Capítulo 6
Deve retornar logo, a Morte ouvia de algum lugar distante. Uma voz doce e calma, era a Vida falando com ela.
Victor percebia que algo estava acontecendo com a Morte, ela estava totalmente diferente de quando chegaram ali. Ele não sabia bem o que deveria fazer para ajudá-la.
Era uma pessoa totalmente diferente das outras que ele havia conhecido. Ninguém era como ela, ele não conseguia adivinhar o que ela pensava tanto.
- A mãe percebeu que a gente chegou? - Lígia questionou. - Você chamou ela tão alto, não é possível que os ouvidos dela estejam tão ruins assim!
Ela se levantou para procurar a mãe, e o cachorro a seguiu, deixando Victor e a Morte sozinhos ali.
- Você está bem? - ele perguntou a Morte. - Podemos ir procurar sua família agora se estiver desconfortável.
- Eu não tenho. Uma família. - ela disse, ainda tentando se acostumar ao ato de falar. A expressão de Victor no início era confusa, que logo se transformou em uma expressão de culpa. Quando ele estava prestes a se desculpar, a Morte sorriu para ele, serena. - Está tudo bem. Não me ofendi.
- De onde você é? Podemos acompanhar você até sua casa.
- Não tenho uma casa. - ela viu o rosto dele se encher de vergonha, e por um instante ele sequer soube o que pensar.
- Mas que merda! - falou para si mesmo. - Só estou sendo inconveniente, não é?
Ela riu daquela situação toda, imaginava que ele estava com pena dela, mesmo que ela não soubesse bem o que é esse sentimento, e que estivesse desesperadamente tentando encontrar uma forma de ajudá-la. Ele era assim.
O que ela não poderia imaginar, é que uma leve dúvida começava a surgir nos pensamentos dele. Victor sentia que ela era diferente, ele tinha certeza de que não era como as outras pessoas, mas não conseguia explicar o porquê de se sentir assim. Tudo nela era indescritível para ele, e isso o deixava entusiasmado.
Queria conhecê-la. Desvendar seus segredos. Ela era cativante aos olhos dele.
A Morte sentiu as batidas de seu coração se acelerarem conforme os segundos se passavam e Victor continuava a observá-la, procurando uma brecha, tentando encontrar algo que o fizesse entender o motivo daquela garota ser especial. Ela continha algo que ele daria tudo para conseguir enxergar.
Ele franziu o cenho, se esforçando para encontrar uma resposta. Até que seus pensamentos se clarearam.
- Quem deu esse nome para você era bem excêntrico, não é? - ele disse, e ela sorriu. Ele conseguiu entender ao menos uma parte.
- Que menina bonita, Victor! - a Morte ouviu de onde Lígia havia ido. A mãe de Victor a encarava com um sorriso, enxugando as mãos em um pano de prato estampado com alguma frase que ela não conseguiu ler. - Você nem me avisou pra que eu tivesse arrumado a casa! Olha isso, tá uma bagunça, e você traz visita sem me avisar!
Ela estava claramente envergonhada, mas a Morte não se importava com a forma que a casa se encontrava. Afinal, para ela não estava bagunçado, apenas era o local que as crianças escolheram para brincar.
- Fica a vontade tá, moça. Não repara na bagunça. - ela dizia gentilmente.
Gabriel apareceu abraçado ao cachorro, e Lígia vinha logo atrás com Fábio agarrado a uma de suas pernas.
Quanto mais a Morte os conhecia, quanto mais entendia seus sentimentos, o amor intenso que aquela família exalava, mais ela hesitava em cumprir seu trabalho.
Ela era quem mais entendia o quanto o adeus podia machucar e destruir famílias inteiras, deixá-las desequilibradas, com um grande buraco que não pode ser preenchido.
- O que foi? Você está bem?! - Victor a perguntava, com o olhar repleto de preocupação, assim como Lígia.
- O que aconteceu, minha filha?! - a mãe deles se aproximou dela.
A Morte estava chorando.
As lágrimas simplesmente escaparam dela, e caíam de maneira graciosa. Até mesmo a Vida se surpreendeu. Seus pássaros pararam para observar a Morte, que não sabia o que fazer. Não sabia como conter aquilo, ou o que dizer a eles.
Ela abraçou Victor, se permitindo sentir o calor do corpo dele, antes que ele se esfriasse para sempre. Por causa dela.
- Vou pegar um copo de água para ela. - a mãe de Victor disse, voltando para a cozinha.
Victor retribuiu o abraço.
- Me desculpe. - a Morte sussurrou, de maneira que apenas ele a ouvisse.
O lobo choramingou da porta, querendo se juntar a Morte. E abraçado a ela, Victor pôde vê-lo pela primeira vez. Se assustou ao ver o lobo feito de escuridão, mas quando a Morte se soltou do abraço, ele desapareceu aos seus olhos.
Sua mãe havia voltado com o copo de água em mãos, e o entregou para a Morte.
Ela sorriu em meio às lágrimas na tentativa de transparecer que tudo estava bem. Mas não estava. E ela era péssima em ser humana, ainda não conseguia mentir.
Lígia sentiu seu coração se apertar ao observar os dois. Um mau pressentimento tomou conta dela.
Victor acreditava saber o que aconteceria, mas ao mesmo tempo acreditava ser apenas uma paranoia.
A Vida sentiu a dor da Morte. Mas não poderia fazer nada. Um equilíbrio deveria ser mantido, o ciclo deveria continuar. Caso fosse quebrado, ela não sabia o que poderia acontecer.
- Por que não sai com ela um pouquinho, filho? Leva ela pra tomar um ar. - a senhora falou baixinho, tentando deixá-los mais animados.
Victor olhou para a Morte, que concordou acenando a cabeça.
- Aproveita e passa no mercadinho do Zé Bento, tá faltando mistura aqui. - falou antes que eles saíssem.
Lígia continuou com as crianças e com o cachorro extremamente elétrico. Ela olhava apreesiva para Victor e a Morte, até que eles não estivessem mais em seu campo de visão.
O lobo negro caminhava ao lado da Morte, esperando impaciente.
Ela tentava se manter calma, mas era praticamente impossível para ela agora.
O momento se aproximava mais e mais a cada segundo. Ela não estava pronta, não se sentia pronta.
A cada novo sorriso que ele dava a ela, mais o seu desejo de se afastar dali para mantê-lo vivo aumentava.
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