XVII
5 dias depois...
Segurei as costas da camisa de Nicolas e o joguei no chão com toda força, fazendo-o reclamar com a dor. Balancei a cabeça e me afastei dele, cruzando os braços.
"Como você pretende lutar contra um ser que tem uma arma capaz de te matar em um segundo se você não consegue nem se defender direito?" perguntei, vendo-o se levantar
"Você podia pegar mais leve com a força, não podia?"
Soltei uma risada e levantei as sobrancelhas em sua direção. "Eu já estou pegando leve. Se eu estivesse treinando você como Azriel me treinava não teria um osso inteiro no seu corpo nesse exato momento."
"Você está exagerando, certo?"
Sorri para ele, sem humor algum e apenas o mandei me atacar novamente, vendo-o correr em minha direção. Bloqueei seu golpe mais uma vez e o acertei nas costas com o cotovelo, fazendo-o cair no chão mais uma vez.
"Vamos, Nicolas... Viajaremos amanhã para a Irlanda e você tem que estar preparado para lutar."
"Talvez seja melhor que eu não vá então..."
Ele não se levantou do chão, parecendo frustrado, e eu rolei os olhos. Puxei-o pela parte de trás da camisa mais uma vez, o colocando de pé e lhe socando no rosto sem usar muita força. Seu rosto se moveu com meu punho mas ele logo voltou a me olhar, confuso.
"Se você um dia quiser liderar essa colônia não me venha com suas desistências."
"Mas eu-" meu punho se chocou contra sua barriga, o fazendo se encolher
"Não me venha com desculpas. Me prove que você não é tão idiota e medroso quanto eu sempre achei que você fosse. Me. Bata!" terminei a frase com mais um soco em seu rosto
Ele tentou me socar mas foi lento e eu afastei seu braço, o atingindo no rosto mais uma vez.
"Você não deixa!"
"E você acha que seus inimigos vão deixar, seu idiota? Ache uma brecha, vamos. VAMOS!"
Ele continuou tentando me socar ou me chutar, mas nunca conseguia achar minhas brechas, enquanto eu o atingia com cada vez mais força. Depois de um tempo, percebi que ele começou a ficar irritado e seus golpes ficaram mais fortes. Bufei, irritada com o fato de ele ainda não ter conseguido atingir um golpe sequer, e levei meu punho na direção de seu nariz, pronta para derrubá-lo mais uma vez.
Mas, para minha surpresa, meu soco não o atingiu. Seu braço desviou o meu, o jogando para o lado, enquanto seu outro punho vinha em direção ao meu rosto. Minha cabeça foi para trás num movimento rápido, uma dor forte se alastrando bem debaixo do meu olho esquerdo. Nem eu nem Nicolas nos mexemos.
Pisquei algumas vezes e voltei a encará-lo, vendo-o com os olhos arregalados e completamente machucado. Ele havia finalmente acertado um golpe em mim. Aproveitei enquanto ele estava distraído e passei minha perna por trás das dele, o derrubando no chão. Toquei em minha bochecha que já estava parando de doer e o olhei sorrindo.
"Muito bom, mas ainda falta muito para você poder fazer qualquer estrago sério. Se levante, ainda não acabamos."
Ele se levantou, agora mais confiante, e continuamos a lutar.
༶
Algumas horas depois de terminar o treinamento com Nicolas, resolvi que iria tentar arrancar algumas informações de Kearn. Talvez não conseguisse muitas, mas precisava tentar.
A sala onde Kearn estava preso ficava no subsolo, o mantendo longe de todos e de qualquer maneira de fugir. A porta era feita de metal grosso e as paredes de concreto, completamente cinzas, com algumas manchas de sangue de outros seres que já haviam sido presos lá antes dele.
Haviam dois vampiros vigiando a porta, garantindo que ninguém chegasse perto de Kearn. Assim que me viram, abriram a porta para que eu entrasse.
Kearn estava sentado em uma cadeira de metal com a parte de cima de seu corpo completamente amarrada para que ele não pudesse usar sua magia. Não havia uma única luz naquela sala, nada que permitisse uma visualização perfeita dos arredores, então só pude ver seu rosto por alguns segundos enquanto a porta estava aberta. Pura raiva.
Assim que entrei, a porta foi fechada e meus olhos começaram a se acostumar com a escuridão do cômodo. Eu podia ver sua forma na escuridão, mas ele pareceu baixar a cabeça, não me deixando ver suas expressões.
"Vou direto ao ponto, Kearn. Onde estão os humanos que estão desaparecendo?"
Pude ouvi-lo soltar o ar como uma risada e ele balançou a cabeça, se mantendo em silêncio. Movi meu maxilar, tentando pensar em um jeito de fazê-lo me dar alguma informação, e olhei em volta da sala, vendo uma pequena mesa num dos cantos da parede. Caminhei calmamente até lá e notei que havia um pequeno aparelho em cima da mesa.
Mesmo sem luz o suficiente para me ajudar a ver o que era - já que a única luz que entrava eram pequenos raios de luz que vinham das mínimas brechas entre a porta e a parede - eu já tinha ideia do que poderia ser. Peguei o objeto em minha mão, confirmando minhas suspeitas e voltei a ficar de frente para Kearn, me abaixando para tentar ver seu rosto.
"Isso em minhas mãos vai diretamente para o fogo. Farei questão de queimar seu amplificador para que você não possa fugir mesmo que escape das cordas que o prendem. Nada de teleporte para você." segurei o objeto bem em frente ao seu rosto, notando um pequeno movimento vindo dele "Você está preso aqui comigo, e pretendo mantê-lo assim por um bom tempo. Por que não fala logo o que eu quero? Talvez eu faça seu tempo aqui ser menos miserável."
"Você não faria meu tempo aqui menos miserável nem que eu lhe desse os segredos do universo..." ele disse, sua voz baixa como um sussurro
Abri um sorriso de orelha a orelha e inclinei um pouco a cabeça. "Vê? Será um tempo realmente agradável, levando em conta que você já me conhece tão bem."
Me levantei, colocando o amplificador de magia dele em meu bolso. Ainda estava melado de sangue de quando foi arrancado de seu corpo para impedir que ele fugisse por meio de magia. Cruzei os braços e apenas o encarei no escuro.
"Tem razão, eu não vou fazer sua experiência aqui menos agradável, mas posso fazer ficar ainda pior do que já está. Então, se eu fosse você, começaria a dar as respostas que eu quero."
Ele se manteve em silêncio, não movendo nem um músculo. Fechei os olhos com raiva, tentando pensar em alguma maneira de virar o jogo e fazer as coisas cooperarem para mim.
Sentei no chão, com as costas na porta de metal, e cruzei as pernas, olhando para Kearn e vendo que ele havia movido o rosto para tentar ver o que eu fazia.
"Você sabe qual é a pior sensação do mundo, Kearn?" perguntei, capturando sua atenção quase que imediatamente "Bem, todos tem uma opinião diferente sobre isso, mas eu acho que a minha está lá no topo. Sabe, quando eu estava sendo treinada para virar a incrível líder que eu sou hoje, eu passei por muitas coisas. Fui surrada até não conseguir levantar mais, perdi pessoas que eram importantes para mim, meus braços e pernas eram quebrados repetidamente... Coisas do tipo. Mas eu acho que, de tudo isso, nada se compara com a sensação de passar onze horas seguidas tendo sua pele derretida por ácido repetidamente."
Kearn levantou a cabeça finalmente e eu pude ver a expressão confusa em seu rosto. Quis sorrir por ter conseguido sua atenção mas me mantive séria. Não podia contar vitória antes do tempo.
"Foi uma das piores dores que eu já senti em minha vida. Tudo porque eu decidi me recusar a continuar os treinos uma vez e desafiei Azriel a me matar. Conhece Azriel, não é? Alto, olhos escuros, pálido, acho que até meio acinzentado se você parar para olhar direito e na luz certa, líder dos vampiros, cheio de problemas de raiva... Ele não é piedoso de maneira alguma. Me prendeu numa parede e jogou ácido em mim por onze horas." os olhos do Ninph se arregalaram levemente e eu me permitir dar um sorriso
"Mas você é a esposa dele-"
"Ah, que grande empencilho eu ser casada com ele, não é mesmo? Ele não pensou duas vezes antes de derreter minha pele e esperar ela se regenerar completamente antes de derretê-la novamente. Depois disso eu nunca mais reclamei sobre meu treinamento novamente. Ao menos não na frente dele. Então acho que o que quer que ele tenha tentado provar, funcionou." me levantei novamente, caminhando até ele e apoiando minhas mãos nos braços da cadeira "E acho que preciso dizer uma coisa sobre isso: Eu não teria pena de fazer o mesmo com você até que você me dissesse tudo o que eu quero. Adoraria ver esse seu rosto sendo derretido e refeito novamente só para ser destruído de novo, e de novo, e de novo... Então, o que prefere: me dizer o que eu quero ou ter sua pele derretida para isso?"
Ele me olhou por alguns segundos, seus olhos refletiam medo e sua respiração parecia rápida. Ele sabia que não tinha para onde fugir ali, e sabia que eu cumpriria com minha palavra se ele não fizesse o que eu queria. Ele estava encurralado.
"Eu não sei para onde estão levando os humanos." ele finalmente falou algo, sua voz falhando um pouco "Sei que estão em algum lugar do laboratório principal na Irlanda, mas aquele lugar é muito grande e eu não fui permitido ter essas informações."
"Então estão na Irlanda?"
"Sim."
"Eles ainda estão vivos?"
"Creio que sim."
"E o que pretendem fazer com eles?"
"Eu também não sei ao certo. Acho que eram sacrifícios ou algo do tipo, mas eu não sei para quê. Eu juro."
Me mantive o encarando por mais alguns segundos antes de sair de perto dele, processando as poucas novas informações que eu tinha. Molly estava em algum lugar da Irlanda, provavelmente ainda viva e servindo como sacrifício para algo. Isso era melhor do que o nada que fui obrigada a suportar durante todos aqueles dias.
Bati duas vezes na porta de metal e logo ela foi aberta. Pisquei algumas vezes, me acostumando com a claridade, e pisei para fora da sala, dando uma última olhada em direção a Kearn.
"Não se preocupe, não vou derreter sua pele com ácido. Não sou Azriel." ele pareceu relaxar um pouco em sua cadeira e eu dei um sorriso "Ao invés disso, me pergunto o que aconteceria se você bebesse o ácido."
Seus olhos se arregalaram e ele começou a se mover na cadeira, tentando escapar. "Esse não era o trato..."
"O trato era que se você me dissesse o que eu queria eu não derreteria sua pele. Não vou derreter sua pele, mas talvez alguns órgãos aí dentro acabem danificados. É o preço por ser um traidor, meu querido Kearn."
Ele gritou com raiva e eu apenas sorri, gesticulando para que os vampiros fechassem a porta.
"VOCÊ VAI SER MORTA." ouvi a voz dele gritar do outro lado da porta "VAI MORRER E SEU SANGUE VAI MOLHAR A TERRA."
Me mantive parada com suas palavras, vendo os vampiros me olharem com um pouco de preocupação. Virei o rosto para encará-los.
"Arranjem algum ácido forte e façam-no beber. Quem sabe assim ele cale a boca."
Os vampiros assentiram e eu voltei a caminhar para longe dali.
༶
Já eram duas da manhã do dia 29 de Setembro. Em exatas dez horas eu estaria saindo para viajar para a Irlanda para lutar contra os traidores que haviam sido culpados pela morte de mais de 50 mil criaturas e o desaparecimento de milhares de humanos, incluindo Molly.
Minha mala já estava pronta, levando em conta que eu não sabia quanto tempo eu passaria na Irlanda, e eu estava sentada na beira do telhado do prédio, observando as luzes da cidade. Atlanta era uma cidade linda a noite, eu havia visto ela se tornar tão grande e linda daquele jeito, e eu adorava aquele lugar pela sua constante mudança. Nunca era monótono.
"Olhando as luzes?" a voz de Ezekiel soou atrás de mim e eu não me importei em me virar para olhar para ele
"Elas me acalmam."
"Você não vem aqui olhar as luzes da cidade desde que acolheu Molly..."
Não o respondi, ouvindo seus passos se aproximando de mim e pude ver quando ele parou de pé ao meu lado, olhando para o horizonte comigo.
"O Conselho não está preocupado que um de seus membros está se envolvendo em uma luta?" perguntei
"Tenho permissão de Azriel para ir. Eles não podem falar nada." sua voz soou séria e sem emoção "Além do mais, faz um tempo que não entro numa briga."
Soltei uma risada fraca. "Você não é do tipo que briga, Ezekiel."
"Não, não sou, mas sei alguns golpes."
"Tente não morrer lá, velho."
"O mesmo para você, criança."
Ficamos em silêncio por algum tempo, o vento frio batendo em nossas peles enquanto a cidade fazia barulho a nossa volta. Tentei lembrar de alguma vez em que vi Ezekiel em batalha, mas parecia impossível. Até mesmo em meu treinamento ele apenas assistia, nunca se metia na briga. Trinquei os dentes, tentando conter o pensamento de que ele poderia ser morto naquela luta.
Eu não suportaria perder mais ninguém. Eu já havia perdido mais do que havia ganho, eu merecia ao menos que um de meus únicos amigos - talvez o último - permanecesse vivo. Depois de tudo que dei por vontade própria e perdi por não ter opção, isso era o mínimo que eu merecia.
Ezekiel passou o braço pelos meus ombros, me fazendo encarar sua mão em meu braço e eu senti ele beijar o topo de minha cabeça. Me mantive parada, não sabendo como reagir à afeição, e senti ele soltar o ar em meu cabelo, parecendo frustrado.
"Tome cuidado lá, Olivia. Você é importante. Não só para essa colônia, mas também para mim." ele falou com a voz baixa "Me atrevo a dizer que você é minha melhor amiga, então, por favor, se cuide lá. Eu já perdi Renée, se eu perder você também... Lute como se sua vida dependesse daquilo, porque ela vai depender."
"Não posso prometer que não vou morrer, Ezekiel. É uma possibilidade e temos que levar ela em conta-"
"Por um instante, deixe de agir como a mulher fria que você aprendeu a ser. Só nesse momento aja como uma humana e minta. Me prometa o impossível."
Sorri tristemente e baixei a cabeça, seu pedindo me atingindo em cheio. Eu não havia aprendido a ser daquele jeito, eu sempre fui fria para certos assuntos. Mesmo sendo verdade que a frieza aumentou com o passar dos séculos, eu não costumava prometer o que não tinha chances de cumprir.
Mas eu pude ouvir a tristeza em sua voz com aquelas palavras. Ezekiel também havia perdido muito no passado, mesmo que se tornar vampiro tenha sido sua própria escolha. Talvez ele realmente tivesse medo de me perder também.
"Não vou morrer." falei com uma voz baixa "Vou voltar para casa inteira e me manter viva."
Ele sorriu tristemente e me puxou mais para perto, me abraçando. Encostei minha cabeça nele e fechei os olhos, subitamente me sentindo cansada.
༶
Cheguei no aeroporto com Nicolas e Ezekiel ao meu lado. Meu humor estava instável e eu sentia que poderia surtar a qualquer momento. Molly estava na Irlanda e, se tudo desse certo, talvez eu pudesse trazê-la viva para casa. Se tudo desse certo, todos voltariam vivos, então eu precisava que tudo desse certo.
Ezekiel se ofereceu para fazer o check-in e eu fiquei sentada com Nicolas ao meu lado. Ele parecia nervoso.
"Ao menos finja que está calmo, Nicolas. Se você vai governar um dia tem que passar calma para os outros mesmo em tempos de crise. Nesse momento você deve estar passando nervosismo até para os humanos que não são tão sensíveis às emoções dos outros."
Ele me olhou rapidamente antes de passar as mãos na calça, provavelmente enxugando o suor delas. "Eu não sou tão bom nisso."
"Você não tem escolha."
"Como você consegue não mostrar emoção nenhuma as vezes? Eu não consigo nem sentir seu nervosismo, mesmo sabendo que você está nervosa. Não tem como você não estar nervosa."
"Mostrar emoção é dar brechas para que os outros as usem. Em uma posição como a minha, não mostrar elas é crucial." falei, cruzando os braços "Não posso dizer que consigo ficar desse jeito o tempo todo, mas tento ao máximo. Você sabe bem o que acontece quando eu me torno emocional demais..."
"Você sai matando a todos e se torna uma completa idiota."
Franzi o cenho e o olhei com uma das sobrancelhas levantadas. "Você acerta um soco e já acha que pode ir falando assim de mim."
"Desculpe."
"Mas é verdade. Eu mato e me torno uma idiota." soltei uma risada fraca balancei a cabeça "Por isso tenho que manter a calma, mesmo que ela seja falsa. Um líder calmo significa um povo calmo."
Ele baixou a cabeça e juntou as mãos, parecendo pensar no que eu disse. "E você acha mesmo que eu daria um bom líder?"
"Com um pouco de treino tudo é possível. Antes de ser treinada eu não sabia nem como dar um tapa direito, você chega lá."
"Sabe, é uma das primeiras vezes que você me trata como um igual, não como um estúpido."
Soltei o ar pela minha boca em forma de uma risada fraca e me levantei, vendo Ezekiel nos chamar. "Então trate de não me fazer querer voltar a lhe tratar como um idiota."
Caminhei até Ezekiel, vendo Nicolas correr um pouco para me alcançar, e ele nos entregou os documentos e nossas passagens. "O check-in está feito, o vôo sai em uma hora."
"Agora é só esperar..." Nicolas murmurou
"Agora é só esperar." concordei
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NOTAS DA AUTORA:
Penúltimo capítulo pessoal, woop woop!
Próximo capítulo: 10/11!
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