso.
– Aquilo ali é um esqueleto gigante?! – Eu aponto para o extremo esquerdo, onde vejo o que parece ser a carcaça de um dinossauro entre as peças daquela região.
– É... Mas, pelo menos, está morto.
– Sabe a história daquilo? – Pergunto. Estou embasbacada com a visão. Nunca imaginei estar dentro de um tabuleiro gigante e muito menos ver um esqueleto daquele tamanho!
– Não. Sabe por que esse Campo é o único lugar que não está coberto de neve? – Eu olho para ele, nem tinha reparado nisso! – Pois é. Aprendi uma coisa durante esses anos aqui: nós nunca vamos entender completamente essa Terra.
Isso é chato, ainda mais para uma pessoa curiosa, mas fazer o que, não é?... Eu só espero que não tenha outros animais como aquele esqueleto, vivos.
– Você sabe qual é a posição original do rei e rainha das peças negras? – Tento voltar ao assunto.
– Só um minuto. – Ele estreita o olhar, observando todo o campo como uma águia. E então eu percebo que a neblina começou a voltar lentamente, caindo do céu como um manto maldito.
– Rápido, Max, daqui a pouco não vamos ver mais nada!
– Me dá o mapa e uma caneta!
– Mas eu não trouxe caneta...
– Tem uma na minha mochila!
Pego o mapa e procuro freneticamente pelo pequeno objeto nas coisas do Max. Entrego tudo a ele, que começa a desenhar rapidamente. Ele termina bem a tempo e a neblina volta a cobrir o jogo.
– Essa é a posição atual das peças. – Eu me aproximo dele para ver o tabuleiro desenhado atrás do mapa. – Na posição original, o rei e a rainha estariam aqui... Como a ponte da direita está mais perto de nós, vamos fazer esse caminho. – Max começa a fazer um tracejado, partindo de uma torre no extremo do tabuleiro, onde nós estamos, até a posição apontada.
– Ótimo. A gente observa se estamos passando pelas peças certas, isso deve nos manter no caminho – completo.
Fazemos um lanche rápido e logo nos preparamos para descer. Sabe o que dizem sobre a descida de uma árvore ser a parte mais difícil? Eu concordo plenamente. Max me deixa descer primeiro e eu inspiro fundo. Lembre-se: pisando nas inimigas...
Espero ele descer também e retomamos nossa caminhada. Enquanto andamos, eu tento puxar assunto com ele:
– Max, quando estávamos no Vale você foi atormentado pela memória da noite em que seu irmão morreu, não é? – Ele não responde, mas o vejo engolir em seco. – O que aconteceu exatamente?
– Ele morreu, é tudo o que importa.
– Não, não é tudo. Você me deve essa explicação.
– Por quê? – Ele soa um pouco rude. Não o culpo, afinal, lembrar-se disso deve doer.
– Porque estamos viajando juntos, porque eu te ajudei lá na fenda, porque você sabe o que me trouxe aqui e eu não sei quase nada sobre o seu passado.
– Melinda, eu... – Ele me encara. – Não quero falar sobre isso. – A dor na voz dele é o suficiente para me fazer desistir.
– Tudo bem. – Tento parecer compreensível, apesar do desapontamento.
Enquanto caminhamos, falo para o Max como era minha vida lá em Nova Iorque e ele me conta alguns casos engraçados de sua antiga vida também, mas nada muito importante.
Depois de algumas horas de caminhada e duas paradas para comer, finalmente avistamos um local mais iluminado: é o fim do Campo. E assim que pisamos fora do tabuleiro, ouvimos um estrondo e a terra estremece sob nossos pés.
– Que diabos foi isso?! – Sou a primeira a exclamar.
– Eu disse. Essa Terra é estranha... – Max fala, levantando-se e me ajudando a ficar de pé. – Você está bem?
– Bem assustada. – Forço um sorriso e ele se vira na direção do precipício.
– Ainda são quatro da tarde. Podemos atravessar a ponte e acampar do outro lado.
Eu mordo os lábios ao ouvir a sugestão dele e começo a respirar irregular.
Como eu vou atravessar essa ponte?! Não vou conseguir!
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