XVIII - Há inveja em corações embebidos pela angústia
A CARRUEGEM BALANÇAVA RAZOAVELMENTE, cortando por entre o vento frio. As pedras das ruas faziam a carruagem dar leves pulos e, a cada um deles, Marjorie ao meu lado dava pequenos gritos estrangulados, aos quais eu e Kitty riamos em silêncio.
— Sua majestade encontrava-se atordoado quando chegou ao palácio. Me perguntou sobre minha rainha e respondi, como ordenado, que minha senhora estava em descanso no Jardim de Primavera, lendo — explicou enquanto arrumava os cabelos emaranhados pelo vento frio daquela manhã.
Pedi para que Kitty me retirasse do palácio inglês sem que desconfiassem do meu repentino sumiço, acabei pedindo para Marjorie inventar a história de que estava completamente chateada com Thomas por ter me abandonado mais uma vez ontem, portanto, estava em retiro no Jardim de Primavera do castelo, lendo e que não gostaria de ser incomodada. Enquanto isso Gisele e Ellen estavam lá em meu lugar, uma delas coberta em minhas vestes enquanto toma chá.
— Isso é ótimo — falei enquanto soltava uma pequena risada, seguida de uma tosse.
— Isso tem tudo para dar errado, você quis dizer — Kitty retrucou do outro lado.
Marjorie limpou a garganta ao meu lado e arrumou mais uma vez sua postura, antes de falar:
— Sinto muito, vossa majestade, mas tenho que concordar com o senhor Kitty — disse com pesar, enquanto me olhava como se pedisse desculpas adiantadas. — O que há para se fazer em Hampshire? — perguntou, mas logo se deu conta de seu erro e tampou a boca com as mãos, enquanto se desculpava seguidas vezes de cabeça baixa.
— Concordo com sua dama, o que há para se fazer em Hampshire? — voltou a perguntar. — Ela está sendo mais sensata do que vossa alteza ultimamente.
Neguei com a cabeça enquanto dava pequenos tapinhas nos ombros de Marjorie, a encorajando a parar de se desculpar.
Depois que a mesma parou de pedir desculpas incansavelmente, voltei a me ajeitar e, depois de tossir mais algumas vezes, me ajeitei no banco acolchoado da carruagem e olhei no centro dos olhos azuis de Kitty.
— Não foi a vossa senhoria que me pediu para subjugar os mentirosos? Pois é isso que tenho em mente — expliquei.
Kitty apenas ergueu as sobrancelhas claras em minha direção, como se finalmente houvesse entendido, ele cruzou os braços e com uma de suas mãos enluvadas, o mesmo começou a puxar um de seus bigodes e me olhar de soslaio.
— O que há?
O mesmo deu de ombros.
— Apenas não se sobrecarregue, acho que está resfriada, Anne. Sua tez pálida demonstra bastante disso — falou direto, demonstrando bastante de sua preocupação em cada uma de suas falas.
Aquilo me fez sorrir.
— Estou bem, não se preocupe com isso — respondi, ao qual logo em seguida, ainda pude ouvir os lamúrios de desculpas de Marjorie logo ao meu lado. — Pare com isso, já lhe disse que está tudo bem.
Falei sério enquanto a olhava.
Sabia que Marjorie estava preocupada com nossa saída, ainda mais por ter a pedido que mentisse para o rei e fugisse ao meu lado, a mesma estava tremendo no assento.
Em resposta, apenas lhe dei um olhar acolhedor, ao qual, não muito tempo depois, a carruagem parou, demonstrando que havíamos chegado ao nosso destino. Antes de pôr meus pés nos terrenos de Hampshire, pude ouvir mais uma de suas desculpas às minhas costas, o que me fez rolar os olhos.
— Estarei lhe esperando logo aqui — informou Kitty, ao qual saiu primeiro da carruagem e me ergueu uma das mãos para ajudar-me a descer as escadas da carruagem.
— Não demorarei muito, logo estarei de volta — informei e, logo em seguida, olhei para suas costas onde a porta da carruagem ainda encontrava-se aberta e podia ser visto Marjorie sentada, apenas nos observando do lado de fora. — Lhe trouxe por um propósito, uma rainha não pode andar por aí desacompanhada — alertei, ao qual, ela saiu logo em seguida.
— Me perdoe, vossa majestade, estou agindo feito uma criança — pediu quando ficou ao meu lado.
— Está perdoada, vamos logo, parece que logo menos o tempo há de mudar — alertei e segui em frente, dando poucos passos até a porta acolhedora da grande e bem decorada morada.
A singela e acolhedora construção, pintada em amarelo, coberta por um jardim bem esverdeado ao seu redor, dava-lhe uma aparência alegre, como se uma grande e feliz família morasse em seus arredores bem construídos.
Marjorie tomou a frente e falou com o empregado que saiu em sua direção assim que percebeu nossa carruagem. Às nossas costas, eu pude ver Kitty conversar com o cocheiro, o homem carregava um pequeno adorno metálico em seu peito em forma de rosa.
Francês, logo pensei.
— Mil perdões, mas não nos foi informado nada do tipo. Nenhum dos servos está sabendo de outra visita real sem ser a de vossa majestade, o rei — o servo em vestes escuras respondeu enquanto se curvava, ele parecia um tanto quanto desconfiado, talvez tenha sido avisado a não me deixar entrar?
Ou talvez nem mesmo conheça ainda meu rosto, já que o que menos fazia era estar ao lado do meu marido, já que o mesmo parecia ocupado demais com suas atividades secundárias.
— Como ousa me recusar a entrada? Sou sua majestade, não estou pedindo permissão para entrar, estou avisando que irei entrar — falei e o mesmo arregalou os olhos e empalideceu. — Futuramente tome cuidado com sua língua, ou não terá mais uma — esbravejei enquanto passava pelo mesmo e eu mesma abria a porta e adentrava o local.
— Minhas sinceras desculpas minha senhora, vossa majestade! Realmente não sabia sobre a vinda de sua majestade, a rainha, perdoe e poupe este servo! — grunhiu enquanto passava a passos rápidos ao meu lado e se curvava à minha frente. — Eu realmente e sinceramente não sabia quem era a senhora, me perdoe!
Eu via o homem se curvar cada vez mais na minha frente, indo direto ao chão e, então, o toque de culpa tocou meu peito. Estava extremamente irritada com Thomas e a situação ao qual me encontrava atualmente, mas não deveria sair esbravejando com todos ao meu redor.
Soltei um suspiro.
— Levante-se e acalme-se — o pedi, ao qual o mesmo obedeceu, mas ainda assim, me olhava com cautela. — Onde está a senhora desta casa?
Perguntei, enquanto ao mesmo tempo, olhava ao meu redor.
Era realmente uma construção grandiosa e harmoniosa, digna de se estar localizada em Hampshire, porém, para uma moradia tão grandiosa como tal, imaginasse que se deva haver vários criados na mesma para que tomem conta devidamente de tudo, porém, ela parecia vazia — a não ser pelo homem curvado em minha frente neste momento.
— Meu senhor saiu e minha senhora encontra-se em seu leito. Peço, vossa majestade, que se acolha na sala de visitas. Irei fazer um chá quente de hortelã para vossa majestade e chamarei minha senhora ao seu encontro — informou, ao qual neguei de prontidão.
— Apenas me leve até os aposentos dela, estou aqui para ver Izabele, apenas.
O homem pareceu um tanto receoso, porém, logo respondeu que faria como o desejado, tomando a frente e me mostrando o caminho.
Quando começamos a subir as enormes escadas, Marjorie, ao meu lado, lamentou com um murmúrio.
— Por que vossa majestade está indo de encontro a aquela imunda? Ela certamente contará ao rei sobre nossa vinda até aqui, temo por minha senhora.
Dei uma pequena risada.
— Estou apenas querendo uma conversa — informei, ao qual Marjorie não me olhou muito confiante, ela olhava para todos os lados, desconfiada, como se esperasse pelo pior. — Se acalme, logo estaremos de volta ao castelo — informei e, no mesmo momento, o servo parou em frente a uma porta branca de adornos bem desenhados e maçaneta dourada.
Ele apenas abriu com cuidado a porta e, indicou que entraria primeiro, porém, o segurei por um dos ombros e o parei antes que o fizesse.
— Podem esperar aqui, do lado de fora. Quero apenas conversar na companhia de Izabele e mais ninguém, logo menos estarei de volta — e, sem esperar para ver a reação dos dois, adentrei o quarto e fechei a porta com cuidado às minhas costas.
Assim que meus sapatos pisaram no cômodo, pude sentir a quentura e fofura do enorme carpete acinzentado no chão e, seguindo reto em meu olhar, pude ver na cama enorme e de adornos suaves, Izabele deitada em um sono profundo. Sua tez parecia dizer que a mesma não dormia bem há muitos dias, seus olhos não eram nada a não ser enormes e roxos e, sem toda a brancura do pó de arroz em seu rosto, era nítido o quanto a mesma parecia cansada e nem ao menos percebeu minha presença.
Olhei ao redor e prestei atenção no grande quarto.
Havia uma estante de livros, uma escrivaninha cheia de papéis, poltronas e o mais importante; ao longo do quarto, próximo a grande janela, havia um pequeno berço igualmente em cores claras.
Tampei minha boca quando um soluço intimidou em sair e me segurei na madeira da porta quando percebi que minhas pernas perderam suas forças.
Mirei novamente a enorme cama e havia apenas Izabele ressonando profundamente.
Forcei minhas pernas a andarem em direção ao pequeno berço amarelado e, quando cheguei no mesmo, havia um pequeno urso de pelúcia, ele cabia nas palmas das minhas mãos. Delicado e sorridente, muito bem posicionado no pequeno berço, à espera de seu dono.
O castelo inglês era cinzento e escuro, nem mesmo nenhum de seus vários jardins com nomes de cada estação do ano demonstravam tanto acolhimento e felicidade quanto aquele pequeno e delicado local.
Meu coração se tingiu de inveja e, com o urso ainda em minhas mãos, inconscientemente toquei minha própria barriga, desejando que eu tivesse o mesmo futuro feliz e colorido, dormindo com meu bebê logo ao meu lado em seu pequeno berço bem adornado e de cores claras.
Sorri e, logo em seguida, coloquei o pequeno urso de pelúcia novamente em seu devido lugar.
Passei pela escrivaninha e olhei os papéis amassados, mas pareciam apenas serem desenhos de pássaros; desenhos inacabados.
Segui meus passos até a cama enorme e me sentei aos pés da mesma, observei Izabele se mexer incomodada e, a camisola branca que se movia junto a ela, de repente, quando se virou, revelou a elevação em sua barriga.
Realmente não havia como negar, aquilo me tornou ainda mais invejosa. Gostaria tanto que fosse apenas uma farsa, uma mentira, mas lá estava ela, com sua barriga em crescimento bem em minha frente.
— Izabele — chamei, o que a fez retorcer o rosto e se mexer ainda mais na cama. — Izabele! — esbravejei enquanto puxava o enorme cobertor que a cobria, fazendo-a acordar de supetão e arregalar os olhos em minha direção.
Ela estava visivelmente assustada, olhando-me como se minha presença fosse uma miragem, um fantasma.
— Você não é a única surpresa e assustada. Eu fui a que mais desconfiei, mas olhando-a assim, tão de perto, não há como negar sua gravidez.
Ela abriu e fechou a boca diversas vezes, porém, em nenhuma delas som sequer saiu por entre seus lábios.
— O que... — ela finalmente disse, murmurando, parecendo procurar pelas palavras. — Como...
Sorri em sua direção.
— Estou aqui para termos uma conversa.
— O que há para se conversar? — perguntou em tom alto, parecendo finalmente ter encontrado suas palavras. — Como entrou aqui? Se fizer algo, Thomas não lhe perdoará!
Sorri mais uma vez em sua direção.
— O que pensa que irei fazer? Não me julgue com uma vilã de histórias infantis, Izabele. Eu nunca faria mal a um bebê.
Ela acariciou a pequena barriga e me olhou com desconfiança.
— O que há para se conversar? — voltou a perguntar.
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