Bom-dia, Branca de Neve
Os dias de caos chegam para todos;
Branca de Neve era uma princesa. Ela era feliz. Costumava andar pelas vilas segurando a mão de sua mãe com um sorriso enorme e olhos brilhantes. Branca tinha o dom de ser gentil até com os mais humildes do reino de seu pai, amava ajudá-los, mesmo que fosse apenas com maçãs colhidas no jardim do Palácio Real.
Porém, os dias passaram a ser nublados para a pequena Branca quando sua mãe adoeceu e, semanas depois, se foi, e muitos, muitíssimos dias foram frios e incolores. Até uma nova rainha sentar no trono ao lado de seu pai, a partir daí, foram completamente terríveis.
A Rainha era má. Fazia Branca estudar o dia inteiro, não lhe dava tempo para brincar ou sorrir, dizia que a princesa precisava se comportar como uma dama desde pequena, para não passar vexame quando crescesse.
E ela foi além. Além das tarefas difíceis e nada divertidas que ela dava para a criança fazer, aos poucos, enquanto crescia, Branca de Neve notou que a madrasta, na verdade, sempre arrumara maneiras de afastá-la do seu pai, o rei. Conforme os anos se passavam, Branca sentia-se mais cansada e solitária.
Todos admiravam Branca de Neve, falavam que ela era um exemplo de princesa, uma jovem belíssima e que seu sorriso encantaria até mesmo o homem de coração mais duro. No entanto, a (agora) jovem princesa não pensava as mesmas coisas sobre si. Ela poderia ser a princesa mais perfeita e feliz na visão dos outros, mas quando estava sozinha, a verdadeira natureza de seu coração vinha à tona.
Branca sentia que não havia verdade na sua vida, que era tudo uma farsa e que a felicidade já estava muito longe de seu coração, que era algo inalcançável aos seus olhos. Talvez, eu não mereça mais ser feliz, ela pensava sozinha e chorava em seu quarto madrugada adentro, sentindo sua alma desfalecer e seu coração despedaçar.
Para piorar, havia algo que a desmotivava ainda mais: o Espelho Dourado. Como dizem por aí, ele era "uma pedra no meio do caminho" da coitada menina.
Todos os dias, quando precisava ficar em sua frente para se arrumar, ele ria de seus olhos sem luz, do sorriso falso e da alma sem brilho, notável apenas para ele e os mais sábios — porque a alma é visível apenas para aqueles que conseguem enxergar além do exterior .
A Rainha e o Espelho — que era presente da madrasta — haviam tornado-a exatamente o tipo de pessoa que fazia tudo por todos e nada por si mesma, que sorria para todos, mas que chorava solitária no quarto, com sussurros dolorosos da alma machucada. Depois de tudo o que fizeram, como podiam zombar da princesa? Coitada.
Mas aconteceu que um dia, Branca de Neve tomou a última dose de coragem que lhe restava e fugiu para longe daquele palácio, para longe da Rainha e do Espelho. Nem chegou a pensar no pai que ficaria para trás ou no trono que a pertenceria quando fosse mais velha. O desespero e o desejo de viver algo novo, longe daqueles muros — que lhe prometiam tanta riqueza, luxo e boa comida, mas que nada bom realmente a ofertaram — a fez renunciar para que pudesse finalmente reencontrar a felicidade.
Montada em Bola de Neve, sua égua, Branca de Neve partiu para longe, tão longe que perdeu o senso de direção e acabou perdida em um bosque. Era tão escuro e desconhecido para a princesa que ela sentiu medo e, ainda mais, quando notou que não havia som de bichos ou de um vilarejo. Parecia não haver um único sinal de vida por ali, não havia nem mesmo vento para balançar as árvores.
Ela andou tanto que a noite caiu sobre si. Quando estava prestes a perder a esperança e parar ali mesmo para dormir, notou um sinal de fogo surgindo além das copas das árvores, não muito longe. Ela aumentou os passos de sua égua até se deparar com uma pequena cabana, que logo descobriria ser habitada por sete minúsculos moradores. Ao verem a princesa perdida, eles foram gentis e a receberam em seu pequeno lar, deram-lhe de beber e de comer, também ofereceram uma cama para dormir.
Se passou um dia, depois dois, três, quinze dias... Quando notaram, aquela garota de pele branca já era como uma parte da família, então decidiram que ela poderia ficar o tempo que quisesse, até mesmo se fosse para sempre, ela não disse nada, mas no seu coração rejeitou a oferta porque sentia que não se encaixaria ali por muito tempo. E tempos depois, eles também a rejeitaram no seu interior, mas nada disseram.
Aos poucos, Branca começou a ficar insatisfeita com o tamanho da casa, do quarto que mal cabia a cama e da porta pequena que precisava atravessar curvada todas as vezes que decidia sair para tomar um ar. Ela sentia que não se encaixava naquele lugar, e forçar isso estava apenas prolongando seu sofrimento e o desconforto dos outros. Então, no dia em que ela perdeu o controle e se irritou até com os anões por não comerem com educação, o anão mais velho a chamou para fora, num canto do jardim, e disse:
— Tenho adiado esse momento incontáveis vezes, por vários dias. Não queria voltar atrás na minha palavra e falar que você precisa partir, mas não posso mais evitar essa decisão. Vejo em seus olhos que você concorda comigo e que, talvez, também concorde se eu disser que somos todos muito diferentes. — Branca concordou em silêncio, apenas balançando a cabeça. Mestre, o anão, prosseguiu — Vivemos muitas coisas juntos, minha querida, mas chegou a sua hora de ir. Não há motivos para permanecer em um lugar se é evidente que não lhe cabe mais.
Naquela mesma noite, Branca montou em sua égua e, sem despedidas, partiu, de novo. Mais uma vez, o sentimento de solidão invadiu seu coração e a melancolia tomou conta. Uma enxurrada de lembranças invadiu seus pensamentos. Lembrou-se de como era feliz com os pais ao seu lado, imagens de quando criança surgiam em sua cabeça, inclusive alguns de seus momentos nas vilas, e só então percebeu que esquecera do quanto eles eram importantes e de como pensava em crescer e ser uma boa governante para seu povo, porque queria que fossem tão felizes quanto ela era. Agora, aqueles sonhos de criança pareciam ter sido parte de outra vida, mesmo assim, desejou outra chance de ser feliz e poder fazer aquelas pessoas felizes.
Atordoada com tantos pensamentos, Branca de Neve não viu quando entrou naquele bosque sem vida, muito menos o que fez a égua se assustar, relinchar e ficar em pé, o que a derrubou no ato, adentrando a escuridão da mata logo em seguida.
Branca ficou jogada no chão, com alguns cortes nos braços e o pulso direito, que usara para apoiar o corpo e diminuir o impacto no chão, latejando. Ela queria gritar e chorar, não apenas por causa da queda ou dos ferimentos, mas por tudo que estava lhe acontecendo.
A sensação que tinha era que, desde a morte de sua mãe, o destino preparava apenas o pior para ela, o sentimento de abandono e rejeição já dominava seu coração há um bom tempo.
Branca olhou para si mesma e notou o quão suja estava, pensou que não parecia mais uma princesa, que agora era uma pessoa qualquer no meio de tantas outras, sem valor para ninguém em especial.
Branca se permitiu derramar o tanto de lágrimas que conseguisse, sem temer que algum bicho feroz aparecesse ao ouvir seu choro, pois sentia que o bosque estava morto, mas o som de passos a fez mudar de ideia. Ela continuou com o rosto prostrado em terra, ouvindo os passos se aproximarem, até que, vencida pela curiosidade, Branca de Neve decidiu olhar para trás. A coitada ficou aterrorizada quando se deparou com aqueles olhos enormes.
Não eram os Sete Anões e muito menos um príncipe, era um Leão. Sua juba era reluzente, iluminava tudo em volta; as presas eram grandes e seus olhos brilhavam como o fogo, suas patas eram do tamanho do rosto da garota.
— Por que estás chorando? — sua voz era tão grave que fazia seu coração tremer. Branca não entendia como aquele animal podia falar, mas simpatizou com a bondade dele ao perguntar o motivo do seu choro, ainda assim, sentia medo dele.
— Você veio para acabar com todo o meu sofrimento? Vai tirar a minha vida? Bom, talvez seja isso que eu queira. De certo modo, já não aguento mais viver.
— Você sabe quem eu sou?
— Ora, é um leão — ela pensou, mas nada disse em voz alta.
— Eu sou aquele que ouviu o teu choro desde seu primeiro clamor. Você nunca esteve sozinha. Eu estava esperando pela oportunidade de poder me aproximar de você.
— Já está aqui, então faça o que tem que fazer. Dê fim a minha dor de uma vez por todas. Eu imploro.
— É isso que você quer?
— É isso que eu quero.
O Leão rugiu tão alto que Branca pensou que ficaria surda, mas o que aconteceu em seguida foi mais inacreditável; um vento forte soprou e todas as árvores balançaram, a princesa precisou segurar-se ao chão para não ser levada por ele.
O que parecia não ter vida, ganhou uma áurea diferente. De repente, houve uma explosão de cantoria de animais, dava para se ouvir o cantar das cigarras, corujas e passarinhos, era como se a floresta tivesse acabado de despertar de um longo e profundo sono.
Quando ele deu um passo para frente e abriu a boca, Branca temeu o pior e fechou os olhos esperando pelo momento que seria atacada pelo bicho, mas, outra vez foi surpreendida. O seu corpo foi erguido no ar e colocado sobre algo macio.
— Abra os olhos — o Leão disse e ela obedeceu. Ele estava carregando-a em suas costas pelo bosque. — Olhe em volta. O bosque está ganhando vida. Os animais voltaram a cantar, as árvores acordaram e agora sopra até mesmo com uma brisa suave, o céu sob nós também brilha com a luz do dia que alcançou esse lugar que, até segundos atrás, era moribundo.
Por onde Ele passava as coisas se transformavam em beleza. Flores nasciam onde suas patas pisavam, borboletas com asas coloridas e brilhantes apareciam de repente entre as árvores, pousando em uma flor e depois em outra. Ela viu algumas lebres saltando de uma moita a outra, uma família de veados e aves os sobrevoando.
O lugar que antes era amedrontador aos olhos da princesa, agora brilhava cheio de vida.
— Quem é você? — ela perguntou, notando que aquele leão não se tratava de um simples animal.
— Eu sou o Criador do que você vê. Fiz tudo que há no céu e abaixo do céu. Por isso não preciso de você ou da sua vida, mesmo assim as quero. Quero porque, como Criador, o meu desejo é fazer feliz todos aqueles que me conhecem. Eu posso cuidar e curar suas feridas, posso acalmar as tempestades que a cercam, porque tudo, visível ou invisível, me obedece. Acredite, eu posso ajudá-la a tomar posse do que é seu por direito. Venha comigo, porque eu sou o dono da Vida e a sua única Salvação. Tenho algo muito bom preparado para você!
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