16
DEZESSEIS
O lampião mal ilumina nossos rostos e eu ando agarrada ao braço do Max. As paredes da fenda estão úmidas e o silêncio é quebrado apenas pelo barulho de gotinhas d'água que caem do teto. O chão está escorregadio e isso dificulta nossa caminhada... Minhas pernas tremem de medo e eu tento imaginar por que sinto toda essa inquietação se não estou com meu coração.
– Você tem claustrofobia? – A voz do Max se propaga com um eco fazendo-me arrepiar. A sensação de que serei atacada a qualquer momento deixa meu corpo e mente em alerta!
– Não. E você? – Max, se você for claustrofóbico vai ter que me perdoar, mas não solto seu braço nem por um milhão de dólares!
– Um pouco... As paredes não estão encolhendo, não é?
– Não... Você quer que eu solte seu braço?
– Não. A luz está muito fraca, se você sair de perto de mim não vou enxergar nada.
– Ótimo, porque eu não ia soltar mesmo.
Max não ri e muito menos eu, estamos tensos demais. Nossas respirações pesadas ressoam como tambores no meu ouvido e eu seguro mais firmemente o lampião, como se isso fosse fazê-lo brilhar mais. Escorrego de repente e solto um grito, mas não caio, sinto meu corpo ser erguido no mesmo instante e o Max pergunta baixinho:
– Tudo bem? – O eco ressoa novamente, me fazendo sentir calafrios.
– Tudo... – Culpa dessas duas varas verdes que substituíram minhas pernas!
Damos mais alguns passos lentos, quando eu ouço um sussurro tenebroso:
– Meliiiiiiiiindaaaa...
– PARA COM ISSO, MAX! – Eu berro, puxando bruscamente meu braço e me afastando dele.
– O que eu fiz?! – Ele tem os olhos arregalados e parece assustado.
– Você disse "Meliiiiinda" como se fosse uma alma penada! Não acha que eu já estou assustada o suficiente?! Isso não tem graça! – disparo. Porém, ele continua com uma expressão de choque.
– Eu não disse isso. – Engulo em seco e ficamos assim, nos encarando por alguns segundos, até ele me puxar novamente para perto de si. – Anda logo, tem uma ventania lá fora e você está assustada, deve ter ouvido o vento e imaginado coisas.
Eu não imaginei, tenho certeza! Mas não adianta discutir, eu não quero discutir, porque preciso acreditar que foi o vento. Tentamos apressar o passo, porém alguns minutos depois é o Max quem para do nada e diz irritado:
– Mas que merda! Eu disse que não fui eu!
– Sim, e daí?! – O que deu nele?
– Você acha que eu também não estou um pouco assustado?! Droga, olha onde nós estamos! E ainda tem aquela placa para ferrar tudo de vez! – Ele fala rápido e estressado.
– Do que você está falando, garoto?! Pirou?
– Você! Sussurrando "Maaaaaaax", como vingança. Droga, eu disse que foi o vento!
Eu abro a boca e arregalo os olhos, sentindo minha respiração falhar. Ele também ouviu?! Quero sair correndo daqui, mas, ao invés disso, paraliso. Max olha para mim, mudando a expressão de raiva para pânico:
– Não foi você?
Eu balanço negativamente a cabeça com veemência, não consigo falar. Vejo o Max respirar irregular e olhar ao redor, como se procurasse por alguém. Ou algo. O nó na minha garganta se aperta e ele volta a falar, tentando parecer calmo:
– Ok, Melinda, vamos tentar correr, está bem? Vem, eu te ajudo. – Maldição de eco! Tem que deixar as coisas ainda mais sinistras? – Vem!
– Não... consigo... mexer...
Max se aproxima de mim e segura meus ombros, olhando firmemente em meus olhos:
– Consegue sim. Eu acredito em você. Vamos sair daqui vivos, Viúva Negra. Prometo!
Eu engulo em seco e giro meu corpo para voltar a caminhar.
– AI, MEU DEUS!
– O que foi?! – Max grita logo depois de mim.
Ashley! É a Ashley!
– Melinda, fala comigo!
A poucos metros de nós, vejo um corpo estendido no chão, uma garota com os olhos vidrados, como se estivesse morta. Ela está com os cabelos desgrenhados, pálida e a boca entreaberta. Seu corpo sujo de terra me leva a pensar que ela provavelmente já esteve enterrada... Porém, o que me assusta mais é o fato dela ser a minha melhor amiga!
– Ashley? – Consigo dizer, com uma voz estrangulada.
Ela pisca e olha para mim. Meu Deus, o que aconteceu? As lágrimas embaçam minha visão e ela diz sussurrado:
– Por que me abandonou?
Deixo o lampião cair e vou até ela, ouço o Max gritar alguma coisa, dou três passos e caio no chão, estou em soluços e não consigo tirar os olhos dela:
– Eu não te abandonei, Ashley! O que aconteceu com você?! – Eu grito entre lágrimas.
– Nicky?! – É a voz do Max, que soa mais distante agora.
– Eu morri... – sussurra Ashley.
– NÃO! – Estou ajoelhada a alguns centímetros da minha amiga e não consigo me aproximar, não quero me aproximar! Eu soluço desesperadamente e volto a gritar: – Você não morreu! Você está em casa! Você é feliz! Por favor, Ashley! Não! Não... Você não... Por favor...
– Eu voltei. – Olho para ela, estirada no chão, e reconheço aquela cena. – Voltei para as drogas, Mel. Pouco tempo depois que você desapareceu. Você causou isso. Não pensou em mim... – Ela fala com uma voz amarga, magoada.
As cenas voltam tão realistas que eu abaixo a cabeça, tapando os ouvidos com força. Ela estava estendida no chão do banheiro, com os olhos revirados e suja de vômito, parecia não respirar. Naquela noite, ela quase morreu de overdose. Quase.
– Não! Não! NÃO! – Eu grito com os ouvidos tapados e as lágrimas banhando meu rosto. Sinto algo apertando meu peito, uma dor tão insuportável que me leva à beira da loucura.
– Você disse que eu precisava ser forte! Mas você não foi quando precisou!
Eu continuo ouvindo os sussurros fantasmagóricos dela mesmo tampando meu ouvido ao máximo. Aperto ainda mais os olhos, chorando desconsoladamente. Não, Ashley, eu não te abandonei! Eu não fiz isso!
– Fez sim! Você me matou! – Ouço a voz acusadora dela e sinto suas palavras transpassando meu peito. Gemo de dor, minha alma dói.
– Não... – Eu sussurro, estou prostrada e vencida, como no dia em que cheguei aqui. Eu matei minha amiga? Espera. Ergo a cabeça e olho para a Ashley deitada no chão. – Você não está aqui. – Minha afirmação soa quase como uma pergunta.
– Não... Eu estou morta. – Ela sussurra em gemidos.
– Não – digo balançando a cabeça, dessa vez com mais certeza. Então eu a encaro com algo que não esperava sentir nesse momento: determinação. – Você está em Nova Iorque. – Ela se limita a me encarar de uma forma acusadora e eu inspiro fundo. De repente sinto uma força, uma vontade tão grande de... Acreditar. – Eu já vi essa cena. Foi naquele dia em que eu te salvei. E você jurou que nunca mais ia voltar para aquela vida! – Eu me levanto e ela também. Ashley dá um passo em minha direção e eu faço o mesmo, ficando bem próxima a ela. – Você não está aqui. Está na minha cabeça. Eu sempre temi que voltasse a usar, tivesse uma overdose e eu não conseguisse te salvar de novo. – Ela me encara com os olhos semicerrados. Parece irada e eu ergo a cabeça, com uma coragem vinda não sei de onde. – Vai embora! Eu não tenho medo de você. Não mais...
E então, ela sorri torto e abaixa lentamente a cabeça. Enquanto faz isso, vejo o corpo dela sumindo pouco a pouco, até que estou novamente sozinha.
– NÃO, por favor! – Max! Ai, meu Deus, me esqueci dele!
– MAX! Cadê você?! – Eu grito, olhando ao redor, sem enxergar nada. Eu só via perfeitamente bem a Ashley porque ela não era real! Droga!
– Nicky... – Ouço o gemido do Max e sinto um calafrio. Ele está chorando alto e desesperadamente. – Eu juro! Eu daria a minha vida para voltar no tempo para aquela noite e fazer tudo diferente! Você não merecia morrer! – Sinto um frio na barriga ao ouvir aquelas palavras e procuro freneticamente pelo candeeiro que caiu. – Por favor, me perdoa... Eu sinto tanto a sua falta! Eu te amo, irmão, me perdoa por ter sido um imbecil! Eu quero voltar a brincar de soldado com você, eu brinco com você, só volta para casa! Eu não queria ter feito aquilo, de verdade... Volta para mim...!
Vejo, a uma distância de três passos, uma pequena luz. Vou até ela o mais rápido que posso, os gritos e os ecos estão me deixando desesperada! Sinto como se estivesse presa na mente de alguém enlouquecido! Seguro bem alto o lampião quebrado, tentando iluminar o ambiente. É inútil. Cerro os olhos e começo a andar sem rumo, preciso encontrar o Max.
– Me perdoa... Eu tentei... Eu tentei, Nicky, juro que tentei... Mas, você... Você já estava... Eu não devia... Volta, Nicholas... Por favor...
Estou andando num pequeno círculo quando vejo, a dois passos à minha esquerda, o Max ajoelhado no chão, com as mãos na cabeça, balançando de um lado para o outro. Vou até ele e ponho o candeeiro no chão, segurando seu ombro.
– Max? – digo, num soluço.
– Eu quero que você fique... Quero você vivo. Não me odeie, por favor!
– Ele não está aqui! – Seguro seu outro ombro, ficando diante dele, porém Max abaixa ainda mais a cabeça e chora amargamente. Se eu fui atormentada pela Ashley, só alguém poderia fazê-lo ficar assim: seu irmão. – Olha para mim, Max! – Eu imploro entre lágrimas.
– Nicky... Eu o amava...
– Eu sei! – Choro junto com ele. Max ainda está de cabeça abaixada, soluçando, e eu seguro firmemente seus ombros. – Olha para mim! Eu estou aqui, Max! Eu sou real!
– Ele não me perdoa... Não me odeie, Nicky! Eu te amo, irmãozinho!
Eu choro tanto quanto o Max, como se a dor dele fosse a minha... Solto os ombros dele e seguro seu rosto com as duas mãos, erguendo-o. Mas, mesmo assim, o Max não me olha, ele fita o nada com os olhos vermelhos e uma expressão de tristeza que me rasga por dentro...
– Max... Ele não está aqui. Olha para mim. – Finalmente os olhos verdes dele me encaram e eu esboço um sorriso. Um sorriso triste e banhado de lágrimas. – Ele está na sua mente... Não é real.
– É sim... Seu ódio é real, ele nunca vai me perdoar...
– Max, você precisa vencer isso.
– Não consigo... – Ele abaixa levemente a cabeça, com uma expressão agonizante.
– Consegue sim. Eu acredito em você.
Max olha para mim com uma expressão de derrota e eu seguro o rosto dele novamente, encostando minha testa na sua e fechando os olhos. Sinto-o segurando meu pescoço com as duas mãos e ficamos assim por alguns minutos, buscando forças um no outro.
Tento voltar a respirar normalmente e inspiro fundo. Abro os olhos lentamente e vejo que o Max está de olhos fechados, ele já não soluça tanto. Afago o rosto dele com a minha mão e vejo-o abrir os olhos. Sorrio em apoio e nós nos afastamos. Olhando ao redor, comenta:
– Ele se foi. – Então fecha os olhos e inspira fundo.
Eu faço o mesmo. O Vale está novamente em silêncio e as gotinhas d'água continuam pingando. Nós vencemos. Vencemos os monstros interiores.
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