Prólogo
EU SENTIA O CONSTANTE movimentar da carruagem, me jogando de um lado ao outro, fazendo-me me sentir um tanto quanto enjoada, mas julgando que já estávamos a mais horas do que sou capaz de lembrar-me sendo jogadas de um lado ao outro, sentindo a carruagem passar por buracos na estrada de terra e ainda por cima tendo que aguentar o silêncio constante de Rosie logo à minha frente, bom, era realmente um milagre enorme eu ainda não ter vomitado.
Olhei para o lado de fora da carruagem, afastando um tanto a cortina logo ao meu lado na pequena janela, apenas para perceber que casas já podiam ser avistadas não muito ao longe, o que fez meu estômago embrulhar-se ainda mais dentro de mim.
O meu triste e amargo futuro estava sendo socado sendo dó nem piedade pela minha garganta.
Ardia e me fazia sentir-me inquieta por não poder fazer absolutamente nada contra tudo isso.
— Acho que irei vomitar — murmurei quebrando o silêncio terrível que pairava sobre nós.
Rosie me olhou com pesar.
— Não faça isso, seu futuro marido não irá gostar de lhe encontrar e o primeiro cheiro que sentir de sua futura esposa ser o de vômito — as palavras que saíram da boca dela só fizeram meu enjoo piorar.
Abri a janela e deixei que o ar dos campos entrassem e batessem contra o meu rosto.
— Você está pálida — ela observou.
Dei uma pequena risada enquanto sentia o vento bater no meu rosto, fechei os olhos para degustar ainda mais da sensação e tentar esquecer-me do enjôo importuno.
— Será que ele me perdoará por fazer minha primeira aparição inconsciente? — perguntei ainda de olhos fechados.
A pergunta havia sido séria, afinal, eu realmente estava sentindo que seria capaz de desmaiar de nervosismo a qualquer momento, mas a risada de Rosie cortou o ambiente e me fez rir também.
— Acho que sim, afinal, ele se sentirá aliviado quando ver que é bonita.
Fiz uma careta e abri meus olhos, ainda rindo.
— Será que ele é bonito? Quer dizer, eu já vou me sentir sortuda o bastante se ele ao menos for bondoso e educado, mas se o mesmo não for um velhote, com dentes faltando e um pervertido, eu também agradeceria bastante — confidenciei enquanto mexia nervosamente no colar de pérolas que havia em meu pescoço.
Rosie riu abertamente.
— Dizem que ele é o mais bonito dos irmãos — falou enquanto se inclinava em minha direção. — Mas sabe o que diziam sobre o Duque de Nantes, não é? Diziam que a beleza dele era de roubar o fôlego, mas quando o vimos descobrimos que o que realmente lhe roubava o fôlego era sua enorme pança — murmurou enquanto demonstrava com uma das mãos a barriga enorme do duque de Nantes, o que me fez rir mais ainda.
— Isso era para me dar esperanças? — perguntei e ela segurou uma risada em resposta. — Que seja rechonchudo, mas não seja uma pessoa ruim.
Paramos de rir e Rosie voltou a encostar em seu lugar no assento à minha frente.
Olhamos as duas para fora da janela no exato momento em que a carruagem começou a passar pelas ruas da cidade, demonstrando finalmente que estávamos mesmo em Londres depois de dias de viagem.
— Você precisa ser forte, Anne, não só por você mesma, mas pelo nosso país também.
Concordei com a cabeça enquanto me ajeitava no assento.
— Sei disso, foi o que mais tive que escutar durante o último mês.
Não era novidade para ninguém que a França e a Inglaterra passavam por maus momentos, os dois países nunca se deram bem, a constante luta por poder, posses e títulos, fazia dos dois países completos rivais. A destruição, caos, fome e todo o sangue derramado que essa rivalidade resultou prejudicou ambos os países, fazendo com que os dois entrassem em comum acordo, um acordo vantajoso para ambos os lados. A população encontrava-se finalmente em paz depois da aparente trégua, não haviam mais mortes e nem constantes tentativas de invasão, todos estavam alegres acima do possível.
O preço pela paz havia sido eu, princesa Anne Cavendish Benoit. Por ter nascido com sangue real nas veias fui posta como objeto de paz. Há dez anos atrás, foi sugerido um casamento entre o príncipe herdeiro da Inglaterra e a única filha da família Cavendish, a família real da França. As mortes cessariam, os roubos e constantes invasões de território também, mas assim que chegasse a hora certa, eu deveria me casar com o príncipe Thomas, juntando assim ambas as famílias e países, expandindo ainda mais o território de ambos, riqueza e população.
O prêmio era a paz, o custo era o meu futuro.
Eu estava ciente disso tudo há mais de dez anos, a única coisa que sabia sobre Thomas David Lewis V, era que ele logo assumiria o trono e que era o quinto de seu nome. O resto era uma grande incógnita, não sabia como eram suas feições, o que gostava de fazer ou o que não gostava de fazer.
Nasci uma princesa e sabia que tinha um dever a cumprir, sabia que devia fazer tudo isso por um bem maior e que meu corpo, mente e alma já tinham um futuro dono e que deveria guardá-los para o mesmo. Mas não meu coração, não, ele batia livre e era a única coisa em mim que eu não havia guardado para Thomas.
— Sabe o que você não escutou? Vai dar tudo certo e não se preocupe. Você vai estar em todas as minhas orações, Anne, assim como sempre esteve e bom, nada nunca te aconteceu de ruim até hoje, não é? — Rosie murmurou com um pequeno sorriso em minha direção, tentando me passar a sensação de coragem, assim como sempre o fez.
O sol que batia na janela ao nosso lado e refletia em seus olhos, demonstrava, mesmo ela querendo esconder, a angústia no fundo de seus olhos esverdeados.
O momento havia chego, afinal, o pai de Thomas havia falecido há poucos dias. Eu deveria então me casar e virar rainha da Inglaterra, governar ao lado de Thomas.
Tudo isso não fazia sentido algum quando eu olhava por mais tempo do que deveria para o rosto delicado de Rosie e sentia meu coração se descompassar.
— Irei sentir sua falta — sussurrei, mas não tinha certeza se gostaria que a mesma ouvisse minha confissão.
Rosie desviou os olhos dos meus e encarou a janela, entrelaçando os dedos uns aos outros em seu colo e fitando o lado de fora.
— Eu também vou.
Aquilo me fez sentir-me ainda mais despreparada, eu estava ciente daquilo há dez anos, mas não consegui evitar de sentir o ardor na garganta e nos meus olhos.
Eu jamais a veria novamente, jamais voltaria ao meu lar e duvidava que voltasse a sentir algo tão forte assim novamente.
Mal havia chego em meu mais novo lar e já sentia-me vazia.
O restante do caminho foi como no início, no extremo silêncio. Depois de mais de uma hora sentindo o balançar da carruagem, ela finalmente passou pelos enormes portões de ferro, parando em um enorme pátio de frente para uma enorme construção tão bem conhecida como O Palácio da Família Real Inglesa.
Nós saímos da carruagem enquanto o cocheiro retirava minhas poucas bagagens. Mamãe fez-me trazer poucas coisas, segundo ela, eu ganharia melhores do meu futuro marido.
Enquanto isso, eu observava a enorme construção de enormes pedras, extremamente bem cuidado. O palácio era extremamente alto, tanto que dava-me certa vertigem olhá-lo assim de baixo.
Estava acostumada com o palácio da minha família, mas eu não o via dessa forma, como apenas um enorme palácio, eu o via como minha casa, repleto de cores quentes e amistosas risadas por todas as partes, mas ali, a cor que se estendia ao redor era o mais puro cinza e branco. Não havia risadas ao nosso redor, não havia nem ao menos vozes.
— Onde está seu príncipe e futuro rei? — perguntei ao homem de idade já avançada que havia vindo receber-me em frente ao enorme palácio.
A futura esposa dele estava logo ao lado de fora e ele nem ao menos havia vindo ver como me pareço?
— Perdoe-me, vossa alteza, meu senhor pediu-me para lhe entregar suas imensas e sinceras desculpas por não poder estar presente no dia de sua tão esperada chegada — falou enquanto oferecia-me um pequeno sorriso.
Não escondi meu desgosto quanto àquela "mensagem".
— Como assim não está presente? Onde está seu príncipe regente? — insisti, afinal, eu havia percorrido o caminho inteiro angustiada com esse momento, apenas para quando chegasse ao local da minha provação, não ser recebida pelo meu futuro marido e rei.
Sentia-me rechaçada.
O homem pançudo e grisalho à minha frente engoliu em seco e me ofereceu mais um de seus sorrisos, que eu novamente, não aceitei.
— Rei Julian faleceu há poucos dias. Vossa alteza real, o príncipe Thomas, anda muito ocupado com assuntos pendentes de seu pai fora dos muros e também com a cerimônia de coroação — explicou parecendo verdadeiramente pesaroso. — Perdoe-me, vossa alteza — ele murmurou e eu desfiz meus braços.
— Está tudo bem, não é você quem devo perdoar.
Ele pareceu não saber o que responder, mas não precisou pensar muito mais, já que Rosie logo intrometeu-se:
— Já está tudo pronto, vossa alteza. As bagagens já foram retiradas — falou diretamente à mim.
Olhei para trás da mesma e vi que minhas malas já estavam sendo carregadas para dentro do palácio.
— Ótimo, já fez seu trabalho aqui, criada — o homem ao meu lado falou e Rosie inclinou-se em uma reverência.
Quando ela estava prestes a virar-se e montar novamente na carruagem para voltar para o palácio onde crescemos juntas na França, eu a segurei pelo cotovelo e a alcancei em um abraço apertado, tentando passar através do mesmo tudo o que sentia ou até mais.
Ela o retribuiu.
— Não se esqueça de mim — pedi quando me afastei do nosso abraço, beijando sua bochecha esquerda.
Rosie olhou para os próprios pés e depois encarou meus olhos novamente.
— Jamais.
E foi dizendo isso que ela se foi, deixando-me para trás, totalmente sozinha na minha mais nova morada de cores frias.
Agora era oficialmente o momento em que deveria agir como a princesa que fui criada para ser. Eu deveria deixar a princesa Anne de Cavendish para trás e erguer meus ombros para a futura rainha da Inglaterra que supostamente estava apta a ser.
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