2- Capuccino
Quem é você, Harry..?
Uma semana havia passado desde que eu cheguei nesta pacata cidade. Tia Emma preparou os melhores biscoitos com gotas de chocolate do mundo e a vida parecia ter sentido novamente. O trabalho árduo na biblioteca nos fez limpar tudo rapidamente ao som de Elvis e Beatles. Minha tia arriscou-se com passos de dança dos anos 50 e rimos bastante quando ela se debruçou por uma pilha de livros infantis.
— Loulouzinho, se você rir da sua tia, vai nascer rugas no canto dos seus olhos. — Ela sorriu brevemente tentando se levantar.
— Tia, isso vai acontecer de qualquer forma. — Questionei ajudando Tia Emma.
— Exatamente. Aí está a graça disso tudo. Não há como evitar uma coisa que está destinada para acontecer. Cedo ou tarde terá que lidar com ela. — Emma sorriu novamente e ajustou os óculos no rosto.
— Profundo. Isso significa que posso rir um pouco mais? — Rimos e ganhei uma tapinha no braço. Após terminarmos a limpeza final, fomos para a casa dela.
A biblioteca local não era muito grande mas aconchegante se encaixa na descrição. As paredes tinham uma tonalidade caramelo e o chão era revestido por madeira. 5 estantes se espremiam pelo extenso corredor. Vários gêneros estavam disponibilizados; romance, ficção científica, fantasia, livros infantis e alguns didáticos. Desde sua inauguração, a biblioteca era o ponto de encontro de jovens apaixonados. No entanto, por causa da mudança de gestão atual da cidade, ela foi deixava de lado após o investimento em pescaria. Supostamente, os livros não rendiam tanto lucro quanto a área pesqueira.
Tia Emma como sempre amante das artes e da literatura, se dispôs a ajudar desde que sua amiga Candice solicitou uma ajudinha. Porém, ela descobriu que estava grávida e teve que se mudar para sua cidade natal devido a felicidade de seu primeiro filho. Minha tia, não havia desistido de seu sonho, a biblioteca era um lugar sagrado para ela. Muitas lembranças boas e engraçadas.
***
Após muita relutância, acabei cedendo aos pedidos insistentes de minha tia que fazia tricô enquanto assistia séries de fantasia medieval.
— Você precisa conhecer a cidade, Loulouzinho. Fazer amigos. Não dá para aproveitar suas férias com sua tia velha e seus gatos possessivos. — Emma sorriu com uma leve tristeza no seu olhar.
— Não, tia. Você é a melhor pessoa do mundo. Nunca conheci alguém com o coração tão bondoso, nem tão apaixonada por livros e gatos. — Sorri com sinceridade e observei uma lágrima solitária tocar seu rosto. Papai certamente havia partilhado seus pensamentos sobre ela em voz alta.
— Se você sair hoje, prometo que entrego um dos meus exemplares para sua leitura. Que tal? — Ela sorriu maliciosa, sabendo que eu iria ceder.
— Assim não vale, tia! Encontrou meu ponto fraco. Então, está bom. Vou dar uma volta por aí. — Revirei os olhos e subi correndo os degraus, indo em direção ao meu quarto.
Meu cantinho temporário não tinha muito luxo, apenas uma cama confortável com jogo de cama repleto de flores e cores vibrantes — como sempre — uma escrivaninha repleta dos meus exemplares favoritos, tais como: Viagem ao Centro da Terra; Quatro Vidas de Um Cachorro; Deus da Guerra; A Arte da Guerra; Morro dos Ventos Uivantes; Conto de Duas Cidades e meu queridinho: Drácula.
Havia um banheiro no quarto, pequeno e sem muitos detalhes, apenas alguns peixes colados no box de vidro. Tomei banho rapidamente, sorrindo ao observar cada detalhe cuidadoso da casa de minha tia.
Saí do banho fitando meu corpo úmido através do espelho e tentando fazer um penteado com meus fios ainda molhados. Droga, o que eu usaria hoje? Para onde iria?! Acabei escolhendo meus trajes de sempre. Camisa branca com listras azuis, uma calça preta para combinar e meu all star branco de cano médio. Passei perfume e escovei os cabelos. Por sorte, minha barba estava feita e agora tudo está em seu devido lugar.
Desci as escadas e Tia Emma deu um longo assobio, fazendo-me corar e jogar o cabelo na direção oposta.
— Você está parecendo um pãozinho que acabou de sair do forno, meu bem. — Emma sorriu doce e fiz o mesmo. — Aposto que vai encontrar uma garota linda por aí.
— Tia, eu... — limpei a garganta e pus as mãos nos bolsos, ela abaixou os óculos de grau e levantou a sobrancelha ansiosa pelo complemento. — Eu sou gay.
Ficamos calados por dois segundos que pareceram uma eternidade e a possibilidade de uma rejeição fez com a ansiedade tomasse conta de mim. Mordi o lábio, vendo-a levantar sem expressão e caminhar na minha direção. Pronto. Era meu fim. Serei usado como ração para gatos.
— Eu sempre soube, Loulouzinho. — Minha tia sorriu e fiz o mesmo, suspirando aliviado. — Isso não significa que te amarei menos.
Agora foi, meu lado manteiga derretida fora ativado. Lágrimas brotavam de meus olhos e tudo que fiz foi dar um abraço forte nela. Eu nunca havia contado para ninguém por medo de rejeição, ser motivo de piada ou a vergonha da família. Pela primeira vez na vida, não me senti um erro.
— Então, espero que você encontre um belo rapaz por aí. — Ela afagou meus cabelos e balançou as chaves de sua Kombi amarela com símbolos de paz na lateral. — Pegue. Sei que não é a Mercedes do seu pai mas isso será de grande ajuda. Beth nunca me deixou na mão.
Sorrimos e nos abraçamos mais uma vez, peguei as chaves da Kombi e sorri animado, sempre quis dirigir Beth. Me despedi e fui para a cafeteria que ela havia recomendado. Dirigir essa belezinha não era difícil. Beth era uma boa companheira que nunca nos deixou na mão. No espelho havia um filtro dos sonhos e por dentro, colagens de fotos antigas e dos gatos da minha tia enfeitavam a lataria. Tudo estava em perfeito estado e certamente, tia Emma tinha vivido os melhores momentos na sua Kombi extremamente conservada.
Adentrei na cafeteria e alguns olhares foram na minha direção, escutei burburinhos sobre ser o "cara novo da cidade" mas deixei de lado os comentários quando ouvi a junção de "Emma" e "lunática" na mesma frase. Caminhei até o balcão e suspirei fundo folheando o cardápio, logo a garçonete lançou um olhar curioso na minha direção.
— Você deve ser o sobrinho da Emma, Louis, certo? O que vai querer? — Julie, como estava escrito em seu crachá, perguntou.
— Sim, sou eu. Louis Tomlinson. — Apenas um capuccino por favor.
Ela assentiu e minutos depois voltou com rosquinhas e um capuccino fresco.
— Por conta da casa, querido. Sua tia é cliente vip. — Julie sorriu e fiz o mesmo, saboreando aquelas preciosidades.
Observei o ambiente e até que para uma noite de quinta-feira, a cafeteria estava cheia. Era um tipo de McDonald's do interior, havia vários tipos de comida, mas em sua maioria, o público era composto por jovens. O local era temático, os anos 50 parecia ter uma grande influência pela cidade. As garçonetes atendiam em seus patins e saias rodadas, o piso era preto e branco e alguns elementos da época ajudavam na composição da decoração. Escutei o sino da porta anunciar que alguém havia chegado e não foi necessário olhar para trás, o grupo de pessoas falavam alto o bastante para que todos na cafeteria soubessem que estavam chegando.
Virei a cabeça lentamente na direção deles e estreitei os olhos vendo 5 pessoas adentrarem no estabelecimento rindo exageradamente. Suspiro fundo e ao longe vejo um rosto familiar, agarrado com uma loira de olhos azuis e lábios rubros. Ótimo. O galanteador babaca está aqui. Pedi um milkshake de morango apenas para evitar esbarrar neles mas foi inevitável quando Harry e a loira faziam seus pedidos. Tentei enfiar meu rosto no cardápio mas foi impossível, ele me viu.
— Loulouzinho? Loulouzinho! — Sua voz soou animada ao me reconhecer. — Amor, você lembra que te falei sobre o sobrinho da Emma? Então, esse é o Louis Tomlinson.
Amor... Amor... Essa palavra ficou ecoando na minha cabeça. Como alguém namora esse cara?! A garota suspirou fundo e me encarou com seus olhos azuis, não fez muita diferença para mim, já que tenho a mesma tonalidade.
— O sobrinho da lunática? — A garota recebeu um olhar severo de Harry e limpou a garganta, fingindo ser simpática. — Quer dizer, Prazer. Meu nome é Lorena mas pode me chamar de Lola.
— Prazer. — Disse sem muito entusiasmo, deixando a mão dela estendida no ar. Percebendo que eu não iria apertar, Lola saiu e deixou Harry esperando no balcão.
— Então, como está a sua tia? — Ele puxou assunto, logo após pegar um palito de dente e pressionar nos dedos antes de levar à boca.
— Ela está ótima. Obrigado por perguntar. — Forcei um sorriso e internamente questionei meu Louis interior, por que eu o odiava tanto sem conhecê-lo?!
— Mande lembranças para ela. Diga que a irmã da Lola está adorando o livro e que em breve irei pegar outro. Vocês são a salvação da nossa cidade. — Harry sorriu e deixou o palito de lado, sua camiseta branca deixava suas tatuagens à mostra, o cabelo naturalmente desgrenhado e sua calça de mesma tonalidade que o coturno davam um ar bad boy para ele.
Percebendo que minha análise estava demorando demais, limpei a garganta e comi uma rosquinha para disfarçar, suguei todo o restante do milkshake e sorri brevemente.
— Claro. Irei dizer para ela. Pode deixar. — Forcei um sorriso e Harry sorriu também, mas ele franziu o cenho, olhando para a minha boca.
— Algum problema? — Perguntei tímido, com vergonha de seu olhar direcionado para meus lábios.
— É que tem uma sujeirinha aqui. — Harry apontou para a própria boca e minhas bochechas automaticamente ficaram coradas. — Aqui.
Harry passou o dedo no canto de minha boca rapidamente enquanto todas as minhas terminações nervosas entravam em alerta. Droga, droga, droga.
— Prontinho. Agora tenho que ir, Loulouzinho, te vejo depois. — Ele anunciou enquanto pegava seus pedidos e me deixava constrangido e com a vergonha em níveis altíssimos.
Por que o toque dele havia sido tão eletrizante? O que havia naquele cara além de piadas baratas e um sorriso contagiante?!
Após Harry e seu grupinho saírem da cafeteria, refiz o meu trajeto de volta para casa, estacionando o carro e suspirando fundo. Amanhã seria um longo dia, hoje, foi apenas mais um dia intenso nessa cidade que tem grandes aventuras pela frente.
Em breve, eu descobriria...
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