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Capítulo 46 - Conte-me o que pensas e lhe direi quem és

Para todos os leitores, idependente da época que lerem esse capítulo, é importante que saibam do contexto:

Este capítulo foi feito pós hiatus, portanto sim, há algumas falas expositivas de recapitulação dos últimos arcos, mas é para garantir que as pontas soltas não tenham sido ignoradas e que os leitores possam recuperar a memória perdida. Por isso, peço paciência.

Ainda sim é um capítulo normal, finalizando o último arco e introduzindo o novo, espero que gostem.

Além disso, para os leitores de longa data há avisos para vocês no final do capítulo. Obrigada por toda a preocupação e espero que possamos voltar a nos divertir juntos com esta história!

Desejo de coração que todos gostem deste episódio e comentem o que estão achando

Não tenham medo de ser sinceros porque preciso de ajuda para voltar ao antigo rítimo, ter certeza de que não estou confundindo as coisas, nem que minha escrita não piorou muito, então sim, aceito suas críticas, suas opiniões e até emojis, porque o importante aqui é que deem suas opiniões ao máximo. Falem cada coissinha que quiserem que chegue a mim para me ajudar a escrever os próximos capítulos e não sentir que não restou mais nenhum leitor que ainda tenha paciência comigo kkkkk. 

Obrigada pela compreensão e boa leitura!

Anteriormente em "Quem será seu herói?"...

- Se eu estivesse com um problema muito grande de alguém me ameaçando de morte, mandando bilhetes de ameaça e coisa parecida, mas não dissesse nem a você, muito menos a Lakroff, você gostaria? - perguntou Heris.

- É diferente...

- Diferente como? Você não é e nunca deveria ser obrigado a fazer as coisas sozinho. Tão pouco tem que resolver alguma coisa que não seja uma fórmula matemática na aula! Você é a criança aqui!

- Bruxos não tem aula de matemática, você sabe não é?

- Por isso são tão burros em raciocínio lógico?

[...]

- Não tenha medo do apego, Hazz. Você tem muito valor. Para cada um de nós e depois para cada um de seus amigos. Mas foi incapaz de pedir por nosso apoio na hora certa. Por quê?

- Eu não podia envolver Lakroff e não é como se voc- quer dizer, eu não... Vocês podem me ajudar com muita coisa, mas são trouxas...

- [...] Você confia em Viktor?

- Sim.

- Contaria com ele na mesma proporção que conta comigo? [...] Sei bem que Krum te chama de brat e você o trata como seu irmão mais velho da mesma forma. Você gosta e se sente acolhido junto dele, mesmo sendo mais poderoso, consegue se sentir seguro do seu lado apenas por ter ele ali, não é mesmo?

- Sim.

- E mesmo que alguns da corte tenham esse sentimento diferente por você, do que nutre por eles, isso afeta sua vontade em estar com eles e conforto que partilha na sua presença? Isso os impede de te ajudar e tornar sua vida na escola mais fácil e... feliz?

- Não.

- Você não deve desperdiçar isso, Harry. Não por medo. [...] Eu sei que o mundo é uma merda, mas você não pode deixar de valorizar o que está bem na sua frente. [...] E, de verdade, com o que você se machucou?!

- Tinha um hipogrifo...

- Minhas deidades, você foi cortado por uma criatura cavalo águia?!

- Ele não me atingiu! – garantiu, antes que o irmão enlouquecesse. – Mas eu... me machuquei, é uma longa história, eu estava lento, instável, tinha estourado na noite anterior e-

[...]

- ... vou fazer Long contar para seus amigos, assim que te deixar no barco, que você precisa de ajuda.

- Por quê? Eu-

- "Não quero preocupar meus amigos e blá blá blá" – zombou, com uma voz propositalmente aguda. – Já sei. Mas nem eu, nem metade da sua família estamos lá o tempo todo. Sabe quem está? Sua corte, formada por pessoas fiéis também escolhidas a dedo em uma escola inteira de opções. Você confia em Viktor, ele é seu irmão, não? Aja como tal. [...] quando chegar no barco da Durmstrang você terá que dar o primeiro passo.

- Primeiro passo do que?

- Se lembrar que você não está mais sozinho. Mostrar aos seus amigos que confia neles. Lhes dar a chance de te ajudar.

- Por quê? Eles já sabem que eu confio neles.

- Mesmo? Que prova você deu disso?

[...]

-x-x-x-

Heris concordou com Harrison em não obrigá-lo a situação absurdamente constrangedora de seu próprio elfo doméstico tê-lo de o acompanhar e dedurar aos amigos e confiou na palavra de que seu irmãozinho iria fazer oque foi pedido.

Naquela noite, se ainda estivessem acordados, falaria com sua corte.

"Pare de ser o mais forte e independente, diga a eles como você depende de sua companhia. Não é fazê-los se sentir pressionados a estar ali, mas realmente torná-los cientes do quão valiosos são para você. O quão necessários".

Ele já não fazia isso?

Quer dizer, sem seus amigos não seria nada do que era agora. Não teria se tornado presidente do conselho, só para começar, e não conseguiria todas as coisas que tinham na Durmstrang. Todo café da manhã Harrison estava cheio de papéis à sua frente, mas cada um deles - até os que nem faziam parte do conselho - também tinham pilhas deles. Em que mundo conseguiria preencher tudo aquilo sozinho? Pensar em tudo?

Sempre precisou deles.

Ou, ao menos, precisava fazia alguns bons anos.

Estava apenas a alguns metros de distância dos dormitórios e sequer sabia como abordar o assunto.

Sentia que já era uma espécie de fardo muito maior do que se dispuseram a lidar quando... bem... se tornaram amigos para início de conversa. Com seus projetos e suas ambições. Mesmo Viktor, que não tinha tempo para ser um membro do conselho, estava com certa frequência cheio de trabalho, pois decidiu ajudar mais uma vez.

Eles eram necessários. Como poderia haver dúvida em relação a isso?

Naquele momento, o garoto sentiu uma vibração no peito. Não vinha de si, mas da horcrux em forma de medalhão que estava próxima a pele, bem escondida por baixo de toda a roupa.

"Percebe que seus próprios pensamentos são contraditórios?"

"O que quer dizer com isso?"

"Você não teria tanto trabalho sem seus amigos, mas se sente um estorvo e tenta pegar o máximo sozinho, fica sobrecarregado e precisa dos amigos".

"Achei que você me entenderia nessa situação, sabe?"

"Desta vez acho que estou com seu irmão. Eu não era muito diferente de você, mas eu não confiava em ninguém para lhes dar menos que o mínimo de funções nos meus planos. Você confia na corte, só não tem coragem de depender deles porque sente que os está forçando de alguma forma, e se seu irmão acredita que isso pode causar algum tipo de distanciamento ruim para sua relação, melhor ouví-lo".

"O que você..."

Tom o interrompeu Hazz antes que terminasse de passar a frase em sua mente, um tom de escárnio muito forte, enquanto reclamava:

"Por favor, não diga que vai perguntar a mim sobre sentimentalismos e amizade".

Hazz riu de sua própria tolice, mas ainda acrescentou:

"Você é um bom amigo".

"Para você, pestinha estranho. Para os outros? Essa palavra é tão ridícula que consigo imaginá-la sendo usada como uma maldição do riso em um comensal. Encantamento completo: 'Lorde Voldemort é um bom amigo', acho que até mesmo Bella teria um ataque epiléptico com esse".

O som que saiu de Hazz com aquele comentário ficou entre um engasgo, uma lufada e uma risada e foi o que finalmente fez o velho professor de história se levantar da posição confortável que estava no sofá da sala privativa de seu dormitório pessoal.

- Boa noite – cumprimentou gentilmente. – Demoraram.

Hazz olhou o relógio no canto da sala e percebeu que já passava da uma da manhã. Será que os meninos estariam acordados ou teria de deixar tudo para o dia seguinte?

"Está tentando retardar o inevitável?" Riddle provocou.

Mas Hazz também não sabia dizer. Sorriu para seu tio-avô e se aproximou do conjunto de sofás, se sentando em uma das poltronas. Tom, tão ligado aos pensamentos e emoções do menino, tentou ajudar:

"Em sua defesa... Nós nunca aprendemos muito bem como nos comunicar de forma saudável com as pessoas".

"Vindo de você, o lorde das trevas reconhecido por torturar os seus, não sei se é consolo. Eu tive mais oportunidades para aprender que você, de toda forma".

"Eu habito em sua cabeça, influencio seus pensamentos, não sei se teve tantas oportunidades assim que eu não tenha estragado por meus próprios preconceitos" Hazz podia imaginar a horcrux em sua versão jovem, aquela que gastava tempo brincando em Hogwarts em seus sonhos, sentado graciosamente em um sofá e encarando suas unhas enquanto dizia aquilo. Apenas para não olhá-lo enquanto admitia uma possível falha sua. Claro, o momento não demorou muito: "De toda forma, seus amigos são muito espertos, meus aliados eram tão idiotas que se eu pudesse matá-los e colocar um pedaço de alma no lugar para controlar, seria mais fácil e daria menos dor de cabeça. E olha que dividir a alma dói muito!".

O garoto revirou os olhos para aquilo.

"Como eu disse, não serviu em nada para consolar".

"Então que tal isto: se você tem a mim na sua cabeça para estragar sua educação, seus amigos tinham que estar satisfeitos o bastante por não passarem pelas mesmas torturas que meus comensais".

"Que tal tentar parar de me consolar"?

"Com prazer, consolar os outros é uma tarefa insuportável, boa sorte com os vivos, a vinha aqui vai se retirar".

E no mesmo momento, Hazz sentiu a presença no medalhão e na sua mente diminuir. Sabia que ainda encontraria Tom em seu subconsciente, mas foi engraçado como o homem demonstrou que estava ansioso para fugir dessas conversas mais... humanas?

Tom ainda era Tom. Tinha mudado, mas algumas coisas são parte de nossa personalidade.

Era parte dele ser antipático.

- Terminaram a conversa?

Lakroff tinha um livro em mãos, uma esfera de luz mágica feita para acompanhar as páginas flutuava a alguns centímetros da capa, seus óculos de leitura repousavam no rosto para não lhe cansar a vista, uma lente mágica que se regulava a sua exaustão e se tornava mais forte ou fraca.

Geralmente aquilo gerava uma ambientação tão confortável que quando se distraía no decorrer da noite, acabava adormecendo por lá mesmo.

Não que Nagini reclamasse, já que ficava com a cama só para si e gostava.

"Nasci para deitar em lugares assim, como uma rainha!" brincava, esticando o corpo serpenteando pelos lençóis de cetim, tão agradáveis para suas escamas.

O Lorde Mitrica era, ironicamente ou não, do tipo "não faço questão de grandes luxos". Mesmo nascido em berço de ouro, deitaria no chão e teria uma longa noite de sono tão intensa quanto em uma cama, ou ficaria na grama vendo as nuvens até cochilar.

Colchões eram superestimados.

"Porque você teve escolha, riquinho oxigenado" retrucava Nagini, sibilando irritada pelos cantos e Hazz apenas ria.

Os dois nunca se deram exatamente bem.

Em ambos os momentos de suas vidas que tiveram de conviver e estar próximos, o fizeram por alguém em comum de que gostavam. Creedence um dia. Agora Harrison. Se tivessem se conhecido sem a parte que os unia, provavelmente nunca fariam questão de aumentar um único dia de proximidade.

Para cada pensamento de um, facilmente o outro possuiria uma réplica e Hazz acreditava que, se a mulher ainda pudesse ser humana por mais tempo e sem as poções doloridas, ambos brigariam com a frequência que...

Que Tom e Lakroff brigaram no fim de semana, por exemplo. Cerca de duas ou três frases por vez.

Talvez devesse testar com Tom e Nagini? Algo como "o inimigo do meu inimigo é meu amigo?". Os dois poderiam se dar bem? Averiguaria no futuro.

- Terminamos – respondeu a pergunta feita anteriormente.

O platinado sorriu para o neto e retirou preguiçosamente os óculos, sentindo que oficialmente tinha espaço para conversarem sem que o menino estivesse distraído com a coisa em sua cabeça:

- Como foi? Você estava sorrindo, mas também parecia abatido. Seu irmão foi muito duro com você?

- Defina "duro".

- Em uma escala de zero a dez, o quão mal se sente agora?

- Oito.

- Vejam só, ele teve piedade desta vez – brincou com uma risada estranha e guardando o livro para se sentar adequadamente. – Quer falar sobre isso?

Hazz achou que Lakroff parecia muito um terapeuta agora. "Como se sentiu com isto?" seria a próxima pergunta?

- Não. Estou indo para meu quarto.

- Achei que acabaria dormindo aqui. Até Nagini – comentou apontando para a imensa cobra que já estava se esticando para olhar melhor os bruxos.

- Heris me fez pensar em algumas coisas. Quero conversar com a c... – ele se interrompeu, depois continuou. – Com meus amigos.

Lakroff percebeu a mudança súbita do que iria ser dito, mas preferiu não comentar. De toda forma, se o neto estava precisando dos amigos, não julgaria.

Hazz se levantou e seguiu para se retirar do quarto e Nagini jogou seu enorme corpo da cama em um baque relativamente silencioso graças ao carpete (que Lakroff colocou apenas por ela, já que não gostava de carpetes, mas era mais seguro para que nenhuma farpa entrasse e a machucasse). Ela nunca agradeceu por isso. Ele, muito menos, cobrou o gesto.

- Sobre os livros de seu registro médico que pegou – lembrou o mais velho, fazendo o menino parar por um instante. – Acredito que saiba de cor como fazer cada poção, então me perguntei se precisa de ajuda ou algo assim? Teve uma crise feia ontem a noite e hoje foi um longo dia, então me avise se for o caso, por favor? E pense na possibilidade de ficar um dia de repouso.

Hazz abriu a boca, pronto para apenas dispensar aquele assunto, mas parou. Olhando para seu avô, que sempre lhe fazia de tudo e mais um pouco...

Decidiu que faria o que o irmão sugeriu.

Um passo de cada vez.

Lakroff não merecia o silêncio, também era parte de sua corte e família:

- Eu acabei me ferindo.

- Se ferindo? Onde? – Lakroff manteve o tom de voz calmo e confortável, esperando que o menino guiasse o tom da conversa.

Sempre atencioso.

- Nas costas. E minhas poções acabaram. Além de ontem a noite, tive muitas crises recentemente, então tomei mais do que programei.

- Como é?! – se levantou. – Eu preciso-

- Eu já consegui pessoas para fazer novas a tempo – interrompeu Hazz, indo até o homem, pois sabia que se não o acalmasse, assim que o menino saísse do quarto o avô correria para a lareira, iria para a casa e se enfurnaria no laboratório de poções louco para fazer poções emergenciais.

Deixando todo o resto para trás.

Não era o que queria. Precisava do avô para ajudá-lo no pior dos casos e teria crises piores sem a certeza de que estava ao alcance.

Harrison não entraria na merda de uma lareira para buscá-lo! E sabia que o Grindelwald mais velho sumia da realidade quando estava focado. Se ficasse tão distraído durante o mês inteiro para preparar as poções... não era uma boa opção.

- Acho que posso treinar com você...

Lakroff não entendeu o que o neto queria dizer:

- Como é?

- Dizer como vocês são importantes.

O mais velho entendeu que aquilo era importante, viu a diferença na linguagem corporal do neto e decidiu voltar a se sentar.

Não demorou muito para o Potter voltar a falar:

- Achei mais duas poções na mansão durante esta visita. Ou melhor, Lala achou. Se eu fosse você, entrava no seu laboratório só para averiguar se ela não embaralhou tudo sem querer, antes que alguma explosão saia de lá.

- Certo, vou fazer isso.

- Estou bem – garantiu depois de alguns segundos. – Sei que tem muita coisa acontecendo e não quero que você pare tudo para começar a produzir mais porções, mas não estou negligenciando minha saúde. Consegui gente que fará um trabalho tão bom quanto deve ser.

- Eu conheço o pocionista? – perguntou pensando em Severo Snape.

Ele tinha uma fama de ser talentoso e já trabalhara para Tom, o que lhe rendia pontos. Lakroff também percebeu uma movimentação de Sirius, que parecia estar estreitando seus laços. Considerando que o Black queria se unir aos planos de Harrison, esse podia ser o motivo.

- Conhece, mas não acho que intimamente. De toda forma tudo está se encaminhando, ainda quero testá-los, mas o manterei informado.

- É tudo que lhe peço. Posso confiar que me chamará se algo der errado?

- Sim. – inspirou fundo. – Desculpe não ter contado que me feri e que as poções estavam acabando. Não queria levar bronca. Nem que você ficasse bravo comigo.

- Problemas acontecem, eu não ficaria bravo.

- Eu sei, mas...

Lakroff inclinou o canto da boca nervosamente, entendendo mesmo que o menino não terminasse a frase, o que estava acontecendo ali. Se levantou e seguiu até o neto, o puxando para um abraço do qual o menino apenas aceitou, enterrando o rosto no ombro do mais alto.

- Eu sou seu tio-avô – murmurou acariciando os cabelos e sentindo o cheiro tanto do neto quanto de seu filho mais velho subirem, o que fez seu coração apertar um pouco mais. – Não sou seu tio. Não sou como eles. Não precisa ter medo de me ver bravo – e puxando o rosto do menino para que olhasse sua alma ao dizer. – Não sou tão assustador quanto pareço.

O menino riu, porque entre todos que conhecia, Lakroff era o dono de uma das almas mais sinistras e sabia disso.

- Eu sei disso também...

- Mas não é fácil, não é? – consolou Lakroff, voltando a abraçá-lo. – Depois de viver anos em alerta, esperando quando eles vão nos atacar, como seremos uma decepção, que desculpa vão arrumar para nos odiar um pouco mais... Eu sei como é difícil parar com isso. Não estar em alerta constante. Tentando evitar a raiva. A frustração deles, que era descontada em nós... Eu sei e me desculpe.

- Pelo que?

- Ter te deixado passar por isso. Tinha que ter acabado em mim.

- Você não tem culpa.

- Eu tive.

Hazz negou com a cabeça, para reforçar que não concordava que Lakroff tivesse qualquer culpa, mas... eles sempre chegavam àquela conclusão. Achavam que a culpa era sua. Era esse o ponto. Passar uma infância tendo tudo atribuído a si, viver em alerta e com medo de irritar aqueles que deviam te amar e cuidar.

- Depois que conseguimos sair de perto das pessoas que nos faziam isso, ainda demora mais que o dobro de tempo para conseguir mudar sua própria opinião. Não ter medo.

- Eu sei que não preciso ter medo de você, e vou tentar parar de esconder as coisas só porque acho que vai te irritar. Eu só... Queria mostrar que conseguia resolver antes que você duvidasse de mim, que eu devia ter tomado decisões diferentes porque... porque eu não acho que devia! Confio nas minhas decisões, eu sei-

Lakroff se afastou de novo, mas desta vez para interromper o fluxo de palavras repentino. Negou com a cabeça e riu:

- Harrison, um minuto. Está seguindo um ritmo que não estou acompanhando. Querido, a que decisões está se referindo? As poções?

- As casas. Os anéis de lorde.

A expressão do platinado mudou para uma de compreensão, mas perguntou mesmo assim:

- O que têm eles?

Hazz estalou a língua, se sentindo idiota por apontar o obvio, mas ainda continuou:

- Estou mais instável desde que aceitei me tornar lorde de todas aquelas casas. Venho piorando nas últimas semanas, e com a magia que veio dos anéis... Magias totalmente novas agora estão em mim, correm por mim e dependem da minha. Sou parte delas de uma forma... – o menino encarou a si mesmo, abrindo e fechando as mãos, procurando uma palavra. Uma forma de explicar.

- Eu sei – Lakroff interceptou.

Afinal ele também era Lorde e recorda-se bem qual a sensação. O próprio anel Mitrica, não fazia tantos anos que tomou para si, junto da carga milenar nele. Ficou tempos em uma fase que tinha de se concentrar constantemente, ou iria estourar as janelas da casa, as portas, empurrar e quebrar os móveis, os frascos de poções enquanto preparava mais algumas para sua instabilidade mágica, atingindo níveis absurdos quase insustentáveis.

Um feitiço parecia muito e o deixava exausto, mas também saia em uma potência muito maior que devia. Uma magia de levitação faria uma caneca voar para o espaço.

Tornar-se Lorde de uma casa era tornar-se a própria casa. Sua voz, sua consciência, suas decisões e sentidos. Tornar um bruxo algo tão ligado a uma magia ancestral era um passo muito grande e por isso também era feito apenas com adultos.

Que tinham mais controle de sua própria magia e experiência.

Harrison estava com quatorze anos.

Era tão absurda a ideia de que alguém naquela idade pegou quatro casas para se ligar! Casas antigas, cheias de magia milenar, com heranças únicas, história, poder.

E tinha a casa dos Black, que se colocou como herdeiro.

Sua magia devia estar em combustão e essa era sim uma das preocupações de Lakroff desde o começo.

Como o neto ficaria mais poderoso, mas não necessariamente conseguiria lidar com isso logo de cara sem consequências.

Ainda desafiou o último Lorde das Trevas enquanto fazia isso!

Estava vulnerável e instável como, decididamente, não era seguro para sua saúde.

- Eu dou conta – Hazz sussurrou, olhando diretamente nos olhos azuis do mais velho.

Lakroff acreditou.

Mesmo que tivesse medo, seu neto era forte.

E um Grindelwald. Se seus instintos lhe diziam que podia, então o Mitrica tinha apenas que assistir a coisa se confirmar.

- Mas devia ter admitido desde o princípio que estava sentindo os efeitos. É claro que sentiria! Eu poderia lhe dar dicas.

- Eu sei...

- Eu não ficaria irritado com você, só fiquei surpreso quando você tomou essa decisão – suspirou. – E admito que um pouco transtornado também, mas se você achou que era o melhor caminho, a vida ainda é sua. Estou aqui apenas para te ajudar a construí-la com o mínimo de dor que conseguir te livrar.

- Obrigada – sorriu.

- É só minha função – dispensou, acrescentando um carinho na cabeça do menino.

Hazz aceitou o gesto por um tempo antes de começar a andar nervosamente pelo quarto, enquanto falava:

- Mesmo que eu tenha convicção de que foi o certo, ainda aconteceu antes da idade que a maioria recebe uma carga dessas, as casas e tudo que representam correm por mim como nunca fizeram! É normal que eu demore um pouco para me adaptar à nova magia e... Eu recebi uma notícia ruim. Não soube lidar com ela na hora, mas não tira o fato de que convivo com esses mesmos "problemas de saúde" desde que pisei na mansão Mitrica. Eu dou conta, mas preciso de tempo para isso e tenho sempre que fazer tanta coisa que...

- Você se machucou e não estar conseguindo dar a devida atenção para isso?

- É – bufou, mostrando um pouco da exaustão que vinha sentindo.

Lakroff sorriu:

- Isso que chamamos de vida adulta, você quis crescer antes da hora.

- Está me dando sermão?

- Um pouco – e agora se permitiu rir da careta do menino. – Mas você não é realmente um adulto ainda e mesmo que fosse, ainda vou estar aqui. Só quero apontar que, se você se machucou tentando lidar com tudo isso, é um sinal de que tem algo errado.

- Eu sei. Não estou ignorando. Estou trabalhando para resolver e desta vez... também não vou fazer tudo sozinho. Já sei que não consigo.

Lakroff esperou que o menino continuasse, mas quando não foi o caso, incentivou:

- Isso que eu chamo de evolução – bateu palmas. – Estou orgulhoso do meu menino.

- Não deboche de mim – reclamou, mas sem estar realmente incomodado.

- Não estou.

- Bem... é isso, eu acho – o menino ainda olhou em volta, como se o quarto lhe desse respostas de algo que pudesse estar esquecendo. – Não vou tentar fazer tudo sozinho – pontuou em voz alta. – E prometo que se tiver problemas, vou pedir ajuda. Assim como fiz para as poções, então mesmo que não seja para você, saiba que sempre... vou estar com alguém.

A risada que Lakroff deu naquele momento pareceu estranha para Harrison. Estranha e sem sentido:

- O que eu disse?

- Nada, é só que... Eu sei que você nunca está sozinho – e para deixar claro ao que se referia, apontou para a cicatriz do neto. – Mas me deixa feliz pensar que agora não é só Tom que você se refere ao dizer algo assim. Quando nos conhecemos, você sempre foi "eu e o Tom contra o mundo". Mas duas pessoas apenas não bastam para enfrentar o mundo. Ele é simplesmente difícil demais.

- Claro que não – Hazz sorriu para o avô. – Agora sou eu e minha corte contra o mundo. E você também faz parte dela.

Aquilo foi... único.

Aqueles momentos em que você deseja que seus olhos pudessem registrar fisicamente uma memória como uma câmera, porque talvez nem mesmo revisitar a memória em uma penseira seria tão precioso.

Mas, talvez, fosse precioso justamente por ser tão espontâneo e passageiro, mas algo que se gravaria no peito de Lakroff Mitrica.

O sorriso sincero que seu neto deu, a forma como seu rosto se iluminou. Como seus olhos, que escondiam tanto, pareceram criar uma luz única e toda a associação que tinham com a maldição da morte fosse ridícula, pois só havia vida neles.

Harrison não só parecia o jovem que era, como seu sorriso mostrava a beleza de se ter um futuro inteiro pela frente, sem as correntes da realidade o fazendo descer para a escuridão e a frieza da realidade.

Parecia mostrar esperança.

Era a prova de porque havia tantas pessoas que o ouviam e seguiam. De certo todos queriam ver o que aquele sorriso de esperança queria dizer. Que tipo de mundo faria ele sorrir mais assim?

O platinado se aproximou do neto e segurou seu ombro com força, quase como se fosse mantê-lo ali assim. Então, com ternura, sussurrou:

- O que raios seu irmão te disse?

Hazz suspirou, negando com a cabeça:

- Muita coisa.

- Parece mesmo – riu. – Sobre as poções, até que fiquem prontas, o que pretende fazer?

- Eu consigo viver sem elas, sabe disso. Alguns anos atrás eu mal precisava delas. No primeiro ano da escola tomava mensalmente, mas no segundo já conseguimos diminuir a dose para quatro meses ou mais. É uma questão de me acostumar com os anéis e minha magia de novo. Achar o equilíbrio. Talvez aumentar a dose semanalmente por enquanto? Mas qualquer mudança, eu aviso para meu médico bruxo.

Lakroff acenou com a cabeça satisfeito, se lembrando do primeiro dia que falaram pessoalmente.

Muita coisa tinha mudado e aquele garotinho... tinha crescido tanto.

Seu coração se enchia de orgulho. Dele e do filho que nunca imaginou adotar, que sempre dava conselhos tão bons ao menino.

- Eu sei que você vai fazer mais poções de toda forma, mas estou avisando que já estou no caminho – Hazz comentou e o mais velho revirou os olhos.

- Vou mesmo, bom que sabe. Como eu pude ser desatento ao ponto de deixá-las quase acabarem!

- Não se culpe!

- Shiu, meu momento de auto depreciação, me deixe com ele.

Os dois riram com aquilo e entraram em um silêncio agradável, enquanto Lakroff provavelmente pensava em como acelerar a produção sem afetar a qualidade das poções. Mesmo que ele estivesse já em outra realidade, o adolescente ainda quis acrescentar:

- Sabe, talvez um pocionista novo, com magia nova preparando o processo, seja bom. Todo organismo se acostuma com uma exposição constante a um remédio e o meu... você sabe. Remédios já não são muito efetivos. Não posso deixar meu corpo se acostumar com a ideia de que só com poções consigo me virar, tenho que dar meu jeito e seria melhor ter mais gente trabalhando com isso, não acha? Não fique tão encabulado com isso.

- Você sabe o quão complexo é o processo e o que está em jogo.

- De novo, no pior dos casos eu ainda tenho você, um dinossauro bem treinado – provocou.

- Um dia com Augusta e já estou sendo chamado de dinossauro de novo?!

A reação do albino foi tão natural e irritada, além de que funcionou tão perfeitamente ao objetivo de fazer Lakroff voltar a realidade e não a seus próprios pensamentos agitados e depreciativos; que gerou uma onda de risadas satisfeitas do neto.

Enquanto Potter ficava rindo, Lakroff o encarou, primeiro de braços cruzados e olhos semicerrados, depois revirando-os e suspirando, por fim se aproximando do adolescente:

- Vou ter que fazer algo que nunca imaginei e dar alguma razão à vozinha em sua cabeça, te chamando de pirralhinho – a risada de Hazz aumentou e ele aceitou quando foi puxado para outro abraço. – Tinha algum objetivo nessa provocação ou não?

- Só queria dizer que mesmo com sua experiência e controle sob os próprios poderes, você ainda se irrita e acaba deixando que a magia se desestabilize, quebrando alguma coisa por exemplo. Eu sou um adolescente, ainda vou fazer esse tipo de coisa mais vezes, então não precisa se preocupar sempre que acontece e sair correndo, ignorar tudo que vem fazendo para se enfiar naquele laboratório para criar algo novo e milagroso. Não é um problema eu ser um bruxo emotivo às vezes! Só me dê um tempo.

Lakroff riu debochado:

- Agora você vai usar a carta de "sou uma criança"?

- Claro! Queria que eu usasse quando não me é útil?

- Dragãozinho escorregadio.

- Aprendi com o melhor – provocou mais. – Estou falando sério, vovô.

- Não vem com essa de "vovô"!

Hazz segurou a risada desta vez, com uma tosse rápida. Lakroff amava ser chamado de vovô.

De pai também, pelos filhos adotivos, mas todos evitavam isso na sua frente para que ainda pudessem conseguir coisas dele falando nos momentos certos.

- Se estiver na dúvida sobre a capacidade dos que escolhi, você... poderia ensiná-los – sugeriu com um sacudir de ombros.

- Bem, eu já assisti suas aulas de reforço em poções, sei bem a capacidade de cada membro de sua corte – Lakroff, entretanto, se viu confuso com a reação do neto, que crispou os lábios e desviou o olhar. – O que foi?

- Não são alunos da Durmstrang que eu pedi.

- O que? Mesmo? É Severus Snape.

- Não, porque pensou nisso?

- Longa história.

O albino jurava que seria alguém da corte. Agora estava muitíssimo confuso e surpreso. Como Harrison confiou algo assim a qualquer outro que não fosse de seu círculo íntimo, se não fosse Severus, o antigo espião de Riddle?

- Espera... – pediu, quando percebeu outra coisa. – Plural? Quantas pessoas arrumou para aprenderem as poções?

- Duas.

- Onde?

- Hogwarts.

- E confia nelas?

- De alguma forma? Sim. Eu sei que posso confiar neles.

- "Um Grindelwald sempre sabe" – recitou Lakroff.

- "De um jeito ou de outro" – encerrou Hazz. – Tive uma sensação desde que bati os olhos neles.

- Suas almas?

- Mais que isso, as poções ceguetas ainda estavam funcionando na época. Foi instinto e Luna também concorda que podemos tê-los a nosso favor.

- Posso saber quem?

- Lembra-se dos amigos de Neville, os Weasley?

- Sim. – então ele entendeu. – Os gêmeos?

- Acertou.

- Bem... o garoto George parece ser uma boa pessoa. Definitivamente não é do tipo que escuta algo e descarta ou aceita antes de averiguar.

- Como chegou a essa conclusão?

- O encontrei na biblioteca um tempo atrás. Em um de nossos primeiros dias aqui. Você disse alguma coisa que mexeu com o menino e acabamos tendo uma conversa muito estimulante. É muito inteligente e sagaz, mas sem precisar abandonar o humor pelo que vejo na mesa de sua casa. Alguém interessante, vejo porque o escolheria.

Hazz ficou surpreso, não tinha escutado sobre aquilo antes, mas decidiu que poderia perguntar diretamente a George depois.

Ele teria que passar algum tempo com os gêmeos de toda forma.

Lakroff ainda acrescentou, decidindo voltar ao sofá e dar algum espaço pessoal ao neto que tanto gostava do seu:

- Eu não me importaria em ensiná-los, se acharem que precisam de ajuda. Onde farão as poções? Eles poderiam usar o laboratório do barco.

- Você daria um jeito para que pudessem entrar?

- Se for preciso, sim. Conversarei com eles amanhã, mas talvez leve uma semana.

- Eles podem usar a sala precisa até lá.

- Pois bem, organizei tudo. Entretanto até lá, se tiver alguma recaída, assino os papéis e você vai tirar um recesso para cuidar da saúde, te mando direto para casa. Não podemos correr riscos com o torneio logo aí, está bem?

- Tudo bem – Harry concordou. – Mas eu sei que aguento até mais ficarem prontas, com essas duas que peguei na mansão, é só raciona-las. E também... estou pensando em começar a tomar poções de sono sem sonhos todas as noites até lá. Parar com os pesadelos, dormir direito, vai me ajudar a deixar minha magia menos irritadiça. Eu acredito.

- Sim, sim, com certeza ajudará, assim como comer...

- Um passo de cada vez! – o menino pediu abrindo os braços. – Meu corpo também precisa entender a nova produção de magia e suas fontes antes da primeira tarefa.

- Deveria extravasar um pouco, usar a nova magia além das aulas.

- Vou começar a treinar daqui dois dias com os outros competidores para o torneio, então já tenho a desculpa para gastar magia e analisá-la – acenou em concordância.

- Com os outros competidores?

- Tenho algumas coisas a ver sobre eles.

- Você gostou que o tal Diggory te defendeu na pesagem das varinhas, não foi?

Hazz corou muito pouco, mas crispou os lábios e desviou os olhos:

- Acho que a senhorita Delacur está escondendo algo. Quero descobrir.

- E vai treinar com eles? Me esclareça como isso é boa coisa?

- O que ela esconde não parece ser algo ruim para mim. Eu só quero ter certeza. Eles dois foram escolhidos pelo cálice, e mesmo que seja um objeto tosco capaz de ser enganado, isso ocorreu pelas minhas mãos e de Voldemort. Que objeto, ou pessoa, não seria enganado por nós? – Lakroff riu do pico de arrogância do menino, que eram raros, mas sempre divertidos. – A coisa tinha por objetivo escolher os melhores para competir entre si, quero descobrir tudo que puder sobre aqueles que a taça acha tão capazes e dignos quanto Viktor.

- Entendo.

- Luna também me deu sinal verde – brincou.

Provavelmente porque sabia que a reação de Lakroff não seria tão boa:

- Garoto – bufou, levando a mão à têmpora. – Só porque ela é um vidente da natureza, não pense que Destiny é fácil assim de se agradar. Não aceite as visões dela como norte perfeito. De-

- Já sei. "Vidente algum manipula Destiny, depender de visões dá espaço liberado para que, na verdade, só estejamos sendo manipulados e levados por ele, para o ponto exato em que quer". Não se preocupe, você me ensinou bem.

- Assim espero.

- Eu só acho que – o garoto pensou longamente sobre o que tinha a dizer antes de continuar. – Acho que sou um arauto da morte.

- Como? O que aconteceu que te fez acreditar nisso depois de tanto tempo?

- Eu tive um sonho, este fim de semana. Tenho quase certeza disso agora. Não... – e deixou a frase no ar.

- Não o que? – perguntou Lakroff, depois que o neto passou muito tempo em silêncio.

Parecia estar diante de uma epifania ou algo assim, perdido em pensamentos.

O que era o caso. Hazz percebeu o que iria dizer e o que aquilo significava.

- Eu não lembro bem do sonho que me fez chegar a essa conclusão – contou, pensando como era ali que estava a resposta para algumas perguntas que vinha se fazendo.

Naquela noite.

Seja lá o que sonhou, ali escondia-se o segredo que o fez desconfiar de algo em Lakroff, que seu tio-avô lhe escondia alguma coisa importante, além de o convencer que sua magia era de um dos videntes da própria morte.

Lhe deu algo sobre seu avô e sobre si mesmo importante o bastante para sentir que devia apagar a própria mente ao invés de apenas confrontá-lo.

Lakroff percebeu que o neto estava distraído e tentou chamá-lo:

- Qual pista esse sonho te deu?

Hazz não ouviu.

Se o sonho lhe fez perceber que sua magia estava direcionada à morte, então o que Lakroff escondia podia estar diretamente relacionada à vida ou a morte de alguém?

Mesmo com a culpa, teria de confiar no seu eu do passado de que aquilo era melhor e aceitar que, sobre isso, ainda não poderia ser totalmente aberto.

- Eu tenho certeza de que sou um arauto. É como me sinto.

Lakroff acenou com a cabeça em entendimento e desistiu de fazer mais perguntas do assunto:

- Então assim é. Mas porque se lembrou disso agor... ah – se interrompeu, percebendo a resposta para a própria pergunta que faria no processo. – Você acha que alguém morrerá nessa competição?

- Só quero evitar o pior.

- Diggory?

- Como sabe? – Hazz arregalou os olhos: – Você também teve uma visão com ele?

Lakroff estalou a língua e se afastou:

- Longa história.

Foi tudo que disse e pela sua atitude, ficava claro que nada além daquilo sairia. A questão é que se fosse apenas um palpite certeiro, Lakroff teria dito isto, admitir que era uma longa história envolvia uma visão maior.

- Minha vida? A que você viu se minha mãe não tivesse mudado tudo?

- Harrison – Lakroff o interrompeu. – Não.

E o menino soube que não teria chance naquele assunto.

Fechou a boca e pensou em outro rumo para a conversa:

- Sobre as poções do sono.

- Posso fazer para você.

- Obrigada – essas eram mais simples, não deixariam o avô tão atarefado. – E também provavelmente vou dormir bastante aqui.

- Tudo bem, fique à vontade. Sabe que não me importo de tê-lo no meu quarto.

- Tem o Tom.

Lakroff abriu a boca em uma silenciosa onomatopeia de entendimento "ah... tem ele", depois questionou:

- Ele vai ficar com seu corpo até você acordar?

- Fique à vontade para vigiá-lo se sentir a necessidade, as poções não o atingem quando as tomo. É provável que fique deitado a maior parte do tempo para me manter descansado. Se quiser arrumar outro colchão para mim, assim não te tiro da cama-

- Deixe disso, vocês podem ficar com a minha, estou satisfeito com o sofá.

Hazz imaginava que sim, então apenas sorriu.

Lakroff, por sua vez, levou a mão ao queixo pensativo.

- O que foi? – Harry perguntou.

- Ele não vai ficar entediado?

- Como?

- Você vai estar completamente inconsciente, pode se chamar "poção de sono sem sonhos", mas parece mais poção do apagão ou do coma rápido e controlado. Vocês não poderão... fazer seja lá o que fazem na sua cabeça durante sonhos normais e ele terá que ficar deitado olhando para o teto?

A reação de Hazz para aquilo foi um processo gradual. Primeiro ele quis comentar porque seu avô estava preocupado com o possível tédio de Riddle, depois quis fazer a mesma pergunta provocando ambos, depois começou a querer rir e, quando viu, nada além das risadas saiu de sua boca porque tinha pensado em tantas formas de provocar os dois e imaginado suas reações, que não conseguiu decidir a melhor.

O fato de Tom ter ficado quieto, mas estar sentindo uma gotinha de raiva no fundo do peito só piorou seu estado de graça.

- Você pode cuidar de entretê-lo se quiser, mas lembre-se que é o meu corpo ali e dependendo do que fizerem seria indecente- Ai ai! Estou dodói! Pare de me machucar por dentro também, Riddle!

"Dodói" Lakroff não resistiu à risada, toda a brincadeira e a reação da horcrux foram muito divertidas.

Enfim pegou novamente seu livro, percebendo que o menino vinha querendo sair a tempo e talvez logo precisasse encerrar com o velho:

- Estava apenas pensando que podemos arrumar outra forma de lidar com a situação do que o deixar estático. Tom ainda pode ler, imagino? Não lhe cansa o corpo de forma alguma e o manterá distraído. Pergunte depois quais livros gostaria, que arrumarei.

- Eu tenho certeza de que sim – provocou e sentiu outra pontada na cabeça que lhe fez levar a mão à testa.

Lakroff riu mais um pouco e chamou o neto com a mão. Quando o menino se aproximou, parando na sua frente, lhe pegou a mão para baixá-lo a sua altura e beijou a testa onde estava a cicatriz:

- Obrigada por me contar seus planos.

- Eu que... tenho que te agradecer. Por, você sabe – comentou meio sem jeito. – Sempre ajudar.

Lakroff negou com a cabeça, repetindo:

- É minha função.

- Não, você não entendeu. Estou agradecendo por... Tudo! Por tudo que já fez mesmo. Por confiar em mim mesmo quando as coisas não faziam sentido ou quando eram duvidosas.

- Você é um Grindelwald. Nem sempre farão sentido na hora, é normal – sorriu.

- E realmente... desculpe pelas horas que quero fazer as coisas sozinho.

- Tudo bem, é coisa de adolescente.

O menino fez uma careta e o mais velho riu:

- Mesmo quando você faz tudo sozinho, ainda estou lá para te ajudar, mas faz parte de crescer, tentar e ser independente. Não preciso te dar uma bronca ou pedir que aja diferente, cá estamos, você já está fazendo tudo que eu poderia pedir e me mantendo ciente. Eu cuido da contenção de riscos, no fim, e ficamos bem assim.

- Contenção de riscos?

- Mesmo quando suas ações causam desastres, nada disso se voltará para você e ninguém precisa saber – piscou.

Harrison se arrepiou, lembrando-se por um momento do passado, de Moscou, da estação de trem. De como a coisa sumiu, tal qual se nada tivesse acontecido. Hazz nunca foi culpabilizado por aquilo, nunca punido.

Mas frequentemente punia a si mesmo com uma culpa latente.

Ninguém nunca precisou lhe dizer algo sobre aquilo. Pelo contrário, sumira como neve na primavera. Lakroff até se esforçou para apagar as provas no corpo do menino daquele dia. O passado sumindo... Contenção de riscos.

Lakroff era ótimo com isso.

A guerra de Gellert devia muito a esse dom, se não provavelmente teria durado bem menos.

- Aja da forma como se sente feliz – Lakroff comentou baixinho, como se não quisesse assustar Hazz ao tirá-lo de seus pensamentos para acrescentar uma última reflexão. – Eu garantirei que isto seja uma opção boa e segura para você. Não importa o que tenha que fazer, ou o que tenha que mudar. Isso... – estendeu a mão, para que o neto lhe desse a sua e pudesse beijar. Bem em cima de um dos anéis de lorde. – É fazer parte da corte de um rei. Majestade.


Capítulo 46 – Conte-me o que pensas e lhe direi quem és


"Existem diferentes tipos de sentimentos e, sim, um dos mais complexos sempre será o amor exatamente por ter tantas interpretações que o cercam. Desde aqueles que o desprezam, ridicularizam, acham tolo ou uma fraqueza, até quem o respeita, o deseja, o cobiça e protege. Somos capazes, na verdade, de amar em formas quase que infinitas.

Existem amores duradouros e alguns breves, mas todos são intensos à sua maneira. Desde que você cuide bem..."


"Comecei um diário por vários motivos.

Tratamento psicológico, observação comportamental, etc, etc.

As artes das trevas, principalmente.

"Registre tudo que achar importante sobre si mesmo" Lakroff ordenou alguma vez. Gellert (o quadro – Lakroff ainda me deve uma visita ao que está preso) também comentou como a maioria dos bruxos que conhecia tinham perdido alguns parafusos por irem longe demais e não darem a devida importância ao processo individual do bruxo.

Magos sombrios tendem a ter variações de humor tão intensas e descontroladas como a magia que estão tentando decifrar e usar a seu favor. A magia das trevas muitas vezes busca ir contra o que é natural. Conseguir mais, atingir o impossível nem que precisem ultrapassar barreiras divinas e da própria ordem para tanto.

Seu corpo, naturalmente formado com magia e seguindo a ordem natural, de alguma forma reage a sua tentativa de tentar desafiá-la.

Ela aceita o desafio e não quer dizer que quem vence é você.

Um bruxo das trevas formado será inevitavelmente caótico como sua magia, mas cabe a ele saber controlar. Se manter são e aquele que tem o poder sob sua própria magia. Não o contrário. Não uma casca usada pelas vontades de sua essência imprevisível e impulsiva. Deve ser capaz de trazer ordem para a própria energia do caos. Ser racional diante de uma magia que quer emoções para se tornar mais forte!

Precisam ser melhores mentalmente do que aquilo que criaram em si mesmos.

Parece fascinante. Não?

Por sorte, tenho ótimos professores que aprenderam na dor e no arrependimento o que não se deve fazer, limites a se considerar e que estão sempre observando.

Também me ensinaram como perceber sozinho tais sinais e crescer com minhas próprias pernas, é claro, por isso...

Durmstrang está, apesar dos pesares, sendo tão interessante de se observar. Perceber tão claramente os sinais de outros bruxos jovens, e que não tem os mesmos mestres para lhes dizer quando estão sendo estúpidos e voláteis, é uma prova constante do que venho ouvindo há anos.

E como eles são levados à tolice!

Essa escola, de acordo com Tom, conseguiu ser mais caótica que Hogwarts!

###Riscado### Ele observou em um de nossos encontros no mundo dos sonhos que considerando seus passeios pelo castelo com uma cobra gigante e mortífera, Durmstrang se mostrar mais imprevisível entre as duas é um feito e tanto ###

Nem todos os alunos têm diários. A maioria não mantém, se minhas observações estiverem certas. Claro que há outras formas de perceber os sinais, mas Lakroff também é professor aqui e gosta pessoalmente que tenhamos um registro escrito (com nossas próprias palavras) e do tempo que se gasta para manter algo assim. Diz que nos força a parar e pensar melhor sobre nós mesmos, nossas ações durante o dia e racionalizá-las como normalmente não fazemos na correria da vida.

E se o objetivo é reler sempre as coisas para verificar o quanto de nossa essência se mantém, separar o que a magia te fez e o que sempre foi você, então aqui vai uma mensagem a mim mesmo: as artes das trevas não te tornaram instável.

Parabéns, parabéns.

Já estamos a alguns anos nisso e, por comparação, você anda bem melhor que esses malucos.

Você tem uma alma de um homicida sussurrando em seu subconsciente e já é mais amigável que a maioria!

Se essa for a melhor palavra...

Seguindo contra a corrente, agora você é um garoto comum, com três irmãos, um avô (Não deixe Lakroff ler isso, fica só entre mim e você – essa é a gramática correta) e oficialmente um jogador oficial da equipe de quadribol da sua casa!

Em seu primeiro ano, o apanhador mais novo do século, meus reconhecimentos.

-"Obrigada Harry do passado".

- "De nada Harry do futuro"

Se eu falo com uma vinha na minha cabeça, posso falar comigo mesmo.

Anotação: notei hoje que escrevo coisas desnecessárias para meu objetivo e vou começar a ser mais sucinto. Levei a ordem de Lakroff muito ao pé da letra, e isso já está se tornando contraproducente. Com anotações tão dispersas e diárias, quando preciso consultar levo um tempo ridículo e muita coisa não se refere a mim como bruxo, apenas são detalhes cotidianos. Foi necessário no começo para eu me acostumar, mas estarei mudando. Mantenho minha palavra de que terei registros frequentes, mas apenas sobre o que transmite minha essência e personalidade, assim noto caso ela mude sem motivações racionais).

De toda forma!

Por mais que eu possa dizer que as coisas estão indo bem depois de ter relido todas as coisas nesse caderno, isto se refere apenas a uma parte envolvendo a possível insanidade colateral. No mais você falhou novamente.

Harrison do futuro: Tivemos um ataque público!

Parabéns a nós que queimamos a casa dos dragões! (sinta a ironia)

Lembra-se desse dia? Espero que não, então irá dizer que a repercussão não foi tão ruim quanto promete.

A quem quero enganar? Não tem uma grama minha que acredite nessas palavras, você de certo se lembra bem.

Se me permite uma das minhas notórias piadas para desgraças: A frase é um tanto irônica (queime o ninho dos dragões!), mas que fique de lição. Que bruxo fez a casa deles sem pensar em deixá-la resistente a fogo?

Móveis que não derretam tão facilmente é minha maior sugestão, afinal vai ser bem difícil raspar as mesas empossadas do chão sem magia.

Outra que nunca aprendi a tirar o... "mofo" que deixo para trás depois de estourar assim, então espero que suma desta vez ou dê para cobrir com tinta.

Viktor disse que me ajudaria, mas não quero que ele se sinta forçado a fazer algo que minha punição por ser tão irresponsável.

Heris já está sabendo e me mandou uma carta. Ele não me põe de castigo quando erro, nem grita comigo e mal reage. Além de tudo, Lakoff já teve que me dar uma advertência e a detenção (algumas horas por dia tentando limpar o máximo possível do meu fiasco). Mesmo assim, vejo nos olhos de Heris quando está desapontado e isso...

Eu não gosto, ok?

Eu obviamente preciso repensar como vou lidar com minha vida nessa escola.

"Sonambulismo", foi a desculpa que o corpo docente e discente tiveram de engolir. Quantas vezes consigo usar essa história antes que percebam que não sou sonâmbulo?

Ainda estou tentando entender isso, minha casa sabe a verdade. Eles estavam lá. Viram a coisa toda.

Mas me protegeram.

Nenhum deles desmentiu a coisa e estão jurando de pé junto. Criando uma história para mim.

Escolheram manter isso entre os répteis.

Viktor disse que um dragão aquece seu ninho e nunca trai outro dragão que precisa. Acho que o coração de Krum passou muito tempo em um ninho quente e por isso é molenga demais.

Ivan, por outro lado, afirmou que dragões só tem medo de um dragão capaz de rugir mais alto e meu rugido destruiu a coragem e até a estupidez de qualquer um que quisesse me irritar de novo.

Quase o lembrei que justamente ele um dos que me irrita e se não tivesse uma jura com os Grindelwald, provavelmente eu já teria pedido para Viktor lhe dar outro soco. Um forte o bastante para arrancar os dentes e fazê-lo calar a boca pelo resto do ano. Aquele garoto me tira dos nervos!

Ao menos ter Krum salivando de raiva diante dos que decidem ser especialmente chatos comigo me ajuda a não me incomodar tanto com tudo.

Obrigada po-golyam brat (ele começou a me chamar de irmão mais novo, então veja só diário, vou chama-lo de mais velho! Já sou melhor do que era antes, consigo aproveitar a presença de pessoas novas!)

##Riscado## Eu e Tom achamos que tudo é uma combinação##

É bem possível que nenhum dos Haus Feuer quer que as outras casas saibam que um "falhou". Não se deve mostrar aos inimigos quando um igual escorrega. O orgulho não permite. Os dragões sempre devem ser a criatura mais forte e dominante no território e ponto final.

A segunda motivação é que terem de dormir sentindo cheiro de queimado realmente os faz pensar antes de me causar problemas tão cedo.

O que isso faz de mim agora?

Vamos lá, não foi a magia das trevas.

Sou eu.

Tenho pânico noturno e decididamente meu dormitório inteiro sabe disso agora.

Claro que aquilo (infelizmente) não pode ser confundido apenas com um pânico noturno. Eles sabem, eu sei e Igor Karkaroff suspeita (mas ele é um idiota). Todos me olham diferente agora, mas ainda não sei o que cada um fará com essa informação.

A coisa já era complicada por eu ser "O mestiço", agora isso.

Axek veio puxar conversa de novo ontem.

###Riscado### Tom está levando tudo na brincadeira, como geralmente faz com minha vida. Uma série que assiste, ou um jogo de videogame onde pode apenas direcionar o personagem principal. Fez uma piada chata dizendo que já tenho Viktor Krum, "o atleta", agora tenho que me dedicar para desbloquear Axek, "o político" e logo zero o jogo "O Elemento".

###Riscado### Riddle, supere logo isso! Eu tinha oito anos!

De toda forma, Miller é inteligente, então foi um bom papo.

Mas eu tenho que focar no meu problema, não é hora de jogar. Conhecer pessoas que podem só me jogar o próximo galão de gasolina (sim ainda faço piadas com o orfanato, chore quem chorar) e mesmo que ##riscado## goste ### suporte alguns aqui, também não estou disposto a me aproximar e ter mais gente preocupado com meu "estado de saúde".

Não são as artes das trevas, tenho convicção disso.

Sou eu.

As artes das trevas são capazes de me tornar mais instável do que já sou?

Não voltei a ter crises por estar estudando magia sombria. Voltei a ter crises porque estou em uma escola.

Não, não é a mesma coisa.

Porque aqui tenho que três vezes por dia me forçar a comer comida feita por elfos que não são meus.

Que pode ter remédios para me apagar. Por que não? Da última vez que não pensei na possibilidade olhe só o que aconteceu!

Mesmo quando achamos que não dá para piorar, o mundo surpreende.

Eu não quero mais ser surpreendido (uma gota de lágrima mancha a última palavra).

Aqui não consigo comer nada e fico fraco, ou como mal e fico cansado, ou sinto dor de barriga quando como até a próxima refeição e evito ela, ou fico tremendo por horas porque quero vomitar tudo.

Comer é torturante. Não comer também.

Aqui, o problema é dormir pouco. Porque os alunos da minha casa não gostam de um mestiço entre eles e colocaram um alvo nas minhas costas. Porque muitos bruxos das trevas me odeiam ou estão constantemente me observando esperando... alguma coisa! Que eu posso nunca oferecer!

Aqui, todo novato é testado, ninguém pode se considerar um dragão se não for forte como um e todos sofrem com as provocações dos mais velhos (exceto aqueles que acabam sendo protegidos por um, como Viktor que "me adotou", nas palavras do professor Leandro), mas eu sou Harry Potter.

O menino que sobreviveu.

Aqui, sou "aquele que ganhou fama por berço e sorte" porque ninguém é idiota de pensar que artes das trevas são paradas pelos poderes de um bebê.

Sou uma piada ou indesejado.

Aqui, sou menor que todos da minha idade, mas ninguém sorri e diz que está tudo bem, a culpa é da minha criação. Aqui eu sou só um dragão de aparência fraca que pode prejudicar a imagem deles.

Aqui, nessa escola, não tenho coragem de tomar banho quando tem alguém no vestiário por causa das cicatrizes e até nesses momentos estou tenso.

Aqui, estou em uma cama que não é minha, longe de qualquer coisa que me faça sentir mais seguro, com pessoas que não conheço e não confio, então não!

O problema não são as artes das trevas.

É a Durmstrang.

Sou eu.

É ser fraco e sequelado.

Estaria em apuros em qualquer lugar.

Eu ainda estaria estressado, ansioso e acabaria ficando instável.

Estourando.

Mas seguindo pelo que estava sob o meu controle: devia ter falado com Lakroff. Pedido conselhos. Não ter tentado fazer tudo sozinho. Mesmo Tom não está sempre lá e nunca está... quando estou acordado. Quando as coisas ruins me atingem e preciso segurá-las para não machucar.

Sim, os alunos insistem tanto em me provocar dizendo que sou um mimado, que acho que acabei querendo provar para mim mesmo que não?

Como se eu estudasse aqui apenas porque Lakroff é o vice-diretor, como se perder os pais fosse ser mimado! Como se ser alvo de um lorde das trevas e ter tido a "sorte" de sair com a cabeça quebrada fosse...

Eu não tenho que provar nada a eles.

Nem para mim.

Não deu certo de toda forma, então...

Desculpe. Desculpe Harrison do futuro, não sei que tipo de vida você está tendo depois desse meu "show", mas espero que tenhamos aprendido, como sempre fazemos, a lidar com as adversidades e encontrado um meio de continuar.

Somos bons nisso.

Se conseguimos achar comida morando com os Dursleys, podemos achar aqui.

Viktor não é um Neville, mas podemos achar outra coisa que não seja só depender dos outros.

Vamos apenas aprender com isso. Eu não devia ter deixado me provocarem e não vou mais.

Nem sei porque fiz isso. Geralmente sou alheio ##um X riscado várias vezes##

Mentira.

Eu só tento ser alheio, no fim ainda escuto meus tios dizendo coisas ruins sobre mim e não quero que todos me olhem como as outras crianças na escola trouxa ou no maldito orfanato. Onde as coisas cresceram o bastante para quererem minha morte. Ainda tinha a doce ilusão de que todos não fossem meus inimigos dessa vez.

Preferia a indiferença, sabe?

Mas vamos ser positivos? Talvez eu consiga fazer todos me ignorarem com o tempo?

Ser invisível.

De "O menino que sobreviveu" da Grã-Bretanha para: "O aluno que ninguém lembra" da Durmstrang.

Trecho recortado e colado da carta de Heris para Harrison.

Agora já está feito e eu que arque com as consequências, mas não vou deixar algo assim se repetir.

Últimas observações: Aumentamos minhas doses dos remédios, fiz exames, vou ter que ir na terapia mais vezes por mês, Viktor me acompanhou em uma caminhada na neve para respirar e está tudo bem se continuarem pensando em mim como o elo fraco da escola.

Se um deles tentar fazer algo físico diretamente, então acabo com ele, sumo com o corpo e fim.

Não preciso me dar bem com ninguém aqui, só preciso que se esqueçam de mim".

Diário de Harrisson James Mitrica Potter. Novembro de 1991. Primeiro ano como aluno do Instituto de Aprendizagem Mágica Durmstrang.

-x-x-x-

Se Viktor Krum tinha como objetivo abrir uma cratera no barco da Durmstrang, então decididamente estava no caminho certo (apesar de ser o mais demorado). Já fazia cerca de duas horas que andava sem parar nos mesmos lugares de forma repetitiva em seu quarto e, ao menos a madeira, já estava sentindo desgaste por aquilo.

Axek e Ivan não encontravam-se muito diferentes, apesar de terem sua própria maneira de demonstrar inquietação.

O loiro Miller tentava fazer o máximo de contas, terminar o máximo de papeladas, se distrair enquanto também fosse útil, mas se irritava sempre que sua letra não estava perfeita, amassava todo o seu trabalho e começava de novo.

Já os dedos do Tshkows, estavam tão desgastados quanto o piso, mas bem mais sôfregos, vermelhos pela quantidade de tempo que o dono manteve todos juntos, fechados em um punho que ficava mordendo.

Nenhum dos três conseguia formular pensamentos muito distantes dos que borbulhavam irritantemente na mente, ou parar com aqueles atos estranhos.

O único normal no quarto era Heinz.

E isso também estava irritando os colegas, mas quem disse que o hungaro notara?

- Vou tomar banho - comentou tranquilamente enquanto pegava suas coisas no malão em baixo da cama. - Mais alguém?

Quando sua atenção se voltou para os amigos e percebeu olhares mortais em sua direção levou um susto:

- O que eu fiz agora? Interrompi Axek com a contabilidade?

Imediatamente apontando para a porta Ivan expulsou:

- Xó!

- Nossa, quanto mau humor! - só que, sem um pingo de medo da morte, Heinz Horváth decidiu acrescentar em provocação. - Se tomar um banho pode ajudar. Deve ter levado um fora quando as meninas notaram seu cheiro, por isso está assim?

Viktor considerou salvar seu amigo de infância, mas para isso teria que parar sua caminhada infinita de um lado para o outro. Deixou Ivan descarregar em cima de Heinz uma maldição.

O coitado nem teve como tentar fugir (o russo fez questão de saber para onde o outro estava pensando em correr).

- Que merda, Ivan! – reclamou quando caiu no chão de cócoras. – O que era?! – perguntou, uma vez que não estava sentindo nenhum efeito imediato e o garoto não verbalizou nenhum encantamento.

- Se eu fosse você ia tomar seu banho antes que tivesse o azar de descobrir.

Heinz revirou os olhos, mostrou o dedo do meio ao colega de casa e saiu, sem vontade de discutir mais.

Teria volta de qualquer forma.

Só tinha que descobrir o que aconteceu para saber até onde podia ir sem se encrencar com sua alteza depois.

Viktor, enquanto o assistia a saída de um dos colegas, se permitiu pensar que se tocasse na água agora com certeza iria querer enfiar a cabeça inteira por baixo dela e gritar. Alguns instantes depois, quando Axek começou a balançar a perna de forma incessante e ansiosa, o que não era de seu feitio, e Ivan começou a encarar o teto tão imóvel que parecia um cadáver, o apanhador búlgaro percebeu que tinha de intervir.

Batendo forte o pé no chão, assustando os outros, foi firme:

- Ta, já chega! Não podemos continuar assim!

O defunto na cama resmungou:

- Quer que façamos o que?

- Que tal só irmos para o quarto do vice-diretor e...

- E o que? – interrompeu Ivan. – Quer que falemos o que ao professor Mitrica? Podemos acabar dando com a boca no trombone e revelar coisas que sua alteza não pretendia deixar passar! Então o que? Vamos ser estupidamente vagos até que ele tenha piedade de nós e veja no futuro o que é para nos ajudar? A menos que tenha sorte nisso, não vejo uma possibilidade onde só não seremos um bando de idiotas estranhos sem nada a dizer!

Viktor voltou a sua caminhada de zumbi de metrônomo.

[N/A: O metrônomo ou metrónomo é um aparelho que através de pulsos de duração regular, indica um andamento musical. Ele pode ser utilizado para fins de estudo ou interpretação musical. Possui uma barra (ou ponteiro) apontada para cima, presa a uma base e que se move em um ritmo fixo da esquerda para a direita emitindo um som].

Depois de um tempo resmungou, se apoiando na base da cama:

- Fiquei tonto...

- Ainda bem! Se não parasse com isso logo, eu que ficaria – Axek pegou as folhas na sua frente, avaliou o trabalho.

Então o descartou como lixo.

O búlgaro ignorou a atitude rançosa e fez uma nova tentativa:

- Podemos falar para Lakroff que só estamos curiosos com o motivo de Hazz ter sido chamado para a sala de Dumbledore. Todos sabemos como isso não é boa coisa e... toda essa história de irmãos! Quer dizer... como assim ele... como – o menino pareceu de repente diminuir de tamanho, se encolhendo até murchar sentado na cama. – Hazz tem irmãos e nós não sabíamos disso?

- Se sua alteza não nos disse, é porque não precisamos saber – Axek contestou imediatamente batendo a mão na mesa. – Então não trate isso como se fosse um motivo para ficar triste!

Krum, normalmente, não se importava com a lealdade servil de Axek, mas naquele momento quis socá-lo por ousar o repreender.

- Você não tem direito de dizer como devo me sentir!

- Não devemos ir abertamente contra os limites de nosso príncipe dessa forma, que ideia é essa Viktor?! – repreendeu – Quer ir perguntar a Lakroff o que provavelmente é sua família? Fiquei à vontade, mas não vou participar disso.

Ivan se deu o trabalho de levantar o braço, como um aluno que quer falar em sala de aula:

- Também prefiro não perguntar sobre os Grindelwald se a intenção deles não é se apresentarem. Só quer dizer que querem justamente ficar na surdina e deve ter um motivo ótimo. Ou péssimo, mas não importa, se é o que querem eu só obedeço – e soltou o braço como se tivesse virado gelatina.

- Você está querendo chegar onde, afinal? Ou apenas quer parar de se sentir inferior a Neville Longbottom? Notícia: ele sabe muito mais de sua alteza que você, conhece e vive com sua alteza a muito mais tempo. Ele já é superior. Aceite o fato.

Axek nem conseguiu ver (mesmo que já se achasse mais do que acostumado com a velocidade de Krum) quando Viktor pulou em sua direção. Apenas enxergar um borrão e já estava no chão, sendo segurado por toda a força daquela montanha de músculos que era o jogador profissional.

Pior, daquele ângulo, as deformidades no rosto do garoto causados por ataques em jogo o deixavam tão ameaçador que cada sílaba vagarosamente pronunciada fez Axek perder o ar:

- Você não ouse.

- Não briguem – Ivan murmurou sem qualquer vontade.

Ele sequer olhou na direção da briga, como normalmente faria!

Isso estranhamente acalmou Viktor. Era a lembrança de que nenhum deles estava bem.

Ele mesmo só estava deixando as emoções o controlarem.

Estava ansioso, irritado, triste e... Axek estava certo. Mas mesmo que fosse verdade, que não devesse se colocar neste nível de intimidade com seu líder, que Hazz nunca o viu como Viktor o via...

Ainda sim Axek era apenas um marquês! E Viktor era o grã-duque! Hazz lhe deu o título!

Quer partir para a lealdade para se justificar? Pois então deveria lembrar de sua posição e não lhe contradizer abertamente! Parar de achar que era melhor que todos ali só porque era um maluco fissurado em Harrison.

Viktor também gostava dele! Tanto quanto! Só não era um esquisito!

E era amigo de Harry a mais tempo!

O próprio apanhador percebeu como seus pensamentos soavam infantis e apenas bufou ignorando-os, mas encarou diretamente os olhos do loiro abaixo de si para dizer:

- Essa insegurança é minha ou é sua?

Os olhos do alemão se arregalaram incrédulos:

- Como é?! Eu não tento ser mais do que devo com sua alteza!

- Você tenta ser mais do que todos nós! Quer ser o braço direito dele a anos! Mas uma notícia para você: Neville te tirou isso. Sem. Nem. Tentar.

Agora Axek tomou forças para reagir, conseguindo usar o peso de Krum para derrubá-lo no chão e se colocou por cima:

- Pelo menos eu não estou na "zona do irmão".

Ivan jogou uma almofada nos dois que o encararam furiosos se ignorando por um instante. O russo considerou uma ação de sucesso:

- Vocês estão parecendo prestes a transar, sabem disso, né?

- Cale a boca! - disseram ambos.

- Neville não está acima de vocês, idiotas. O garoto sabe algumas coisas? Grande bosta, é a nós que sua alteza recorre para conquistar seus objetivos. Neville é um amigo de infância que ele vê como uma coisa frágil que tem que ser protegida. Vocês são os aliados dele para ter a vida que quer. Neville é... algo que o prende ao passado. Vocês são parte da promessa de futuro. O que é isso? Briga por popularidade? Depois eu que tenho cinco anos! - com uma bufada final voltou a deitar na cama olhando para o teto.

Levar uma bronca de Ivan Tshkows foi humilhante o bastante para fazer os dois no chão se sentirem tão idiotas que imediatamente se ajudaram a levantar e se desculparam.

Uma demonstração de maturidade para compensar a infantilidade anterior.

Os três voltaram ao silêncio por um tempo.

Viktor foi quem o interrompeu novamente. A tristeza tão fracamente escondida nas palavras que mal podia ser considerado uma tentativa:

- Ele já falou sobre irmãos para vocês antes?

Aquilo tinha ficado em suas cabeças desde que Harrison saiu com Neville Longbottom do jantar em Hogwarts para Dumbledore. Ele tinha irmãos? Quem seriam? Como Harry Potter foi de filho único para um entre três?

Isso se não tivesse mais.

- Não – Axek foi o único a responder, mas Ivan parecia ter sido engolido pela cama (ou pelo teto) então nem esperaram algo vindo dele.

- A irmã dele trabalha no ministério... – murmurou baixinho. – Como nunca soubemos dela então?

Ivan pareceu conquistar mais um pouco de vontade de falar e ofereceu:

- Vocês achavam que a forma com que sua majestade sempre sabia do que acontecia no Ministério Russo era por causa do vice-diretor, ou talvez de mim, estou certo? - nem esperou por uma resposta – Sempre foi a irmã – sua voz estava um tanto distante. – Mas... Viktor, que infernos, essa é sua preocupação? Os irmãos? Mesmo?

Axek assistiu o meio-irmão pelo canto dos olhos, e fez uma careta. Para alguém que parecia sempre carregado de energia, era estranho vê-lo assim. Quase sentiu pena.

Ivan devia estar se martirizando por dentro.

Nem trocou as roupas que sua alteza acabou derrubando água quando recebeu a notícia da visita. O russo Apenas comeu o mais rápido que pôde e voltou para o quarto, onde mal saiu da mesma posição desde que chegou.

O Miller estaria completamente louco se estivesse na mesma situação, pensou em dizer algo, chegou a caminhar até a cama do outro para consolá-lo, mesmo sem saber ao certo o que faria. Mas se havia algo na natureza a comparar a corte, seriam abelhas. Como se sentissem a metros de distância a presença de sua rainha e fossem atraídos por ela, os três se viraram para a porta no mesmo momento.

Foi ao longe, as paredes do barco eram de madeira nobre e densa, entretanto assim como quando ouvimos nosso nome em uma multidão, algo que o cérebro está condicionado a prestar atenção e se escuta mais alto do que realmente é, as palavras "Boa noite, alteza" foram claras o bastante.

"Boa noite, Petar, Ludomir" a resposta em alemão foi o que fez todos darem alguns passos em direção a saída, Ivan quase voando de seu lugar da cama, tão rápido que nem parecia ter ficado tão molenga até pouco atrás.

Era Harrison.

Mesmo que suas mente trabalhassem tão rápido quanto possível, quando o presidente do conselho entrou no quarto, nenhum deles tinha se mexido daquela posição estranha e desajeitadamente ansiosa, o que fez Hazz imediatamente sentir que tinha algo errado.

Nem precisava ler suas almas para saber disso.

Entretanto estavam gritando tão alto que também era difícil ignorar:

- O que aconteceu?! – perguntou preocupado.

Os três se entreolharam, sem saber ao certo como responder e gaguejaram coisas sem muito sentindo, encolhendo-se para não assustarem sua alteza. Viktor conseguiu dizer depois de alguns segundos:

- Só... achamos que não dormiria aqui. Tudo bem com...você?

- Sim.

Hazz encarou os amigos ainda desconfiado e depois correu os olhos por todo o cômodo, notando a ausência de Heinz e se perguntando por um instante se a promessa feita a seu irmão exigia que todos os amigos estivessem presentes.

Imaginou que não.

- Está tarde, não estão com sono? – o tom de voz do mais novo estava leve e havia um sorriso sutil no rosto enquanto abria espaço para Nagini passar.

{- Eles estão com um cheiro ruim} – a maledictus disse ao passar.

{- Sabe dizer o que? Suas almas estão uma bagunça}.

{- Se quer saber, o cheiro também. Não sou vidente, impossível entender tão bem adolescentes, mas estão querendo alguma coisa, com certeza}.

Hazz suspirou, também achava aquilo. Talvez se começasse uma conversa qualquer podiam chegar a algum lugar? Precisava entender o que estava acontecendo para ter certeza que poderia entrar no outro assunto:

- Onde está Heinz?

- Banho – respondeu Ivan baixando a cabeça.

Envergonhado...

Harry entrou no quarto errado e foi parar em outra realidade?

Aquele não parecia o Ivan de sempre, até sua alma estava fraca. Tão encolhida e acanhada que lembrava um passarinho ferido que caiu do ninho.

- Você foi pego por uma maldição, ou algo do tipo? – perguntou preocupado.

E comprovando que tinha alguma coisa estranha, o russo não levantou o olhar, nem disse nada, apenas negou com a cabeça. Hazz se aproximou dele quase instintivamente:

- Ivan, o que foi?

- Achamos que ficaria com o vice-diretor hoje – Ivan conseguiu se pronunciar, mas Axek praticamente podia ouvir em sua voz uma enorme pedra impedindo a garganta de pronunciar as palavras que realmente queria.

Hazz tentou sorrir, mostrar que estava ali, que o amigo podia conversar e encarou sua cobra para comentar:

- Será que atrapalhamos a festa do pijama deles, Nagini?

Mas aquilo teve um efeito estranho em Viktor, que pulou no lugar e apressadamente negou:

- Não, claro que não!

- Nós só... – só que Ivan não soube o que dizer e deixou a frase morrer, soltando um resmungo logo em seguida.

Hazz se aproximou mais e tentou tocar o braço do amigo. Só que ele o repeliu.

Foi um movimento muito sutil e o Tshkows logo se aproximou também, como se percebesse o que tinha feito e se arrependido, mas a coisa já tinha acontecido. Algo que Harrison nunca viu ninguém da sua corte fazer até hoje! Ainda mais Ivan!

Foi frustrante e...

Muito assustador.

Imediatamente o fez lembrar da conversa que acabara de ter com o irmão. Em especial a dor que sentiu nos olhos de Heris.

"Acredite, Hadrian Blake, nunca minha dor será tão grande quanto a sua, mas a culpa sempre será imensa na pessoa que sente que podia ter feito algo, mas não fez porque quis te dar espaço e não esteve lá na hora certa."

Era sobre o próprio Harrison que estavam se referindo, mas ver Ivan assim e sentir que ele por um segundo preferiu se afastar do que pedir ajuda? Sentir que não sabia o que o estava deixando assim e se não fizesse nada teria que engolir o que fosse e depois as consequências?

"Não faça isso com seus amigos, não se realmente se importa com eles. Vai ferir as duas partes".

A frustração, e talvez tudo que já ouvira sobre o arrependimento de um Grindelwald parado, contra aquele que se move, fizeram algo borbulhar no Potter e sua pergunta saiu furiosa:

- Chega, o que há com vocês?! – percebendo que poderia ter soado rude por causa de seus próprios problemas, acrescentou mais calmamente. – Não me digam que no pouco que fiquei fora alguém já causou algum problema?

- Não! – Axek se apressou em tranquilizar. – Tudo está ótimo, alteza. Nada aconteceu na escola.

- Então, Ivan?

Os três garotos, é claro, perceberam o incômodo de seu príncipe, se entreolharam, mas nenhum disse nada a princípio. Harrison tentou se manter pacientemente enquanto esperava Ivan criar coragem e dizer seja lá o que o atormentava, mas por fim ele apenas bufou e foi até seu baú.

- Acho que também estou precisando de um banho, para relaxar, alteza. Acho que percebeu que ainda não me troquei desde que o senhor mesmo decidiu me dar um no salão.

- Por Blocksberg, é verdade! Ivan! Pode ficar doente assim!

Será que era isso que estava deixando o menino tão abatido? O início de um resfriado?

- Sou bem mais resistente que isso, majestade.

- Assim espero. Acho que vou junto, vocês dois vem? – chamou por Axek e Viktor. Talvez com todos juntos conseguisse puxar o assunto?

Sem dúvidas seria mais fácil se mostrasse suas costas logo de uma vez.

- Claro – O Miller foi o primeiro a responder, indo até suas coisas.

Viktor não gostou nada de como as coisas estavam se encaminhando.

Era impressão sua ou eles iam mesmo deixar para lá? Ignorar tudo que os deixou boa parte da noite... daquela forma?!

- E você, brat? – Harrison perguntou em búlgaro para o apanhador mais velho.

Krum ficou encarando Hazz, seu príncipe, seu amigo, aquele que o chamava de irmãozinho e... alguém a qual era apaixonado. Mesmo que soubesse não passar de uma paixão platônica, existia e movia seus sentimentos constantemente naquela direção.

Essa pessoa, tão forte e impressionante, estava fingindo.

Não sabia o quanto ou o quão ruim podia ser, mas Harrison estava fingindo e isso quebrava Viktor por dentro. O fazia se lembrar do medo que sentiu na noite anterior, quando o menino e sua magia pareceram explodir antes de voltar a se controlar.

Não por receio de ser atingido, Hazz poderia matá-lo e Viktor não o culparia por isso. Nunca temeu sua força e jamais o faria. Era bela. Intensa, selvagem, destrutiva, mas tão incrivelmente deslumbrante quanto seu dono, tão verdadeira.

Mas ferida.

Krum podia ficar sem ar às vezes na presença do garoto mais jovem, mas se afastava apenas porque via nos olhos de Harrison o terror com a ideia de machucar alguém. Mas o búlgaro era incapaz de temer seu "irmãozinho". Incapaz de fazer qualquer coisa que não sentir encantado por tudo que era e podia ser.

Além, é claro, de temer por ele. Por sua segurança e seu bem.

Naquele momento, o medo de Viktor era o mesmo que sempre sentiu, desde que se aproximou do menino: vê-lo se machucar e deixá-lo sozinho.

Ficaram amigos assim. Viktor sempre sentiu que queria proteger Harrison. Dos comentários maldosos por ser mestiço, por ser um "bruxo da luz" na Durmstrang, por ser o "netinho mimado do Vice-Diretor", etc.

Depois quis protegê-lo da inveja alheia, quando sua força começou a se sobressair, se mostrar mais talentoso que os outros e gerar raiva, principalmente em sua casa de répteis sorrateiros.

Inveja, ira, cobiça, gula, ganância... sua casa era terrível nesse sentido, por mais que (irônico ou não) se orgulhasse dela. Krum escolheu Harrison para proteger e jamais lhe direcionou o veneno que os dragões eram capazes de expelir. No lugar, ofereceu a proteção de suas escamas, o espaço em sua caverna, a atenção de seu coração gigante, a força de suas garras, o calor confortável de uma brasa amiga.

Depois, infelizmente ele mesmo foi fadado a cair no inevitável a qualquer dragão, seus sentimentos corrosivos o deixaram mal quando outras pessoas começaram a se aproximar, notarem a grandiosidade do menino, a valorizarem e desejarem por ela.

Odiou seus próprios colegas por quererem espaço junto de Harrison.

Posse.

Escolha qual a responsável por isto, inveja ou ganância.

O que o fez revirar os olhos a cada vez que Axek falava com Hazz? Era ciúmes ou uma necessidade de ter o menino ainda só para si? Mas Hazz era grande demais e logo todos o viram, todos se curvaram.

Todos se rendem a ele uma hora ou outra.

Só que apenas alguns tinham a coragem para terminar de se aproximar e a competência para ficar.

Olhar diretamente para a besta e seguí-la. Protegê-la...

Amá-la.

- Viktor? – Hazz chamou de novo e o búlgaro viu como Ivan já tinha uma expressão conformada e uma toalha nos ombros.

Axek estava em seu baú, provavelmente pegando a sua.

Estavam fugindo. Se Harrison quisesse sua ajuda, ele pediria, se não, apenas o seguiram. Como sempre.

Ovelhas.

Mas Krum não se considerava uma velha:

- Não. – o som foi mais grave do que o normal, pois seu corpo estava tenso.

Hazz, surpreendentemente, sorriu para aquilo. Como se tivesse notado (e talvez tivesse, ele podia ler sua alma) que Viktor estava tomando uma atitude. Sendo um dragão e não um covarde como os outros dois palermas. Isso impulsionou ainda mais o mais velho.

Ele estava com medo sim, mas o que era a coragem se não enfrentar o que temia?

Se Potter tivesse ao menos um pouco da consideração que Viktor mantinha por si. Um por cento que fosse do afeto que Krum carregava no peito, seria o bastante para perdoá-lo pelo que faria.

Foi até sua escrivaninha e pegou a varinha de dentro da gaveta (dificilmente ficava com ela dentro do quarto), então apontou para Axek:

- Accio toalha – o objeto começou a voar em sua direção, deixando o Miller confuso e de braços abertos.

Antes que o algodão terminasse de atravessar a sala, Viktor entoou outro feitiço e o branco se tornou marrom, o tecido endureceu e transformou-se em madeira. Bem no centro do quarto caiu um banquinho alto.

Harrison olhou para o objeto, depois para o amigo:

- Para que isso?

Mas Axek não precisou fazer a mesma pergunta, soube exatamente o que o grão-duque queria dizer com aquela ação. O alemão não tinha certeza se se juntaria a ele, buscou o olhar do irmão, mas Ivan ainda estava desolado demais, não parecia em condições de tomar nenhuma decisão. Faria o que dissessem. Cabia a Krum e Miller decidir.

Houve uma breve pausa onde considerou bem a situação enquanto Hazz novamente aguardava. Sua majestade devia estar confusa. Eles não deviam deixá-lo assim.

Muito menos esconder algo dele, percebeu derrotado:

- Bem, se você acha que assim é melhor, quem sou eu para questionar o grão-duque, não é mesmo?

- Ah! – resmungou Viktor. – Agora diz isso? Estava me questionando a nem três minutos, seu irritante.

- Eu estava? – perguntou indiferente.

- Sim... – reclamou lentamente, os dentes rangendo.

Aquele garoto o tirava do sério às vezes.

Axek riu e dispensou:

- Devia ter sido merecido. Eu não desafiaria a hierarquia do contrário.

Viktor não precisou responder, pois Ivan achou a atitude do irmão suficientemente irritante para ele mesmo retrucar:

- Nossa, essa sua prepotência, você comprou em que maldita promoção para ter levado em tamanha quantidade? Ou estavam dando mesmo?!

- Você sabe o significado de prepotência? Parabéns, Ivan! – e bateu uma palma alegre, para deixar seu tom de voz ainda mais debochado.

Ivan avançou na direção do irmão e aquilo alegrou Hazz, que estava assistindo a interação rindo baixinho. Principalmente dos comentários sarcásticos de Nagini. Geralmente quem apelava para o ataque era Axek, Ivan gostava mais de ser quem levava o "certinho" ao limite. Ver ele querer dar o primeiro golpe era incomum, mas a interação era tão natural e corriqueira que, seja lá o que estivesse pesando o clima, claramente podia ser resolvido.

Ainda eram os mesmos amigos de sempre ali.

Não estava entendendo porque os meninos pareciam estar bravos uns com os outros (claramente estavam tensos como um grupo), mas tinha se acostumado com brigas. Como Nagini dizia "aproveite o show e espere, logo eles cospem seus motivos um na cara do outro".

A maledictus apenas não gostava quando começavam a gritar em línguas diferentes. Ela sabia coreano, inglês e estava aprendendo búlgaro muito bem (Ofidioglossia era dispensável de comentar entre suas línguas dominantes, correto?), mas alemão e russo ainda lhe deixavam confusa. Ainda mais quando estavam gritando todos juntos em uma briga.

- É isso que interrompi quando vim aqui? – perguntou chamando a atenção dos meninos, fazendo com que parassem a discussão estranha que tinha começado sobre posição de poder ou algo assim.

- O que? – perguntou Ivan.

- Quando não dormi com meu avô e vim aqui. Vocês estavam brigando e não queriam fazer isso na minha frente? Por isso estão estranhos?

Viktor bufou. De certa forma, não estava totalmente errado, mas não era o ponto. Não sabia se mais estressado com Axek por distraí-lo, ou consigo mesmo por permitir o arrogante a fazer isso:

- Sim, nós brigamos.

- Axek e Krum estavam se engalfinhando no chão – Ivan dedurou e levou um tapa de Axek.

Tudo normal.

Exceto que...

- Axek e Viktor? Por quê? – Questionou Harry, afinal geralmente eram os irmãos a fazer isso.

- Isso não importa – Krum dispensou, antes que continuassem arrumando formas de fugir do principal. – Nós só... Você deveria... Eu...

Vendo que Viktor não sabia como prosseguir e sua miserável tentativa, finalmente Axek decidiu agir:

- Ok, começou a me dar pena. Vou ajudá-lo, grã-duque – indo até Harry, estendeu sua mão em uma reverência. – Me permite, vossa alteza?

Harry olhou para a mão do amigo, desviou sua atenção apenas por um segundo para Viktor, como se esperasse que tivesse as respostas para suas dúvidas em seus olhos, mas Krum apenas acenou com a cabeça e Hazz se resignou a aceitar a mão do marquês.

Axek o guiou delicadamente, vendo que não foi repelido ainda apertou mais o gesto até deixar sua alteza no banquinho ao centro do quarto.

Ivan estava tremendo, mas seguiu até o meio-irmão, tocando levemente em seu braço, depois se colocou às costas de Harrison, abaixando para sussurrar próximo a seu ouvido:

- Com a sua licença, vossa alteza – tão delicadamente quanto possível, o russo levou suas mãos até a jaqueta branca de seu príncipe e começou a retirá-la.

Perceber que o príncipe nem por um segundo lutou contra, os motivou.

Sem a jaqueta branca de presidente do conselho estudantil, Harrison estava apenas com uma blusa grossa de mangas marrom, calça, botas e o cinto. Parecia com qualquer outro aluno da escola, se as botas não fossem tão chiques e de alguém tão importante quanto um lorde das trevas.

Seria qualquer aluno, se o brasão no cinto não simbolizasse aquela que provavelmente seria a família mais importante da história da grã-bretanha.

Qualquer aluno usando uma blusa larga (porque na Durmstrang acreditava-se que todos tinham que usar roupas confortáveis e práticas para luta no dia a dia), se você não conhecesse Harrison Potter.

E se não notasse como o cinto estava estranhamente largo e solto, como dificilmente alguém que sempre tentava passar um exemplo deixaria, ou como sua blusa estava levemente "molhada" nas costas e suja.

Viktor Krum apareceu à frente do "irmãozinho" e tão calmo quanto Ivan, levou os dedos até os quatro botões laterais que desciam do ombro esquerdo até o peito, desabotoando um a um.

Harry inclinou a cabeça, curioso, mas não os impediu. Observou enquanto Ivan estendia a jaqueta para Axek, que começou a dobrá-la com todo o cuidado. A voz saiu neutra, quando teve que perguntar:

- O que estão fazendo?

- Cuidando de você – explicou Viktor.

- Eu vejo...

Obúlgaro segurou a barra da camiseta do mais novo, Ivan (Hazz tremeu quando sentiu os dedos gelados) colocou as mãos debaixo do tecido em suas costas, próximo às costelas e Axek levantou um de seus braços, incentivando a fazer o mesmo com o outro.

Ainda um pouco confuso, mas plenamente seguro com seus amigos, Harrison obedeceu às indicações e facilitou seu trabalho, puxando as mangas para cima.

Percebeu, ao menos em partes, qual era a motivação dos garotos e fechou os olhos esperando a dor que sentiria quando o tecido passasse por seu ferimento...

Dor que nunca veio.

As mãos de Ivan cuidaram habilmente de não deixar o tecido de seu uniforme encostar em sua pele ferida. Viktor, mantendo um ritmo parecido na frente, e Axek puxando o resto do caminho das mangas.

Quando o uniforme cobriu sua cabeça, já praticamente fora de seu corpo, o Potter riu baixinho pois não havia dúvidas.

Heris queria que contasse que tinha se machucado aos amigos?

Mas eles já sabiam.

É claro.

Era sua corte. Seus amigos e, portanto, o conheciam. Harry deve ter deixado transparecer algo, mesmo com seus esforços. Durante todo o dia sentiu dor e não fez o melhor dos curativos. A corte notou.

Em contrapartida, o próprio Harrison não conseguiu perceber, devido aos próprios olhos fechados, como os de seus amigos se arregalaram ao ver suas ataduras. como Ivan (que estava diretamente olhando para onde o machucado se escondia apenas por faixas sujas) cobriu a boca para abafar um arfar de choque.

Principalmente, não viu porque os três se forçaram a esconder suas reações o quanto antes.

Ivan apenas chamou o meio irmão com um olhar e quando Axek foi para seu lado, imediatamente pegou o uniforme e o virou do avesso, constatando que estava sujo de sangue, além de algumas outras coisas estranhas que nem queria pensar.

O loiro nem tentou esconder a indignação transbordando de sua voz quando murmurou:

- Majestade, o senhor não pode negligenciar tão descaradamente seu bem estar. Essas ataduras estão, com todo respeito, péssimas! Passou o dia inteiro assim?

- Primeiramente, eu fiz o meu melhor considerando que foi nas costas e eu estava sozinho quando as coloquei.

- Isso nem de longe é desculpa – Ivan reclamou, a voz alguns decibéis mais aguda sem intenção, encarava muito incomodado o borrão escuro que se formara por cima do tecido da atadura. Sangue seco e a própria magia de Harrison, misturados.

O musgo que às vezes se prendia aos locais por onde sua alteza estava durante uma crise de magia intensa, desta vez pulsava como se estivessem junto do coração.

Um tom de verde intenso que representava os vestígios de sua magia quando enfurecida, sua essência mais pura materializada ao ponto que objetos eram contaminados de forma visível a qualquer mortal, aquilo agora se se prendia às bordas do curativo, do sangue enegrecido, do pus amarelado, tudo tornando a imagem ainda mais aterradora.

Ivan tremeu.

Por pior que fosse, considerando que era seu príncipe naquela situação delicada, a imagem gerou uma intensa vontade de tocá-lo. Bem ali. Sentir de perto a intensidade e talvez tirar o mal de seu príncipe, trazer para si próprio como um parasita que aceitasse um novo hospedeiro.

Então desviou os olhos, culpado por emoções que o faziam se sentir tal qual se estivesse cometendo ato abominável. O crime de se achar digno o bastante para encarar uma fragilidade de seu lorde, sem sequer ter recebido permissão verbal para tanto.

Quase quis se punir por isso.

Alguém como ele podia estar diante de algo assim?

Uma fraqueza de um ferimento, tanto quanto a força destrutiva de sua magia, a essência dela, junto do símbolo da mortalidade que era o sangue de Hazz?

Era um quadro assustador e macabramente intenso para seus sentidos.

- Está tão ruim, Ivan? – a voz do Potter foi como o chamado do anjo, para sair do inferno de seus pensamentos e voltar para a Terra e a segurança de seu mestre.

- Não faça uma pergunta dessas rindo desta forma, alteza – pediu o mais velho. – Está péssimo – Harrison riu e Ivan apenas bufou, o que era raro em si (a menos que estivesse em uma discussão com Axek), mas por fim ele sussurrou, muito incerto: – Está doendo?

- Tem momentos que me distraio ou me acostumo, então não faz tanta diferença quanto na hora que aconteceu.

- Seu uniforme está todo sujo – Axek comentou, pegando as peças de roupa. – É impressionante que não tenha sido pior, acho que ainda dá para lavar, mas eu queimaria. Sua alteza não devia usar roupas desgastadas por lavagem.

Hazz riu baixinho daquilo, olhando bem humorado para Axek, que lhe sorriu de volta.

A lealdade do Miller era algo quase curioso para Harrison. Muito próximo da adoração que os cavaleiros de Tom tinham por ele quando estudava em Hogwarts, tanto que até a horcrux abertamente mencionava essa semelhança com frequência.

Vinha com bajulação e uma serventia que na mesma proporção podia ser útil e preocupante. Por um bom tempo desconfiou daquilo, depois tentou dizer ao mais velho para ser menos intenso em relação a isto.

Por fim, desistiu.

Aquele era Axek e ele parecia bem mais feliz naquela posição do que quando Hazz afastava esse tipo de atitude.

A cada ano, evitava mais pedir coisas a ele que não fossem parte de seu papel de membro do conselho estudantil, não queria sentir que estava se aproveitando da admiração que parecia nutrir por si.

Mas... talvez devesse parar de supor o que seus amigos queriam e perguntar diretamente? Parecia o tipo de coisa que Heris esperava de Harrison.

- Eu não me importaria de usar roupas velhas, mas como a escola tem padrões de vestimentas acho que você está com a razão em me livrar delas, se a mancha estiver tão ruim – comentou. Um passo de cada vez, o irmão pediu que tentasse, não? Por isso, continuou – Mas discordo da ideia de queimar. Será que não podemos lavar e doar, apenas?

- Doar, alteza? Mas nenhum aluno-

- Não para outro aluno. Durmstarng não tem alguém que precisaria de um uniforme velho de outro. Estou falando de doar para algum lugar carente. Pessoas que precisam de roupa. Campanhas de inverno, por exemplo. Muitos trouxas morrem de frio nessa época.

Hazz ficou um pouco inquieto quando Axek estreitou os olhos lhe encarando, Os outros dois amigos também estavam em silêncio nos mesmos lugares.

Talvez estranharam o que disse?

Era bem incomum que falasse sobre trouxas de forma tão empática.

Quando abriu a boca para acrescentar algo, Axek enfim respondeu:

- Realmente não lembro de ter escutado nada sobre isso no ministério alemão, mas posso mandar uma carta para o departamento de relações intermediárias dos nascidos trouxas e averiguar se sabem de campanhas de doação entre os não mágicos. Vou lavar e já envio, se concordarem em fazer a doação.

- Não precisa ter tanto trabalho – Harrison novamente riu baixinho. – Guarde em uma embalagem que eu mando para casa. Meu irmão saberá onde levar para doar. Tenho certeza que faz o mesmo com as próprias roupas – houve outro breve momento de silêncio, onde os mais velhos ficaram inquietos com a palavra "irmão", mas nada disseram. Não precisaram, Hazz percebeu o que estava acontecendo e tomou a brecha para contar: – Quando morávamos no orfanato, muitas das nossas roupas eram de doações, sabem? Acho que não falo muito dessa época para vocês. É que não são as melhores memórias.

- Se te incomodam não precisa se lembrar disso, alteza!

- Tudo bem, eu só não acho um momento para comentar esse tipo de coisa, na maior parte do tempo. Mas é um período importante da minha vida que vocês, uma hora ou outra, tem que saber também – isso serviu para que os amigos apenas se calassem e ouvissem. Hazz continuou, porque... eram seus amigos e talvez quisessem saber mais sobre ele, assim como o menino gostava de saber deles. – Orfanatos trouxas não tem muitos recursos para fazer mais do que alimentar adequadamente e mandar as crianças para a escola, com compra de materiais e de infraestrutura básica, ou recebemos doações ou minha irmã roubava alguma coisa para termos o que vestir.

Os três colegas pararam, totalmente surpresos com as informações ganhas de repente. Viktor chegou a travar com a boca aberta, encarando Hazz que sorriu para ele:

- Você me lembrava muito dos meus irmãos – contou. – Principalmente Heris. Ele trabalhava, porque era bem mais velho que a maioria, e comprava algumas coisas para os mais novos porque sentia que devia sempre cuidar dos mais novos, que não tinham como cuidar sozinhos de si mesmos. Mesmo sabendo que eu era forte, também achava que devia ficar de olho e se colocar na frente daqueles que podiam me machucar. Foi ele que veio aqui hoje, mas acho que perceberam depois de Ginevra Weasley dizer o nome.

- Sim, nós... – Viktor começou cauteloso. – Lembramos do nome.

"E ficamos curiosos" acrescentou mentalmente, mas praticamente deixou isso de lado, se ajoelhando diante do amigo e encarando as ataduras, começando a pensar em como tirá-las de forma a causar o mínimo de dor.

Estava prestes a pedir algumas poções para Axek quando Hazz continuou, fazendo novamente os três pararem, sua atenção surpresa e curiosa atenta a cada detalhe sutil e apreciado do passado daquele que lhes era tão importante.

- Heris não é de falar muito – contou. – Pelo menos com quem não conhece. Vive com cara fechada perto dos outros, é alto, forte e "mal encarado", mas quando via as crianças tratava-as todas como irmãos mais novos. Realmente, Viktor, quando você começou a falar comigo não tirava da cabeça que tinham o mesmo tipo de coração.

Krum corou, sentindo-se feliz com a informação de que conseguiu passar a Harrison uma imagem que aparentemente remete a alguém muito valioso.

- Nenhum salário de órfão era grande o bastante para ajudar tantas crianças, então eram coisas pequenas que nos dava. O que valia mais era seu cuidado mesmo. Então sim, eu meio que aceitei sua aproximação por causa dele. Se Heris não existisse... – divagou olhando para o chão e para as próprias botas. – Eu provavelmente não confiaria em ninguém cuidando de um desconhecido apenas pelo ato de bondade ou justiça, sem querer algo em troca. Uma coisa era proteger de um risco iminente, como Neville fez comigo quando me conheceu, ou ser um adulto que se acha na obrigação social como Augusta. Mas vocês fizeram questão de me perguntar constantemente se eu estava com sede, por exemplo – riu, se lembrando de quando Viktor fazia isso antes de irem para seus próprios dormitórios. Perguntando se Hazz gostaria que lhe conseguisse algo para beber, comer, talvez uma coberta a mais. – Isso eu vi em Heris e quando você fez comigo eu me senti uma criança de novo... – pigarreou – eu era, mas acho que me entendeu. Foi engraçado.

- Engraçado? – perguntou Viktor ainda meio estático.

Encantado em finalmente conhecer aqueles detalhes sobre a vida de Harrison.

- Sim. Heris achava que tinha que me proteger porque os trouxas me odiavam e me tratavam com ostracismo, medo, distanciamento. Ele queria me ajudar a não me sentir diferente. Então eu chego na Durmstrang, sou tratado diferente na minha casa por ser mestiço e você se aproxima pelo mesmo motivo, para eu não me sentir mal em ser diferente. Ao mesmo tempo, as situações eram totalmente diferentes. O pessoal da Haus Feuer não tinha medo de mim, eles me viam como o elo fraco, você queria que eu me adaptasse e tentava arrumar um lugar para mim aqui, entre os dragões, entre bruxos. Liu Heris queria que eu fosse adotado e fugisse para bem longe, sem nunca mais olhar para trás. Não queria que tivesse problemas com as pessoas no orfanato, mas fazia questão que eu fosse para longe delas sem me importar assim que tivesse oportunidade. Era engraçado como ideias diferentes, criavam sensações parecidas. Ele gosta de você, sabe? Meu ainda é irmão adotivo. Como eu te chamo de brat, bem... ele não te vê como muito diferente. Te considera um membro extra-oficial da família que os substitui na escola. Então não sou só eu que senti essa semelhança– houve outro momento de pausa, onde Harrison encarou diretamente os olhos de Viktor e sua alma.

Agitada, empolgada. Feliz, triste, tentando se conter diante de estímulos diversos. Tudo ao mesmo tempo.

E sua boca, que carregava um sorriso bobo e emocionado.

- Um dia – continuou baixinho, sem tirar a atenção do amigo. – Acho que vou ter que apresentá-los, mas vou continuar atrasando isso o quanto puder, porque se meu irmão te convencer a ser tão super protetor quanto ele, então estou condenado. Não vou nem ao banheiro sozinho – brincou e, para sua alegria, Viktor riu com aquilo.

Uma risada gostosa de onde uma única lágrima saiu, tão tímida que logo desapareceu:

- Seria uma honra conhecer seu irmão, vossa alteza.

- Mas ele é trouxa, espero que isso não te incomode.

Agora, para a surpresa de Harrison, os três amigos simplesmente caíram na gargalhada.

Sem entender exatamente o que era tão engraçado, Viktor e Axek riam e Ivan parecia prestes a cair de tanto segurar a própria reação.

- O que foi?

- Apenas alguns devaneios meus, alteza – explicou Axek. Em seu caso, realmente não passavam de devaneios.

Era engraçado, apenas isso, como Harrison tinha um irmão trouxa, como aquele que Miller tinha certeza de que se tornaria o próximo lorde das trevas, tinha um irmão trouxa. Em sua cabeça, ele apenas imaginava o que jornais diriam, as fofocas que surgiriam, como a contradição poderia implicar na mente das massas e isso era divertido para si.

Viktor achava engraçado que Hazz pensasse que em algum momento justamente Krum se importaria com um trouxa. Ele não tinha acabado de lembrar que se conheceram e o jogador o defendeu dos colegas diante da sua condição de mestiço? As origens de alguém não lhe eram relevantes para fazer prejulgamentos.

Uma das amigas de Neville Longbottom era uma nascida entre trouxas e Viktor havia comentado ainda no dia anterior com Ivan que a achou muito bonita.

Sinceramente... ele nem pensava naquelas coisas até que alguém o lembrasse!

Todos eram, por si, pessoas. Ponto final.

Um trouxa só era diferente porque não tinha magia e não sabia sobre bruxaria... quais as chances dos irmãos de Harrison não saberem? Zero? Menos ainda? Uma conversa entre eles não seria muito diferente de falar com qualquer bruxo de uma cultura diferente e, provavelmente, Viktor que cometeria mais gafes, já que o irmão de Harrison devia saber muito mais sobre bruxos, do que o Krum entendia dos trouxas.

Ivan, por outro lado, foi bem verbal sobre o que o estava fazendo rir:

- O filho de Gellert Grindelwald adotou um trouxa! – riu, já no chão, engasgando com a gargalhada. – Meu pai estaria tão em choque que viraria pedra! Sua lealdade ao lorde Lakroff o forçaria a se ajoelhar para um trouxa! – e riu mais, batendo com uma mão no chão enquanto cobria o rosto com a outra, o corpo convulsionando. – Meu avô ficaria dias sem dormir, sem falar, sem saber como reagir! Por Baba Yaga isso é incrível!

- Eu... sinto muito pela sua família? – brincou Hazz e isso aumentou as risadas de Ivan.

Também gerou um sorriso no próprio Potter.

Ivan apesar dos comentários sobre o surto que sua família teria, parecia bem tranquilo com a ideia. Na verdade, ele sequer parecia considerar que a coisa mudaria a lealdade de sua família, apenas os deixaria surpresos.

- Acha que eles continuariam jurados aos Grindelwald se soubessem? – perguntou quando a curiosidade bateu.

- Ah, imagino que sim – Ivan dispensou. – O princípio ainda é o mesmo. Ainda somos leais a sua família, vossa alteza. Se existe um trouxa no meio, não há muito o que fazer... mas você sabe. Eu lamentaria de antemão pelo tipo de comentário que qualquer um de nós fizesse, mas o senhor estaria livre para nos punir. Racismo não some da cabeça de um bando de velhos do dia para a noite.

- Eu sei – ele próprio riu agora.

Quantas vezes um Grindelwald (seja Lakroff ou Gellert) não falou "porcos" sem querer para se referir aos trouxas na casa.

Ivan era, no fim, fruto de sua criação. O tipo bem preconceituoso a poucos anos atrás. Sua cabeça mudou muito com sua amizade, mas Harrison sabia o tipo de coisa que o menino já havia pensado por ser filho de uma nascida entre trouxas e o que teria dito sem escrúpulos aos irmãos de Harrison no primeiro ano deles se conhecendo.

Era bom ver que a mudança, mesmo estando falando de um trouxa em si (sem um pingo de magia no sangue), não teve nenhuma reação negativa.

Foi quando se lembrou de uma coisa. Algo que talvez nunca tenha falado com a corte:

- Na verdade... Heris é só um dos filhos de Lakroff. Vocês sabem disso, não? Meu tio tem, ao todo, quatro filhos. Um biológico e três adotivos, sendo dois são trouxas e um aborto.

As risadas no grupo pararam, Hazz não soube exatamente por qual das coisas que foram ditas, afinal os três fizeram perguntas diferentes simultaneamente naquele momento, tal altas e rápidas que o impediram de entender.

- Eu primeiro! – gritou Ivan, se levantando e empurrando o irmão para olhar diretamente para Harrison (Axek ainda o encarou mortalmente, é claro). – O vice-diretor adotou duas trouxas? Então Alice Pandora Mitrica é um aborto mesmo?

- Você tem quatro irmãos? – Viktor acrescentou.

- Três adotivos, quer dizer, o biológico é um bruxo? – Axek quis saber, depois se virou para o irmão, sacudindo a cabeça. – Como assim "Alice Pandora Mitrica é um aborto mesmo?" Espere... você conhece o aborto?

- Sim.

Recuando imediatamente, pois sabia que o irmão ficaria furioso que Ivan tinha uma informação que ele não, o batedor já partiu para as explicações, antes de dar a chance ao Miller de explodir:

- Mais ou menos. Eu conheço Alice Mitrica, uma funcionária bem jovem do ministério russo que todos dizem ser "mais um filho de lorde que conseguiu emprego rápido por causa da família". Não era uma fofoca tão grande. Mas os jornais da Rússia falaram bastante dela um tempo atrás, afinal é herdeira do vice-diretor da Durmstrang e herdeiro Grindelwald. Para colunas de fofoca, ela era um prato cheio e um tipo de socialite. Não que tenham conseguido muita coisa para as revistas além do básico, já que é da família de sua alteza não é de se admirar que seja mais reservada. Eu nunca mencionei isso?

- Não! – como o esperado, o loiro estava vermelho de fúria.

- Tem certeza?

- Eu me lembraria se tivesse me comentado algo assim! – reclamou acertando um tapa no braço do meio-irmão. – Seu aderbal dos infernos!

- A culpa agora é minha que você vive tão focado no ministério do seu pai que perde informações de onde eu nasci? Minha mãe assina as revistas de fofoca da Rússia, você podia ter lido e descoberto sozinho esse tempo todo!

- Eu lá vou perder meu tempo com revista de fofoca?!

- Se tivesse perdido saberia! Ou se prestasse atenção em mim e na minha mãe ao invés de só descartar nossas conversas no café da manhã como "futilidades". Quer saber, eu também já conheço o filho biológico, mas não vou te falar! Quer saber mais? Pega você mesmo uma maldita revista de fofoca da União Soviética e lê! Vai ver que Alice e Lakroff apareceram lá sempre que algo é inaugurado na cidade que, adivinhe? O vice-diretor é o fundador. Pelo que minha mãe comentou uma vez, são as únicas ocasiões que Lady Mitrica permite lhe tirarem fotos, as revistas inventaram que em outras ocasiões, principalmente de trabalho, ela ataca o repórter e quebra a máquina do fotógrafo. Eu sempre quis lhe perguntar, alteza, como era sua ligação com ela... – a frase morreu no ar.

Hazz estava sorrindo para a curiosidade dos amigos e riu quando os três coraram e pediram desculpas por "serem enxeridos".

- Não se preocupem - negou com a cabeça, ainda divertido. – Não me importo de responder suas perguntas. Para não haver mais dúvidas, Lakroff tem quatro filhos. Mas só três eu considero irmãos, porque fui criado junto deles. Heris e Diego são trouxas e são os mais velhos, Alice é um aborto e trabalha no ministério da União Soviética mágica, mas todos nos conhecemos num orfanato trouxa. Foi quase uma coincidência que Alice fosse diferente e estivesse no mesmo lugar.

- Por que... "quase uma coincidência" – Viktor teve coragem de interromper.

- Bem, você sabe. Eu vejo almas e magia. Sempre soube que Alice era diferente, desde que botei os olhos nela, por isso ficamos próximos rapidamente. Ela tinha uma alma estranha tanto quanto uma personalidade única. Como eu era considerado um monstro de tão anormal... bem, eu gostei de ter outro comigo. Ainda mais porque ela roubava coisas para mim. Alice me mimou como pôde e quando fui morar com Lakoff... as coisas foram se encaixando. Um bando de órfãos que não sabiam onde se encaixar durante boa parte da vida. Também vou apresentar Alice a vocês um dia, desculpa nunca ter feito.

Os meninos arregalaram os olhos. Axek já foi atropelando os outros para garantir:

- Não precisa pedir desculpas, vossa majestade. Se acreditava que ainda não tínhamos o direito de conhecer sua família, então não tínhamos. É uma honra saber que já somos dignos de tanto.

- Não – interrompeu Harrison antes dos outros concordarem com aquilo. – Eu não estava "escondendo minha família" – fez aspas com as mãos. – Nem vocês eram indignos de conhecê-los. Eu fiz isso porque... eu gosto de vocês.

A frase foi tão confusa que os três meninos ficaram um bom tempo apenas olhando para Harrison, tentando juntar os pedaços.

Ivan foi aquele que desistiu de tentar chegar nas respostas sozinhos e perguntou:

- Como é?

- Eu gosto muito de vocês, mas o que tenho com meus irmãos é diferente. Eu os amo de um jeito próprio e a mais tempo. Escondi meus irmãos pelo mesmo motivo que escondi Neville... eu tinha medo de juntar essas duas partes da minha vida. Tinha medo de como seria se... vocês... ou eles... – bufou. – Medo de como vocês todos reagiriam. São núcleos diferentes da minha vida, mas todos importantes, então temia como vocês seriam juntos e se... não gostassem uns dos outros? Eu me perguntava como reagiria se as pessoas que eu amo, não amassem umas às outras.

Silêncio.

Harry, depois de um tempo, achou que os amigos ainda não tinham entendido e tentou novamente:

- Como seria depois, entendem? O que pensariam de mim por me importar com pessoas que talvez vocês não gostassem e não se importassem também. Pensar que vocês poderiam desprezar meus irmãos me deixava com medo porque eu os amo e não quero ninguém os tratando mal ou pensando mal deles e isso faria o que com o amor que sinto por vocês? Ele diminuiria? Eu ficaria bravo? Brigaria com vocês ou deixaria passar? E o que isso seria de mim se deixasse passar algo que pode ferir meus irmãos? Era só confuso e... estranho. Não porque eu não confio em vocês, mas ninguém é obrigado a gostar de ninguém, e eu... eu era infantil, queria que todos que eu amo se dessem bem para que eu não precisasse me sentir mal de gostar de nenhum. Então fui deixando para depois as apresentações, para que tudo continuasse como estava, porque eu gostava. Deixando essas partes de quem sou separadas porque...

- Você não queria que um lado mudasse a dinâmica que tinha com o outro? – perguntou Ivan cauteloso, então, baixou a cabeça e acrescentou: – Ficou com medo de como nós... – sacudiu a cabeça. – De como eu, por exemplo, reagiria com trouxas?

- Algo assim.

Ivan tremeu muito levemente, claramente envergonhado. Sua alma reagindo da mesma forma.

- Eu já tinha me apegado a você – continuou Hazz. – Não queria te ver como um idiota de novo, se acabasse sendo um babaca quando eu contasse deles.

- Desculpe.

- Não precisa se desculpar.

- Preciso. Desculpe ter sido um merda.

- Como eu disse, está tudo bem. Você mudou e isso que importa. Tem certeza de que não se incomoda com a família Grindelwald ter dois trouxas?

- De forma alguma! – garantiu, levantando o rosto.

- Ótimo, fico feliz. Mas... ainda fico com medo.

- Por quê?

- Não sei como meus irmãos vão ser quando te conhecerem. A recíproca é verdadeira. Também tenho medo deles serem muito para vocês absorverem.

- Como assim?

- Bem... – Hazz avaliou aquilo. Sua família era, no mínimo, excêntrica. Como poderia fazê-los entender? – Quer saber? Vocês vão descobrir quando os apresentar. Boa sorte a todos.

Os três se entreolharam confusos e um pouco nervosos com as implicações daquilo.

{- Diga a eles que, neste ponto, mesmo que todos se odeiem, você ainda vai gostar deles} – Nagini sugeriu, junto com o que seria o bocejar de uma cobra, se enrolando um pouco mais nos travesseiros.

- Não precisam se preocupar com o encontro, de toda forma – Hazz deu de ombros. – Independente do que aconteça, ainda somos amigos... Não? Mesmo que meus irmãos não os aprovem, o que eu duvido, eu ainda amo vocês.

O baque que aquelas palavras atingiram os corações dos amigos foi intenso.

Diferente do que Harrison pensava, a muito eles já tinham entendido o que o menino queria dizer, suas surpresas foram pelas palavras.

Que acabara de repetir sem hesitação.

Harrison disse que os amava.

Claro, era algo fraterno, mas intenso demais para os três aguentarem sem quase explodir por dentro. Tiveram que segurar o impulso de não agarrá-lo, confrontados pela visão das ataduras no tronco, e respirar fundo para não parecer lunáticos.

No fim, entretanto, Viktor precisou deixar claro. Indo até o irmãozinho, abaixou seu rosto em direção a cabeça e beijou seus cabelos:

- Nós também te amamos.

Hazz estava sorrindo quando voltou a levantar o rosto e sentiu, seja como pessoa ou como Grindelwald, que realmente.

Estava faltando dizer aquelas palavras.

As coisas agora seriam diferentes, de um jeito ou de outro, mas foi preciso. Um novo degrau e, desta vez, não tinha medo.

Isso se confirmou quando Ivan se inclinou até o chão, ajoelhando-se e puxando uma mão de Harrison para acrescentar:

- Não somos só seus amigos. Somos o que quiser, majestade. Estaremos sempre com você.

Viktor concordou e Axek, mesmo a contragosto, fez das palavras de seu meio-irmão as suas.

Harrison acenou satisfeito e sugeriu:

- Talvez nas férias de Natal, então. Vocês estão com pressa?

- Na verdade eu sinto a mesma pressão de que se eu estivesse indo conhecer a família de uma namorada, então eu decididamente não tenho pressa e continuarei atrasando junto com o senhor, majestade– Ivan acrescentou conseguindo tornar o humor de Harrison melhor ainda.

- Ótimo, então podemos esperar um momento oportuno? Sem pressão?

- Claro – concordaram todos.

- E podemos fazer todas as perguntas diretamente à sua família, quando estivermos todos nos conhecendo – garantiu Axek com um sorriso. – Assim como foi com Longbottom. Se o senhor concordar, majestade.

- Adorei – Hazz sorriu, sentindo-se muito mais leve agora, mas se lembrou de um detalhe – Só uma última coisa sobre esse assunto.

- O que?

- O filho biológico do diretor. O mais velho. Prefiro já esclarecer agora que esse não é o tipo de assunto que levantamos em casa.

- Por quê? – perguntou Viktor.

Para a surpresa dos outros não foi Harrison a responder. Ivan que se adiantou:

- Por que ele está morto.

Diante do espanto dos outros, Hazz apenas acenou com a cabeça para confirmar e esperou que a constatação fosse completamente absorvida. Lakroff tinha perdido seu primogênito e, na época, único filho. Esse fato foi por anos parte do que o levou a depressão e ao isolamento. Um dos poucos temas tabu na mansão Mitrica, sem dúvidas, pois a tristeza ficava tão evidente nos olhos do homem que doía assistir. Assim como Garden, Lilian também. Até James. O luto era, para um vidente do apocalipse como o platinado, uma realidade constante, mas nem por isso não doía amargamente e o fazia se sentir tão incapaz.

Arrependido.

Podia ter passado mais tempo com eles. Podia ter sorrido mais, dado mais, sido mais... Podia ter impedido se soubesse mais.

Tshkows ainda acrescentou, mas em um sussurro, como se temesse dizer as palavras em voz alta:

- Não que antes da sua morte já não fosse assunto proibido para todos os círculos internos.

Axek mordeu o interior da boca e inspirou fundo para controlar a onda de inveja que sentiu. Lá estava, a diferença que mesmo com a forma conflituosa na qual Ivan e Harrison se conheceram, ficava evidente com os anos, na proximidade inevitável que ambos tinham.

O russo ainda era e sempre seria um dos mais próximos de sua alteza, o que se permitia mais liberdades, até mais do que Viktor Krum, que havia sido nomeado junto de Axek como marquês mesmo demorando mais a estar na corte oficialmente.

Tudo por causa da jura de sua família.

Não era apenas o pessoal da escola nomeando duas pessoas da mesma família "para o mesmo cargo", se fosse assim Natasha e Anastasia não deviam estar em pontos tão diferentes. Os apelidos começaram na Durmstrang pela forma como sua alteza parecia tratar ou conviver com cada um, mas iam muito além disso. Mesmo com todo o esforço de Axek, Ivan sempre tinha aquela vantagem: ele era propriedade dos Grindelwald.

Seu avô, Hanks Tshkows, jurou a casa Tshkows assim que se tornou Lorde, assim como tudo que a ela pertencia e seus futuros descendentes.

Pelos deuses! A elfo doméstico pessoal de Harrison foi um presente dos Thkows para o lorde das trevas! Lala era, antes dos Mitrica ou dos Potter, da casa de Ivan 9mesmo que ainda não fosse nascido na época que tudo aconteceu)!

Se não todos da Durmstrang, todos da corte ao menos tinham a certeza de que Lakroff Mitrica foi quem aceitou dar aulas complementares a Ivan de oclumência e controle das habilidades, não apenas porque ele já conhecera uma legilimente natural em seu passado, mas porque podia obrigar magicamente o garoto a manter segredo e ele o faria por algo que seu pai já carregava antes de nascer e ele só seguiu com o ciclo. A jura de lealdade de um lorde para com outro.

Seja qual fosse o segredo que Ivan descobrisse em uma aula na mente de Lakroff, o adolescente possivelmente já saberia da maior parte por conta de sua família! Parte do círculo íntimo de Gellert Grindelwald durante boa parte da guerra!

O pai do garoto não trabalhou cara a cara com Gellert, mas era um ótimo espião (talvez o melhor) de seu país e tinha formas de mandar coisas até para Nurmengard pelo que a corte sabia. Ensinou tudo que sabia, inclusive a lealdade ao seu senhor, para o filho.

Mesmo após a guerra e preso, mesmo com a rendição do lorde das trevas, a família de Ivan esteve lá para ser leal e servir seu mestre, sua família, e qualquer um na linhagem que um dia quisesse se levantar e continuar de onde tinham parado.

Se um dia Gellert Grindelwald voltasse à glória, eles estariam lá, prontos. Independente da geração.

Honraram, por décadas, sua posição na hierarquia do lorde das trevas.

Não era só Neville Longbottom que estava acima de Axek, o idiota despretencioso de seu irmão também! Ambos sem nem tentar, assim como Viktor disse!

O Miller só conseguiu ignorar e afastar aqueles fatos para o fundo da mente quando seu príncipe se dirigiu diretamente para si:

- Lakroff é sensível ao tema do seu primogênito. Então, como Ivan disse, considere assunto proibido. Mas você perguntou se ele era bruxo? Nós não sabemos. O menino era muito novo quando Lakroff o perdeu.

Provavelmente motivado por seu meio irmão obviamente ter mais informações e isto particularmente hoje o estar deixando mais sensível que o normal, Axek acabou deixando a curiosidade falar mais alto. Apesar do som de sua voz tenha saído respeitosamente baixo:

- O que aconteceu com ele?

Se arrependeu das palavras logo que saíram e mordeu os lábios, quase para se punir.

Hazz ficou quieto, suspirando longamente, então olhou para Ivan, que entendeu os motivos de seu príncipe para não querer responder aquilo e, por isso, tomou a iniciativa:

- Quando Gellert foi derrotado e preso a guerra acabou para ele, mas não para os que o serviam. Muito menos para sua família. Alguns ainda totalmente leais a ele tentaram proteger a linhagem da retaliação pública, ações de vingança ou o próprio estado apontando o dedo. Os Grindelwald tiveram de sumir como podiam – ele bufou. – Não quer dizer que todos tenham conseguido. Vocês conhecem a história do avô de sua alteza, por exemplo. Deixado em um orfanato trouxa, possivelmente obliviatado para que nenhuma memória um dia lhe causasse mal. Nem todos tiveram sorte de poder fugir assim. Lakroff não teve.

- E eu não chamaria um orfanato trouxa de sorte nem nos meus melhores dias, obrigada – Hazz brincou e isso tirou risadas engasgadas de nervosismo dos amigos.

- Entendi um pouco melhor o incômodo de Neville com suas piadas macabras – comentou Viktor.

Houve um momento onde os quatro se olharam em silêncio, então, tal qual quando amigos acham a cara um do outro muito divertida, começaram a rir.

Foi um bom momento. Leve e confortável, como devia ser entre amigos.

E assim que se sentiam juntos, acima de seus objetivos, respeito ou hierarquia. Eram amigos.

- Ótimo – comentou Viktor quando enfim se recuperaram. – Agora que todos tivemos a curiosidade sanada, voltamos a nos focar no assunto mais importante? – perguntou e quando Potter o encarou confuso, ele apontou para as ataduras. – Isso aí. Não pense que se livrou de nós! Temos que cuidar disso, agora!

O mais novo suspirou, resignado e sorridente:

- Está certo, brat. Mas eu prometo que já ia lhes contar sobre isso, do contrário não os teria chamado para tomar banho comigo e... Como vocês perceberam, afinal?

Viktor abriu a boca, mas nenhum som lhe saiu. Pelo contrário, pareceu petrificado encarando Hazz. Axek arregalou os olhos e baixou a cabeça, enquanto apertava suas mãos com tanta força que Harrison as viu embranquecer. Então virou-se para Ivan.

Esse tinha a reação mais diferente.

Parecia a beira de lágrimas.

- Você leu minha mente – constatou o Peverell-Potter.

- Foi sem querer – sussurrou, a voz tão fraca e trêmula que mal foi possível entender. – Eu sinto muito. Eu juro que não quis...

- Quando?

Ivan tremeu com a ausência de sentimentos na voz do mais novo e fechou os olhos, incapaz de encarar diretamente os olhos verdes novamente:

- Quando derrubou água em mim no salão principal. Quando soube que seu tut-seu irmão – se corrigiu. – Estava aqui. Não foi de propósito, estava apenas conversando com o senhor e suas barreiras deviam estar levantadas, mas... Quer dizer! Eu não... Nunca quis dizer que é culpa do senhor, a culpa é toda minha, foi desprezível, eu sei! Sinto tanto, meu senhor-

- Ivan! – gritou Axek, irritado com o irmão que tremeu mais ainda e se encolheu.

Continuava de olhos fechados:

- Eu sinto muito – repetiu.

Desesperado.

Hazz assistiu aquilo com o peito apertado, como mais cedo, estendeu a mão para tentar alcançar o amigo, mas ele continuou a se afastar.

Envergonhado.

Ivan odiava ser um legilimente natural.

Tanto quanto um vidente odeia ser quem é, na maioria das vezes.

Não apenas por ser diferente, não apenas por ouvir o pior na mente das pessoas, mas odiava se sentir invasor. A ideia de olhar nos olhos de alguém e saber tudo sem autorização.

Nos seus primeiros anos na Durmstrang gritava com todos que o encaravam diretamente "está olhando o que? Vai encarar sua avó", ele gritava. Porque era mais fácil assim, ser odiado e evitado, do que receber a raiva das pessoas quando descobrissem que ele tinha invadido sua privacidade o tempo todo.

Não era de propósito.

Os pensamentos só vagavam da pessoa para ele. Se misturavam aos seus às vezes. Hazz entendia isso, ele tinha os pensamentos de Tom para ouvir e sabia como era difícil separar as coisas e sentimentos às vezes.

Era doloroso para Ivan. Na infância, foi péssimo ouvir na mente de seu tio o que pensava da esposa do próprio irmão, as barbáries escrotas que o homem falava sobre a cunhada e mãe do garotinho, então apanhar do mesmo tio quando apontasse isso, ou ver a tristeza nos pais quando tiveram que se afastar do membro da família.

Nunca culparam Ivan, que só ouviu a coisa, mas ele não entendia isso. Em sua cabeça inocente, tinha causado a separação da família, ninguém nunca saberia o que o tio realmente pensava da Lady Tshkows sem ele ali.

Outra que... nunca o culparam em voz alta.

Por dentro, quando a saudade batia, um pensamento errado ainda vinha e mesmo que o repreendessem logo em seguida... nossa mente é onde guardamos o pior de nós mesmos e Ivan estava fadado e forçado a ouvir tudo.

Bastava que olhassem para ele.

E as pessoas se tornavam monstros. Não havia mais máscaras.

Harrison pegou o russo um dia chorando na sala do conselho, mesmo que tenha tentado disfarçar, descobriu que era porque Natasha tinha começado a usar o banheiro feminino e alguns meninos fizeram questão de fazer os piores comentários sobre aquilo. Em suas mentes. Mas Ivan ouviu e ficou enojado de ter aquilo na sua cabeça, de saber que era o que pensavam de sua amiga, que sempre que olhavam para ela, estavam debochando, incentivando aquelas coisas nojentas. E não foi uma vez, foram várias.

Ele era do tipo que preferia não contar. Como Lakroff que nunca dizia suas visões, Ivan não contava que podia ler mentes e fazia o máximo do esforço para não olhar as pessoas nos olhos ao conversar, não reagia ao que ouvisse sobre você, fingia que nunca aconteceu e tentava esquecer. Durante os períodos mais sombrios quis obliviatar a si mesmo, mas sua mãe o impedia. "Não se machuque pelos outros" ela sempre dizia.

O menino começou a fazer amizades mais facilmente com quem tinha um anel de lorde na mão, pois tinham a mente muito bem protegida pela magia da casa. Brincava muito e sorria, mas por dentro vivia paranóico com o que ouviria a seguir.

Lakroff lhe fez um tipo de brinco inibidor, preso atrás da orelha e perto da cabeça, escondido pelos cabelos. Parecia um piercing trouxa. Enfraquecia o dom de Ivan o suficiente para que precisasse se concentrar mais em seu alvo para a legilimência funcionar com a mesma eficácia, mas... o Russo ainda era um prodígio.

Um legilimente capaz de invadir as áreas mais profundas de forma tão suave e rápida que era espantoso.

Não apenas seus pensamentos mais recentes, mas realmente capturar uma memória aleatória que nem ele estava procurando, nem você pensando, era como descer por um escorrega e o alvo sequer sentiria. Pelo menos quando era assim, natural, quando o dom agia por si mesmo e sem objetivo. Era tão bom que conseguia sentir emoções alheias quando conversava com as pessoas.

Era tão ruim que quando criança sentia tudo que todos a sua volta sentiam.

Chorava sem motivos, tinha dores de cabeça frequentes, ficava com medo de seu pai, que seria um bruxo muito forte e corajoso para qualquer um, o espião perfeito, mas não conseguia esconder todo o terror do próprio filho que gritava só de olhá-lo nos olhos quando chegava de uma missão, mesmo que também sentisse o amor e o alívio do homem em estar em casa com a família.

Ivan se via péssimo de não tentar estar com ele enquanto podia. Era ruim olhá-lo, era péssimo não aproveitá-lo em casa. Fizeram o possível para conseguir um equilíbrio, evitando olhar nos olhos, brincar de jogos vendados ou no escuro, mas ainda foi terrível quando o lorde morreu antes que o menino controlasse totalmente os poderes para sentir que o amara devidamente.

A infância o ensinou a repelir "o dom". Repelir as pessoas. Odiava a coisa e chamava-a de maldição. Trocava qualquer sentimento que não parecia seu, por raiva e agressividade.

Solidão.

Brincar com outras crianças era irritante. Elas pensavam demais. Gritavam. Eram mais rápidas do que ele conseguia acompanhar com tanta informação, e ninguém gostava de jogar pique esconde com quem já sabe onde você estava pensando em se esconder.

Até que começou a manipular e aproveitar os sentimentos alheios, não de forma positiva. Não criou um adolescente muito controlado, com certeza, mas a escola cheia de outros bruxos das trevas surpreendentemente o ajudou a melhorar mais e mais, a conseguir amigos que aceitavam a habilidade e não se incomodavam tanto em ter alguém em sua cabeça.

Do contrário, apenas o usavam para treinar, tentando passar informações específicas quando seus anéis de lorde já não os protegiam. Mesmo que pessoas terríveis tenham aparecido querendo a utilidade, usar Ivan, como "amigos" que lhe pediam ajuda para conquistar garotas ou que o incentivaram a fazer o mesmo. No fim, ele tinha Axek, que fazia piadas e o ajudava a estudar e que tinha sentimentos calmos o bastante para que não ficasse agitado o tempo todo, depois foi ganhando os outros, que viam mais o bruxo do que seu "dom".

Além de Lakroff, o vice-diretor. O filho do homem a quem era jurado. Uma pessoa gentil que no instante que soube sobre si, lhe estendeu a mão da ajuda e o fez imensamente feliz e ainda mais leal à casa Grindelwald. Lakroff o ajudou, seja com seus projetos ou com aulas, deixando que Ivan treinasse oclumência em si para, mesmo quando estivesse conversando com alguém sem barreiras mentais, usasse uma em si mesmo impedindo os pensamentos de chegarem.

"É uma via de mão dupla" dizia Lakroff nas aulas particulares. "Uma amiga sempre dizia: você entra e de repente está vendo tudo. Mas isso implica que você tem de trazer esses pensamentos com você de volta. Mesmo contra a vontade de vocês, a pessoa está te passando uma mensagem. Desligue a conexão você mesmo se eles não são capazes. Alguém forte, eu por exemplo, posso passar a mensagem que quiser para você se entrar na minha mente agora. Seja ela verdadeira ou não. Como você se protege disso? Impeça que a mensagem chegue. Impeça qualquer uma, o tempo todo. Fique apenas com os seus pensamentos, crie uma barreira na sua cabeça e não deixe ninguém te invadir com coisas inúteis delas, é como se proteger de uma pessoa que quer descontar o dia ruim em você. Não vai te afetar se não quiser. Os outros não precisam ser oclumentes, pois você não ouvirá nada a menos que abra a porta sozinho. Torne sua oclumência mais forte do que seu dom natural para legilimência e um combaterá o outro e você será um mestre da arte como um todo".

Só que as aulas de oclumência eram cansativas. Manter barreiras constantes era exaustivo. Daí o anel de lorde herdado do pai, ou seu brinco feito por Lakroff, para lhe permitir os momentos de descanso, onde apenas evitava os olhos alheios, fechava os olhos e ouvia os pássaros no topo de uma das torres.

Axek ainda o repreendia quando dormia na sala de aula nessas horas, mas entendia que o meio-irmão fazia isso quando já estava exausto e deixava a bronca para quando todos os alunos já tinham deixado a sala vazia e podia lidar com Ivan em silêncio do caos que era a cabeça de um bando de adolescentes juntos.

O russo também aproveitava a sala do conselho ou o dormitório, onde os amigos tinham barreiras tão fortes que ele se sentia livre para não ficar tenso levantando todas as suas. Eram pessoas que podia olhar nos olhos por horas e não tiraria nada, então se sentia...

Normal.

Harrison estava tão inconstante que sua barreira caiu e forçou Ivan a viver um de seus próprios traumas.

Sentiu-se péssimo com isso:

- A culpa é minha Ivan. Não fique assim.

- Alteza, eu...

- Eu que tirei meus anéis de lorde depois da entrevista com Rita Skeeter porque estava estressado e achei que era melhor ficar um pouco sem a magia deles só até terminar de fazer a entrevista. E fui eu que estava tão instável que não consegui proteger minha própria mente, aparentemente. Por favor, não fique chateado consigo mesmo. Você sempre nos diz como é mais fácil falar conosco porque não tem riscos e justo eu te... te coloquei nessa situação desconfortável.

- Mas eu não devia-

- Se disser que não devia baixar a guarda comigo vou ficar magoado – interrompeu e o russo calou a boca na mesma hora. – Você é meu amigo. É claro que quero que baixe a guarda na minha presença. Eu baixo com vocês e ter conseguido entrar na minha cabeça é uma prova. Eu tirar os anéis é outra, porque estava com Viktor e com Luna, me sentindo confortável o bastante para tal. Você poderia passar um dia dentro da minha mente que não me importaria, Ivan. Mas a culpa é minha por ter deixado as coisas irem tão longe. Se eu tivesse... se eu não estivesse tão sobrecarregado, minha mente não ficaria dispersa ao ponto de te colocar em um lugar sensível. Prometo que vou tomar mais cuidado, não quero que sinta que não pode me olhar nos olhos ou coisa parecida.

- Não é isso alteza.

- Vai me dizer que não te deixei desconfortável por estar... com a braguilha aberta desse jeito?

A brincadeira funcionou, Ivan riu e pareceu enfim relaxar de novo, o que agradou muito Harrison, que sorriu e lhe inclinou a cabeça:

- Na próxima só me avise que está aberta, mas não se sinta culpado por olhar nada. Eu confio meus segredos a você, sei que os guardaria como seus e ninguém jamais saberia.

- Eu... não guardei esse – sussurrou voltando ao tom deprimido e culpado.

Hazz dispensou com um aceno de mão:

- Você estava preocupado comigo. Lakroff mudou a estrutura dos dormitórios só para que eu pudesse dormir com vocês e pudessem ficar de olho justamente nessas coisas. A autorização para intervir nesses casos estava implícita. Desculpe também se dei a impressão de que não podiam intervir. Eu sou muito grato a toda a ajuda que sempre me dão, só não gosto de preocupá-los com coisas que acredito que posso resolver sozinho. Já peço tantas coisas a vocês...

- Você considera isso aí resolver sozinho?! – indignou-se Viktor, apontando para as ataduras. – Você poderia ter pedido nossa ajuda desde o começo! – reclamou claramente irritado. – Sabe como Natasha é boa com curativos, mas mesmo que não quisesse pedir a ela, por qualquer motivo, acha que nós três faríamos um trabalho melhor do que essa porquisse.

- Obrigada!

- Desculpe, não quis ser grosso, apenas...

- Não se desculpe! Eu realmente prefiro quando são sinceros e grossos, do que ficar se contendo e pisando em ovos comigo!

Viktor pareceu se acalmar.

- Outra que, como eu disse, foi o melhor que consegui considerando a situação e porque estava atrasado para as aulas na hora. Está assim desde manhãzinha. Não consegui trocar, o que pode ter piorado.

- Por que não trocou na sua casa? Seus elfos podiam ter...

- Quis trocar aqui – respondeu baixinho. – Com vocês... – com o silêncio dos outros, ele bufou e se explicou. – Meu irmão me obrigou. Ele espera que vocês façam seu trabalho como "meus irmãos na escola", ou algo assim, e fiquem de olho nisso para eu não continuar deixando tudo só para mim. Então culpem ele, não queria ter que fazê-los lidar com isso.

- Farei questão de agradecê-lo quando nos conhecermos, lembre-me disso – afirmou Viktor se aproximando mais do amigo que riu debochado. – Vamos trocar agora, sim?

Hazz acenou com a cabeça e ficou um tempo em silêncio antes de acrescentar verbalmente:

– Obrigada por se preocuparem e cuidarem de mim sempre.

Houve a sincronia de suspiros indignados enquanto os garotos se posicionavam em locais diferentes para avaliar o trabalho que teriam de fazer.

– Você é nosso príncipe e rei – disse Axek como se estivesse ressaltando o óbvio.

- E nós estamos aqui por você, majestade – resmungou Ivan, se colocando ao lado de Viktor após outra boa olhada nas costas e na ferida, mas se ajoelhando diante de Harrison. – É nossa função lhe cuidar, resguardar, ainda mais quando o senhor é tão ruim em fazer isso consigo mesmo.

- Como é? Ruim? – indignou-se o mais jovem.

- Você não se cuida – explicou Axek.

- Nem um pouco. Parece que faz questão de fazer o contrário disso, na verdade – Viktor se exasperou.

- Certo, eu admito que não sou a pessoa mais preocupada com minha saú-

- Pare aí mesmo – pediu o Miller.

- Mas-

- É que, se você continuar, seria eufemismo ou mesmo mentira e não queremos você mentindo para nós – Viktor defendeu o amigo. – O correto é: Você nunca pensa em si mesmo! Você nem jantou hoje! Teria pulado o almoço se não fosse pela mão do rei!

- Abençoada seja a mão do rei, que lhe faz ouvir – Ivan exaltou de forma dramática.

Hazz suspirou, negando com a cabeça:

- De novo essa história de comida. Sabiam que trouxas, que nem tem magia para ajudá-los, conseguem ficar até doze horas sem comer todos os dias de forma saudável? Sem contar os monges que ficam dias vivendo à base de bebidas apenas. Eu aposto que se fosse em um nutricionista, ele não veria tanto problema no que faço...

- O que é um nutricionista? – questionou Axek?

- Especialista em alimentação saudável. Coisa de trouxa. Eles pesquisam como alguém, baseado em sua rotina, peso e altura, pode ter uma dieta balanceada. E a minha-

- A menos que seja péssimo no que faz, aposto que até um nutricionista brigaria com você – reclamou Viktor. – E você é um atleta. Precisa se alimentar considerando o quanto se esforça todos os dias. Sem contar que você mesmo estabeleceu magia como um fator na diferença de nutri...

- Nutricionista.

- Você deve alimentar sua energia também.

- Acho que não é assim que funciona, brat.

- Hazz...

- O que?

Viktor suspirou e a próxima frase foi uma ordem, não um pedido. Além de não sair apenas de Viktor, mas todos os amigos juntos:

- Come direito!

- Tá! – o menino reclamou levantando os braços. – Eu vou tentar. Nossa, todo dia isso.

- Três refeições por dia – pediu Viktor.

- Tudo bem. Se vai deixá-los felizes – bufou.

- Vai.

Naquele momento, Ivan, que durante a conversa esteve cortando delicadamente as ataduras próximo às costelas de Harrison, acabou puxando uma delas o bastante para que o tecido tocasse na ferida, o que fez Hazz gemer de dor. Ele mordeu a boca com força, para conter a maior parte do som, mas foi o bastante para deixar os amigos desesperados, já começando perguntas ansiosas.

Depois do mais novo garantir que estava bem, eles continuaram, em silêncio e mais concentrados.

Axek buscou nas suas coisas, depois correu para a enfermaria atrás de poções que os ajudassem.

Sozinhos, esperando o amigo, o machucado descoberto e soltando um tipo de pus de coloração suspeitosamente estranha para Ivan, Hazz pensou em como poderia amenizar o clima.

Até que Viktor sussurrou:

- Não é só sua alimentação.

- Como?

O búlgaro bufou, então se ajoelhando, pegando a mão do garoto, ficou um longo tempo encarando os olhos de Harrison:

- Não é só sua alimentação que nos preocupa.

Então olhou para baixo. Hazz não tinha certeza se era coisa de sua cabeça ou se Viktor realmente estava encarando uma de suas cicatrizes mais feias.

Aquela, especialmente, dizia frequentemente ser o próprio mapa do continente africano, começava no meio de suas costelas e ia até dois palmos de seu joelho. Surpreendentemente, boa parte dela tinha sumido (sim, essa versão era a menor). Tinha uma coloração mais escura, quase como uma mancha de pele nascida ali, seu tecido não estava mais tão retorcido quanto na infância e alguns pontos no meio já tinham se recuperado totalmente (o que, ele argumentava, dava um aspecto ainda maior de mapa, pois simbolizava o relevo do continente).

Alice odiava a piada.

Heris morria de rir toda vez e oferecia desenhar os rios com uma caneta azul.

- Eu tomo meus remédios. Não precisam se preocupar com isso.

- Mas eles estão funcionando bem?

Hazz não respondeu e agradeceu que Axek apareceu naquele momento, já se posicionando junto de Ivan às suas costas para ver como poderiam resolver... A situação que decididamente não era das melhores, mas já foi pior.

Harrison já havia tido ferimentos mais de uma vez, apesar de acreditarem que coisas assim haviam acabado nos primeiros anos.

Ele nunca mais tinha caído de uma vassoura, como no jogo que pegou o pomo de ouro com a boca; ninguém mais ousou azarar um balaço em sua direção, afinal explodiu a coisa só de olhá-la e assustou o bastante o feiticeiro que tentou trapacear direcionando o mesmo olhar mortal para sua cabeça (enquanto as duas equipes o seguravam antes de cometesse um homicídio, já que a primeira investida da bola contra Hazz foi impedida por Ivan que quebrou a mão para rebatê-lo longe).

Aquilo, entretanto, parecia muito mais com seu primeiro ano. Quando teve um pesadelo especialmente forte e as poções não funcionaram como deveriam. Ao menos foi a opinião de Viktor, que foi o único capaz de se aproximar e levar Hazz para a enfermaria naquela época.

Deixando os amigos se virarem para apagar o fogo no dormitório.

Os professores tiveram de ajudar, porque a coisa era realmente única. Não se espalhou como fogo comum, mas queimava por muito tempo e intensidade onde estava e não apagava fácil.

Logo depois do evento, Huseff Musska, o professor de magia experimental, já ensinou os alunos mais velhos em suas aulas a fazer a maldição que o tornou premiado. "katarse ivertum", ou "zona da corrupção" como o pessoal começou a chamar. "Capaz de criar uma área de corrupção mágica onde objetos e feitiços perdem a instabilidade no núcleo mágico e descarregam sua energia no dobro de sua velocidade normal".

Foi a única coisa capaz de apagar o fogo naquela noite.

O evento que fez os alunos da Haus Feuer prestarem atenção em Harry Potter e jamais duvidarem de sua capacidade apenas por ser mestiço. Nunca mais questionaram sua magia, nem repetiram maldades de que tinha favoritismo como pupilo do vice-diretor.

Era claro para todos, depois que até Lakroff lutou para apagar um dos focos mais complexos, que o garoto era um talento.

Um dragão que acabara de rugir para calar a todos os outros e se estabelecer em seu lugar de direito.

Tornando seus colegas respeitosos, curiosos... assustados.

Houve um dia desses para cada casa da Durmstrang, para aprenderem quem era sua alteza, Harrison Potter; mas havia um charme poético no fato de que casa dos dragões, do elemento fogo, aprendesse seu lugar quando um dragão realmente forte queimou seu território de forma que nem eles, mais velhos e experientes, foram capazes de contestar.

Tomando para si, em consequência, a liderança do território.

Mesmo que não tenha percebido isso logo de cara.

O dragão rei. Como animais que lutam pela posição de alpha em um bando, Harrison teve o título nas suas mãos no primeiro ano.

E tudo isso dormindo.

"Tinha que ser o Hazz" pensava Viktor sempre que lembrava.

- O que está pensando?

Hazz perguntou, o que fez o próprio Krum perceber sua expressão feliz e carinhosamente se explicou:

- Estava lembrando do seu primeiro ano. Você sempre foi de causar confusão, não é meu brat?

A ternura na voz do amigo fez o Potter ficar levemente acanhado e baixar a cabeça, mas ainda olhou para o amigo sorrindo quando provocou:

- O que é a vida sem um pouco de caos?

Viktor riu e passou uma das ataduras para Axek, agarrando a mão do mais novo o tempo todo, para que pudesse apertar caso sentisse dor. Também estava sorrindo porque Hazz realmente apertava. Seus gemidos de dor, ou mesmo seu corpo eram completamente ocultados. Mas, para Viktor, bem a sua frente, ele fechava os olhos, apertava sua mão, mostrava que estava sim com dor.

Só que confiava neles.

- Pronto – disse Ivan após um tempo.

- Já? – questionou Viktor se levantando e passando a mão na testa de Hazz para discretamente limpar o suor que escorria por lá e aproveitando a oportunidade para lhe acariciar os cabelos.

Gestou que o menino cansado aceitou o carinho com satisfação, como um gatinho, fechando os olhos e se inclinando na direção do que o agradava

- Passamos as poções, mas deixamos boa parte da ferida aberta, por enquanto. Melhor esperar um pouco para ver se tudo agirá como deve, depois cobrir – explicou Axek. – Até a hora de dormir a ferida respirou um pouco e sua magia pode ter reagido. Tudo bem, alteza?

- Claro. Obrigada meninos.

- Beba água – pediu Ivan entregando um copo que Hazz nem percebeu de onde tirou, mas aceitou mesmo assim.

Todos voltaram ao silêncio enquanto Harrison bebia e controlava a respiração.

Eram seus amigos, mas ainda havia ficado muito tenso com pessoas mexendo em um buraco exposto às costas, um dos lugares mais vulneráveis de uma pessoa. Onde não havia nenhum controle.

A situação era toda delicada e facilmente deixaria alguém se sentindo exposto. Estava sem camisa, com as cicatrizes de infância à mostra, sua magia tensa ao ponto de quase os atacando, forçando-o a se controlar ao extremo para que os deixasse trabalhar e torcendo que entendesse aquelas pessoas e aquele momento como de confiança.

Do contrário aquelas poções ao invés de ajudar, seriam apenas descartadas por seu organismo e não queria frustrar seus amigos depois de tanto esforço da parte deles. Outra que a recusa de seu corpo a reagir a um tratamento, poderia os preocupar ainda mais.

Em meio aos devaneios, acabou ouvindo Viktor o chamar e voltou-se para o amigo:

- Sim?

- Você não tem preocupação alguma com a própria integridade?

A pergunta repentina lhe gerou uma careta:

- Como é?

- Você entendeu a pergunta, mas! – interrompeu, antes que Harry pudesse falar algo. – Antes que pense em contradizer o que disse e afirmar que sim, cuida bem ou o suficiente de sua saúde, eu tenho uma pergunta: o quanto você se importa conosco?

- O quanto me preocupo com vocês?

- Sim. Nós. Sua corte. Todos nós.

- Por que está perguntando isso?

- Poderia me responder primeiro, por favor? Prometo que tenho um objetivo.

- Eu me importo muito, é claro – respondeu no ato.

- Se eu estivesse sentindo tanta dor e estivesse tão cansado, estressado, preocupado e ansioso que não conseguisse... – ele tentou encontrar as palavras.

Ivan o ajudou:

- Tão estressado e mal que não conseguisse usar oclumência, por exemplo – sussurrou e Viktor concordou com a cabeça, o que incentivou o russo a continuar. – Justo eu, alteza. Entre tantas pessoas, não conseguisse proteger a mente ao ponto de você conseguir ler meus pensamentos durante o almoço e descobrisse que eu estou ferido e não lhe contei nada. Como se sentiria?

O peito de Hazz afundou junto com sua boca, aberta num arfar surpreso.

E arrependido:

- Desculpem.

- Pelo que? – provocou Viktor e Hazz riu da reação dos outros dois. Como se achassem que Krum era louco por agir daquela forma com sua alteza.

Eles tinham de parar de colocá-lo num pedestal assim.

Hazz não era digno de metade dessa serventia.

"Errado" contestou Tom, de repente voltando "à superfície", tamanha sua indignação "Você é digno e merecedor. Desta e de muito mais, mas vamos nos concentrar nesse pequeno grupo por enquanto, qualidade é melhor que quantidade no seu caso".

Harrison teve que se segurar para não revirar os olhos. A piada de lorde das trevas estava implícita naquelas observações. Decidiu que era melhor apenas responder Viktor:

- Não lhes contei sobre algo que me feriu, deixei que ficassem se correndo, enquanto torciam para que eu tomasse a iniciativa para pedir ajuda e vocês pudessem fazer isso, mas sem invadir meu espaço pessoal. Não parei para pensar como esconder isso podia atingi-los. Foquei apenas em como não queria incomodá-los e - deixou a frase no ar, uma ideia atingindo sua mente.

Ele viu o exato instante em que Viktor sorriu e os meio-irmãos riram entre si.

- Entendeu agora? – perguntaram os três.

Krum se levantou e tocou os cabelos de Harrison, aproveitando a nova liberdade que descobriu possuir já que os cabelos de Hazz eram ainda mais macios e confortáveis de tocar do que sonhava:

- Neville é seu amigo, ele se preocupa com você e sabe como sua vida está caótica. Ele vê, no seu rosto, tão fácil quanto nós vemos que as coisas são difíceis. Ele provavelmente não quer te incomodar. Assim como você não queria. Não está escondendo de você o que está acontecendo em sua vida e seus problemas, por nenhum outro motivo que não o mesmo que faz você, Hazz, sempre nos esconder quando precisa. Não é por não confiar, ou não querer sua ajuda, antes ele sempre o fazia, não é? Mas antes era por carta, ele não via todo o trabalho que você tem, não tinha o mesmo receio de incomodar. Você nos faz ficar te rondando para ter certeza de que está bem. Porque a depender de você, nunca saberíamos. Neville apenas... – riu. – É seu amigo e, portanto, tem algumas coisas parecidas com você na personalidade. É uma pena que seja justo isso, mas que fique de lição.

Ivan, enquanto Hazz baixava a cabeça pensando naquilo tudo, também se permitiu a aproximação e pegou a mão de Hazz para deixar um beijo casto antes de dizer:

- Entendemos que você sabe se virar. O senhor é a pessoa mais forte e incrível que poderia conhecer e ter a honra de trabalhar, minha lealdade aos Grindelwald não é pela jura que meu avô fez, mas a minha vontade e desejo de lhe servir como puder, milorde. Jamais cometeria o erro de pensar em mim mesmo como indispensável e fundamental para sua vida, pois não há alguém mais capaz no mundo de conquistar o que deseja e-

Harrison não quis que o menino terminasse, colocando uma mão em sua boca para calá-lo, tamanha sua indignação:

- Você é indispensável!

Ivan sorriu ,sentindo-se absurdamente feliz, apertando a mão de Harrison e a retirando para que pudesse voltar a se expressar:

- Pois se sou indispensável, permita-me a honra. Deixe-me cumprir com minhas funções. Deixe-me servi-lo, cuidá-lo, adorá-lo e fazer de tudo pelo senhor, pois é minha vontade e felicidade! Pare de achar que deve ser independente, se somos indispensáveis, nos deixe dar nosso máximo para você. Um rei deve ser forte sozinho, mas um reino só se torna eterno se toda a corte for unida pelos mesmos objetivos que seu mestre. Todos sabemos que você consegue sem nós. Você dará conta, mesmo que um dia não estejamos mais aqui, de tudo! Do mundo todo. O senhor conquistará céus e Terra com ou sem ajuda, mas só que, enquanto estamos aqui, eu imploro que nos permita atender todas as questões, a sua vontade e se não for por seu desejo, seja por nós! Nos dê o espaço ao seu lado!

Harrison não sabia ao certo como responder aquilo. A mão de Ivan era grande e quente, segurando-o com firmeza da mesma forma que suas palavras soavam. A única coisa que conseguiu pensar, foi uma provocação:

- E você pensa em um dia não estar mais comigo?

- Sim, penso. Não consigo imaginá-lo morrendo, meu senhor, mas facilmente me vejo dando a vida por você.

- Credo! - reclamou de imediato se soltando do amigo.

Ivan riu:

- Eu sabia que reagiria assim.

- Não quero que pessoas deem sua vida por mim! – reclamou, obviamente bravo com a coisa. – Nunca!

- Sabe o que é interessante disso?

- O que?

Ivan sorriu sapeca:

- Você arrisca a sua pelos outros com uma frequência absurda – e pegou as ataduras sujas para comprovar aquilo.

- Não faço nada que eu não me sinta capaz de enfrentar - retrucou.

- E jamais nos pedirá para fazer algo que acredita que não seríamos capazes e que poderia arriscar a nossa - acenou.

- Por isso mesmo, vamos ter que jurar - continuou Axek.

- Jurar? - questionou Hazz confuso e levemente alarmado - Que quer dizer?

- Exatamente o que parece- murmurou o alemão, abraçando sua alteza por trás, de forma cuidadosa para não encostar no ferimento - Estamos jurando que daremos nossa vida pelo senhor.

- Mas eu não-

Começou indignado, mas Viktor interceptou:

- É a única forma que conseguimos pensar de você valorizar sua vida tanto quanto nós a valorizamos.

- Como é?

- Se a segurança de seus amigos depender da sua, então você fará de tudo para se proteger, porque você faria de tudo para proteger quem ama.

- Esperamos, ao menos, que você nos ame - brincou Ivan, mas sua voz ainda tinha um toque de insegurança incomum e mal disfarçado que fez o coração de Harrison quase se partir.

- Eu amo – admitiu, garantindo olhar nos olhos do russo ao dizer aquilo.

Deixando para trás qualquer barreira mental, mesmo que soubesse que Ivan não queria sentir-se invadindo, mostrou-lhe a verdade por trás daquilo. Deixou que a legilimência natural apenas passasse por ali para destruir qualquer dúvida, mostrar o que as palavras de Hazz nem sempre permitiam, da mesma forma que o menino sempre pôde olhar e ter certezas através do próprio dom e da vista de suas almas.

- Então é isso - Axek afirmou apertando mais o abraço, aproveitando para sentir o cheirinho de morangos, caco e vinho que saia do garotinho em seus braços. - Nós juramos nossas vidas a você, lorde Harrison James-

- Não! Para! - ordenou Harry, levantando-se apressadamente e quase derrubando o banquinho e a si mesmo na pressa.

Precisou de um instante para se equilibrar de novo e para encarar bem os amigos, deixando claro sua completa aversão aquele desenrolar:

- Não façam isso!

- Por quê?

- Eu não quero ser jurado, não quero que vocês sejam forçados por magia a algo! Principalmente em relação a mim.

- Alteza - murmurou Ivan com um sorriso travesso. – Eu já lhe sou jurado e a escolha nem é sua, enquanto Gellert Grindelwald estiver vivo, sou seu, de corpo, sangue e alma.

- É injusto que só esse merdinha tenha esse privilégio – reclamou Axek.

Harrison riu porque de repente Axek parecia muito com Lala reclamando dos privilégios de Monstro que Hazz mais achava deméritos.

Monstro e Ivan foram jurados antes de nascer e contra sua vontade, levados por suas próprias ancestralidades a uma lealdade que podia não condizer com quem eram, a se ajoelhar apenas por terem o sangue daqueles que se curvaram um dia antes, era apenas sorte que tivessem orgulho de sua condição e não fossem como, por exemplo, o tal elfo dos Malfoy que Neville libertou. Que odiava a quem servia e o que fazia. Era sorte que seus mestres, atualmente, o tratassem com o devido respeito e apreciassem suas ações, ao invés de usá-los como ferramentas.

Axek não devia querer aquilo, da mesma forma que Lala não deveria querer a escravidão.

Mas como fazê-los entender isso?

- Eu quero que estejam comigo porque ainda sentem que isto é o que desejam em seus interiores, não porque suas atitudes do passado o forçam a manter uma promessa. Pessoas e convicções mudam...

É claro que os três não deixaram aquilo passar e reclamaram:

- Nunca vamos mudar.

- Não em relação a você, alteza – garantiu Axek. – Somos seus.

- E você nosso – acrescentou Ivan. – Para cuidar, servir e amar. Do nosso jeito.

O mais novo corou, arregalando os olhos, apesar de ter tentado disfarçar. Sussurrou, olhando para o banquinho, não para o grupo:

- Isso lá é coisa que se diga?

- Sim, pois é a verdade – incentivou Viktor, puxando a mão de Harrison e depositando um beijo calmo naquele mesmo lugar no topo da cabeça. Estava adorando que podia fazer aquilo agora. – Nós estamos com o senhor. Nos importamos com você e lhe queremos bem. Queremos estar do seu lado. Para sempre.

- Então fiquem. Mas não precisam jurar para isso. Apenas estejam lá e eu ficarei muito feliz de vê-los todos os dias.

Os três suspiraram resignados e desistiram mais uma vez. Harrison não entendia. Não ainda. Mas sabiam que era questão de tempo.

O Potter era imensamente inteligente, entendia o conceito de forma separada e um dia poderia juntá-lo.

O poder da palavra. Como amar era uma coisa, fazer de tudo por alguém simbolizava muito, mas dizer as palavras mudava tudo.

Falar.

Um feitiço, um ritual, uma jura.

Verbalizar para o mundo e os deuses ouvirem aquilo que a corte guardava em seu peito. Não deixar que seja levado pelo vento, mas gravar essas palavras para sempre entre aquelas pessoas. Em seu sangue, magia... alma.

Um dia, Harrison haveria de entender o poder de uma jura de lorde para lorde. Servo para lorde.

O poder do sentimento que tinham por ele. Do desejo intenso de estar ao seu lado.

E do sacrifício de prendê-los a isto de forma definitiva.

O feitiço das trevas definitivo e mais forte de todos. Onde todos os princípios eram unidos em um um, para que o servo jurasse a seu mestre tudo de si, para si.

Eu juro lhe dar minha magia, minha lealdade, minhas emoções, tudo que sou, para lhe dar tudo que quiser e a força que um dia pode ter lhe faltado, para conquistar o que desejar. O que aquilo oferecia.

Ninguém poderia ser mais forte do que isto, do que os sentimentos de vários leais a você, suas magias unidas para realizar seus desejos, fortalecer a sua própria.Não era por eles que queriam jurar. Era para Harrison, para protegê-lo, lhe dar mais força todos os dias, até quando não estivessem mais lá.

Para lhe dar o mundo e proteger o que era seu.

Não se tratava apenas sobre se curvar, mas muito mais sobre doar tudo de si porque suas emoções e seu maior desejo era garantir a felicidade de alguém. Se tornar parte da força de Harrison de uma vez e para sempre, de forma inquestionável.

Suas emoções eram fortes o bastante para fazer muito, sabiam disso, muito mais do que aquele que jura apenas por pressão, ou por concordar com uma visão política. Queriam jurar por Harrison, pela pessoa, para garantir seu futuros, seja qual fosse.

Já fariam como pessoas, mas suas magias também queriam participar disso.

Só faltava dizer as palavras.

Então estaria feito.

Seriam um com Harry. Lhe dariam tudo que podiam dar, teriam certeza de que não faltou nada, aquele era o máximo de um bruxo das trevas.

Mas ele continuava não querendo e a magia da corte tinha que recuar, se segurar.

Como uma alma apaixonada por alguém que o tem como amigo, tornando-o tão perto, mas para sempre longe demais para aquilo que realmente deseja. Vendo-o de longe eles recuavam e fingiam que o sentimento não existia, porque a outra pessoa não retribuia. Então davam seu amor apenas como era aceito.

A corte continuava sendo apenas de amigos.

Nada de juras.

- Como desejar, alteza – disse Ivan, com uma longa reverência. – Nossas ações, então, que deverão ser o bastante para compensar qualquer falta que palavras fariam. Nos esforçaremos para garantir isto.

Harrison suspirou, voltando para o banquinho agora que as coisas pareciam ter se acalmado:

- Vocês já o fazem. São muito mais do que eu poderia pedir ou esperar. Até alguns anos atrás, eu nunca pensaria... – ele olhou para os amigos. As palavras lhe faltando.

Elas sempre sumiam nessas horas.

Como expressar se tornava ridiculamente difícil.

Entretanto, algo que Hazz parecia esquecer às vezes, ou talvez só não pensasse nisso o bastante, era justamente que sempre foi difícil e mesmo assim ele tinha seus amigos. O que quer dizer que, mesmo essa dificuldade não era um problema para o grupo.

De repente, Hazz se viu circulado, cuidadosamente para não atingir o machucado, pelos braços de Viktor, então Ivan e Axek. Eles ficam lá um tempo, sem dizer nada.

As ações falando pelo que palavras não conseguiam.

Hazz os abraça de volta como pôde e sentiu que as coisas ficariam bem. Porque ele tem seus amigos. Assim como sempre se sente seguro com Lakroff, ou que pensa melhor nas coisas com a ajuda de Heris, como se diverte mais despreocupadamente com Alice, Diego, como Luna consegue acalmá-lo e distraí-lo de sua própria mente.

E como se sente mais completo com Tom e Neville.

- Porque eu nunca faço parte desses momentos?!

Uma voz reclamou e Harrison olhou para trás, vendo Heinz com uma expressão que tentava disfarçar sua tristeza, com raiva.

Ivan, que tinha soltado Harrison junto dos outros quando Heinz chegou sem ser percebido, cruzou os braços inquisidoramente:

- Do que raios você está falando, Horváth?

- Por budapeste, o que aconteceu com suas costas, alteza?! – indignou-se quando o distanciamento dos colegas permitiu a vista das costas do mais novo.

Harrison não respondeu, apenas olhou indignado para os outros:

- Vocês não contaram para ele?

- O tapado foi o único que não se tocou, ele mereceu!

- Agora a culpa é minha?!

- É sim – disseram Viktor, Axek e Ivan.

- Ótimo! É sempre assim! Sempre sou deixado de fora e falam que sou eu o lerdo! Chego aqui e vocês estão assim! Todos abraçados, com cara de choro como se tivessem vivido um momento muito emocionante e especial. Sem mim! Eu sou sempre o excluído!

- Deixa de ser emotivo – reclamou o Ivan, dispensando o amigo.

- Estávamos apenas conversando e você estava no banho – esclareceu Viktor. – Não foi uma intenção te excluir, ou coisa parecida;

- Ta, tá – o húngaro não parecia satisfeito. – Então vão me dizer o que estava acontecendo?

- Não, o momento já passou.

Com a provocação de Ivan, Axek lhe deu uma cotovelada, mas também achou suficientemente engraçado para rir. Principalmente quando Heinz fez uma cara completamente indignada.

Enquanto os dois riam, Harrison se aproximou do amigo que estivera fora e acenou para que se abaixasse, Heinz fez como foi pedido e levou um susto quando sentiu os lábios de Harry em sua bochecha.

Os lábios dele.

Na bochecha de Heinz.

Harrison tinha acabado de beijar a sua bochecha!

Aquilo o fez praticamente virar uma estátua vermelha humana no lugar, enquanto ouvia seu príncipe se afastar um pouco e dizer:

- Eu estava apenas dizendo como os amo e que valorizo cada um. Desculpe se sentiu-se excluído, você também é muito importante para mim, Heinz. Obrigada por toda a ajuda e por ser meu amigo.

As ações de sua alteza geram duas situações conjuntas, mas com um pequeno espaço de tempo entre uma e outra.

Primeiro Harrison notou que Heinz tinha congelado na posição que estava e como o garoto era bem alto, devia estar desconfortável. Segundo, notou que os outros três também congelaram. O quarto ficou um tempo quieto e Hazz estava para perguntar a Nagini o que ele teria feito agora, mas foi quando o próximo passo, a gritaria, começou.

Algumas das várias coisas que foram praticamente cuspidas ali foram algo em torno de: "como ele ousa", talvez um "não acredito que ele ganhou um e eu não!" e decididamente deve ter sido Axek que gritou que arrancaria a cabeça de Heinz por aquele absurdo.

Talvez o próprio Heinz tenha dito algo como que bateu muito forte com a cabeça ou estava sonhando e Ivan, com certeza lhe disse que ele mesmo garantiria que a cabeça de Heinz fosse batida várias vezes.

Quando desistiu de tentar traduzir ou esperar os meninos se acalmarem, Harrison gritou para calarem a boca e, por sorte, teve sucesso. Finalmente Heinz voltou a se mexer e foi o primeiro a dizer alguma coisa sem toda aquela algazarra:

- Eu nem sei o que dizer, alteza.

- Nem diga. É apenas para continuar sendo um bom amigo.

- Esse filho da p-

- Axek! – repreendeu Harrison e Ivan estava igualmente tão irritado que nem riu do irmão ter quase dito um palavrão.

- O que faz dele merecedor de um beijo?! – indignou-se o Russo, tentando partir para cima de Heinz.

- Não sei, mas eu ganhei e você não, otário!

Harry teve que se colocar entre os dois depois disso:

- Foi só um beijo, sossega, Ivan!

- Eu nunca ganhei um e olha que pedi! – fez beiço.

- Eu ganhei e você não, otário – repetiu Heinz infantilmente e desviou do tapa que o mais alto tentou lhe dar.

Harry ficou novamente frustrado porque era um porteiro de maquete perto dos amigos, porque estavam conseguindo brigar por cima dele.

- Heinz... - Hazz chamou depois de um tempo.

- Sim alteza?

- Porque está fedendo se saiu do banho agora pouco?

O garoto franziu o cenho confuso e levantou o braço para se cheirar.

Estava com aroma de rosas de seu sabonete, nada anormal.

- Não gosta desse cheiro, alteza?

- É proposital? - perguntou confuso e um pouco incrédulo.

- Eu... – mas, por sorte, Heinz não era tão estúpido, imediatamente encarou Ivan irado. - Você!

- Que eu fiz? – fingiu inocência.

- A maldição! Você me fez feder?!

- Mandei você tomar banho.

- Eu tomei, seu...

Harrison decidiu que não compensa tentar impedir. Era melhor deixar os bruxos das trevas extravasar, seja lá o que precisavam que logo haveriam de se acalmar.

Foi para a cama com Nagini se sentindo leve.

E em casa.

Sua segunda casa.

-x-x-x-

Ginevra Wesley se jogou na poltrona que o irmão estava sentando, forçando Ron a se levantar irritado:

- Que está fazendo?

- Tomando o lugar mais confortável. E Neville?

- Parece que vai ficar na casa da avó, ainda não voltou – contou pegando um lugar agora no sofá, já que seu antigo tinha sido tomado.

- E Mione?

- Ela não gosta de ficar até tão tarde acordada, ainda mais em dias de semana.

- Estava esperando Neville?

- Sim. E você? O que faz acordada?

- Não consegui dormir.

- Entendo.

Ron realmente entendia. Ficou um bom tempo tentando até desistir e voltar para a sala de estar comunal, tentando entender o que aconteceria agora. O que Augusta Longbottom, aquele furacão em forma de senhora com bolsas grandes demais, faria.

- O que nós vamos fazer? – perguntou Ginn, como se lesse seus pensamentos.

- Não sei o que quer dizer.

- Sabe, sim. Vamos dizer a nossos pais o que Dumbledore fez? Deixaremos tudo nas mãos de Neville? Como vamos nos vingar?

- Já disse que não devemos ir longe demais, Nev vai ficar magoado.

- Ele não precisa saber que fomos nós – disseram os gêmeos descendo as escadas.

- Estavam nos espionando?

- Está se achando muito, irmãozinho, se acredita mesmo que nos sujeitaríamos ao trabalho de espionar você, entre tantas pessoas – George disse, não que Ron identificasse qual dos dois havia sido.

Sempre foram Fred e George, uma entidade conjunta de duas partes.

- Então? O que também estão fazendo de pé?

Aquela hora da noite, surpreendente ou não, agora a sala só possuía Weasleys.

Os gêmeos se olharam enquanto se aproximavam dos irmãos mais novos, mas quando Fred respondeu, não era o bastante para a garota:

- Nada para preocupar sua cabecinha, Ginevra, a menos que queira ser cúmplice.

- Se for algo com Dumbledore, eu-

- Não. Nenhum de vocês vai fazer nada! Augusta Longbottom já deve estar aprontando seja lá o que achar necessário. Não é mais da nossa conta.

- Está parecendo nossa mãe – reclamou um dos mais velhos.

- E ele é nosso amigo, é da nossa conta! – reclamou a menina.

Ron os ignorou. Já tinha deixado claro o que pensava, não adiantava continuar discutindo. Os irmãos sempre faziam o que queriam de toda forma, esperava apenas que o respeitassem uma vez.

Os gêmeos se colocaram também em alguns assentos, Fred com as pernas por cima de George completamente largado:

- Se não vamos planejar uma vingança ou pegadinha, ao menos vamos fazer alguma coisa! Não quero ficar a noite inteira assim!

- Que tal se abrir com a roda e contar porque estava acordado?

Fred apenas mostrou o dedo do meio a menina e a ignorou quando disse algo sobre modos.

Tinha um contrato que o impedia de falar e, sinceramente, mesmo sem ele duvidava que contaria as coisas que leu na ficha médica de Harrison até sobre tortura. Que dirá para a irmãzinha mais nova.

Mas não conseguiria dormir. Isso sabia. Sua mente estava correndo por todas aquelas informações, todas as poções, todos os corredores da biblioteca de Hogwarts e tentando organizar tudo para saber por onde começar, o que podia estudar para fazer um trabalho melhor, o quanto poderia saber para ter certeza de que...

Poderia ajudar. De qualquer forma. O quanto antes.

E isso era tudo que o impedia de já ter explodido a sala de Dumbledore, porque estava tão furioso com a cabra velha que mal se aguentava!

Ele era o culpado daquilo.

Harrison, aquele garoto que parecia tão cheio de vida e ideias, que foi o primeiro a acreditar no potencial das ideias e invenções dos gêmeos...

Queimado por uma fanática religiosa quando deveria estar sendo protegido!

George, não estava muito diferente, sua expressão estava péssima, mesmo que tentasse não demonstrar aos mais novos. Mas Fred conhecia sua alma gêmea de nascimento, qualquer diferença em George ficava tão óbvia para ele que nem precisava de esforço para entender.

Mesmo com a tentativa inicial de Fred, no fim os irmãos ficaram ali, os quatro quietos e presos nos próprios pensamentos por um bom tempo.

Ron, em dado momento, se levantou e procurou algo entre as prateleiras da sala, voltando com um tabuleiro de xadrez bruxo. Por mais confusos com a ação, nenhum dos outros comentou algo e apenas assistem enquanto montava as peças em seus lugares. Ginevra foi a única a se mover também, sentando no chão do outro lado da mesa de centro, do lado branco das peças. Moveu a primeira. Ron sorriu e continuou, mas ainda preso em sua própria mente.

Foi um massacre, o menino era muito bom naquele jogo. Os dois reorganizaram tudo e Gina ia tentar novamente, mas Fred deu um chutinho nela, indicando para lhe dar a vez, o que ela aceitou, se sentando ao lado de George para assistir.

Quando estavam na metade do jogo, foi que finalmente uma voz se fez presente.

Ron, bem baixinho, como se tivesse vergonha dos próprios pensamentos:

- Se ele foi capaz de fazer isso, não quer dizer que pode ter feito outros crimes?

- Provavelmente – George respondeu.

Fred apenas moveu seu cavalo:

- Cheque.

Ron não teve dificuldade para fugir da jogada.

- Hermione acha que um líder deve fazer o que acha necessário para proteger a ordem.

- Hermione acreditaria em qualquer coisa que um professor disser a ela – reclamou Gina.

- Cheque – disse Ron.

- Ela me lembra Percy, às vezes – comentou George e todos souberam que aquilo... não era exatamente bom.

- Vocês acham que ele fez de propósito? No primeiro ano de Neville, os desafios para a pedra?

- Sim – disseram os gêmeos.

- Por quê?

- Boa pergunta – disseram os gêmeos e Gina.

Outro longo momento de silêncio. Ron ganhou a partida, nesse meio tempo. Fred se levantou e trocou com George, sem dizerem nada.

Finalmente Ron percebeu quem era quem entre os irmãos, nos primeiros movimentos soube que seu desafiante era George, muito melhor que o anterior naquilo.

- Eu acho que estou perdendo alguma coisa – admitiu, para os irmãos. – Tem alguma coisa estranha acontecendo desde que a Durmstrang chegou.

- Com Dumbledore? – perguntou Gina.

- Também. Com tudo, na verdade. Harry no cálice, os comensais na copa mundial. Esse parece... que vai ser um daqueles anos.

- Cheque – disse George e o mais novo ficou indignado.

Fazia tempo que não levava um cheque tão rápido.

Talvez devesse chamar George para jogar mais vezes, mas Fred achava o jogo chato e geralmente os dois saiam sem paciência para chegar ao fim. Depois de alguns movimentos, quando George matou a rainha de Ron, comentou:

- Vocês já pensaram que podemos estar olhando tudo da forma errada?

- Como assim?

- Como se... não estivessem do lado certo?

- De que merda está falando? – Questionou Ginevra, surpresa.

- Esquece.

Mais silêncio.

Ron disse cheque e acrescentou:

- Como se estivessem em uma cor do tabuleiro e só por isso não questionassem mais o que o rei manda? Apenas porque é o rei?

- Algo assim – o outro deu de ombros, escapando da armadilha muito bem feita de Ron. – Boa tentativa.

- Comecei agora – diante da confusão dos outros irmãos, esclareceu. – Só porque Dumbledore é melhor que as outras opções, não quer dizer que o que esteja fazendo é certo, mas o que mais podemos fazer? Vamos duvidar de tudo que sabemos, de tudo o que nossos pais lutaram e arriscaram a vida defendendo por um erro? Por pior que seja? Não achamos certo o que ele fez e tem tanta gente questionando suas decisões todos os dias. Mas... parece que...

- Que você não está enxergando todo o tabuleiro? Como se algumas peças tivessem nos lugares que não deviam e alguém estivesse trapaceando ou coisa do tipo?

- Algo assim. Cheque.

- Mas qual a trapaça? – Fred perguntou. – E quem é o trapaceiro?

- Cheque-mate – resmungou George se levantando para se espreguiçar. – Boa partida, a propósito.

- Que merda! – quando foi a última vez que Ron havia perdido? – Melhor de três?

George normalmente negaria, mas não tinha nada melhor para se distrair do tique nervoso que estava no olho. Sentou-se e desta vez começou.

- Posso ser sincero com vocês? Nenhum vai ser irritante e contar para a mamãe ou ficar me enchendo o saco?

- Claro que não – Gina garantiu. Os outros dois apenas concordaram.

- Sabem o vice-diretor da Durmstrang?

- Sim. O que tem?

- Já conversei com ele algumas vezes, na biblioteca.

- Mesmo? Sobre o que? – perguntou Fred, porque nem ele sabia daquilo.

- Lembra de quando Harry disse, antes de uma aula de defesa contra as artes das trevas, bem no comecinho da Durmstrang aqui, sobre tradições bruxas, a dificuldade de adaptação de novos bruxos e lares abusivos para crianças mágicas?

- Sim.

- Bem, eu quis saber mais. Ninguém nunca tinha levantado aqueles pontos e até a Sonserina começou a falar mais sobre isso. Fui procurar coisas na biblioteca e o Lorde Mitrica estava lá.

Não fazia muito tempo e George lembrava bem. O homem estava na biblioteca quando perguntou a Madame Pince se haviam artigos sobre negligência em lares não bruxos e, enquanto ela achou estranha a pergunta, Mitrica imediatamente pegou um pergaminho e anotou para o Weasley uma lista de fontes que ele poderia pesquisar. Que se não houvesse em Hogwarts, poderia pedir a Yorlov, o vice-presidente da Durmstrang, que já se sentava próximo do grupo de George e podia pegar da biblioteca do barco.

"Você conhece todos esses livros e autores de cor? Até as datas de matérias em jornais?!" havia perguntado no primeiro dia, totalmente em choque com a enorme e diversificada lista.

"Me recuso a dar aulas sem uma fonte para embasar o que disse, meus alunos devem se lembrar que só porque estão diante de uma pessoa que se diz saber, nunca deverão confiar em palavras sem provas. A minha prova sempre serão outros pesquisadores. No seu caso é mais fácil, não é um debate filosófico ou sociopolítico, são fatos. Te dei jornais, relatórios oficiais de ministérios que podem ser pedidos para leitura pública, há muito onde comprovar que ainda vivemos em um mundo onde uma "caça às bruxas moderna" existe e é abafada. O que acrescentei, entretanto, foram alguns estudos sobre o porquê esses casos são abafados com tanta frequência".

George se surpreendeu e Lakroff riu:

"Imaginei que, se você estivesse pesquisando, também estaria se perguntando porque nunca ouviu muito sobre o tema. São conclusões que meus alunos já chegaram".

"Mas pensei que vocês não tivessem alunos nascidos tr... nascidos entre trouxas".

"Não quer dizer que não estudamos sobre a nossa sociedade. A história é, nada mais, do que um recurso para entender e se aprender com atitudes já decorridas pela humanidade, não repetir seus erros e evoluir no futuro. Mas sempre há coisas que não se aprenderam ainda e apontá-las na realidade do aluno, ajuda a perceber a importância de cada coisa".

George achou o homem imediatamente o tipo de professor de história que gostaria de ter, não o fantasma do Bins. Aquela não foi a única conversa, entretanto. Durante uma semana, ficou bravo ao perceber que realmente a biblioteca de Hogwarts praticamente não tinha nada do que Mitrica sugeriu e até mesmo mandou uma carta para Bill, pedindo alguns artigos. Ficou furioso quando percebeu que eram coisas que a escola deveria ter, que a escola devia ensinar, até mesmo para que os alunos soubessem que podem pedir ajuda se estivessem na mesma situação.

Mas não tinha.

Era ignorado.

Então, na semana seguinte teve Dumbledore. Dumbledore o estava irritando muito e quanto mais pensava mais claro ficava: aquele homem não sabia ser um maldito diretor! Ouvir que Neville tinha sido jogado contra Harry, foi enlouquecedor. Que o homem leu a mente do menino não apenas para conseguir informações, mas para como adulto, manipular uma criança! E para que? Objetivos políticos? Harry parecia muito bem onde estava, aquela desculpinha de ajudá-lo a combater as trevas era ridícula!

A cada nova informação, mesmo que pela metade, deixava mais claro que Potter tinha passado por uma merda grande, e quem mais seria o culpado se não sua família e Dumbledore, que além de ter sido incapaz de fazer o que toda criança órfã tinha que ter, que era um acompanhamento decente para verificar a adaptação e inclusão na nova família (inferno, todo órfão tinha que ter um assistente social vigiando vez ou outra, mas Alvo não só negligenciou a coisa, como impediu outros de fazerem?!), ainda estava sugerindo que a família que o resgatou daquela situação estava errada em dizer para praticar uma magia que o deixava confortável?

E invadindo Neville!

Em certo ponto, George e o vice-diretor do Instituto já haviam conversado vezes o bastante para que os temas ficassem mais e mais delicados e uma coisa o menino teve certeza: havia uma diferença gritante na forma como os homens viam a educação das crianças.

Dumbledore queria bruxos formados.

Lakroff Mitrica queria pensadores. A magia era parte deles e seria refinada, mas sua mente não seria deixada para trás.

Com o registro médico de Harry em mãos, além de tudo, não restavam mais dúvidas. Geroge se sentia do lado errado do tabuleiro.

E odiava isso.

- Ele é um ótimo professor, sabem?

- O que tem? – perguntou Gina.

- Estou pensando em pedir livros... – hesitou um pouco, pensando se podia mesmo confiar nos irmãos, mas também porque queria que eles soubessem. Queria que vissem o irmão dando o primeiro passo e talvez se permitissem olhar além do sol da magia da luz que conheciam.

Talvez fosse só sua curiosidade de sempre, apesar de Fred ser o mais curioso entre os dois, ainda sim lá estava ele. Queria saber mais.

Ou só não queria sentir que estavam escondendo algo de si.

Queria todas as cartas:

- Quero saber mais sobre o que são as artes das trevas.

Claro que os irmãos reagiram surpresos com aquilo, mas, surpreendentemente... Não foi tão ruim. Eles não reclamaram daquilo, Gina apenas lhe disse para tomar cuidado e ele garantiu que não queria aprender a coisa, só entendê-la.

Igualmente surpreendente, Fred não foi o único a entendê-lo. Ron concordou com a cabeça após pensar um pouco e comentou:

- Se achar alguma coisa interessante...

- Eu aviso.

- Mas concordo com Gina, cuidado. Sei que você e George não são muito de regras, então apenas não se deixem ser pegos, nem por ninguém, nem pelas coisas ruins que podem ter por lá.

- Pode deixar.

- Nós somos espertos – acrescentou Fred.

E ninguém questionou. Até parece que Fred não iria acompanhar George naquela "aventura".

Gina inclinou-se para próximo do irmão mais velho e tornou a falar, quando todos voltaram a se distrair com a partida de xadrez:

- Eu queria entender como Neville não viu o problema de tudo aquilo.

- Negação, talvez? – sugeriu George. – Ele confia em Dumbledore, prefere negar do que aceitar que foi traído ou usado? Cheque-mate.

Ron bufou e se levantou, aquela tinha sido ainda mais rápida que a anterior.

Então ouviram o piar de uma coruja.

Todos viraram-se para a janela onde a ave bicava o vidro chamando atenção. Ronald foi até a criatura, permitindo que entrasse e reconhecendo um dos animais da casa Longbottom:

- O que faz aqui Abigail? – acariciando suas penas e levou-a para mais perto da lareira, para que pudesse se aquecer da madrugada gélida.

- O que é? – Gina já perguntava ansiosa, se esticando no sofá. – É de Neville? Ele vai voltar quando?

- Ele ainda nem abriu a carta, tampinha! – brincou Fred, puxando a menina e bagunçando seus cabelos com um cascudo.

Enquanto os irmãos brincavam com a mais nova, Ron abriu a carta e leu as poucas palavras ali:


"Proteja Neville e fique de olho nele. Não conte a Harrison e preferencialmente a ninguém, mas meu neto está preso a uma dívida de vida com Albus Dumbledore. Neville não perceberá, não agora, então não deixe Albus usar isso, de jeito nenhum. Me conte qualquer coisa. Conto com você Ronald e obrigada a você e sua irmã por tentarem me avisar sobre os últimos acontecimentos. Espero que possam me ajudar com isto também. Ele volta amanhã para a primeira aula. Defendo-no.

Augusta Longbottom".


Ron olhou para a folha tantas vezes, relendo-a incrédulo, que eventualmente seus irmãos estavam impacientes, perguntando o que havia, porque estava tão branco.

Dívida de vida? 

Sua mente parecia rodear aquela informação loucamente. 

Quando foi isso? Aquilo era tão sério quanto parecia? Teria que pesquisar mais sobre isso e... decididamente não podia perguntar a Hermione.

"Espero que possam me ajudar com isto também".

Bem, se Gina estava inclusa no pedido, os gêmeos não seriam um problema, não é mesmo?

Deu a carta a George e deixou que ela passasse de mão em mão entre os irmãos, que ficavam sempre indignados. Ginevra foi a última a ler e jogou a coisa no fogo, ninguém questionou. Era para ficar só entre eles mesmo.

A garota ficou encarando as chamas por um tempo, antes de se virar para os meninos, o olhar decidido:

- Dumbledore vai se arrepender disso.

A opinião de Ronald sobre respeitar Neville e suas vontades não havia mudado.

O amigo, entretanto, não tinha voz sobre o destino do diretor.

Mesmo que Albus Dumbledore não reconhecesse as falhas em sua jogada inicial, o destino foi traçado.

Quatro peças Weasley foram perdidas.

Para sempre.

VOTE!

QUEM NÃO VOTOU NO CAPÍTULO VOTE AGORA!!!!!

Espero muitíssimo que tenham gostado, uma boa noite e até amanhã com o início do novo arco. 

Ou depois de amanhã, depende de eu terminar a última cena e decidir qual das duas verões dela quero. Além da leitura dos betas, é claro, mas eles parecem tão ansiosos quanto vocês então não acho que demore.

Atualizações sobre meu sumiço e minha saúde:

Pessoal, tem um vídeo explicando porque eu sumi do wattpad no tiktok para quem quer alguns detalhes, mas resumindo? Minha saúde estava péssima, comecei a pagar mais de trezentos por mês para frequêntar hospital, mais o pscicólogo. Não estava bem. Não sejam como o Harry, é isto. Sempre foi uma crítica e continuará sendo.

Eu também vou deixar algo claro: Eu vi que muitos ficaram preocupados e me mandaram mensagem, mas não pretendo responder. Não levem ao lado pessoal. Li cada mensagem, desculpe ter assustado vocês, mas não vou responder pessoalmente cada um pelo bem da minha saúde mental.

O motivo para isso é semelhante ao que expliquei no vídeo, mas ao apressados (e ainda curiosos) meu terapeuta sugeriu não fazer isso comigo mesma. Vou parar de olhar a caixa de mensagem com muita frequência, assim as criticas não vão me desmotivar tanto e eu não vou me cobrar tanto por ter decepcionado vocês, sumindo assim.

O importante é que eu voltei, certo?

Saiba que eu li sua mensagem, acredite, eu li e sofri por cada uma. Ver vocês preocupados me fazia mal, por ser fraca e não ter capacidade de responder, por ser fraca e não conseguir escrever a história que gostavam, porque não gosto de demosntrar fraquesa para os outros e sumia. Por pensar que vocês me esqueceriam e abandonariam pela minha fraqueza. Então eu fugia.

Eu fujo muito.

Estou tentando tratar isso. Me desculpem, mas tem uma fuga que está sendo necessária: do passado. Estou aqui, estou melhorando e o importante é o presente.

Vamos curtir a história e até a próxima! Amo vocês!

PS: Se está gostando do trabalho dessa autora saiba que tenho um livro publicado na amazon e adoraria ter sua opinião e apoio. O nome é "Aquilo que se vê no escuro" por Bárbara Regina Souza e está gratuito para assinantes do Kindle Unlimited

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