XII
Após alguns minutos eu finalmente deixei Ezekiel entrar no carro, ignorando qualquer tipo de comunicação que ele tentasse comigo. Ele desistiu após algumas tentativas, ligando o carro e começando a se afastar do bar barulhento, indo direto até o hotel.
Subi até meu quarto em silêncio, vendo Ezekiel me lançar um último olhar preocupado antes de desaparecer dentro de seu próprio quarto. Assim que fechei a porta, tirei minhas roupas, sentindo o tecido me incomodar, parecendo deixar minha pele com uma sensação agonizante. Mas, assim que estava completamente nua, percebi que a sensação vinha de minha própria pele.
Puxei o ar com força, desejando que aquilo me trouxesse algum tipo de conforto, apenas sentindo o ar entrar com dificuldade. Meus olhos estavam marejados, eu podia os sentir se enchendo de lágrimas, e passei as mãos em meus braços, me permitindo chorar.
Eu não lembrava a última vez que havia me sentindo tão impotente e tão mal ao mesmo tempo, o sentimento parecendo querer me fazer arrancar minha pele apenas para que eu pudesse me sentir aliviada. Olhei para o espelho no canto do quarto, vendo meu reflexo nele, vendo a cicatriz marcando meu rosto, e não me controlei ao jogar o controle remoto da televisão do quarto nele, o quebrando por completo.
Balancei a cabeça, caminhando até a cama e me enrolando nos lençóis, me sentindo incapaz de descansar.
༶
Após horas deitada na cama com os olhos abertos, ouvi as batidas na porta, sentindo a presença de Ezekiel do lado de fora. Me levantei, correndo pelo quarto para pegar roupas limpas e as colocar rapidamente antes de abrir a porta, olhando para Ezekiel sem expressão alguma.
"Está na hora de irmos, Olivia. Já arrumou suas coisas?"
"Encontro você no térreo em cinco minutos."
Ele apenas assentiu e saiu, me fazendo engolir em seco. Fechei a porta novamente, pegando tudo o que me pertencia e jogando dentro da pequena mala, terminando de arrumar as coisas em menos de um minuto. Me abaixei em frente ao espelho quebrado, pegando os cacos e os juntando num canto, sentindo alguns pedaços pequenos em meus joelhos, machucando minha pele, mas ignorei a dor, terminando de juntar todos os cacos rapidamente e me levantando. Passei as mãos nos joelhos, sentindo o sangue que saía deles melar minhas mãos e fazendo com que os pequenos pedaços do espelho ficassem presos à minhas mãos. Balancei a cabeça, não conseguindo sentir nada mais que um vazio e o pequeno incomodo das feridas de meus joelhos que já se curavam, e fui até o banheiro para lavar minhas mãos.
Peguei minha mala, começando a sair do quarto e indo em direção ao térreo, vendo Ezekiel acompanhar minha descida com os olhos, franzindo o cenho ao ver o sangue em meus joelhos.
"Vamos, temos que avisar que o Egito entrou na luta." falei, passando por ele rapidamente, evitando que ele perguntasse alguma coisa a mim
Ele não contestou, me seguindo para fora do hotel e caminhando comigo enquanto íamos até o ponto de encontro que tínhamos combinado com um Ninph para que ele nos levasse de volta até Windsor. Assim que viramos a esquina de uma rua movimentada do Cairo, pude ver o Ninph de pele azulada olhando para nós com seriedade. Evitei olhar para seus olhos, sabendo que me doeria mais se eu visse que o roxo deles estavam começando a desbotar.
Não foi preciso falar alguma para que ele nos tocasse e imediatamente nos levasse até o castelo de Windsor. Pude ouvir Ezekiel agradecer enquanto eu apenas caminhava para dentro do castelo, indo em direção à minha sala do trono. Ezekiel não me seguiu.
Os dois vampiros que guardavam as portas se curvaram levemente antes de abri-las, revelando a agora bagunçada sala do trono. Haviam algumas mesas e cadeiras espalhadas por ali, com equipamentos que iam além da minha compreensão de tecnologia e papeis espalhados por todos os lados, constrastando com a antiguidade do local. O trono negro dos vampiros estava em seu pequeno palco, iluminado precariamente como sempre havia sido.
Caminhei até ele, percebendo que o vazio parecia estar dando lugar a uma pequena chama de ódio que aquele trono - aquela sala em si - me trazia. Ao menos aquilo me mostrava que eu ainda podia sentir mais do que o vazio ou a dor, mesmo que o sentimento ainda fosse negativo. Ignorei os olhares de alguns Ninphs que pareciam trabalhar apressados e me sentei no trono, fechando os olhos e encostando a cabeça no estofado negro.
Não importava quanto tempo passasse, eu ainda não me sentia confortável me sentando no trono onde Azriel um dia sentou, o maldito trono em que eu o vi sentado por séculos, mas precisava fazer aquilo. Eu agora tinha um dever ainda mais importante de manter os vampiros unidos e continuar a fazê-los acreditar que ainda poderíamos vencer aquela luta, mas não estava sendo fácil. Além das mortes, a quantidade de desgarrados aumentou. Não os culpava, eles estavam a procura de sua sobrevivência e indo para o time vencedor. Era sua natureza, buscar sobreviver, mas não queria dizer que eu não os castigasse por aquilo, me trazendo de volta o título de rainha sanguinária que eu havia deixado de ouvir por muito tempo.
O vazio me permitia matar ainda mais facilmente. A dor me dava motivos, e o vazio me dava a força. Era ridículo o estado em que eu me encontrava, mas eu me sentia quebrada e não via jeito de mudar aquilo, então apenas aceitava o fardo. E eu carregaria o fardo sem reclamar, por mais que ele estivesse me quebrando ainda mais. Me perguntava quanto tempo mais eu teria antes que eu perdesse tudo.
Quanto tempo levaria para que eu me tornasse a vampira que Azriel um dia achou que eu deveria ser? Sem sentimentos, apenas focada em minha sobrevivência e mantendo meu poder. O que mais faltava para que essa imagem minha fosse mais do que apenas uma imagem?
Abri os olhos rapidamente ao ouvir os passos apressados em minha direção e as batidas fortes do coração de Molly. Ela usava uma roupa colorida como sempre, mas pude ver o macacão que tinha sua tonalidade de pele que ela usava por baixo delas - uma roupa especial para os humanos que estavam na guerra que os protegeriam dos ataques das lâminas. Ao menos ela tinha essa proteção.
Seus olhos me encararam com preocupação e eu endureci o olhar, deixando claro que eu não queria que ela me olhasse daquela maneira. Ela franziu os lábios, descontente com minha reação, mas logo suavizou sua expressão, caminhando lentamente na direção para o trono.
"É bom ver que está bem, Olly."
Soltei o ar com força, levantando do trono e caminhando até ela também, abrindo meus braços e a segurando num abraço apertado.
"Como está, Molly?"
"Bem. Não se preocupe." ela se afastou "Você continua do mesmo jeito posso ver."
"Meu estado não importa." virei o rosto, vendo-a se irritar com minhas palavras
"Talvez, se deixasse que curassem sua cicatriz, você se sentiria melhor."
Soltei uma risada debochada, ainda sem a olhar. "Não, Molly. Mesmo que a cicatriz fosse curada, ela não iria sumir."
"Eu odeio essa sua cicatriz." Molly cruzou os braços e eu a olhei atentamente "Você já era dramática antes, e agora... Jesus, você não tem jeito."
"Se não tem nada importante para falar, sugiro que vá continuar seus treinamentos." minha voz se tornou um pouco mais alta enquanto eu a repreendia "Tenho assuntos a resolver."
"Sério? Quando eu cheguei aqui você estava de olhos fechados sentada no trono-"
"Molly..."
Ela sorriu levemente, parecendo feliz em conseguir me irritar, e logo balançou a cabeça. "Só vim chamar você para acompanhar meu treinamento. Riley acha que ter minha antiga professora de volta possa me ajudar."
"Molly, eu-"
"Por favor, Olivia... Eu mal vejo você mais. Eu sinto sua falta..." ela passou uma de suas mãos em seu braço e eu pude ver a tristeza em seus olhos "Sei que você está sobrecarregada, mas eu quero passar um tempo com você..."
Pensei em negar e me manter ali, mas a tristeza nos olhos de Molly me fez perceber que eu também sentia saudades da gatota. Faziam meses que eu não passava algum tempo com ela. Engoli em seco, assentindo rapidamente e vendo um sorriso alegre se abrir em seu rosto, mas eu ainda era incapaz de correspondê-lo.
Molly moveu sua cabeça, me chamando para segui-la, e caminhei com ela até uma área ao lado de uma das paredes do castelo, onde Riley esperava ela com um sorriso no rosto. O otimismo que emanava dele ainda me impressionava as vezes. Assim que me viu, ele me lançou um sorriso gigante, parecendo feliz em me ver, e caminhou até nós.
"Olivia, que bom que veio!" ele colocou uma mão em meu ombro, ainda sorrindo "Molly não quer obedecer minhas ordens então achei que tendo a antiga professora dela por perto possa ajudar um pouco..."
"É mentira dele." Molly se apressou em dizer, pulando em cima de Riley que deu uma risada infantil e a segurou para que não caísse no chão logo em seguida "Eu sou muito obediente."
Ergui as sobrancelhas para ela, que logo rolou os olhos, fazendo Riley a soltar, dando um beijo em sua testa antes de se afastar um pouco. Pisquei algumas vezes, ainda não acostumada com o fato de que eles dois estavam juntos. Ao menos Riley cuidaria de Molly enquanto eu lidava com meus problemas, então aquilo me acalmava um pouco em relação à garota, mas não conseguia parar de pensar em separar os dois, com medo de que ele pudesse fazer algo a Molly. Mesmo sabendo que aquilo eram minhas próprias experiências falando, e mesmo que Riley fosse uma das melhores pessoas que já havia conhecido, ainda tinha medo por Molly.
Balancei a cabeça, me encostando na parede de pedras do castelo e cruzando os braços, olhando para os dois enquanto eles começavam a se preparar para lutarem. Em poucos segundos pude vê-los golpeando um ao outro e ergui as sobrancelhas ao ver a velocidade com que Molly se movia, seu corpo parecia estar completamente equilibrado e ela já parecia capaz de se defender de qualquer golpe que Riley desferia, mas, mesmo assim, Riley venceu a luta.
Enquanto Molly tentava derrubar Riley, ele a pegou pela cintura e a jogou no chão, a imobilizando logo em seguida. Assim que os dois estavam de pé, me aproximei um pouco, chamando a atenção dos dois.
"Você realmente evoluiu muito, Molly..." me permiti sorrir levemente, vendo-a se sentir orgulhosa de si mesma "Mas ainda tem algo que precisa aprender: você é mais fraca que seus oponentes. Precisa usar a força deles contra eles."
"Bem... Pode me mostrar?" Molly perguntou
"Apesar de querer muito, infelizmente minha força ainda é consideravelmente maior que a de Riley." dei de ombros "Precisaria de um oponente mais forte."
"Sem problemas." a voz de Ezekiel soou atrás de mim e todos nós viramos os rostos para olhá-lo "Posso lutar contra você para mostrar a Molly como se faz."
Engoli em seco, notando o brilho nos olhos de Ezekiel. O azul intenso deles parecia esconder as reais intenções dele com aquela briga, mas, após todos esses séculos de convivência, eu podia definir bem que o que ele queria com aquela luta não era apenas ensinar Molly. Pensei em recusar, dar uma desculpa esfarrapada, mas - pelo olhar de Ezekiel - eu sabia que não escaparia daquela, então apenas trinquei o maxilar antes de concordar com a ideia.
Riley e Molly saíram de perto, olhando para mim e para Ezekiel com atenção enquanto ele se aproximava, e se posicionava para lutar. Fiz o mesmo e esperei que ele fizesse algum movimento, o único barulho naquele momento sendo o barulho das folhas se movendo com o vento.
Antes que eu pudesse ter uma reação, Ezekiel avançou, me jogando para longe no mesmo momento. Felizmente, algo em Ezekiel ainda parecia o tornar incapaz de me atacar com toda sua força, e consegui cair no chão sem me machucar, logo vendo que ele corria para me atacar novamente. Pulei seu corpo assim que ele passou por mim, sentindo sua mão segurar meu tornozelo e me jogar com força no chão. Grunhi ao sentir meu queixo bater com toda força na terra, me fazendo perder os sentidos por alguns segundos, e as mãos de Ezekiel tentaram me imobilizar. Assim que ele ficou por cima de mim, usei minhas pernas para o chutar para longe e me apressei para ficar de pé, desviando dos golpes que ele tentava me acertar. Mas Ezekiel sempre havia sido mais rápido que eu, e logo seu punho já havia atingido meu estômago e eu caí de joelhos, sentindo seu pé me chutar para que eu caísse no chão.
Consegui escapar dele no último segundo novamente, me levantando e o olhando atentamente, vendo a raiva e a aparente angústia em seus olhos. Engoli em seco, sabendo que ele estava magoado por eu o ter excluído na noite passada e tê-lo tratado como nada, e podia ver que ele esperava algo de mim.
Ele me atacou novamente e consegui ver uma brecha em seu ataque que logo a usei ao meu favor. Me abaixei um pouco, vendo que, no último segundo, ele percebeu seu erro, mas já era tarde. A velocidade com a qual ele vinha até mim o impediu de parar quando me abaixei para atingir suas pernas, mas, como achei que ele faria, ele pulou sobre meu corpo, e eu me deitei com as costas no chão, impulsionando seu corpo para cima com minhas pernas. Me levantei o mais rápido possível, pulando enquanto ele caía e o chutando nas costas, fazendo-o atingir o chão com força. Aproveitei o momento de surpresa que o atingiu e o imobilizei enquanto ele se debatia abaixo de mim.
Alguns segundos depois eu o soltei, sentando no chão ao seu lado, vendo-o ainda caído no chão, apoiando seu torço em seus braços e me olhando. Ele sorriu, parecendo orgulhoso, e eu sorri de volta. Parte da raiva parecia ter sumido de seus olhos ali, o que pareceu me deixar um pouco mais tranquila.
"Aprendeu bem, criança..." ele murmurou
"Tive bons professores."
"Isso foi legal e tudo mais," Molly começou, se aproximando "mas acho que poderiam diminuir um pouco a velocidade. Não sei se percebem isso mas vocês são bem rapidinhos."
Ezekiel riu enquanto me ajudava a levantar. "Conseguiu ver o que Olivia fez?"
"Apanhar?"
"Isso. Mas e a outra coisa que ela fez?" olhei para Ezekiel com os olhos cerrados, percebendo que ele não deu a mínima para aquilo "Olivia é mais fraca e menor que eu, mas ela consegue analisar brechas no ataque dos oponentes e usá-las contra eles. Se ela acha uma brecha, é bem provável que ela vença a briga."
Baixei os olhos, sentindo um leve orgulho ao ouvir aquilo. Além de bom amigo, Ezekiel já havia sido meu professor, então seus elogios pareciam ainda contar para mim.
"Você só precisa ficar de olho em como vão lhe atacar. Um movimento errado deles pode ser tudo o que você precisa." comentei "Pelo jeito que seu treinamento vai, logo irá conseguir fazer isso."
Molly sorriu, gesticulando para que Riley se aproximasse e continuasse com a luta. Eu e Ezekiel nos sentamos na grama, observando os dois lutarem, e logo a voz dele atraiu minha atenção.
"Não faça aquilo de novo, Olivia." sua voz soou magoada e eu engoli em seco "Você tem essa péssima mania de achar que precisa lidar com tudo sozinha, quando na verdade você precisa de ajuda..."
"Eu não quero que ninguém se aproxime, Ezekiel." respondi, balançando a cabeça e voltando meu olhar para Molly e Riley, sem realmente ver o que os dois faziam "Eu não quero ninguém sentindo pena de mim ou preocupado comigo. Eu não quero machucar mais ninguém."
"Você nos machuca quando não nos permite ajudar. Você está se punindo por algo que não é sua culpa."
"Se Lorell não está aqui, é minha culpa." fechei minhas mãos em punhos, olhando para ele duramente "De quem mais seria?"
"Você disse que Lorell não conseguia ver o futuro após a batalha. Aquilo já estava destinado a acontecer, Olivia. Não havia outro jeito."
"E eu não fui forte o suficiente para mudar o futuro."
"Você não pode se cobrar por isso. Mudar o futuro não é algo que você deva se sentir culpada por não ter conseguido."
Antes que eu pudesse responder alguma coisa, notei que - ao longe - uma figura caminhava em nossa direção, e meu coração se apertou ao notar que era Arin. Quis correr dali, não tendo paciência ou forças para mais uma de minhas alucinações, mas logo pude ver que Ezekiel seguiu meu olhar e seus olhos se arregalaram enquanto ele levantava do chão, parecendo surpreso.
Franzi o cenho, confusa. Ele não poderia ver minhas alucinações, era impossível. Mas foi só quando Riley e Molly fizeram a mesma coisa que percebi que aquilo não era uma alucinação. Era Arin, e ele estava ali. Ele estava vivo.
Me levantei do chão no mesmo momento em que seu corpo pareceu ceder e caiu ao chão. Corri até ele, sentindo que o mundo ao meu redor estava em silêncio naquele momento, e vi que ele estava coberto de ferimentos. Seu coração batia lentamente, ele parecia estar morrendo. O peguei do chão com rapidez, tendo cuidado para que eu não o machucasse mais, e corri até o castelo, sentindo que algumas lágrimas começavam a cair de meus olhos.
Entrei no salão que Alya havia feito de enfermaria, vendo a Ninph olhar para mim com curiosidade e logo ver Arin em meus braços, desmaiado, prestes a morrer. Ela arregalou os olhos no mesmo momento, vindo até mim e tirando ele nos meus braços para que pudesse cuidar dele. Ela parecia falar algo para os outros Ninphs, mas eu não podia ouvir. O mundo ainda estava em silêncio, meus ouvidos apenas se concentrando na leve respiração de Arin, que parecia ficar cada vez mais escassa.
Me movi para acompanhá-lo e logo Alya se colocou a minha frente, parecendo me olhar preocupada. Ela tocou meu braço e pude sentir sua magia correr por mim: ela estava me checando. Tentei novamente ir até Arin, mas logo a mão de Alya estava em minha testa e eu caí em seus braços, perdendo a consciência lentamente.
"Ele vai fica bem." a voz fraca de Alya ecoou em meus ouvidos antes que eu finalmente caísse no sono
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NOTAS DA AUTORA:
Próximo capítulo: 29/06!
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