VI
A noite já estava sobre nós e a reunião parecia não acabar. Não haviam mais problemas reais a serem discutidos, apenas debatiamos como rivais.
Lorell nos olhava como se estivesse desapontada, e eu não podia culpá-la. Pareciamos crianças brigando por besteiras, mas, apesar de todos sabermos disso, não conseguiamos parar. Naquele momento, me perguntava se ela se arrependia de ter criado todas aquelas raças.
Em algum momento, quando o sol já estava se pondo e os assuntos de real importância já tinham sido debatidos, Lorell convidou Molly para sentar-se a mesa, pedindo que trouxessem uma cadeira para ela. Aquele foi o ponto em que entendi que ela não estava mais levando aquela reunião a sério.
Doía pensar que amanhã estariamos de volta naquele salão, ouvindo mais problemas que não importavam a ninguém.
Molly estava sentada entre mim e Riley, e, aparentente, os dois tinham se dado bem. Eles conversavam animados; Riley explicava a Molly o que era um animorfo e a garota ouvia com um brilho de admiração nos olhos.
"Então vocês podem se transformar em animais?"
"Sim, cada animorfo é um animal diferente. Tenho um amigo que é um castor. Ele vive perto de um rio no Canadá. Vive arranjando confusão."
"E você? Se transforma em que?"
"Eu me transformo numa raposa."
"É por isso que você é ruivo?"
Riley riu. "Não, acho que foi só mera coincidência."
Graças a recepção amigável que Molly recebeu, eu relaxei um pouco e mergulhei em pensamentos. Mais especificamente, nas mortes que estavam acontecendo.
A possibilidade de ser um Ghoul estava na mesa, mas, para que a possibilidade fosse real, teria que ter mais de um Ghoul a solta para que os ataques ao redor do mundo fizessem sentido. Será mesmo que o feitiço dos Ninphs estaria fraco, depois de todo aquele tempo?
Não fazia sentido, simplesmente não fazia. Os Ninphs eram conhecidos por sua organização e seu empenho. Não fazia sentido eles não checarem o feitiço, mesmo depois de tanto tempo. Além disso, lembrava-me de ouvir de Azriel sobre a guerra. Lembrava-me claramente de suas palavras quando me falou sobre o feitiço. Haviam Ninphs encarregados de checar o sono dos Ghouls de década em década. Quando teria sido a última checagem? E o que poderia ter mudado desde a última vez?
Fui tirada de meus pensamentos quando ouvi meu nome ser dito por Arin. Olhei para ele, sem saber ao certo o que ele havia dito, mas, pelo seu olhar, não havia sido coisa boa. Já irritada com ele, resolvi refutar o que quer que ele tenha dito com um pouco de grosseiria.
"Desculpe, o que disse? Não estava prestando atenção em sua voz irritante."
Arin cerrou os olhos. "Eu disse, chupa-sangue, que seu líder é tão irresponsável que teve de mandar uma novata para representar sua raça."
Soltei uma risada debochada e rolei os olhos. "Eu compareço a reuniões como esta desde antes de você sonhar em nascer, Lacamoire. O novato aqui é você. Quantos anos você tem mesmo? Vinte e oito? Que gracinha."
Percebi como todos pararam o que faziam para observar a briga. Nem mesmo Lorell parecia querer se meter.
"Eu comando uma raça inteira, e você?"
"A maior colônia de vampiros do mundo, além de ter sido pupila de Azriel."
"Você não é especial, vampira. Todos os líderes de sua raça já foram pupilos de Azriel. Conheço um pouco da história de sua raça, garota."
"E incrivelmente não sabe quem eu sou..."
Ele me olhou, confuso, e eu tomei uma postura mais autoritária. Pude sentir todos naquela sala se sentirem intimidados com minha atitude, mas mantive os olhos em Arin, fazendo-o engolir em seco. As vezes eu sabia me comportar como uma assassina.
"Pesquise melhor, cachorro. Se soubesse quem sou ou o que já fiz, teria medo." minha voz soava taciturna e o trovão que soou do lado de fora do salão pareceu favorecer minha fala
"Não tenho medo de você." ele respondeu, mas pude ouvir sua voz vacilar
O barulho da chuva que havia começado a cair do lado de fora parecia soar alto em meio ao silêncio. Dei um sorriso convencido para Arin e ele tentou manter a pose de corajoso, mas eu podia ouvir seu coração batendo mais rápido.
"Bem, dizem que ignorância é uma bênção, não é mesmo?"
Depois de dizer isso, me arrumei mais confortavelmente na cadeira e deixei de lado a pose autoritária que eu havia tomado. Todos ali pareceram relaxar imediatamente, e Lorell apenas me encarava com um tanto de curiosidade, e talvez até orgulho. Ela era uma líder, sabia como era ter que assumir o controle e, talvez, aquilo a tivesse feito ver como eu assumia meu papel.
Assim que as conversas alheias continuaram, olhei rapidamente para Molly e ela parecia ser a única ainda um pouco tensa. No entanto, Riley parecia estar cuidando disso, levando em conta que os dois voltavam a conversar imediatamente.
Voltei meus olhos para a mesa, olhando a madeira com atenção, voltando aos meus devaneios com a mesma rapidez que saí deles.
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Depois de quatro horas desde que havia começado, a reunião finalmente acabou. Fiquei às portas, esperando por Molly, que ainda conversava animadamente com Riley enquanto se levantavam da mesa. Pude ver o momento em que Riley segurou a mão de Molly e a beijou num ato de cavalheirismo. Pude também ouvir as batidas do coração de Molly acelerarem no mesmo momento e suas bochechas corarem violentamente com o ato.
Sorri com aquilo, imaginando os dois juntos. Ele podia não ser humano, mas era mortal, seria uma vida na beira do normal para ela. Isso era bom.
Meu sorriso se desfez quando Arin passou ao meu lado, me olhando com raiva. O olhei com a mesma intensidade e ele parou de caminhar, olhando para mim diretamente nos olhos.
Talvez, se ele não fosse um lobisomem, pudessemos ser amigos, mas a briga entre as raças era impossível de se ignorar. Eramos inimigos naturais, talvez por sermos o contrário um do outro. Mas, se eu pensasse bem, Arin tinha mais do que eu jamais teria.
Ele tinha uma alma. Ele tinha uma vida. Ele acordaria um dia e veria que seu rosto havia mudado devido ao tempo. Ele poderia viver o suficiente e morrer sabendo que o fardo de líder seria passado para uma nova pessoa. Já eu? Eu não poderia ter nada daquelas coisas.
Arin passou direto, mas ainda podia sentir sua raiva. Virei meu rosto novamente, para ver Molly vindo em minha direção com Riley ao seu lado. Molly parou ao meu lado e Riley ficou de frente a mim.
"Foi um prazer conhecê-la, Olivia." ele falou, curvando a cabeça levemente
"Igualmente, Riley."
Ele sorriu para mim e para Molly antes de caminhar para longe. Puxei Molly levemente para que pudessemos fazer nosso caminho para o quarto e vi suas bochechas coradas junto ao seu sorriso de orelha a orelha. Sorri junto com ela e cerrei os olhos.
"Ele já te chamou pra sair?"
Ela pareceu me olhar espantada e começou a gesticular exageradamente. "Do que você está falando? Nós acabamos de nos conhecer! Ele é um cara legal, só isso."
"Certo. E eu nasci ontem." olhei para ela, ainda caminhando "Você gostou dele. Ele pareceu gostar de você também."
"Você acha?" ela se rendeu
"Tenho certeza." falei, vendo-a sorrir "Agora, apresse o passo. Temos que nos trocar para o jantar."
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O jantar seria às custas de Renée. Por mais que houvessem outras raças na França, os vampiros eram mais influentes ali, fazendo com que Renée se tornasse o anfitrião daquela reunião. Felizmente, o jantar não seria formal.
Coloquei uma roupa arrumada mas nada formal demais. Já havia gastado minha cota de vestidos para aquele dia. Molly, pelo contrário, não. Vi ela sair do trocador com um vestido curto amarelo e meias calças, junto com um grande casaco. Ela me olhou e pareceu desapontada.
"Olly, qual é? Você deveria parecer uma líder, não uma adolescente rebelde!"
Franzi o cenho e olhei para mim mesma. Calça jeans rasgadas, uma blusa cinza um pouco maior que eu, um casaco de jeans com mangas de tecido e coturnos pretos. Ela tinha razão, eu parecia uma adolescente, mas dei de ombros e ajeitei meu cabelo num coque.
"Não é formal."
"Você estava parecendo uma princesa gótica na reunião, e agora isso. Seu estilo é bem inconsistente."
"Meu estilo é confortável, é isso que me importa."
Ela rolou os olhos e foi até a porta, esperando que eu fosse atrás dela. A alcancei e seguimos pelos corredores do palácio em silêncio, o barulho dos meus coturnos e as sapatilhas de Molly no chão eram os únicos ali, além da chuva que caía do lado de fora. Olhei para as grandes janelas que estavam do meu lado, vendo a água cair fortemente.
Em pouco tempo chegamos a um outro salão. As grandes portas estavam abertas, revelando uma mesa com alguns pratos já servidos e uma outra mesa, menor, com cadeiras dispostas para que pudessemos comer. Assim que entrei no salão, vi Renée e ele pareceu sentir minha presença.
Sorri para ele e ele caminhou até mim e Molly, nos abraçando e, logo em seguida, me olhando dos pés a cabeça.
"Mon Dieu, quando eu disse que o jantar não seria formal, não pensei que você fosse vir como uma garota hipster do século 21."
Molly riu e eu apenas rolei os olhos. "Pra um jantar não formal, você está muito bem vestido."
Ele olhou para o próprio terno e sorriu logo depois, passando a mão nos cabelos. "Eu tenho classe. E aparentemente a senhorita Molly também."
"Eu disse a ela que ela parecia uma adolescente."
"Primeiro: Eu sou uma eterna adolescente quando se trata de aparência. Segundo: Vocês realmente vão ficar aqui me humilhando por causa das minhas roupas?"
Renée deu uma risada antes de balançar a cabeça e pedir para que seguissemos ele. Ele nos guiou até a mesa, aonde Riley já estava sentado, fazendo com que Molly ficasse animada, e nos sentamos.
Haviam alguns vampiros andando para lá e para cá com taças de bebidas variadas. Renée acenou para um deles e ele deixou três taças a nossa frente. Molly pegou uma delas e ia levar até a boca, até que eu senti o cheiro do conteúdo da taça. Pus minha mão em frente ao copo antes que ela tomasse o primeiro gole e tanto ela quanto Riley me olharam, curiosos.
"Molly, isso é sangue."
A garota arregalou os olhos e colocou a taça na mesa. Renée pareceu se envergonhar e chamou o vampiro, o repreendendo em francês, antes de mandá-lo trazer uma taça de suco para Molly.
Puxei a taça de Molly para mim e comecei a tomar o sangue, sentindo meus sentidos se aguçarem. Eu estava com fome e não havia percebido.
"Sei que não é a mesma coisa de sangue fresco, mas não podemos exatamente trazer humanos vivos para o banquete." Renée falou, tomando um gole da própria taça "É sangue de doações. Fiz um acordo com a prefeita de Paris para que ela conseguisse esse sangue para essa noite. Os humanos o deram voluntariamente, mesmo que achassem que ele seria completamente direcionado aos hospitais."
"Esperto. Desviou parte para esta noite."
"Esperteza é um dom importante em nosso ofício, não é mesmo?" ele sorriu, mas logo mudou para uma expressão séria "Eu sei que deveria ser confidencial, Olivia, mas preciso perguntar sobre as mortes. Foram discutidas na reunião?"
"Sim, foram. Não tenho tão boas notícias sobre as possíveis causas." ele me olhou mais atentamente enquanto eu começava a falar em um tom baixo, mantendo a conversa entre nós dois "Duas possibilidades foram levantadas. Uma delas é a de que uma nova raça está surgindo. Que talvez tenha fugido ou acidentalmente liberto pelos Ninphs como aconteceu com aquele acidente do vírus dos lobisomens aqui na França no século 15."
"Ugh, não me lembre disso. Foram os piores anos da minha vida quando aquelas pestes começaram a surgir aqui." Renée comentou, gesticulando exageradamente, mas logo voltou a me olhar "Mas você não parece muito confiante nessa possibilidade. Qual seria a segunda?"
Respirei fundo, fazendo-o me olhar com mais curiosidade ainda pela minha reação e o olhei nos olhos. "Ghouls."
Seus olhos brilharam por um momento e ele ficou parado, me observando. Logo em seguida tomou todo o conteúdo da taça e passou a mão nos cabelos, parecendo incomodado.
"Comme je suis stupide... Preciso que venha até minha casa esta noite. Sei que você irá se encontrar com Azriel antes de voltar para a América. Ele não irá acreditar que são Ghouls, você e eu sabemos que ele é orgulhoso e cabeça dura demais para acreditar, mas tenho algo que pode ajudar a provar que é verdade."
O olhei espantada, processando suas palavras. "Como assim?"
"Tenho imagens de câmeras de segurança de Lyon, onde um dos ataques aconteceram. Não havia entendido o que estava nelas quando as vi, mas agora que você falou nos Ghouls, faz todo o sentido." ele parou por um segundo "Não sei como é possível, mas é. Existe um Ghoul a solta, talvez mais de um."
Ia falar alguma coisa mas fui interrompida pelo barulho de um prato sendo colocado com agressividade na mesa. Eu e Renée olhamos para frente, vendo Arin se sentar contrariado na única cadeira que restava na mesa - em frente a mim e a Renée. Rolei os olhos e dei uma última olhada para Renée, confirmando que aquela conversa continuaria depois, continuando a tomar o conteúdo de minha taça, terminando rapidamente e indo para a segunda que havia pego de Molly.
Arin me viu tomando o sangue e fez uma careta. Cerrei os olhos e olhei para ele com raiva. "Está com nojo da minha comida, cachorro?"
"Tenho nojo de você, é diferente."
Alonguei minhas presas e ele riu debochado. Molly segurou meu braço, tentando me acalmar e Riley levantou os braços para que dessemos atenção a ele.
"Vamos tentar nos acalmar ao menos enquanto comemos, por favor." ele disse "Não há necessidade de brigarmos."
"Cala a boca, raposinha. Eu quero ver essa briga!" um dos Daemones falou, seu rosto contorcido naquele sorriso que eu tanto odiava
"Riley tem razão, não há a necessidade para sermos estúpidos." Arin comentou, me olhando como se eu fosse a culpada por aquilo tudo
"Concordo plenamente, uma pena que você não pode deixar de ser estúpido já que está preso a essa sua cara."
Ele riu e se inclinou um pouco sobre a mesa. "Desculpe, mas quem mesmo está preso a própria cara pelo resto da eternidade?"
"Vá ao inferno, Lacamoire."
"Eu talvez vá, quem sabe. Mas você vai continuar presa aqui sendo a vadia chupa-sangue que você sempre foi."
Depois disso, tudo aconteceu num piscar de olhos. Assim que ele terminou a frase, meu corpo se atirou involuntariamente no dele, fazendo a cadeira dele cair para trás conosco em cima. Pude ouvir os gritos das pessoas ao meu redor enquanto tentava esmurrá-lo. Ele, por sua vez, se lembrou que tinha alguma força a mais e me jogou longe, fazendo com que eu deslizasse de costas no chão liso.
Assim que levantei a cabeça, vi ele avançando em mim, seus olhos brilhando como os de um animal, seus caninos mais afiados que o normal e suas unhas alongadas em garras. Me desviei de seu ataque, rolando para o lado e fiquei de pé, mostrando a ele minhas presas enquanto ele se levantava e rosnava para mim.
Não era lua cheia, ele não poderia fazer a transformação completa, mas ainda tinha força o suficiente para lutar contra mim. Ficamos rodeando um ao outro, esperando para ver quem atacaria primeiro, e nisso pude ouvir alguns protestos das pessoas presentes. Pude ouvir a voz de Molly pedindo para que eu parasse e olhei na direção dela. Péssima ideia.
Assim que desviei minha atenção, Arin atacou. Ele pulou em minha direção, usando toda sua força para tentar me derrubar no chão, mas, no momento de raiva, esqueceu que eu estava parada na frente de uma das grandes janelas do salão. Pude sentir o vidro quebrando em minhas costas e a chuva grossa me atingir, assim como a grama do jardim grudando em meu rosto. A força que Arin usou junto com a surpresa de estarmos do lado de fora foram tantas que ele acabou me soltando e indo cair um pouco longe de mim.
Sacudi a cabeça e levantei, vendo Arin fazer o mesmo. A chuva e a lama dificultaria a luta, mas não impediria que lutássemos. Pensando nisso, ataquei sentindo suas mãos me segurarem para que não pudesse chegar perto dele o suficiente para acertar meu golpe. Continuei fazendo força para frente enquanto ele tentava me forçar para trás, e notei seus pés se arrastando levemente na terra.
Empurrei com mais força, vendo-o ser arrastado levemente mais para trás e chutei a sua perna de apoio, me soltando e saindo de perto, fazendo-o perder o equilíbrio e cair com a cara na terra molhada.
Soltei uma risada alta e o vi se levantar, seu rosto agora completamente melado de lama, antes de avançar novamente. Impedi que ele me segurasse para atacar e segurei seu braço, girando o corpo dele que permanecia no ar e o jogando para longe. Pude vê-lo gritando antes de bater no chão e deslizar na lama até bater a cabeça com força em uma parede.
Me aproximei lentamente, vendo que ele estava atordoado pela pancada e segurei sua camisa pela gola, o puxando até que ele me encarasse. Ele rosnou mais uma vez e eu sorri para ele. "Eu tenho séculos de treinamento, cachorro. Não ache que, em algum momento, você poderia ganhar de mim."
O soltei no chão, fazendo-o gemer de dor e passei a caminhar até a janela quebrada aonde todos me olhavam. Pude ver Molly me encarando, preocupada, e lhe dei um sorriso, assegurando que estava tudo bem. Entrei no salão pela janela, completamente molhada e suja de terra, e olhei em volta parando meus olhos em Renée que parecia orgulhoso e decepcionado ao mesmo tempo.
"Você disse que o jantar não seria formal."
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Tanto eu quando Arin fomos proibidos de sentar a mesa graças as nossas roupas sujas de terra, então passei o resto do jantar sentada em um dos cantos do salão, vendo Arin se recuperar da luta no outro canto.
Assim que o jantar terminou peguei Molly e a levei para o quarto antes de pegar roupas limpas e ir até o banheiro do palácio. Depois de um longo banho para tirar a lama do cabelo, pus minhas roupas e voltei para o quarto, me deparando com uma Molly sonolenta, com um livro em mãos.
"Eu irei me encontrar com Renée, você vai ficar bem sozinha?" perguntei, pegando um casaco limpo que eu pudesse usar para me proteger da chuva
"Vou sim. Se quiser pode trancar a porta." ela disse, pondo o livro de lado e esfregando os olhos "O que vai fazer com Renée?"
"Ele pediu para que eu fosse na casa dele. Tem algo importante para me mostrar sobre as mortes que estão ocorrendo."
Ela assentiu e se arrumou um pouco mais da cama antes de me olhar com curiosidade. "Quando foi que você conheceu Renée?"
Olhei para Molly, vendo a curiosidade em seus olhos. Ainda devia explicações a ela sobre minha vida, e ela parecia lembrar disso. Coloquei meu casaco e arrumei o capuz, olhando para ela em seguida.
"Morei na França por alguns anos quando fui transformada. Renée me treinou. É um ótimo lutador."
"E vocês se tornaram amigos?"
Dei um sorriso. "Ele era um dos únicos que não pareciam querer me matar a cada erro que eu cometia. Acabamos ficando mais próximos do que deveríamos. Costumava vir visitá-lo em Paris frequentemente."
Molly sorriu e se deitou na cama, ainda com os olhos abertos. "Tome cuidado lá fora. Está chovendo muito."
Sorri para ela e me aproximei, dando um beijo em sua testa como fazia quando ela era uma criança. "Não se preocupe, chuva nenhuma vai me matar."
Caminhei até as portas do quarto, trancando-as assim que saí, por questão de segurança, e comecei a caminhar até a saída do palácio. Fiquei de pé próxima a porta, vendo a chuva forte que caía do lado de fora e me preparando para correr até Paris para encontrar Renée, mas, antes que eu pudesse dar o primeiro passo, Macy apareceu na porta com um grande guarda-chuva. Ela me viu, pronta para sair, e sorriu para mim, me chamando para entrar debaixo do guarda-chuva. O fiz, pensando em pedir o guarda-chuva emprestado e apenas caminhar até a casa de Renée, mas logo vi que ela me guiava para um carro
Ao menos não chegaria lá completamente molhada.
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Macy me deixou na frente da casa de Renée e disse que me esperaria para que voltássemos ao Palácio assim que eu terminasse o que quer que eu tenha ido fazer ali. Agradeci a vampira e saí do carro com o capuz levantado, me protegendo minimamente da forte chuva que ainda insistia em cair.
Olhei rapidamente para cima, vendo a luz do apartamento de Renée ligada e entrei no prédio antigo, sentindo algo estranho assim que pisei dentro do local. Resolvi ignorar a sensação e subi as escadas até a porta que me lembrava bem ser dele. Bati na porta, sem receber resposta, e franzi o cenho. Bati na madeira novamente, com mais força, mas ninguém parecia vir para abri-la. Apurei meus ouvidos, tentando encontrar algum barulho vindo do apartamento. Nada. Silêncio absoluto.
Testei minha sorte, girando a maçaneta, mas parecia trancada. Resolvi que uma bronca de Renée por quebrar sua porta seria aceitável naquelas circunstâncias, então empurrei com força a madeira, fazendo com que a tranca quebrasse e a porta finalmente se abrisse. A sala do apartamento estava normal e organizada. Haviam algumas fotos e pinturas, tanto antigas quanto novas, espalhadas pelas paredes numa organização irritante que sabia que era típica de Renée. A lareira estava acesa, deixando o cômodo agradavelmente quente, e havia uma xícara de chá deixada no criado mudo.
Toquei na xícara, notando que ainda estava quente. Franzi o cenho e olhei em volta, não vendo nada de estanho, mas a sensação desconhecida que eu havia sentido ao entrar no prédio ainda me acompanhava. Fora o silêncio. O silêncio era a parte mais estranha.
"Renée?" chamei, caminhando até o corredor que levaria até o quarto dele "Renée, cadê você?"
Foi então que o cheiro de sangue me atingiu. Senti meus músculos tensionarem e todos os meus sentidos se aguçaram em alerta. Corri até a porta do quarto de Renée, percebendo que ela estava um pouco aberta, e a abri de uma vez.
Renée estava lá, ao menos deveria ser ele. Seu corpo havia sido estraçalhado, e sangue se espalhava pelo chão do cômodo, deixando o carpete branco com uma cor vermelha carmesim forte. Me aproximei lentamente dos restos do corpo dele e pude sentir lágrimas se formando em meus olhos enquanto minhas mãos tremiam. Me ajoelhei no sangue, em silêncio, e olhei para seu rosto com marcas de cortes profundos em sua pele, completamente desfigurado. Seus olhos como vidro pareciam apagados como eu nunca os havia visto antes.
As lágrimas caíam de meus olhos sem que eu lhes desse permissão, mas antes que eu pudesse sequer fazer um barulho, senti a presença estranha ficar mais forte. Meu instinto agiu mais forte naquela hora, pude sentir todos os meus músculos entrarem em alerta novamente, e decidi que sair dali seria a melhor opção.
Me levantei, dando uma última olhada para Renée antes de sair do apartamento correndo, e chegando até o carro onde Macy me esperava em menos de dois segundos. Ela abaixou o vidro, olhando para minhas mãos e joelhos cobertos de sangue, e parecia não entender o que estava acontecendo. Olhei para ela com urgência, sentindo a chuva ensopar minhas roupas, mas minha mente não estava trabalhando direito naquele momento, então falar em francês parecia um trabalho difícil naquelas circunstâncias. Entrei no carro e gesticulei com raiva para que dirigisse para longe daquele lugar e ela pareceu entender.
Depois de alguns momentos, pude vê-la chorar, provavelmente entendendo o que havia acontecido.
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Entrei no quarto do palácio tropeçando em meus próprios pés. As lágrimas pareciam embaçar minha visão e a dor da perda parecia me corroer por dentro. Renée estava morto. Uma das únicas pessoas que eu ousava chamar de amigo estava morta. Aquilo doía mais que ser empalada no peito, e eu conhecia bem aquela dor.
Caí no chão do quarto, sem forças para continuar andando, e vi que uma das luzes acenderam. Molly havia acordado. Molly estava salva, isso era bom. Mas Renée não. Renée estava morto.
Ouvi a voz preocupada de Molly se aproximando, sem conseguir ouvir o que ela estava dizendo, então apenas olhei para o seu rosto. Assim que o fiz, tentei falar algo, tentei assegurá-la que estava tudo bem, mas não estava tudo bem. Abri a boca para falar mas tudo que saiu dela foram gemidos provindos do choro, e foi aí que não aguentei mais segurar o grito que estava mantendo preso desde que saí da casa de Renée.
Molly me segurou mais perto dela, me abraçando enquanto eu gritava, querendo expulsar toda aquela dor que eu sentia para fora de mim.
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NOTAS DA AUTORA:
Desculpa.
Mas obrigada por lerem.
Próximo capítulo: 02/10!
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