V - O peso de um título
LER ABSOLUTAMENTE SEMPRE FOI uma de minhas paixões desde que madame Simone me alfabetizou quando criança, era uma forma de viajar estando sempre no mesmo lugar, sem precisar de locomoção.
Lembro-me que em minha infância, sempre passei por rígidos ensinamentos, afinal, nasci uma princesa; havia de andar, falar e agir como uma. Mamãe sempre dizia-me que ser uma princesa, rainha ou quaisquer que fosse seu título, nunca se limitava somente a isso. Afinal, do que adianta ser uma princesa se não tem a voz e ao mesmo tempo leveza para se mostrar uma? Do que adianta ser um general e não souber dar seus comandos? Do que adianta ser um rei e não souber cuidar de seu país e povo?
"Ser uma rainha é mais do que somente se mostrar bela ao lado de seu rei. Ser uma rainha é compreender os assuntos tratados sendo eles política ou somente uma piada. Ser uma rainha é se demonstrar solene com seu povo e altiva com sua voz, para saberem logo que lhe mirarem, quais são seu cargo e título ali", isso é o que mamãe sempre me dizia e eu sempre levei as palavras dela a sério.
Eu não queria ser conhecida como Anne Cavendish, a princesa da França que foi dada ao reino inglês em troca de paz. Afortunada. Moeda de troca.
Não, eu era Anne Cavendish, a princesa da França, futura rainha do trono Inglês, ao qual, no momento, assumia o lugar do futuro marido acamado, pois, conhecedora de assuntos políticos e que sabe muito bem sobre seu posto de rainha, não toleraria ser tratada menos que isso.
Eu, Anne, agora encontrava-me no posto de Thomas, cuidando de seus assuntos enquanto o mesmo ainda se encontrava acamado por conta de seu resfriado. Já se faziam duas semanas, era como se eu estivesse assumindo o posto de príncipe regente, por alguma questão, esse posto deveria ter sido de Henry, já que o mesmo é irmão de Thomas, não importa se um bastardo, o posto era dele.
Houveram discussões e eu me intrometi, dizendo que poderia cuidar das coisas mínimas como, responder cartas, por exemplo. Thomas ficou sem saber ao certo de início, até que enfim, acatou ao meu pedido. Todos foram contra, afinal, sou uma mulher e devido aos vários contratempos, eu e Thomas ainda não éramos casados. Porém, ele parecia confiar mais em mim do que em Henry.
Eu reluzi. Era ali, aquela era a minha chance de mostrar meu título e que ninguém, absolutamente ninguém! Poderia roubá-lo de mim, afinal, eu nasci e fui criada visando o trono, fui criada para ser uma rainha e nada menos que isso.
Eu não aceitaria menos que isso.
Comecei a responder cartas no lugar de meu futuro marido, tratando assuntos básicos. Primeiro, visei a confiança de Anthony, o servo pessoal de Thomas. Ele sempre ficava ao lado do mesmo e parecia o ajudar muito, Thomas parecia confiar piamente nele, ele foi um dos que foram contrários ao meu pedido, porém, depois de demonstrar que eu sabia muito bem o que estava fazendo ali, ele aos poucos começou a me ajudar com tudo aquilo. Tratando-me como um jovem rapaz ascendente ao trono, o que não me incomodou nem um pouco, afinal, apesar de não aceitar o fato de eu ser uma mulher e fazer o que fazia, não era isso o que eu queria dele, o que eu queria era que ele visse minha importância e falasse sobre isso com Thomas e eu consegui.
No fim, eu era quem sentava-se sob o trono de Thomas com dezenas de aldeões, plebeus, à minha frente, julgando-me com seus olhares, dizendo coisas como "Como ela ousa sentar-se no lugar de vossa alteza real, o príncipe Thomas?", porém, eles não podiam julgar-me.
Eu sabia muito bem que não deveria me sentar ali, mas, olhando ao redor da sala do trono, onde mais eu deveria me sentar? Nas escadarias logo à frente?
Não, quando eu me casasse com Thomas, eu o pediria para que meu trono fosse logo ao seu lado esquerdo.
De início eles me julgaram, porém, com sorriso doce, voz melada em mel e o mais importante de tudo, comigo resolvendo seus problemas como se fossem coisas fáceis a se tratar, eu já era reconhecida rainha sem nem ao menos ainda ser uma.
O povo Inglês já me reconhecia como sua rainha, Anne de Cavendish, solene com seu povo e sempre os dando atenção e o máximo de sua audição.
Eu só queria que depois de tudo isso, quando Thomas se levantasse de sua cama e retornasse ao seu posto, ele me reconhecesse como tal também, vendo minha importância e que por mais que quisesse, eu nunca poderia ser substituída por ninguém, afinal, eu já tinha a corte e o povo Inglês ao meu lado, me respeitando e reconhecendo. Ele nunca poderia me tratar sendo menos que isso.
Agora, depois dessa semana cansativa, eu me encontrava deitada sobre a minha cama lendo.
Apesar de andar com altivez, levantar minha voz e nunca me rebaixar, por dentro, eu morria de medo de que na verdade nada disso desse certo e no fim Thomas ainda a escolhesse e eu seria sempre forçada a ser um segundo número ao invés de ser o primeiro. Por isso, depois de exercer minhas funções, eu sempre me deitava ao final do dia e lia um livro para fingir estar em outro lugar e fugir das preocupações que assolavam meu âmago.
Tinha total consciência do meu título, porém, ele pesava tanto em minhas costas. Eu o aceitava como meu rei e meu marido, por que ele não poderia fazer o mesmo? Por que eu tinha que forçá-lo a isso?
Quando menos percebi, já havia me perdido nas linhas da história e mais uma vez as lágrimas quase caiam de meus olhos. Fechei as pálpebras e me acalmei, até que escutei o som da porta sendo aberta. Não precisei abrir meus olhos para saber que se tratava de Marjorie, afinal, era somente ela quem me dava a honra de receber visitas.
Se é que contavam como visitas já que a mesma era uma de minhas damas.
— Vossa alteza Anne — ela cumprimentou depois de bater e sem esperar por uma resposta, entrar. Ela parecia animada, me encarando como se estivesse prestes a me entregar a mais maravilhosa das notícias. — Venho aqui para entregar um recado.
Assenti com a cabeça e respondi de antemão:
— Pode falar, Marjorie — ela deu um sorriso e estendeu a mão em minha direção, em um punho fechado, logo em seguida o abriu e revelou um pequeno papel dobrado. — O que é isso? — perguntei curiosa e intrigada.
— Não sei o contéudo, vossa alteza — ela falou, porém, logo estendeu mais ainda a mão em minha direção, como se dissesse para eu pegar logo o pequeno papel. — Mas quem me pediu para lhe entregar foi Anthony, o servo pessoal de vossa alteza, o príncipe Thomas, dizendo que o mesmo gostaria que a senhorita lesse.
Mal Marjorie havia terminado sua fala e eu roubei o pequeno papel dobrado de sua mão com pressa. Desdobrando-o ainda mais rápido e, logo me deparando com o conteúdo escrito por Thomas.
'O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê'
Pergunto-me se vossa alteza já escutou tal frase? Como jovem conhecedor, assim que eu a li nesta tarde, logo pensei na senhorita.
— Por que do grande sorriso? O que diz o bilhete? — Marjorie perguntou e eu a entreguei o pequeno papel para que a mesma lesse seu conteúdo. — É uma bela frase — ela falou também sorrindo.
— Sim, ela é — peguei o pequeno papel e me direcionei para a escrivaninha, guardando-o em um pequeno adorno de porcelana no qual guardava minhas jóias. Logo em seguida, pegando papel e uma pequena pena, embebedando-a no tinteiro e começando a escrever seu conteúdo. — Aqui, entregue para Anthony e diga que é para vossa alteza, o príncipe — disse, entregando-a outro papel igualmente dobrado.
Marjorie prontamente pegou o pequeno papel de minhas mãos e o guardou em um dos bolsos de seu avental.
— Isso é bom, não é? Parece que até mesmo vossa alteza, o príncipe Thomas, está reconhecendo os feitos da senhora — ela murmurou alegremente.
Eu concordei com a cabeça.
— Que tipo de homem sem coração ele seria se não o fizesse? — Marjorie concordou enquanto ria de minhas palavras. — Além do mais, sabe me dizer se ele melhorou?
— Escutei os médicos saírem do quarto de vossa alteza dizendo que o mesmo se encontrava bem melhor, dizem que ele até mesmo já anda pelo quarto.
Aquilo me fez sorrir satisfeita.
Thomas cumpriou com o que eu havia lhe dito, ele não me chamou depois daquele dia e eu também não o procurei, mas, apesar de não ir ver seu estado com meus próprios olhos, Marjorie fazia isso em meu lugar todos os dias e, hoje, ele poderia ter sido teimoso e me convocado aos seus aposentos, porém, me mandou um pequeno recado em um pequenino pedaço de papel, com poucas palavras.
— Isso é muito bom — respondi enquanto voltava a me sentar em minha cama e pegar meu livro, porém, não consegui voltar a lê-lo, ainda pensando no conteúdo do pequeno papel. — Quem foi o visitar hoje?
Marjorie pareceu ponderar suas próximas palavras, encarando seus sapatos, a olhei severamente.
— O que foi, Marjorie? Pode apenas dizer — ela concordou com um balançar de cabeça, colocando os braços para trás do corpo e voltando a olhar nos meus olhos.
— Além das visitas dos médicos, de Anthony e Henry, a duquesa Izabele também o foi visitar hoje — soltei meu livro na cama acolchoada, fazendo o som reverberar pelo quarto, fazendo ser escutado minha mais pura indignação. — Mas não se preocupe, vossa alteza! Ela ficou por pouco tempo antes de sair.
Como ela é ousada! Por que ela simplesmente não desiste de uma vez? Ela não vê que sou eu quem futuramente será a esposa de Thomas? Por que Izabele continua a insistir tanto?
Ela é a pedra no caminho de ladrilhos que construí com tanta dedicação!
— Estou cansada, Marjorie — disse, com um aceno de mão, indicando que ela se retirasse.
— Certo, tenha uma boa noite de sono, vossa alteza — ela desejou antes de sair pela porta do quarto e me deixar sozinha novamente.
Às vezes, nesses momentos onde me vejo desamparada e sem saber mais o que fazer em meio a tantas outras coisas que já fiz, me pego pensando no palácio francês, onde costumava morar. O palácio situado em Cavendish era calmo e não importava os problemas quais fossem, eu sempre teria alguém para me amparar e me ouvir.
No palácio inglês, minha nova morada, eu somente tinha a mim mesma.
Havia passado esse tempo todo ignorando Izabele e dando-a a chance de se afastar por ela mesma, não a julgando como alguém que me atrapalhasse, afinal, eles se conheceram antes de Thomas se tornar meu noivo, mas agora, ela tinha conhecimento disso.
Ou talvez não tivesse, talvez a mesma tivesse se esquecido e eu tivesse que fazê-la lembrar-se.
Não como uma ameaça, apenas com uma conversa. Um lembrete.
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