Mateus

Dormir nunca foi fácil pra mim pois era a noite que as lembranças vinham me assombrar! Meu passado era meu pior pesadelo e era por isso que eu estava mais uma vez ali na academia do meu loft treinando; desde que eu me lembro eu estive sozinho; pra falar a verdade isso não era um problema pra mim  mas para uma criança de seis anos era algo perturbador! Minha infância foi marcada por traumas que me influenciavam ainda hoje; me lembro como se fosse hoje, quando ainda criança acordava no meio da noite com minha mãe pedindo pra eu me esconder e eu sabia que mais uma vez aquele velhote tinha bebido além da conta e iria sobrar para minha mãe; nessas horas me encolhia no canto do armário enquanto ouvia minha mãe gritar e é por isso que atualmente dormir era algo complicado já que era nessa hora que eu conseguia ouvir os seus gritos! Neste dia, quando sai do esconderijo encontrei minha mãe caída no chão da sala e por mais que eu a chamava ela não reagia! Ela morreu ali enquanto eu estava escondido no armário e eu nunca consegui me perdoar por isso...

Depois disso; me lembro da vizinha ligando para a polícia e tudo aconteceu muito rápido, quando dei por mim já estava no orfanato onde eu conheci o verdadeiro inferno! Desconectei um pouco desses pensamentos e continuei socando o saco de pancadas da minha academia; precisava gastar energia e a única forma que encontrei de fazer isso era o treinamento, eu passava as madrugadas treinando e só quando alcançava a exaustão eu parava! Ali eu me lembrava de cada corretivo que ganhava das freiras no orfanato, das famílias abusivas que me levavam para suas casas ou dos colegas que apareciam a noite para me ensinar alguma lição e foi por causa disso que aprendi a me defender desde cedo, me lembro até hoje do Paulinho que era o novato do orfanato, ele era magrelo e chorava muito a noite! Um dia os valentões apareceram para ensinar uma lição a ele e eu o defendi a partir daí nos tornamos amigos até eu ser comunicado de que tinham encontrado o corpo dele; bateram tanto nele que tiveram dificuldade de reconhece-lo! Então aprendi desde cedo que a vida não era fácil e depois do Paulinho decidi nunca mais ter outros amigos porque no final eu sempre ficava sozinho, com o tempo tudo foi ficando pior, nenhuma família queria um jovem de 15 anos revoltado com a vida e para o orfanato era um estorvo , afinal eu era mais uma boca para alimentar, com 15 anos comecei a contar os dias para sair daquele lugar e quando sai veio a realidade, o que eu iria fazer? Para onde eu iria? Perambulei pelas ruas de Nova Yorque durante alguns dias dormindo onda dava e me alimentando quando dava  mas nada me tirava a admiração com o brilho daquele lugar , Nova York era realmente um lugar incrível e que nunca dormia! 

Um dia eu estava sentado no meio fio pensando para onde eu iria quando um homem com seus trinta e poucos anos sentou ao meu lado e disse:
-Bonito né?
Olhei desconfiado para ele, que continuou:
-Sempre achei bonita a noite dessa cidade! É tudo tão brilhante e a energia das pessoas contagia qualquer um...
Resolvi ficar calado, afinal não o conhecia  e ele podia não ter as melhores das intenções mas ele disse:
-Não precisa ter medo de mim, não vou te fazer mal, já estive sentado neste mesmo lugar observando tudo! Mas algo está me intrigando! O que um rapaz como você está fazendo sentado aqui essa hora?
Não sei se era porque ele estava me encarando ou porque ele parecia ser um homem confiável que acabei respondendo:
- Não tenho para onde ir!
Ele parou de me encarar e ficou pensativo por um tempo, até dizer:
-Já sei! Venha comigo...
Olhei espantado e disse:
-Eu não sou ingênuo assim , não vou para lugar nenhum com alguém que não conheço!
Ele sorriu e disse estendendo a mão:
-Então prazer! Meu nome é Ulisses...
Eu apertei a sua mão ainda desconfiado e ele disse:
-Eu moro com minha esposa mais quatro sobrinhos em uma fazenda aqui perto, vim resolver alguns assuntos da empresa onde trabalho e comprar um doce pra minha mulher..
Eu resolvi o interromper:
- Por que está me contando isso tudo?
- Você disse que não me conhece! Agora que te dei essas informações acho que pode-se dizer que me conhece um pouco!
- O que você quer comigo?
-Bom! Se você deixar, talvez possa te ajudar...
- Por que?
-Podemos dizer, que já passei por situações complicadas nessa vida e você se parece demais com meus sobrinhos, isso se não tiver a mesma idade que eles!
- O que você quer em troca?
- Porque eu iria querer algo em troca?
- Ninguém oferece ajuda a um desconhecido sem querer algo em troca!
-podemos fazer um acordo, se quiser!
-Qual tipo de acordo?
O homem que dizia se chamar Ulisses eu despreocupado e disse:
-Eu sei o que está pensando e não quero nada ilegal ou algo do tipo! Que tal combinar o seguinte: você vem comigo, observa tudo e vê se você gosta de ficar com minha família, se gostar pode ficar e até te ofereço algum serviço, não vou pagar muito mas pode ser um bom começo!

Estava tudo parecendo bonito e para um jovem com seus 15 anos não tinha muita saída de quisesse ter algo para comer! Eu aceitei ainda desconfiado e fui com aquele homem em uma caminhonete antiga até a sua casa e foi aí que minha vida mudou drasticamente...
Foi ao sair dos meus pensamentos que percebi que já estava amanhecendo; sai da academia e fui tomar meu banho gelado de todo dia; me arrumei para mais um dia de serviço quando a Maria, a senhorinha que limpava minha casa e me tratava como uma criança chegou e disse:
- Menino! Você já está acordado? Já te disse que ficar sem dormir faz mal a sua saúde!
Eu ri e a abracei, fazendo ela me dar alguns tapas pela brincadeira e disse:
- Bom dia pra você também Maria!
Ela saiu resmungando para a cozinha e fez questão de gritar de la:
- Vê se não vai sair de casa sem tomar ao menos um café, só Deus sabe se aquela sua secretária não está te envenenando!
Não preciso dizer que a Maria tinha uma aversão á minha secretária o que só me fazia rir dos seus comentários! Terminei de me arrumar e antes de entrar na cozinha eu já sentia o cheiro gostoso do seu café; me aproximei do balcão e disse:
- Esse é o melhor café que existe Maria!
Ela sorriu e disse :
-Eu fico é preocupada com você meu menino! Só trabalha; fica aqui sozinho...
- Não estou sozinho nunca Maria!
E foi assim que ganhei um puxão de orelha!