IV
Era madrugada e eu podia ver os olhares cansados em cada um ali presente. Uma reunião de emergência foi convocada por Hymn, a general dos Ninphs, para tratar de assuntos importantes sobre a guerra, mas tudo que parecia acontecer ali eram brigas. Arin e Riley tinham olheiras pela falta de descanso, assim como alguns dos humanos presentes. Já eu, Lorell e Hymn apenas carregavamos expressões cansadas em nossos rostos enquanto os líderes humanos presentes brigavam.
"Vocês querem apenas a glória para vocês!" Briggs, o general dos EUA falava, apontando o dedo para o general russo, me fazendo rolar os olhos
"Se não se importam," minha voz soou baixa e ameaçadora, fazendo todos me olharem enquanto eu mantinha meus olhos em minhas próprias mãos "não é hora para a competição de vocês por poder. Não sei se vocês já perceberam, mas, se perdermos, não haverá glória para ninguém."
"Olivia está certa." Hymn me defendeu, visivelmente irritada com os humanos "Esse é o problema de vocês. Agem como se fossem diferentes quando deveriam agir como iguais."
"Nossa sociedade é diferente da sua, Ninph." um dos humanos falou, parecendo irritado "Somos mais complexos do que vocês pensam!"
Soltei uma risada alta, chamando a atenção para mim novamente. "Não, não são. Vocês tem o mesmo sistema de hierarquia que todas as outras raças tem, a diferença é que nenhum de vocês é bom o suficiente para o topo, e vocês sabem disso, então constroem sua ascensão enquanto derrubam pessoas ao seu redor. Pessoas que, como vocês, querem chegar ao topo também. E isso se torna um ciclo vicioso. Poucos são os que chegam ao topo e não são consumidos pelo poder de estar naquela posição. Vocês ligam mais para vocês mesmo que seu próprio povo, e divide sua raça como se não fossem uma só. As únicas guerras que tivemos em nossas raças foram contra outras raças, enquanto vocês brigam entre si como idiotas."
Briggs e os outros generais engoliram em seco enquanto eu lançava um olhar raivoso para cada um deles, mantendo o silêncio por algum tempo, ajudando a relaxar um pouco o clima naquela sala enquanto a gritaria não voltava. Hymn se moveu levemente, parecendo surpresa com minha reação, mas eu não estava nem um pouco surpresa. Eu estava cansada e com a mente cheia de preocupações, não era surpreendente o fato de que eu havia perdido a paciência.
"De qualquer maneira," Hymn começou, fazendo com que todos olhássemos para ela "o maior problema que temos agora é Khoz. Está sendo impossível localizá-lo, ele parece se mover inconscientemente e não deixar rastros o suficiente para sabermos onde ele estará depois."
"Ele está atacando?" Riley perguntou, se movendo levemente na cadeira
"Não, ele parece estar apenas planejando algo. A última aparição dele que conseguimos identificar foi no Egito, algumas horas atrás. Antes disso, Groenlândia. E, antes disso, Canadá. Ele não está fazendo nenhum tipo de padrão e não sabemos quando ele irá finalmente atacar."
"Ele tem um grande exército em mãos, por quê não atacou a Irlanda ainda?" Arin parecia pensativo, tomando um gole do café que ele usava para se manter acordado, e olhou para Lorell, esperando que ela tivesse alguma resposta
Mas Lorell parecia estar tão perdida quanto cada um ali, e a lembrança das palavras de Lorell voltou à minha memória, me fazendo sentir um calafrio percorrer minhas costas. Ela tamborilou com os dedos em cima da mesa de madeira e engoliu em seco, olhando para todos ali apreensiva.
"Khoz sempre foi... imprevisível." ela baixou os olhos, passando a língua em seus lábios por um segundo, como se eles estivessem secos, provavelmente graças ao nervosismo "Desde o começo dos tempos o comportamento dele era difícil de se ler. Acho que faz parte dele ser meu contrário. Sempre me considerei organizada e presa a certos padrões, faz sentido que Khoz não os obedeça. Mas isso não significa que ele não tenha um plano."
"Temos que achar um jeito de descobrir seu próximo movimento e atacar o mais rápido possível então." Briggs comentou e eu levantei a mão, fazendo um sinal negativo
"Não, não. Isso não daria certo." me encostei na minha cadeira, olhando para a mesa enquanto tentava concentrar minha mente naquela situação em especial "Apenas iríamos perder mais aliados do que já perdemos em batalhas normais. Temos que descobrir seus movimentos, sim, mas não para atacarmos. Temos que esperar que ele venha até nós, é nossa melhor chance."
"Não faz sentido! Deixar que o inimigo se aproxime? Isso é pedir para perder."
"Não, não é." Hymn se pronunciou, olhando para mim parecendo admirada "Não podemos arriscar mandar nossas forças para algum lugar assim. Khoz se move rápido, teríamos que nos deslocar mais. Trazer as forças para um só ponto é, realmente, uma das melhores opções nessa situação."
"Ele perceberia que estamos planejando algo assim que nossas forças se concentrassem em um lugar apenas..." Arin passou a mão nos cabelos, parecendo agoniado com algo "Como moveríamos todos os exércitos para um só ponto sem o conhecimento dele?"
"Retirada." Riley falou, atraindo a atenção para ele "As lutas locais ainda continuam acontecendo em alguns pontos do mundo e Ghouls e traidores ainda tentam derrubar parte de nossas forças. Se essas forças baterem em retirada com o pretexto de que não estão em condições de lutar, elas poderiam vir até nós sem que Khoz desconfie de um plano maior. É natural pensar que eles virão até nós pela segurança. Isso pode, inclusive, ser um motivo para que Khoz venha até nós e possamos o combater."
"Existem margens de erro nesse plano," Hymn admitiu, franzindo os lábios por um segundo, logo voltando a olhar para todos ali "mas é tudo que temos."
"Uma curiosidade..." o general russo se inclinou um pouco para frente, encostando seus cotovelos na mesa "Se perdermos a luta contra Khoz, o que realmente vai acontecer?"
Lorell pareceu ficar inquieta por um segundo, antes de levantar sua mão e fechar os olhos. O cômodo inteiro mudou de aparência lentamente, até que não pareciamos estar nele mais. A nossa volta, o mundo pegava fogo. Haviam árvores cobertas por chamas, a terra estava avermelhada e eu podia sentir o cheio de ferro no ar, o cheiro de sangue e fumaça juntos. O céu estava coberto de cinzas e pilhas de corpos se amontoavam em certos lugares. Assim que aquela visão do inferno terminou, todos nos mantivemos calados, e Lorell voltou a abrir os olhos.
"Os Ghouls não terão piedade." sua voz era soturna, fazendo todos ali desconfortáveis "Os primeiros a morrer serão os vampiros, já que são a única raça que pode os afetar. Os Ninphs seriam presos e debilitados para que não pudessemos usar nossos poderes mais. Logo depois, os humanos seriam apagados da face da terra. Khoz não teria piedade dos híbridos, e iria ter prazer em erradicar vocês. As outras raças não demorariam para irem junto."
"Se perdermos não haverá esperança de lutarmos um outro dia porquê não estariamos aqui para lutar." falei, mordendo levemente meu dedo indicador, sentindo minha mente trabalhar ainda mais rápido
Por um momento, Azriel apareceu naquele cômodo, sorrindo para mim como se divertisse com meu estado, mas logo desapareceu. Foi o suficiente, no entanto, para me deixar nervosa. Arin e Riley pareceram sentir meu nervosismo estranho, me olhando por alguns segundos antes de ignorarem aquilo, provavelmente pensando que o nervosismo se dava por conta da ideia da derrota naquela guerra.
"Bem, acho melhor começarmos os planos de retirada das nossas forças dos campos de batalha e os trazerem para cá o mais rápido possível." Hymn falou, engolindo em seco "Mas, mesmo assim, precisamos achar um jeito de identificar os planos de Khoz. Qualquer ideia que surgir na mente de vocês, comuniquem a mim ou a Lorell. Creio que estejam dispensados."
Hymn olhou para Lorell, esperando que ela confirmasse, e Lorell moveu a mão, confirmando que podíamos nos retirar. Começamos a nos levantar, todos silenciosos, e dei uma última olhada para Lorell, vendo-a me olhar de volta, parecendo se sentir derrotada.
༶
"Espere, eu o que?" a voz de Nicolas soou exaltada pelo telefone e eu pressionei os dedos em minhas têmporas, sentindo que teria uma dor de cabeça a qualquer momento
"Você agora é responsável pela colônia. Não é mais meu segundo em comando, você agora é quem comanda."
"Mas..." ele parecia completamente chocado, sem saber o que dizer "E você agora tomou o lugar de Azriel?"
"Isso."
"E eu tomei o seu?"
"Exatamente."
"E quem vai ficar com meu posto?"
Rolei os olhos, passando a mão nos cabelos. "Ninguém, Nicolas. Não tenho tempo para lhe designar um segundo em comando."
"Olivia eu não posso fazer isso..." ele soou desesperado e eu quis estar conversando com ele cara a cara para lhe repreender por aquilo "Eu não consigo controlar todo esse poder."
"Parece que estamos no mesmo barco então, não é mesmo?" sorri, irritada, e balancei a cabeça "Pare de se pôr para baixo. Você é mais do que capaz de ter esse poder, sei que fará um trabalho melhor que eu."
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, parecendo pensar no que eu disse.
"Você está sendo bem gentil-"
"Não se acostume." o cortei no mesmo momento, bufando logo em seguida "Eu sinto muito Nicolas. Eu esperava o treinar mais antes que você tivesse a chance de assumir o poder, mas, infelizmente, o tempo foi mais curto do que eu pensei."
"Tudo bem. Eu vou dar meu melhor."
"Não vou esperar menos de você." minha expressão suavizou e eu engoli em seco, abraçando meu torso com o braço que estava livre enquanto minha outra mão ainda segurava o celular "Você vai conseguir. Posso ter duvidado de você no passado mas vi quem você é nesses últimos tempos. Se tem alguém capaz de assumir minha colônia por mim, é você."
"Obrigada, Olivia."
"Se mantenha vivo, Nicolas."
"Vou tentar."
Desliguei o telefone, soltando o ar com força e olhando para cima, vendo as estrelas brilhando no céu escuro da madrugada. Naquele momento eu não estava nervosa, apenas cansada. Minha cabeça parecia ter dado uma pausa na correria de pensamentos, me fazendo perceber o quão cansada eu estava. Eu não sabia dizer se era cansaço momentâneo ou se aquilo era o acúmulo do cansaço em todos os meus anos de vida. De um jeito ou de outro, era cansaço.
Sentei na grama, ainda olhando as estrelas, notando que haviam passos vindo em minha direção. Os ignorei por alguns momentos, pensando que provavelmente seria Ezekiel vindo falar comigo novamente, mas, quando senti a inquietude da pessoa, notei que não era ele. Virei o rosto, vendo Riley caminhar até mim a passos rápidos. Ele parecia nervoso.
"Olivia, finalmente a achei."
"Aconteceu algo?" me levantei, já esperando por notícias ruins e ele levantou as mãos parecendo tentar dizer que não era o que eu estava pensando
"Eu recebi uma ligação agora de um de meus animorfos na Russia." ele passou a mão nos cabelos, tirando os fios que caíam em seu rosto "Ele prendeu um Ghoul."
Franzi o cenho, confusa por alguns segundos pelas suas palavras, e pisquei algumas vezes, mudando o peso de uma perna para a outra. "O que?"
"Ele estava trabalhando em uma máquina que poderia prender um Ghoul para que ele pudesse ter o mínimo de segurança caso fosse atacado, e a máquina funcionou." Riley gesticulava exageradamente e eu não sabia dizer se ele estava animado ou aterrorizado "Ele disse não saber o quanto tempo o Ghoul vai se manter preso, ele disse que estava entre 'para sempre' e 'um dia'. Mas, aparentemente, pelo que ele descobriu, o Ghoul esteve com Khoz recentemente."
Me mantive parada por alguns segundos, apenas deixando que a informação fosse processada pelo meu cérebro, até que eu caminhei até Riley, segurando seus ombros vendo-o arregalar os olhos levemente.
"Podemos pegar informações com ele sobre Khoz." o soltei, começando a andar de um lado para o outro "Ele não vai nos dar tudo o que queremos de uma vez, mas alguma coisa produtiva pode ser arrancada dele."
"Precisamos ir o mais rápido possível até lá."
"Lorell precisa ser avisada, no entanto." balancei a cabeça "Assim que o sol raiar precisamos falar com ela."
Riley assentiu e eu espelhei seu movimento, olhando pro céu novamente, sentindo um pouco de esperança crescer em mim de que, talvez, conseguíssemos algo de importante do Ghoul. Olhei para Riley, franzindo o cenho rapidamente.
"Por que me procurou para dizer isso?"
"Porque eu sabia que você estaria acordada e que gostaria de ouvir as notícias." ele sorriu levemente, me fazendo sorrir também "As vezes você parece precisar de algo que acenda esperança dentro de você."
Soltei o ar pelo nariz como uma risada, cruzando os braços, e balancei a cabeça. "Obrigada, Riley."
"A vejo amanhã na sala do trono para falarmos com Lorell." ele sorriu novamente, acenando e começando a andar de volta para a Casa
"Certo. Vejo você lá."
༶
Não voltei para o quarto para descansar, por mais cansada que estivesse. Ao invés disso, peguei minha espada e achei um salão vazio para treinar com ela.
As luzes flutuantes iluminavam parcamente o salão enquanto eu girava a espada em minha mão, simulando ataques e movimentos de defesa. A lembrança dos treinos com Renée me vieram a cabeça e eu me concentrei nos movimentos que fazia, temendo mais alguma alucinação. Não podia deixar brechas para que elas acontecessem.
Mas, a preocupação de não deixar brechas para as alucinações acabaram me deixando instável, o que era uma brecha o suficiente para elas, e logo a risada de Azriel atingiu meus ouvidos.
Fechei os olhos e me virei para o som da risada, começando a sentir raiva daquilo. Eu me sentia louca, sentia que minha mente estava conspirando contra mim. Azriel estava morto, isso era para ter sido bom para mim, era para me trazer paz, mas parecia apenas me trazer mais problemas.
"Patético. Instável e sem controle sobre você mesma." ele balançou a cabeça "Se continuar desse jeito, vai morrer."
Assim que ele terminou de dizer aquelas palavras, me movi, rápida como o vento, tentando atingir Azriel com minha espada. Como eu esperava, passei direto por ele, quase atingindo a parede, e trinquei o maxilar, desejando que aquele golpe fosse o suficiente para eu me livrar dele, mas, quando me virei, ele estava bem a minha frente. Seus lábios estavam curvados num sorriso quase imperceptível, enquanto eu o encarava sem expressão, mas deixando que meus olhos mostrassem toda a raiva que eu sentia.
"O que preciso fazer para me livrar de você?" perguntei, minha voz quase não saindo
Azriel apenas balançou a cabeça, seu sorriso crescendo um pouco mais. "Pergunta errada, Olivia."
Franzi o cenho e mudei um pouco o peso de um pé para o outro, engolindo em seco. Seus olhos brilhavam, misteriosos, e eu não sabia dizer o que se passavam por trás deles, ou se tinha alguma coisa por trás deles. O rosto de Azriel estava ali, mas sua essência parecia estranha. Suas ações não condiziam perfeitamente com as dele.
"E qual seria a pergunta certa?"
Ele abriu mais o sorriso. "Quem sou eu?"
"Você é Azriel."
"Não." ele balançou a cabeça, dando leves passos para perto de mim "Você pensa que é ele. Você me vê como ele porquê acreditou todos esses séculos que era ele, mas quem realmente sou eu, Olivia?"
Balancei a cabeça, sentindo que sabia a resposta, mas algo parecia a esconder de mim. Azriel se curvou levemente e logo voltou a me olhar. "Quando decidir parar de se esconder da resposta, vai saber como se livrar de mim."
E, num piscar de olhos, ele desapareceu, me deixando sozinha no salão vazio. Caminhei para trás levemente, me encostando na parede, e fechando os olhos novamente, jogando a espada no chão para colocar as duas mãos em meu rosto, a confusão em minha cabeça se tornando cada vez maior, impedindo que eu pensasse direito.
Talvez eu devesse falar a alguém sobre aquilo, talvez Ezekiel me ouvisse e pudesse me ajudar. Ou talvez ele apenas achasse que eu estava louca. Eu não podia falar, eu precisava lidar com aquilo sozinha, resolver meus problemas de uma vez sem deixar ninguém mais preocupado ainda por minha causa, ou apenas fingir que os problemas não existiam.
Peguei a espada do chão, voltando a praticar os golpes, sentindo que minha mente não estava concentrada em meus movimentos e eu apenas me movia automaticamente, enquanto meus pensamentos gritavam em minha cabeça, cada preocupação e cada problema parecendo ser uma voz diferente que gritava dentro de meu crânio.
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NOTAS DA AUTORA:
Próximo capítulo: 01/06!
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