XII - O passado eventualmente retorna
O VESTIDO EM TONS escuros caia como cascata sobre meus pés, com mais adornos e camadas do que os habituais. Um enorme colar reluzente jazia em meu pescoço, solitário, sem o empecilho dos panos, pois, meu vestido deixava meu busto um lugar convidativo ao olhar.
— Acham que Thomas irá gostar? — perguntei, olhando ansiosa para as três mulheres enfileiradas ao meu lado.
Minhas damas concordaram veemente com suas cabeças, animadas.
A semana havia se passado e tudo parecia correr perfeitamente bem para o dia de hoje, onde Thomas me mostraria finalmente como sua futura rainha à todos.
No espelho a minha frente, pude ver o sorriso orgulhoso pintado em vermelho que surgiu em meus lábios.
O som de risadas e música soava pelos quatro cantos do palácio inglês. Havia esperado por esse dia há muito, porém, agora que o mesmo havia chegado, encontrava-me atordoada e um tanto quanto apavorada. Meu nervosismo poderia ser notado por qualquer um que mirasse minhas mãos trêmulas com atenção.
Tentei deixar no canto mais escuro de minha mente o nervosismo, mas era inevitável, mesmo sentindo-me pronta há muito tempo, ainda não conseguia evitar de me sentir nervosa.
— Vossa alteza já está pronta? — um servo perguntou ao lado de fora da porta de madeira, ao qual Marjorie olhou-me atenta, esperando por uma resposta.
Apenas balancei minha cabeça, confirmando.
— Vossa alteza estará no salão em um instante — foi o que a mesma respondeu e, logo em seguida, foi possível escutar sons de passos ao longo do corredor.
— Vamos lá — respondi enquanto me punha de pé e andava em direção da porta, ao qual Ellen abriu para que pudéssemos passar.
Andamos pelos largos e vazios corredores, todos já encontravam-se no enorme salão principal e mesmo ainda longe, já era possível escutar várias vozes ecoando em altas risadas e conversas. Assim que me vi a poucos passos de chegar onde a enorme escada que desce para o salão encontrava-se, escutei um pigarrear às minhas costas, o que me fez virar a procura do som.
— Lhe desejo boa sorte, vossa alteza — Marjorie pronunciou, ao mesmo tempo em que se curvava em respeito.
Aquilo me surpreendeu, pois eu já havia dito que tais gestos não eram necessários conosco, porém, depois de Marjorie, Ellen e Gisele fizeram o mesmo.
— Obrigada — agradeci verdadeiramente, com um sorriso direcionado para as três, que logo teve como resposta outros três sorrisos direcionados à minha pessoa.
Virei as costas, girando em meus calcanhares e desci as enormes escadas.
Já era noite, portanto, o enorme candelabro no topo do salão encontrava-se iluminado, criando uma cortina de tons quentes por todo o salão. O mesmo estava cheio de pessoas, nobres, em suas melhores vestimentas. Não percebi quem fez o primeiro manejo, porém, uma pessoa apontou em minha direção e de repente, várias outras apontaram também, seguidos de vários olhares direcionados a mim.
Enquanto descia as escadas, não me perguntava sobre os donos dos olhares, mas sim, onde possivelmente Thomas se encontraria em meio àquele mar de pessoas.
Quando terminei de descer as escadas e toquei meus pés no piso do salão encharcado de pessoas, me virei e estava prestes a perguntar ao primeiro servo que vi onde seu futuro rei encontrava-se, porém, o toque quente seguido de dedos alvos e esguios em meu ombro fizeram-me ter a certeza de que não precisaria mais procurar pelo mesmo.
Virei-me apenas para encarar a imensidão que eram os olhos azuis de Thomas, encarando-me enquanto trajava suas vestimentas avermelhadas com detalhes em fios dourados.
Vermelho realmente lhe caia muito bem.
— Acabo de escutar muitos elogios sobre vossa alteza, a princesa. Disseram-me o quanto minha futura rainha é bela — foram essas suas primeiras palavras direcionadas a mim naquela noite.
O som de piano ao fundo fez-me relaxar e suspirar.
— E quanto ao senhor? Acha o mesmo?
O mesmo sorriu. Um sorriso de dentes brancos e brilhantes em minha direção.
— Seria um tolo se não pensasse o mesmo.
Sorri em resposta.
— Pare de me cortejar, Thomas. Devia estar apresentando-me ao invés disso — murmurei enquanto segurava em seu braço, ficando lado a lado com o mesmo, em um gesto para que me mostrasse o caminho e, foi o que o mesmo fez.
Andávamos por todo o salão, enquanto Thomas apresentava-me como sua futura rainha. "Princesa Anne de Cavendish, minha futura esposa e quem se sentará ao meu lado para comandar a Inglaterra", o mesmo dizia.
Era como escutar a mais bela das declarações, uma, duas e então milhares de outras vezes seguidas.
Thomas tirou-me para dançar, e ser guiada pelo mesmo enquanto rodopiavamos juntos pelo enorme salão era como estar flutuando acima das nuvens.
Estava tudo ocorrendo da forma que havia de ser, até que na metade da noite, quando encontrávamos sentados em companhia de um lorde e sua esposa, rindo sobre uma história dos mesmos, um servo, que sempre estava ao lado de Thomas, ao qual eu vivia esquecendo o nome do mesmo, apareceu e abaixou-se ao lado dele, para sussurrar-lhe algo no ouvido.
Mesmo estando ao seu lado, não fui capaz de escutar uma palavra sequer do que lhe foi dito.
— Me perdoem, mas terei que pedir-lhes para esperarem por mim por um tempo. Logo menos estarei de volta — ele disse, as últimas palavras sendo direcionadas a mim.
Logo em seguida, o mesmo virou as costas e saiu em passadas rápidas com seu servo fielmente ao seu lado. Era natural que se algo houvesse acontecido, Thomas seria chamado, afinal, ele é o Príncipe regente, porém, haviam se passado vários momentos e o mesmo não deu o ar de sua graça novamente.
Estava andando pelo salão quando escutei meu nome ser pronunciado logo ao lado.
Quando me virei e encarei o homem que havia pronunciado meu nome, percebi que estava na presença de alguém que já devia me conhecer, mas eu não fazia ideia de quem o mesmo fosse. Mas havia uma vaga chama de lembrança em minha memória.
— A princesa é realmente estonteante como todos dizem — o mesmo disse enquanto cumprimentava-me com um floreio.
Sorri ao seu cumprimento.
— Sinto já lhe conhecer, senhor, porém não consigo lembrar-me de onde — confessei.
O mesmo sorriu em minha direção.
— Chamo-me Lionel Riley, sou o duque de Hampshire — o mesmo revelou, o que me fez entortar um pouco o nariz em desgosto. — Receio ainda não conhecer a princesa, mas muito provavelmente a mesma já conheça a minha irmã, Izabele.
Eu não conhecia aquele homem, o que eu conhecia nele que me fazia parecer já ter o visto em algum momento antes, era sua alta semelhança com Izabele.
— Ouvi muito sobre o senhor. É um prazer conhecê-lo, duque Lionel.
Além de ser uma das mais conhecedoras sobre o antigo relacionamento de Izabele e Thomas, outra coisa que sabia sobre a família Riley era que os mesmos eram muito conhecidos por seu trabalho de exportação. Lionel Riley era quem regia os assuntos da família atualmente, já que os pais de ambos encontrava-se em idade muito avançada.
— As coisas que ouvi falar sobre vossa alteza são tão agradáveis e incríveis aos ouvidos, tanto que o que sai pela boca de minha irmã parece ser totalmente mentira. Ainda mais agora quando olho para o rosto belo e astuto, o real alvo de tais elogios.
As coisas que o mesmo falava não me incomodavam, afinal, se escutado por fora, era como se o duque de Hampshire estivesse apenas elogiando e admirando a futura rainha, em respeito, porém, o rosto que o mesmo direcionava a mim dizia-me totalmente o contrário.
Era como se o mesmo estivesse zombando do meu ser.
Sorri em resposta.
— De tanto ser elogiada, não julgue-me senhor, se começar a sentir-me um tanto quanto tímida.
O mesmo soltou uma pequena risada.
— Distante de mim fazer a princesa sentir-se de tal maneira — o mesmo falou enquanto aproximava-se em pequenas passadas, ficando a poucos passos de mim. — Diga-me, princesa, deve ser difícil para vossa alteza pisar em terras antes inimigas. Desconfortável até, porém, tem um efeito calmante saber que logo duas terras estarão em paz, não é? — continuou falando enquanto passava por mim, esbarrando de leve, como uma pluma em meu braço. Agora o mesmo encarava o céu noturno lá fora, através da mediana janela.
— Não me sinto em terras inimigas, logo menos farei parte da Inglaterra.
— Não é incrível o poder que uma carta tem? Coloque seus sentimentos verdadeiros na mesma, junto com palavras embebidas na tinta escura do saber e da razão e então, dois países são capazes de unirem-se.
Semicerrei meus olhos em sua direção, não gostava daquela homem. Passaram-se apenas poucos momentos, mas já era o suficiente para saber que o mesmo era pior que Izabele. Pois, enquanto a mesma apenas agia impulsivamente por conta de seus sentimentos por Thomas, seu irmão parecia ser alguém que gostava de brincar com as palavras e fazer as pessoas confusas diante delas e de seus verdadeiros significados.
— A carta com o conteúdo do tratado de paz, você diz?
Era do saber de todos o quanto os dois países antes encontravam-se na mais pura ganância por território e poder, ambos não se importavam com mortes ou coisas piores, porém, bastou uma carta de James, o falecido rei Inglês, para o atual rei da França, que, então, quando ambos se viram pessoalmente, o acordo foi feito e não houveram mais mortes ou guerras.
— Isso mesmo — Lionel concordou. — Fico perguntando-me se o conteúdo da carta que Izabele está entregando agora mesmo para Thomas vai ter o mesmo efeito — abri minha boca sem entender, sem saber ao certo o que dizer. Carta? — O efeito de desfazer seu belo rosto solene e enviá-la de volta ao buraco de onde saiu.
Quem aquele homem pensa que é? Os dois juntaram-se para tentarem me arruinar? Com quem os mesmos pensavam que estavam brincando?
— Espera que eu corra desesperada? Não faz meu feitio, duque Lionel. Pois, veja bem, estamos no meio de uma festa onde seu principal feito é me declarar sua rainha. Se o senhor for inteligente, então está mais ciente do que minha própria pessoa de que sair e abandonar meus convidados assim seria muito vergonhoso e desrespeitoso da minha parte.
E, para minha surpresa, o homem à minha frente gargalhou. Como se eu houvesse acabado de lhe contar a melhor das piadas.
— Então deixaremos Thomas ler a carta? Eu gostei muito de vossa alteza, a princesa — o mesmo falou animado, enquanto parecia avaliar-me de cima abaixo.
Dei de ombros.
— Por que não? Ler é um exercício para a mente — respondi enquanto batia dois dedos ao lado da cabeça. — É o que dizem.
Lionel parecia preparado para me dar mais uma de suas respostas, mas então, o mesmo foi interrompido por uma mão coberta em uma luva de cor branca, que pousou de repente em seu ombro esquerdo, fazendo o mesmo encarar primeiro a mão e depois virar-se, apenas para ver o uniforme branco com detalhes em ouro da Infantaria Francesa.
A voz que veio logo em seguida ensopada em um sotaque forte, tentando seu melhor ao pronunciar o inglês fez-me quase me sentir como se estivesse novamente na França.
— Com sua licença, poderia dar-me alguns pequenos momentos da atenção de vossa alteza? Passei metade do grande festejo a procurando em vão, perdoe-me se estiver sendo intrusivo.
O mesmo disse e tranquei o grande sorriso que quis aparecer de repente em meus lábios.
Lionel pareceu ter certa dificuldade para entender todas as palavras de Kitty, afinal, o sotaque do mesmo era forte, sua língua se embolava e logo mostrava de onde o mesmo vinha.
— Não é incômodo — Lionel finalmente respondeu, mas antes de sair, o mesmo voltou a se virar em minha direção e me encarar. — Com sua licença, vossa alteza — o mesmo pediu enquanto se curvava em minha direção.
Acenei com minha cabeça, demonstrando que o mesmo já podia sair.
Quando seus passos se distanciaram por entre a multidão, levantei meus olhos e encarei Kitty pela primeira vez. Foi impossível esconder meu pequeno e singelo sorriso.
O homem à minha frente não se parecia em nada com o pequeno menino e adolescente que costumava conhecer. Sua altura havia duplicado e o bigode em seu rosto já mostrava o homem que meu amigo de infância havia se tornado.
— Votre Altesse, ce serviteur est heureux de vous revoir — disse enquanto se curvava por um longo período em minha frente, seus longos cabelos dourados caindo um pouco para frente.
"Sua Alteza, este servo está feliz em vê-la novamente.", ele disse em francês e foi como estar de volta em casa.
Abri a boca para responder, mas uma sensação ruim me fez fechá-la de imediato.
Queria muito poder conversar com Kitty, porém, acabei de ser ameaçada e pelo que Lionel havia acabado de indicar, Izabele estava neste momento entregando uma carta de conteúdo duvidoso para Thomas, algo que segundo ele afastará o mesmo de mim.
Ao invés de responder Kitty, apenas toquei em seu ombro, o fazendo reerguer-se e dei um olhar que indicava que depois conversávamos. Neste momento, estava pronta para correr até Thomas, contrariando todo meu discurso anterior para Lionel, porém, antes que conseguisse sair dali às pressas, Kitty agarrou uma de minhas mãos e me puxou para o centro do salão.
— Danse avec moi, princesse — o mesmo disse, me convidando para uma dança, enquanto segurava em minha cintura e me arrastava para o centro do salão, sem esperar por minha resposta.
O encarei como se o mesmo tivesse enlouquecido.
— Je ne veux pas danser, Kitty! — foi o que respondi, dizendo que não gostaria de dançar, não naquele momento, o repreendendo em um tom severo.
Porém o mesmo apenas sorriu em minha direção.
— É uma pena, princesa. Pois tenho algo para lhe entregar — Kitty respondeu, com seu sorriso ainda intacto.
E por mais que começar uma conversa em francês, minha língua nativa, me fizesse sentir muito bem, eu estava disposta a dizer que não queria que o mesmo me entregasse nada, só gostaria que me soltasse, porém, o mesmo soltou a mão que me guiava pelo salão, não parando seus passos e, em um ato rápido demais para os olhos alheios, Kitty enfiou sua mão enluvada por entre nós, afundando-a no bolso de seu casaco e puxando algo de lá.
— Faz parte do meu trabalho não deixar nada ocorrer com a princesa — olhei espantada para o mesmo, como se não acreditasse no que via.
— Como?
— Que tipo de Capitão da Infantaria eu seria se não pudesse dar conta de uma simples carta?
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