VI - Dama que angaria por atenção
DOIS DIAS HAVIAM SE passado desde que recebi o bilhete de Thomas, depois disso, ele também recebeu o meu e desde então, viemos trocando esses bilhetes um com o outro em uma vaga forma de comunicação. Eles eram sempre muito breves, com alguma frase de um autor e logo em seguida, alguns elogios ou pensamentos nossos. Era quase como se estivéssemos nos redimindo aos poucos sobre nossa discussão em seus aposentos.
Desde aquele dia, parecia que anos haviam se passado.
Já era quase final de tarde e eu estava escrevendo cartas em nome de Thomas, quando, de repente, Gisele apareceu como um rompante na porta, sem nem ao menos bater, ela disse em forma de arauto, assustando tanto eu que estava concentrada escrevendo, quando Marjorie e Ellen que arrumavam meu quarto:
— Sua alteza, o príncipe Thomas, acabou de sair de seus aposentos! — ela informou animada em minha direção.
No início de minha estadia no palácio inglês, eu me via apenas com Marjorie como apoio, afinal, ela me foi designada por Thomas, por que uma princesa necessita de uma jovem dama a acompanhando ao seu lado, porém, só havia ela, era um número bem pequeno comparado ao meu número de damas no palácio francês, já que, em Cavendish, na França, meia dúzia de damas me seguiam pelo palácio francês.
O fato de apenas uma se resignar a me ajudar aqui, não me era grande surpresa, porque, afinal, por conta do sangue francês que corre em meu corpo, eu não culparia os ingleses a se recusarem a andar e servir alguém da corte dos mesmo que viviam matando seu povo. O mesmo aconteceria no palácio francês, sem dúvidas.
No começo, Marjorie me seguia por ordem de Thomas e, é claro que ela o faria por decreto de seu futuro rei, a mesma nunca se recusou a nada que eu pedia, porém, quando nos conhecemos era óbvio em seu olhar como ela não queria estar ali. Agora, eu sei que ela me considera, assim como eu a ela.
Ellen e Gisele foram damas de companhia de Amélia e Olivia, as irmãs de Thomas, antes das mesmas casarem-se e deixarem o palácio. Agora, elas se ofereceram para serem minhas damas, no qual, eu aceitei de bom grado.
Os efeitos de meus feitos até mesmo já haviam me presenteado com mais duas damas de companhia.
Ellen era mais reservada, sempre calada e só respondia quando contestada, já Gisele, é animada por todas nós.
— E onde ele está? — perguntei enquanto me levantava do meu assento em frente à escrivaninha.
— Vossa alteza se encontra no jardim do palácio, está tomando chá no Jardim de Verão! — anunciou animada.
O palácio inglês é enorme em tamanho e elegância, com vários aposentos, todos os variados e específicos tipos de salas e enormes jardins. Todos eles diferentes uns dos outros e com seus respectivos nomes das estações.
— Quer dizer que ele já está bem? — perguntei e ela acenou com a cabeça várias vezes em minha direção.
— Muito bem! Tomando chá e conversando com príncipe Henry no jardim — ela mal havia dito e eu já sabia que "conversar", era uma palavra bonita, um disfarce, para: "eles estão novamente brigando". Afinal, o único dia em que eu não vi esses dois conversarem um com o outro foi na noite em que Thomas chegou ao palácio de sua viagem e doente. Depois, com o vigor já revigorado, os dois só sabiam discutir um com o outro. — Vossa alteza irá encontrá-lo, estou certa? — ela perguntou ainda animada.
Por um momento, pensei em não ir e esperá-lo me chamar, porém, isso muito provavelmente não iria acontecer, já que eu o havia dito para me evitar e até agora ele tem cumprido muito bem com sua promessa.
Então, eu mirei novamente a mesa abarrotada de cartas sobre os mais variados assuntos políticos que estavam endereçadas à Thomas e respondi:
— Sim, eu irei vê-lo no Jardim de Verão, uma vez que o mesmo já se encontra melhor de sua gripe.
Tão rápido quanto um piscar de olhos, as três estavam reunidas na minha frente, uma ao lado da outra.
— Acho melhor vossa alteza trocar de vestido então — disse Marjorie. — Está com o mesmo desde esta manhã.
— Sim! Vossa alteza, princesa Anne, precisa colocar seu vestido azul. Vossa alteza fica tão esplêndida na cor azul! — Gisele murmurou enquanto já ia em direção ao roupeiro.
— Vossa alteza também precisa refazer o penteado, os cabelos já estão soltando-se do seu fontange, deixe-me fazê-lo novamente para vossa alteza — Ellen pediu e eu concordei, passando as mãos nos fios em minha cabeça e percebendo que os mesmos realmente se encontravam meio bagunçados.
Me sentei em frente a penteadeira e deixei que ela desfizesse o fontange, apenas para fazê-lo novamente.
Meus passos e de minhas damas eram ecoados pelos corredores do palácio enquanto seguíamos em direção ao Jardim de Verão, não sei se era por conta do calor que fazia naquela tarde ou da minha ansiedade em finalmente rever Thomas, mas eu suava um pouco quando saí de meu quarto, me fazendo assim, quase que obrigatoriamente descer na companhia de um leque.
Eu me abanava com o mesmo enquanto caminhava em direção ao jardim, porém, o calor ficou ainda mais insuportável quando, de repente, parei no lugar, parando de caminhar e agitar o leque em frente ao colo.
Marjorie, Ellen e Gisele pararam atrás assim que perceberam minha súbita mudança de humor.
Nós quatro miramos a entrada do jardim, a porta estava levemente aberta e seguindo em sua direção, lá estava ela, Izabele.
— O que a duquesa Izabele faz aqui? Ela já não deveria estar em sua casa em Hampshire? — Marjorie perguntou em voz alta o que eu atualmente perguntava-me em pensamentos.
Izabele havia ido embora do palácio há dois dias, foi o que me foi dito, que ela havia deixado Westminster naquele dia, porém, lá estava ela novamente.
— Duvido que a duquesa não tenha escutado os falares espalhados por Westminster e até mesmo fora dele. Ela deve realmente ter um ego muito inflado para ainda conseguir ter a coragem de dar o ar de sua graça por aqui — Gisele proferiu amargamente e, no mesmo instante, Izabele pareceu ter percebido minha presença ali, pois parou nas portas, antes de passar por elas, me encarando do outro lado do corredor com suas duas damas.
— Quais falares? Eu não escutei nada sobre Izabele — perguntei curiosa.
Gisele limpou sua garganta e se aproximou.
— Vossa alteza vive ocupada com assuntos políticos e ajudando o povo, é natural que não tenha ouvido falar — explicou ela, o que fazia muito sentido. — Como todos são conhecedores do antigo relacionamento do príncipe regente e da duquesa Izabele, depois que os cidadãos ingleses conheceram o rosto de vossa alteza, logo começaram a dizer que certamente o príncipe largaria Izabele e deixaria de custear suas visitas ao palácio.
Aquilo me fez sorrir aos poucos.
— Certo, agora eu entendo — respondi enquanto voltava a agitar meu leque e a andar. — Angariar parece ser mesmo o jeito dela de fazer as coisas.
— Certamente. Porém, aquistar é o que vossa alteza tem feito e é bem mais respeitoso do que sair por aí angariando atenção — ela respondeu pouco antes de estarmos todas de frente à porta para o Jardim de Verão.
Há dois passos de mim, estava Izabele, com os cabelos esbranquiçados, vestido rosado e um olhar espantado ou talvez surpreso. Com os enormes olhos escuros arregalados me encarando de cima a baixo, ela era uma palma mais baixa que eu, mesmo em seus saltos.
— Duquesa Izabele, boa tarde — cumprimentei.
Ela fechou a boca e piscou várias vezes, porém, ainda não me respondeu. Fechei meu leque que estava entre nós, distribuindo aos presentes um barulho alto e repentino vindo do mesmo.
Ela pareceu se assustar e piscou mais algumas vezes antes de me responder:
— Boa tarde, princesa Anne — disse com um cortejo de cabeça. — Fiquei surpresa por um segundo, pois, diziam que vossa alteza estava ausente de aparições por conta de assuntos políticos.
Sorri em sua direção.
— De fato, porém, que tipo de futura rainha eu seria se não deixasse tudo isso de lado e viesse ver meu senhor no dia de sua alta? — proferi ainda sorrindo e a mesma contorceu os lábios. — Disseram-me que a duquesa havia deixado Westminster há dois dias, não esperava pela repentina visita, se não, teria pedido que arrumassem os aposentos especialmente para sua presença.
Izabele cruzou as mãos em frente ao corpo e voltou a me olhar.
— Não é mesmo necessário, vossa alteza. Tão repentinamente quanto cheguei, logo irei me ausentar. Apenas vim porque soube da alta de Tommy.
Por dentro, eu fervia em ódio e descontrole. Querendo fazê-la engolir de volta para dentro suas palavras e o tom com o qual falava comigo.
Por fora, porém, eu ainda sustentava meu sorriso e trejeitos, como se estivesse conversando com minha melhor amiga, mesmo depois de Izabele proferir aquele apelido de Thomas de forma tão desavergonhada, com um tom de voz meloso, quase como se gemesse enquanto sorria em minha direção.
"Não tem mesmo medo de passar vergonha a angariadora", Gisele murmurou baixo às minhas costas e nós quatro demos risada, no que, logo o sorriso de Izabele sumiu tão rápido quanto apareceu. Ela estava pronta para dizer algo, porém, a impedi quando voltei a abrir meu leque e um novo barulho voltou a se fazer presente, a assustando.
— Compreendo, duquesa. Porém, a senhorita também entende que não vejo meu senhor desde muitos dias, então tenho certeza que nós dois temos coisas importantes a tratar. A duquesa pode esperar no salão, ou talvez nos fazer uma visita um outro dia, quem sabe? — ela mais uma vez parecia prestes a me responder, mas voltei a fechar meu leque. — Agora, se me der licença, tenho assuntos a tratar com o meu senhor — com um leve aceno de cabeça, passei pelas portas do jardim com minhas damas logo atrás, seguindo meus passos.
Chegamos à metade do jardim e uma explosão de risadas foi solta bem ali, as três riram como nunca antes, até mesmo Ellen, que era sempre tão calada.
— Deus, obrigada por dar a honra a esta serva de assistir o dia em que Izabele cairia ao chão! — Gisele falou em forma de prece, com as mãos unidas uma à outra.
Eu também queria rir, porém, escondi os vestígios de minha risada por detrás do leque.
— Talvez eu tenha sido raivosa demais com ela, apenas deveria ter ignorado suas tentativas de me ver irritada — disse o que estava pensando.
Afinal, que tipo de futura rainha é essa que não aguenta nem uns insignificantes insultos?
— Nada disso, vossa alteza foi brilhante, muito bem feito para ela — Gisele falou, parando de rir e tomando ar.
— No fim, a porcelana pendeu para o lado dela — Marjorie pronunciou e Ellen apenas fazia concordar com a cabeça.
Fui em sua direção e apanhei as cartas que a mesma carregava consigo desde que saímos do meu quarto.
— Aqui eu dispenso vocês, podem tomar o resto da tarde da forma que as agradar — falei e as três sorriram ao mesmo tempo.
— Já que vossa alteza insiste, então nos despedimos aqui. Nos chame se necessitar de algo — Gisele disse e eu logo concordei.
— Boa sorte com o príncipe regente, vossa alteza — Ellen desejou no que, logo as outras duas vieram com gracejos de "boa sorte" também, antes de se virarem e saírem do Jardim de Verão.
Mirei as cartas em minhas mãos e a pequena ponte de pedras do outro lado, sustentada acima de um pequeno rio e envolta por grama um tanto alta. Lá ficavam as pequenas mesas para se tomar chá, logo, comecei a andar em direção da ponte e quando cheguei em sua metade e olhei mais adiante, observando as pequenas mesas redondas cobertas por uma pequena construção elegante e envolvida por algumas flores, encontrei um par de olhos azuis já mirando a pequena ponte de pedra na qual eu me encontrava.
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