Capítulo 44 - Me prometa e me perdoe (se puder) - Parte 1
Resumo: eu sumi, eu sei, desculpem. Não é como se fosse de propósito, mas acho que consegui me resolver, então agora voltamos a ativa. Quem quiser detalhes, fiz uma carta aberta na aba de "conversas" ou "avisos".
Na verdade, eu estive escrevendo esse tempo todo e tive que transformar esse capítulo em parte 1 e 2 justamente porque passou de 150 páginas no word, então a coisa estava feia, mas isso quer dizer que não terão mais que esperar tanto, na verdade, terão duas partes em dias muito próximos para compensar a espera.
Sem contar que essas duas partes são o fim para começarmos a primeira tarefa do torneio tri-bruxo! Hei! E como eu sei que alguns de vocês assistem minhas lives, já devem estar com altas expectativas, já que logo depois vem o maravilhoso arco do baile de inverno
Oh arco esse que promete!
Enfim, boa leitura e encerramento do arco (que carinhosamente chamei de arco da mudança)! Parte 1!
Nos capítulos passados de "Quem será seu herói?"...
Albus invadiu a mente de seu neto.
Augusta simplesmente não conseguia lidar com aquilo.
Algo que culturalmente sempre foi considerado invasivo, que podia ser tão cruel, uma das magias que era exatamente na linha entre artes das trevas ou magia neutra, mas inegavelmente proibida.
Invadir a mente de alguém contra sua vontade, violando sua privacidade, em um crime que dificilmente alguém poderia se defender sem aviso e, mais difícil ainda, era provar.
Albus fez... assim como os comensais fizeram com seu filho e nora anos atrás, entrou na mente de alguém porque queria descobrir... sobre Harry, sobre Voldemort, sobre a guerra ou a merda que fosse, mas os comensais ao menos lhe jogaram na cara seu objetivo no tribunal! Gritaram aos sete ventos, lhe deram o que odiar!
Foram presos.
Albus sequer teve a decência de lhe dizer tudo que precisava ouvir. Sempre agindo daquela forma distante, "mística", como se soubesse mais que todos e apenas esperasse que as crianças finalmente o alcançassem em sua glória intelectual. Augusta estava presa em um estado de reflexão, incertezas e muita culpa, enquanto só queria sair dali! Estava enlouquecendo só de olhar para aquele que um dia foi seu amigo.
Albus Dumbledore nunca ia direto ao ponto.
Essa era uma de suas marcas registradas, "um de seus charmes". Não dava as respostas logo de cara, não dizia o que estava pensando e você tinha que interpretar. Se queria tirar algo dele, tinha que estar preparado para a derrota, pois não teria mais do que enigmas que teria de remoer por dias a fio. Até fazerem sentido.
Ele alugava um espaço em sua mente, duradouro, onde você sabia que não conseguiria limpar irritado. Augusta conviveu com isso o bastante para saber o esquema.
Por isso não quis lhe dar a chance de falar, no começo.
Ele não se justificaria, mesmo que tivesse pedido para que Augusta ficasse para isto.
O diretor não se explicaria.
Talvez porque não achasse que ninguém era inteligente o bastante para entender seus planos a longo prazo? Porque ninguém precisava saber como funcionava, pois não conseguiriam acompanhar de toda forma? Ou ainda, porque acreditasse que podiam traí-lo e assim não teriam segredos demais, informações demais para usar contra si?
Houve um tempo, na guerra, onde essas desculpas eram mais que válidas.
Guardar para si para que o maior líder e inteligência não caísse com a tomada dos mais fracos e acabasse atrapalhando toda a ordem.
Não estavam mais em guerra, entretanto.
E mesmo assim, Augusta sabia e confirmou que Albus apenas faria como sempre. Vago, misterioso. Cabe a você entender em algum momento e aceitar que ele sempre soube mais.
Claro, ele mantinha as informações só para si, como não poderia não saber mais?
A própria viúva teria que matar sua raiva para atingir a racionalidade e tentar entendê-lo. O Sábio!
Ou sairia pisando fundo, ignorando tudo e se reduziria a tantos outros que ignoraram Albus Dumbledore um dia e sofreram as consequências por ignorar os conselhos do maior bruxo da luz da geração.
Só que estava cansada dessa palhaçada.
Cansada de Albus.
E da luz.
- Neville vem comigo, você receberá uma carta depois com minha decisão. Não espere outra visita e não cause mais nenhuma, pois se for preciso que eu o faça, será acompanhada de aurores.
- Augusta, pense bem, tudo que Neville preza e ama está aqui. Não pode privá-lo por um erro meu.
- Você receberá minha carta.
Então foi até a porta e abriu, para se encontrar cara a cara com dois pares de olhos a observando.
Um verde mais intenso que qualquer outro, vivo e belo. Outro castanho esverdeado, ou talvez fosse sim um verde, mas em comparação com a imensidão do outro perdia um pouco a força, mas nem por isso menos belo. Este, ingênuo e preocupado.
Estendeu a mão para o rosto este rosto. Neville há anos não era mais aquela bolinha gordinha que a maioria das crianças acabava se tornando em um momento ou outro.
Claro, se tivessem uma infância suficientemente saudável. Harrison? Nunca pareceu sair da linha tênue entre magreza e desnutrição. Não até começar a praticar exercícios constantes com os colegas da Durmstrang, ou mesmo comer a comida da escola, bem mais carregada para sustentar os corpos de jovens em um clima severo como o das montanhas. Mas, se tratando do neto que tinha sangue, a bruxa podia ver como a gordura infantil se foi junto com boa parte do que era aquele menino inseguro, que se escondia dos primos na floresta quando vinham visitar. Aquele que os tios sugeriam que seria um aborto.
Augusta nunca acreditou nisso, mesmo que temesse. Não por ela, ou pelo nome dos Longbottom, mas pelo menino. Que teria uma vida ainda mais difícil se fosse o caso. Ela o amaria fosse como fosse, mas o mundo o julgaria, o desprezaria e a dor que ele sentisse, iria para a velha senhora, que não podia suportar a ideia de mais um menino criado por si, destruído pela maldade do mundo.
A ideia, entretanto, de que Neville tinha algum problema se foi, na mesma época que este garoto assustado trouxe da floresta um novo amigo.
Dois meninos tão fracos e fragilizados. Que precisavam ser protegidos desse mundo cruel. Duas crianças que se tornavam a cada dia mais fortes. Treinavam corpo e magia, com frequência elogiável (Harrison ainda um pouco acima, já que sempre que praticavam algo juntos nas férias, Neville voltava acabado, suando, reclamando de dor e exaustão enquanto o outro ria e bebia uma água). Decididos, corajosos.
Se completavam.
Neville era tão cheio de amor no coração, quanto coragem na alma.
Harrison era astuto, ambicioso, mas justo acima de tudo. Um sonhador que batalhava com unhas e dentes para tornar ideias, verdades.
Seus netos.
Dumbledore só não os torturou diretamente, mas quebrou. Ele o fez e não havia mais como defendê-lo em relação a isso. Um de cada forma foi prejudicado e nem Augusta podia ter a certeza de quanto. Neville? Quanto e como ficaria quebrado ao ter uma pessoa em que se confia traindo sua confiança assim? Invadindo sua privacidade...
Ficamos magoados quando coisas assim acontecem, mas a situação como um todo parecia carregar um peso muito mais intenso. Sendo tão novo, Neville teria alguma parte da inocência, ou de seu olhar para com o mundo afetado, não? Talvez irreversivelmente? Ou Augusta estaria exagerando?
Só que, se já lhe custava perdoar o que aconteceu com Harrison, jamais o faria agora.
Albus se mostrou tão ruim quanto os monstros que jurou destruir. Capaz de tudo por um objetivo, sendo que Augusta sempre acreditou estar lutando por aqueles que seguiam as leis, que lutavam da forma correta, sem passar por cima dos direitos e (tão importante quanto) os deveres sociais.
- Desculpe! – dizia Harrison – Eu que convenci Neville a-
Mas Augusta não quis saber. Nem se lembrava mais da antiga ordem para que esperassem na saída da escola, apenas estava exausta e agitada demais para não aceitar a presença daqueles dois quase como um refresco. Um suspiro de alívio e, indo contra todos os modos que geralmente seguia, puxou bruscamente os netos para um abraço. Tão forte como se sua vida dependesse disso.
"Eu falhei" pensou, sentindo como eles pareciam tão pequenos ali. E Augusta era uma bruxa pequena. Como podiam ser menores que si? Como faria se continuassem assim?
Nunca ia conseguir protegê-los?
Já era a segunda vez que não esteve lá no momento em que um dos meninos precisou de proteção contra um adulto, cego por suas próprias crenças e medos, atacando a inocência de criança. Mais uma vez, não impediu algo ruim, não viu o perigo naqueles que estavam mais próximos deles.
Dessa vez pegou Dumbledore antes que fosse longe demais, mas Minerva teve que avisá-la! Não houve Minerva quando Hazz precisou. Haveria uma Minerva no futuro se mais algum precisasse?
- Vamos sair daqui – sussurrou, com uma certeza batendo em seu peito.
Augusta Longbottom se recusava a ser uma bruxa da luz se aquele era o líder de sua causa.
"Eu sinto muito" pensou, não sabendo exatamente para quem.
Os meninos?
Frank?
Ela mesma, do passado?
Então, afastando-se apenas para que pudesse observar os olhos de maldição da morte de Harrison, lembrando-se de todas as brincadeiras que sua família sempre faziam, como Lakroff (um vidente) sempre zombava "futuro lorde das trevas", ela acrescentou:
- Preciso falar com você sobre algo importante.
Capítulo 44 – Me prometa e me perdoe (se puder) – Parte 1
"Lealdade e companheirismo eram como grãos de areia oferecidos por cada pessoa. Um líder acumula areia, cada aliado oferecendo mais força e mais sustentação. No entanto, a areia pode escapar pelos dedos se não soubermos como segurá-la, até mesmo uma brisa sutil pode levá-la embora.
Ao buscar manter o mundo fiel e sob controle, mantendo-os sob as rédeas curtas dentro dos limites de suas ideias, um líder pode optar por aprisionar a areia em um lugar, sob o pretexto de estar guardando-a, protegendo-a, mantendo seguro, onde o vento não a alcance. Isto a torna estática. Torna o mundo estático, tolo, parado no tempo e em ideias que podem não condizer mais, pois justamente o tempo... ele estará passando e consigo vêm as mudanças, quer queira ou não".
Nem um pingo das tantas emoções passou para o rosto da bruxa, preso por uma máscara fria e firme de mármore, mas Harrison estava sem seus óculos (afinal estava indo vigiar uma conversa na sala de Albus Dumbledore, ir sem algo que impedia parte de seus poderes parecia algo lógico), além de não ter tomado a última dose da "poção cegueta", então viu claramente a agitação na alma de sua avó de consideração.
Sorriu sereno, estendendo o braço na direção da dama e tentando confortá-la, convidou:
- Então posso ter a honra de acompanhá-la até a saída de Hogwart, lady Longbottom? Assim garanto a chance de aproveitar um pouco de sua maravilhosa companhia.
Augusta quis sorrir de volta, mas não conseguiu. Já havia se prendido à segurança daquela estrutura de mármore. Era a mais fácil estar ali depois de anos treinando com os Black sobre como não reagir às próprias emoções. Estava tudo bem, de toda forma, Harrison fazia igual.
Ambos sabiam disso.
A necessidade e a tranquilidade em estar atrás de uma imagem que não era afetada pelo que os outros faziam. O mundo não teria a mesma força para ir contra eles, escondidos ali. Podiam fingir firmeza diante da situação que desabava à sua frente, assim ninguém teria a força necessária para usar sua própria instabilidade contra você. Podiam até mesmo enganar a si mesmos, se fingissem com a força certa.
- Eu aceito a companhia, lorde Peverell-Potter – concordou, com um sutil aceno de cabeça e colocando sua mão por cima do braço alheio. – Mas não é uma conversa para uma caminhada – ela começou a guiar o garoto escadaria a baixo.
Dumbledore pensou em impedi-la, tentar dizer algo a mais. Até mesmo ter aquela conversa com o próprio Neville ali, mas continuava mantendo sua opinião firme de que aquele não era o momento de pressionar a viúva.
Augusta precisava de tempo.
O tempo era uma das mais sábias entidades. Capaz de deixar para trás as emoções, liberar a mente, contornar velhos pensamentos e nos trazer a claridade. À luz. Augusta era uma boa bruxa da luz, estava apenas preocupada com o neto. Por isso, apenas assistiu enquanto ela, Potter, Neville e seu acompanhante da noite partiam. Os meninos seguindo a matriarca sem questionar.
Albus tinha coisas mais importantes para lidar que eram, em definitivo, imediatas.
Lakroff quase soltou um choramingo, junto de um gritinho quando o olhar do velho pousou em si.
"Ah, ótimo" pensou frustrado, tentando manter a calma e inspirando fundo.
Sinceramente? Aquela conversa sobre ele ser ou não ser Gellert Grindelwald já havia o cansado, agora ele tinha escutado "o que não devia". Agradecia muito à Augusta por ter escolhido aquele momento para entrar aos berros. Aquele dia entraria para o rau da fama de melhores memórias e, com certeza absoluta, ele contaria em detalhes para todos que quisessem ouvir. Até para o próprio quadro na mansão, para que este pudesse levar a história adiante por gerações.
Mas lidar com Albus agora? Era quase tortura, só de imaginar.
Chegou a ter um breve momento de insanidade, ou esperança (mas considerando a lenda da caixa de pandora ambos pareciam substantivos igualmente terríveis para a raça humana), em que acreditou que poderia usufruir do espanto estático de Albus para escapar sem que sua presença ali fosse lembrada. Chegou a dar um único passo em direção à porta.
Só que foi como se aquele gesto fosse um alarme luminoso e barulhento que recobrou os sentidos do diretor de Hogwarts.
Desviou o olhar para a parede à sua frente desanimada e viu Minerva Mcgonagall parada e pensativa. Teve uma ideia, falando antes que o outro homem:
- Acredito que sua professora tinha toda a razão, diretor Dumbledore – a frase obviamente chamou a atenção da bruxa. Ele inclinou a cabeça em sinal de simpatia e sorriu para si. – Esta conversa era particular. Eu devia ter me retirado assim que ela pediu.
- O senhor não – a bruxa começou.
- Eu fiquei confuso quando a senhora entrou, professora – insistiu Lakroff. – E ao invés de obedecê-la e seguir para fora, acabei possivelmente criando essa situação ainda mais desconfortável. Reconheço minha culpa aqui. Albus – chamou se virando para o de aparência mais velha. – Se desejar continuar com a conversa que estávamos tendo antes de sermos interrompidos um dia, então espero que repense e desista, pois eu não tenho qualquer pretensão de continuar sendo insultado e comparado com aquele homem a que se refere tanto. Se me dão licença, preciso assinar a dispensa de um aluno e conversar com seu responsável também – com uma mensura, tentou seguir para fora.
- Uma palavra, por favor, Grindelwald – pediu Albus, tornando a se levantar.
- Albus! – Minerva chamou atenta e em tom de repreensão.
Lakroff, por sua vez, bufou. Sabia que não seria tão fácil. Virou-se novamente para o diretor de Hogwarts com uma expressão tão azeda que a professora de transfiguração quase bufou.
- Meu nome – o platinado manteve a calma nas palavras, mas o tom de voz tinha caído, literalmente caído graus celsius, se isso fosse mesmo possível (e talvez sua magia tornasse assim), gelando a sala a cada sílaba como uma lufada dos ventos da mais terrível tundra. – É Mitrica. Posso até aceitar que usem o nome do meu pai, em alguns casos, mas vindo do senhor? Depois de tudo que me forçou a ouvir? Dos absurdos que disse sobre mim? Prefiro que evite qualquer nome que possa se relacionar à minha pessoa saindo por sua boca. Estou me retirando – e mais uma vez tentou sair.
Ele sentiu, entretanto, quando a magia de Albus cercou toda a sala, ouviu a fênix piando e se afastou da porta bem no momento que ela se fechou com força impedindo a saída.
- ALBUS! – Minerva gritou irritada, se aproximando da mesa do colega. – Pare já com isso!
- Minerva, acredite em mim quando digo que ele não pode sair dessa sala assim!
- Do que está falando... – questionou entre dentes.
Albus quis explicar, entretanto não sentia o que podia fazer naquele momento. Minerva talvez não fosse entender e claramente sua amiga estava brava consigo por suas recentes decisões. Não queria vê-la ainda mais desconfiada de seu julgamento.
Ela, assim como Augusta, entenderia com o tempo tudo que teve que fazer, quando a verdade enfim viesse à tona. Esperava apenas que conseguisse impedir que o pior acontecesse antes disso.
Portanto, Lakroff Mitrica não podia continuar livre para fazer seja lá o que estava planejando, principalmente com um segredo que poderia (e sem dúvidas iria) usar contra Albus. Enquanto procurava algo para comprovar o que estava acontecendo, o diretor não se sentia bem (e nem podia) deixar aquele homem continuar andando perto das crianças e da escola, Augusta não podia ter aparecido num momento pior. Agora teria de lidar com o homem munido de uma vantagem sob o diretor.
- Eu não pediria isso se não fosse de extrema importância. Confie em mim, Minerva, a sit-
- Eu confio! – interrompeu.
"Confiava" pensou por dentro, sentindo seu corpo ser preenchido por uma fraqueza que a fez murchar em silêncio. Para sua sorte, ambos os homens pareceram notar sua instabilidade e lhe deram respeitosamente o tempo para se acalmar e pensar.
- Eu geralmente confio em sua capacidade para controlar as situações dessa escola – continuou, quando se sentiu capaz.
E praticamente pode sentir a incredulidade do vice-diretor da Durmstrang às suas costas, por isso se virou para ele ao continuar:
- Albus Dumbledore chegou onde chegou porque demonstrou talento e dedicação que os demais não tinham e, portanto, foi a melhor opção como diretor da escola de magia. Ninguém pode questionar como demos bruxos incríveis para este mundo. Como formamos mentes excepcionais em Hogwarts. Entretanto – voltou-se para Albus. – Tão sábio é aquele capaz de ver um erro diante de si, seja dos demais ou dele, que os que ignoram as falhas por orgulho, jamais alcançarão sua grandeza, pois estarão condenados à mediocridade cega que os eleva sem real direito.
A careta que Lakroff soltou foi tão natural que por ali ficou. Totalmente confuso, repetiu aquela frase várias vezes em sua cabeça para tentar criar um sentido. Aquilo parecia algo digno da boca de Albus, não Minerva - que até onde tinha visto no seu tempo ali - era uma pessoa objetiva e pragmática.
Talvez a doença mental do Dumbledore tenha passado para a colega por osmose?
Era preocupante, talvez devesse criar uma distância ainda maior de Karkaroff antes que aquele imbeciu estragasse os seus neurônios também?
Minerva, entretanto, tinha seus motivos para falar daquela forma. Ainda firmemente diante de seu amigo, acrescentou:
- Você verá seu erro. Eu confio que sim, pois sei que não é um homem dado à mediocridade.
Só que, nem ela tinha certeza se acreditava mais nisso.
Engraçado como... mentir foi tão fácil. Continuar sendo aquela que sempre foi, mesmo que sua mente parecesse tão diferente. Até que ponto era real ou não? Será que estavam notando isto? Ou apenas sua mente sabia exatamente onde havia mudado e não se importava em interpretar.
Entretanto, porque estava interpretando? Ela tinha um objetivo? O que a movia?
Estava confusa, insegura, queria ver Aberforth!
Isso. Acabar logo ali. Sair de Hogwarts. Aquele lugar a estava sufocando, quando não devia. Hogwarts sempre foi um lugar seguro para inspirar fundo. Aberforth a ajudaria a pôr a escola de volta ao lugar que deveria estar em sua mente. Precisava de uma certeza e Abbie era uma. Estaria sujo, no bar que não limpou, no mesmo lugar de sempre, sendo grosseiro e a olhando daquela forma esquisita de sempre. Só precisava ser racional mais um pouco e lidar com aquilo tudo da forma correta.
Organizar.
Organizar, limpar, isso sempre a acalmava. Era hora de limpar a bagunça que o diretor fez.
Um desafio.
Minerva Mcgonagall gostava de vencer os desafios.
E era a vice-diretora de Hogwarts. Não deixaria sua escola bagunçada.
- Lorde Mitrica – chamou e Lakroff resmungou ainda um tanto avoado. – De vice-diretor para vice-diretor, eu lamento se estiver sendo muito ousada em minha afirmação ou insultuosa, mas acredito que entende a sensação de ter de lidar com atitudes ou falas de seu próprio diretor quando estas afetam diretamente a imagem de seu instituto. Igor Karkaroff... – a dama deixou respeitosamente a frase no ar.
- Eu entendo – afirmou o albino, com um risinho. – Não é o exemplo dos mais sábios diretores.
- A situação aqui, que o senhor presenciou, não é de forma alguma favorável a minha escola, mas peço sua paciência e descrição. Preciso conversar com Albus e resolver esta questão com a família afetada. Mas entendo que o senhor tenha opiniões sobre o que ouviu aqui – ela se aproximou do homem enquanto falava. Lakroff Mitrica não era o mais alto dos homens e Minerva sabia que muitos a consideravam intimidadora. Ela, agora, só queria passar credibilidade o bastante para convencer aquele homem. – Tudo que peço é discrição e paciência, que aguarde e volte para termos uma reunião esclarecedora acerca de tudo. O que estou pedindo pode ser muito, mas o tempo... é tudo que preciso. Para conversar com os envolvidos e entender como Hogwarts deve seguir até lá. Se puder manter isso com o senhor, mesmo que seja pedir demais, é um pedido pessoal como vice-
- Tudo bem, milady. Entendo totalmente. Manterei minhas considerações apenas para mim e aguardo que me contacte para a reunião, se assim acharem necessário e quando julgar que estão em condições de afirmar um situação sob controle. Tem minha palavra – e como que para firmar certeza sobre o que foi dito, estendeu sua mão para a mulher, que ofereceu a sua, permitindo à Lakroff se inclinar para lhe beijar as costas. – Agora eu me retiro e aguardo por sua palavra, sim?
- Muitíssimo obrigada pela consideração. Lembrarei de sua atitude e o guardarei em minha estima.
A mulher se afastou satisfeita e seguiu em direção à porta. Decidida a abrir para que o lorde pudesse se retirar antes que sua paciência fosse mais testada e acabasse desconsiderando o favor pedido, espalhando o que foi dito ali para toda a Durmstrang. Depois a situação estaria perdida. Sabe-se lá o que seria da reputação de Hogwarts quando todos soubessem, somada ao efeito "telefone sem fio" (como diziam seus alunos nascidos trouxas), com as fofocas sendo aumentadas, mentiras acrescentadas, a mídia envolvida...
Uma tragédia para a imagem de uma escola com tanta história.
- Minerva, por favor – chamou Albus.
- Eu que lhe peço a cortesia, Albus. Não piore a situação. O lorde Mitrica está sendo suficientemente compreensivo aqui e ele precisa se retirar.
- Serei rápido então – garantiu o mais velho ignorando a óbvia preocupação da colega, acrescentando antes que esta pudesse interrompê-lo. – A conversa que tivemos antes.
- Farei questão de esquecê-la, antes que tenha pesadelos com ela.
Albus se segurou para não revirar os olhos.
Não importa o quão boa fosse a interpretação, o quão boa seja a mentira, Albus sabia. Simples assim. Ninguém poderia saber como ele, mas por mais nebuloso que fosse, era um sentimento forte demais para que pudesse ser cegado por completo.
Claro, por um tempo também duvidou de si mesmo e de seus sentidos, todos agiam normalmente, a história era convincente, não havia sinais para desconfiança e Gellert Grindelwald sempre teve essa capacidade de tornar Albus um idiota.
Escolheu desistir do amor quando assumiu as responsabilidades que estavam diante de si justamente por isso. Seu histórico de decisões erradas em prol de quem amava.
Só que haviam limites. Ele não podia ignorar o que estava acontecendo, mesmo que não soubesse todos os detalhes. Mesmo que Gellert estivesse preso. Albus foi averiguar pessoalmente quando a suspeita ficou forte demais e aquele na cela era seu Gellert.
Assim como o que estava na sua frente.
Dumbledore olhou bem para Lakroff, que estreitou os próprios olhos em desafio. Ambas as orbes azuis. Nada de heterocromia e nem uma ruga no rosto jovem e esbelto. Era como olhar para um passado estranho, por um reflexo turvo.
Contudo, era olhar para o passado.
Aquele, tal qual o homem na cela, era Gellert. Não sabia como estava fazendo isto, mas não seria enganado.
Albus só precisava encontrar um jeito de confirmar, se o homem insistia em mentir, tudo bem. Até lá... a preocupação teria de ser focada em não deixá-lo que saísse dali com a vantagem. Só precisava lembrá-lo que Dumbledore sabia a verdade e ainda podia vencê-lo neste jogo. Deixar as cartas na mesa, mesmo que tivesse que se manter no teatrinho.
- Acredito que não posso contar com o senhor para continuarmos futuramente?
- De forma alguma.
- Imaginei. Acredito que, diante de tudo, terei de me contentar com isto. Apenas gostaria de informar que minhas opiniões permanecem as mesmas, enquanto a conversa não for encerrada adequadamente.
- Sinta-se à vontade para mantê-las então. Pouco me interessa os devaneios de um velho louco – sorriu.
- Entendo – comentou, ignorando a provocação. – Então, sobre o que ouviu hoje...
- Ele já disse que manterá a discrição até segunda instância, Albus – Minerva lembrou em tom de aviso. – Agora não abuse e deixe-o se retira-
- Sim, eu ouvi e acredito, uma vez que o Lorde Mitrica foi bem incisivo ao me dizer mais cedo que não mente.
- Isto mesmo.
"A maior mentira que já saiu da minha boca" pensou Lakroff. Afinal... desde que se conhecia como era, não houve um único dia em sua vida que não estivesse mentindo.
Bem, tirando quando enfim conheceu Harry, mas daí nem poderia mentir para um garoto que vê na sua alma a verdade. Não que fosse querer ser menos do que completamente sincero com o neto em seus primeiro encontros, mas considerando como era e se as coisas fossem diferentes era bem capaz que, no mínimo, escondesse mais coisas dele.
- Então seria capaz de jurar isto?
Minerva soltou uma exclamação ininteligível de reclamação indignada, que quase fez Lakroff rir.
Ela repetiu o nome do colega com um tom extremamente irritado, porém Lakroff optou por auxiliá-la, em solidariedade ao que a própria mulher havia mencionado anteriormente: ambos sabiam a sensação de ter um idiota na posição de diretor, que o forçava a limpar a sujeira que eram capazes de causar pelos corredores, antes que esta afetasse sua escola e alunos.
- Por mim não haveria problema, uma vez que não pretendo descumprir com minha palavra.
- O senhor não precisa se forçar a isto! Claro que não! – interveio Minerva. – É ridículo que tenha sido sugerido.
- Minerva, você, assim como o Lorde Mitrica entendem a complexidade da situação – começou Albus, consternado porém paciente. – Não digo apenas por mim, o que pode soar falso em vista da minha participação, mas o que aconteceu aqui esta noite diz principalmente respeito a um aluno menor de idade e sua família. Eles não precisam que tudo seja espalhado por aí. Não diz respeito ao professor Mitrica, nem é seu direito decidir por algo que apenas a família tem o direito, que é o sigilo. Os alunos são bem propensos a fofocar e Neville, acima de tudo, pode se sentir desconfortável na posição de alguém que-
- Que teve a mente violada pelo próprio diretor? – cortou Lakroff. – Que se aproveitou da sua posição para invadir a privacidade de um aluno, talvez na esperança de não ser descoberto? Não se preocupe, entendi muito bem a situação aqui. Ficarei quieto, sei como algumas vítimas podem se sentir constrangidas nestes casos.
Albus abriu a boca para dizer algo, Mitrica tinha uma impressão forte de que estaria relacionado a palavra "vítima" na frase, mas estava sem paciência para isto e já foi interceptando o homem:
- Eu poderia jurar, mas terá que se contentar com minha palavra, Albus. Não pretendo divulgar nada sobre o ocorrido, nem propagar fofocas relacionadas a Neville Longbottom, caso essa seja a única coisa que o incomoda nessa situação toda. Você está correto em uma coisa diante de todos os absurdos mencionados aqui hoje: isso não me diz respeito. Cabe a família Longbottom lidar com isso. A família Longbottom é responsável por lidar com essa questão. Não vou sair espalhando para todos, expondo ainda mais a criança a uma situação desagradável, o que inclui que também não pretendo colocar em um jornal nada sobre suas ações apenas por algum tipo de rancor do passado das nossas famílias, que possa supor que eu tenha.
Dumbledore pareceu não acreditar no discurso que ouvira, Minerva por outro lado acenou com a cabeça:
- Torno a agradecê-lo pela compreensão.
- Diferente de alguns, eu acredito que a privacidade de um aluno é muito importante.
Albus mordeu o interior da boca irritado. A voz de Gellert, o sorriso de Gellert e a atitude. Sempre o provocando, ainda mais com seus próprios erros. Mesmo que soubesse que Dumbledore geralmente só os cometia quando ele estava envolvido. Bagunçando todo o discernimento do mais velho, o desestabilizando com a simples presença daquele fantasma de suas piores escolhas.
- Entendo. Ficarei do lado da minha vice-diretora neste caso então e o agradecerei pela fineza diante de tudo e esperarei que realmente seja um homem de palavra – o diretor de Hogwarts falou mesmo assim, fingindo uma paz que não sentia.
- Entretanto, não pense jamais que cometeria um crime por você, Albus Dumbledore.
- Eu jamais pediria isso, não sei a que se refere.
- Esse seu segredo fica comigo apenas enquanto for isto: um segredo. Apenas enquanto a família Longbottom não o levar à justiça. Isso refere-se a eles e não acho que tenho o direito de escolher por uma criança tudo pelo qual ela passaria se denunciasse o caso. Toda a invasão — a palavra foi dita com ênfase, para que a mensagem fosse clara. — A que seria submetida em um tribunal de justiça ou midiático. Eu não concordo em passar por cima da privacidade de uma criança, mas justamente por isso caso eles denunciem eu seria o primeiro a me oferecer como testemunha. Jamais cometeria perjúrio para esconder algo tão atroz como violação mental.
- Eu vejo... – murmurou, mas sem acrescentar mais nada.
Lakroff sentiu que ainda devia falar:
- Pessoalmente, sou totalmente contra a deixar isto como está. Os Longbottom deveriam denunciar o senhor sim, afinal o que foi dito hoje é o maior absurdo que já ouvi durante todos esses anos! Seu ato configura como um crime terrível que merecia a mão da lei, mas a criança já teve que aguentar um adulto o forçando, não precisa de dois.
- Acredita, então, que meu ato foi extremamente atroz?
- É claro! – afirmou com incredulidade diante da pergunta sequer ter sido feita.
- Não acha que exista justificativa para algo assim? Nem se minhas ações foram movidas pelo bem, a longo prazo, do meu aluno?
O tom de voz usado fez Lakroff desconfiar, mas mesmo assim respondeu:
- Achei que já teria entendido isso depois de tantos anos de vida ou pelo menos após tudo que aconteceu aqui. Igualmente que, diante da memória que o senhor mesmo invocou do meu pai, ação nenhuma pode ser justificada com uma ideia de "bem maior". Cada ato tem seu peso individual nesta vida e deve ser visto pelo que ele é. Contexto apenas interfere na interpretação moral de cada um, o que é mutável pela sociedade que o vê.
- Certo. Ótimas palavras. Mas então a que ponto não são contraditórias, ou mesmo hipócritas?
- Que quer dizer com isso? – questionou irritado.
- Se não me engano — começou Albus inclinando a cabeça, sem perder o sorriso e a pose de bom velhinho. — Sua escola autoriza os professores a usarem feitiços da mente em seus alunos. São, inclusive, comuns.
Lakroff arregalou os olhos e depois, não resistiu.
Ele riu.
Riu alto e com todo o corpo.
- Não entendi. Quer ser professor de Hogwarts ou da Durmstrang? – questionou estreitando os olhos.
Um sorriso terrivelmente macabro no rosto.
A resposta e atitude do lorde arrepiaram a espinha de Minerva e, de alguma forma, ela sentiu um frio percorrer sua pele, suas mãos gelarem, mas mesmo assim percebeu-as soando.
De coração acelerado, fechou os olhos quando ouviu o que Lakroff continuou a dizer:
- Talvez realmente devêssemos repensar seu lugar, já que parece tão irreverente ao uso de artes sombrias.
- Apenas estava apontando uma incongruência curiosa.
- E eu estava sugerindo que você pertence à cadeia, já que mesmo que seja legal no meu, o que você fez é ilegal em seu país. Ou será que leis não se aplicam a quem as faz? Deveria deixar isto mais claro na constituição. Se bem que pode estar com tanta preguiça quanto se mostra para com as reuniões de pais e responsáveis, toda vez que decide tomar uma decisão pela escola da qual eles deveriam tomar partido também.
- Não venha falar de Hogwarts baseado no que ouviu aqui, você não sabe nem a metade do que esta escola oferece aos seus alunos – murmurou Dumbledore, tão baixo quanto um sussurro, tão áspero quanto uma lixa.
Minerva até mesmo estranhou, acostumada com o tom gentil e sedoso, aquele era um contraste tão gritante que era quase como ouvir outra pessoa.
- O que disse sequer tem fundamento.
- Não é? Eles concordaram então com a contratação de um falsário como Lockhart? Ou do, declarado insano, olho tonto Moody? Eu tenho medo de ouvir o resto, se isto não é nem a metade.
- Albus, já chega – interveio Minerva quando ambos os homens deixaram claro que continuariam com aquilo. – Todos aqui já concordamos que não estamos no momento certo para falar sobre o assunto. Depois voltaremos ao tema, quando as coisas estiverem mais claras e resolvidas com a família Longbottom – insistiu, sentindo sua cabeça doer. – E pelas barbas de Merlin, não faça acusações como esta agora para o lorde Mitrica. Sinto que já estamos perdendo o profissionalismo.
- Acredite, professora – assegurou Lakroff. – Diante de tudo que aconteceu hoje, ainda estou sendo bem contido em minha posição. Eu lhe ofereceria um emprego, Albus, se parece interessado em continuar usando magias mais controversas, mas não sei se os pais do conselho aprovariam e eu prefiro ser responsável o bastante para não ignorá-los. Já não gostaram da ideia de aceitar Leandro, justamente por ter passagem na polícia, mesmo o tribunal tendo o inocentado por legítima defesa.
- Sim, claro professora. De toda forma, não vejo necessidade de continuar aqui – Lakroff dispensou. – Albus estava com medo do seu crime ser espalhado. Bem, eu não vou ser responsável por isso, mesmo que tão pouco tente esconder com o empenho que teria se fosse meu. Se a verdade vier à tona, não estarei envolvido, mas não impedirei que se alastre. Quando precisarem de mim novamente, prefiro que a professora McGonagall se dirija. A senhora – mais uma vez, ele se inclinou respeitosamente para a professora de transfiguração. – Boa sorte para lidar com esta situação.
Seguiu para a porta.
- Um instante – pediu Albus.
- Não estou disposto, obrigada. Me retiro, quer queira ou não.
- Imediatamente, milorde – afirmou Minerva, apontando sua varinha para a porta e a abrindo, encarando Albus logo em seguida, em aviso para que não se opusesse.
O homem apenas concordou com a cabeça com a amiga.
- Ah! – Lakroff se interrompeu, já na soleira da porta.
Algo o impediu de seguir sem que dissesse aquilo, por mais que estivesse ansioso para se livrar da presença do velho caduco.
- Apenas pela minha escola ter sido colocada em questão, gostaria de ressaltar. Meus professores podem ler a mente de um aluno, sim. Legilimência pode continuar sendo um tabu na maioria dos países por ser invasiva, mas Durmstrang é um instituto de artes das trevas. Não só isto, mas uma instituição que tem como foco a metodologia prática para absorção do aprendizado, o combate e auto defesa. A criação de guerreiros fortes, não apenas intelectuais. Esse ainda não passa de um feitiço intermediário, tanto quanto os que podem ser usados para se proteger da leitura de mente. Meus alunos estão numa escola onde eles e seus responsáveis sabem e concordam com o uso e enfrentamento real desse tipo de coisa. Todos estão lá e passar por qualquer coisa por escolha prévia e consentimento.
- Daí não há problema em invadir suas privacidades? Pois, em teoria, eles já sabiam que aconteceria? Uma criança de onze anos tem a escolha de onde estuda, não seus pais?
- Nossa escola também os ensina a se defenderem. A diferença sutil, mas preocupante é que você usou tanto um feitiço proibido no seu país, de nível intermediário com origens considerados no mínimo sombrias, ou seja, algo muito avançado para qualquer bruxo da luz, sem sequer oferecer aulas ou conhecimento para que seu aluno pudesse se proteger e contra tudo que se é esperado dos princípios de sua própria escola. Fez isso em uma criança desavisada, inapta para se auto proteger, ignorante ao tema devido as próprias escolas de seu país acerca da educação e contra as leis vigentes do seu território. Você a violou.
- O senhor acredita então que as duas situações possuem grande diferença entre si?
- Se você não, o doente é apenas o senhor — e saiu.
Houve um longo momento de silêncio na sala com sua partida. Quebrado apenas pelos murmúrios de alguns poucos quadros, mas tão baixo que mal podiam ser entendidos.
Até que Minerva começou a andar.
- Minerva, eu-
- Eu confio em você, Albus – ela reafirmou. – No geral, eu sempre lhe dei meus votos de olhos fechados. Mas fica claro que, nesta situação, é impossível.
- Você não sabe tudo, minha cara... – murmurou calmamente, um tanto desolado.
- Eu percebi. Venho percebendo desde o começo disso tudo. Como você está me escondendo algo. É claro, não seria a primeira vez e justamente por lhe confiar, nunca me importei tanto, pois acreditava que se não me disse tudo, é porque não era o momento. Por mais incomodo que fosse estar no escuro, vez ou outra. No fim, a luz alcançava a totalidade.
- Que bom que entende.
- Entendo. Mas não concordo. Desta vez, Albus, você me decepcionou.
- Como?
- Me esconder, seja lá o que for, diante de tudo isto? Depois do que fez? Não me justificar suas ações quando são tão condenáveis? Não é mais uma questão de se eu confio em você, mas de que claramente você não nutre isto em mim.
- Como? É claro que não é o caso, Minerva! Eu-
- Pois eu não consigo me sentir diferente. Não hoje. Não é apenas esta situação que precisa de tempo, mas nós dois. Preciso pensar. Sinta-se a vontade para reavaliar se quer continuar escondendo seus pensamentos de mim, até lá, julgarei suas ações como são: erradas. Estarei acompanhando Augusta para fora. Com licença.
-x-x-x-
Assim que alcançaram o corredor, Heris, Neville, Long, Augusta e Harrison olharam para o topo das escadas ao ouvirem o som de uma grande porta batendo.
- Será que... foi boa ideia deixar o La... O Lorde Mitrica sozinho com Dumbledore? – questionou Neville receoso.
- Está preocupado com qual dos dois exatamente? – brincou Harry.
O Longbottom virou-se para o Potter afim de responder, mas quando bateram os olhos um no outro foi como se, de repente, a simples face de um fosse algo extremamente engraçado para o outro. Ambos tremeram primeiro, tentando segurar a reação em simples sorrisinhos que encolhiam os lábios para esconder, mas a risada foi subindo pelo corpo e os tomando. Nem um dos dois sabia ao certo porquê, mas era um daqueles momentos onde palavras não eram necessárias para amigos, apenas o olhar.
Tinham acabado de deixar o herdeiro Grindelwald e Albus Dumbledore em uma sala sozinhos depois de um clima tenso e a primeira coisa que escutam é a porta bater. A imaginação de dois adolescentes podia criar cenários muito interessantes sobre aquilo.
O de cabelos loiros escuros, entretanto, se interrompeu logo que seu olhar cruzou com o de sua avó, que ainda parecia muito séria e levantou a sobrancelha para si.
Estava irritada por não tratarem a situação com a devida seriedade? Considerou, enquanto as bochechas coravam levemente envergonhadas. A dúvida foi o bastante para fazê-lo se encolher, ainda mais quando ela se pronunciou:
- Vovó, me d... – o mais novo tentou se desculpar.
Apesar de não ter certeza do motivo que o fazia.
Neville nunca foi bom em ler a avó, o que era justamente uma das coisas que sempre dizia sobre ladys e lordes adequados. Que tinham de ter essa capacidade de esconder os pensamentos. O problema é que nunca se sentiu um lorde adequado e... provavelmente nem sua avó já considerara isso. O garoto era muito genuíno em suas atitudes, o que o afastava claramente das perspectivas da bruxa, que o interrompeu:
- Eu e Harrison seremos rápidos. Também vou ter uma conversinha com você, Neville, logo mais.
O menino tremeu com a ideia de uma conversa carregada daquela expressão firme. Mas o gesto foi tão natural e claro que todos foram capazes de notar. Isto, é claro, piorou o que já estava pensando. Seu acanhamento chegou ao ponto de que não conseguia mais controlar ou mensurar o quanto suas bochechas queimavam. Sua frustração era sem dúvidas equiparável.
Sabia do que Augusta detestava, mesmo assim lá estava, agindo "de forma miserável" ou menor do que a dignidade prevista para o título que "grandes homens como Frank honraram antes".
Ele não podia ter nascido o segundo filho? Seus pais não podiam ter tido outro para ser lorde?
Estava com a avó a quantos minutos? Já se sentia indigno.
Apenas concordou com o que foi dito silenciosamente, sem olhá-la nos olhos. Augusta tomou-se por satisfeita e olhou para baixo, onde Long esperava aparentemente ansioso por novas ordens, já que não parava de intercalar o olhar entre os quatro mestres ali e a estátua que cobria a passagem para o quinto e mais velho mestre.
Enquanto ela conversava alguns instantes com o elfo, Neville escutou muito vagamente algo sobre querer sua ajuda e como deveria ser feita para voltar a ficar com os loiros. Perdido naquelas inseguranças, voltou para a realidade apenas quando alguém lhe tocou a mão.
Aquilo, primeiro o fez perceber que estava com um antigo tique nervoso que sua avó muito tentou fazê-lo parar, onde juntava braços ao corpo e coçava a perna ansiosamente. Parou com aquilo antes que a mulher notasse e tivesse algo a mais para repreendê-lo. Segundo, fez com que olhasse para Harry, que sorria de forma consoladora e cúmplice.
"Obrigada" o Longbottom agradeceu apenas mexendo os lábios, de forma discreta o bastante para os mais velhos não notarem.
Hazz aumentou o sorriso e piscou. Ele mesmo teve seus próprios tiques repreendidos pela Lady ao longo dos anos, que era implacável ao tentar torná-los bons lordes. Principalmente, sabia como o amigo estava se sentindo. A vontade de agradar alguém de sua família... Ou, no mínimo, imaginava quais emoções aquilo tudo despertava no amigo, uma vez que podia ver tudo girando e reagindo com sua alma dourada.
Ouro.
O garoto de ouro da grifinória tinha a alma dourada como o próprio elemento, era quase piada pronta.
Mas também um mistério.
Aquela era uma das almas que Harrison mais tinha dificuldade em interpretar. Na mesma proporção que gozava do título de uma das mais sinceras, puras e autênticas.
Harry achava muitíssimo apropriado, mas provavelmente por um simples aspecto de sua personalidade que tendia a ver no amigo alguém mais do que digno de uma alma formada por um dos metais mais famosos e valiosos do mundo. Neville era um amigo de ouro, tanto quanto um membro valioso e íntegro de sua casa, onde os guerreiros mais nobres viviam, vinha de uma linhagem nobre e rica, tudo parecia dizer que a cor fazia sentido. Um cavaleiro de ouro.
Mas não era exatamente assim que as almas funcionavam.
Aquela interpretação era simplória demais e uma alma mostrava tanto do que você era em essência, revelava até seus maiores segredos, que aquilo parecia irrisório para representar Nev. Há tantos simbolismos presos a cada sinal de uma alma, que mesmo após bater o olho em alguém, Harrison era capaz de saber apenas uma porcentagem do alvo. Conhecê-lo mais a fundo, sua forma de agir, pensar, seu passado e seus objetivos para o futuro, isso sim garantia entender todos os aspectos que tornavam-na como era.
Haz gastava seu tempo na biblioteca Grindelwald estudando misticismos, simbologias, lendas, numerologia, astrologia e muito mais, tudo para ter o máximo de conhecimentos que o permitissem alcançar a verdade por trás de uma alma quando desejava.
Levou quanto tempo para entender a alma do próprio pai, por exemplo? Anos. E por todo o tempo onde a informação ainda era rasa, se pegava questionando como alguém igual à James Potter tinha uma alma tão simples.
Quer dizer, era James Fleamont Potter. Quanto mais se ouvia sobre seu pai, mais Harry entendia que era alguém comparável a um leão mesmo. Chamativo, seguro, líder, espalhafatoso, jocoso, porém de jeitos nobres, alguém imponente, que gostava de ser visto e ouvido (diferente do filho, gostava de sempre estar em evidência mesmo que não tivesse nada de útil a oferecer), uma figura majestosa, que atraia atenção por sua postura segura e liderança. Ao mesmo tempo que um palhaço brincalhão que zombava de todos e do mundo.
E um falso.
Alguém que escondia pensamentos e uma energia obscura tão forte que era impressionante como conseguiu ir tão longe na interpretação de bruxo da luz. Alguém que impressionou e realmente conseguiu aprender com o próprio lorde das trevas, sem nunca poder praticar diante dele, sempre tendo de se manter atrás daquela face, ouvindo a teoria e avançando de forma exímia na prática. Ser tão intenso, não condizia com a simples ideia de um símbolo da própria casa. Mal parecia que ele se identificava tanto com ela... James parecia ser essencialmente ele, nunca o meio.
Só que ele não tinha essa alma simples. Essa sempre foi a resposta.
Pelo contrário, tinha uma alma com tantas camadas quanto ele mesmo.
Demorou anos para Harrison juntar tudo que sabia sobre James naquelas galhadas de ouro, árvores secas brancas, folhas e fungos, compreendendo que cada detalhe ali tinha um motivo tão intenso quanto o homem que a carregava. Até mesmo supunha que, apesar de todo seu esforço e conclusões sobre o que achava saber sobre ela, sempre havia a chance de descobrir algo novo. Se tornou uma das mais fascinantes de que já cruzou-lhe o olhar. Assim como uma das mais enganadoras.
Usava de um artifício tão barato para confundir quanto um simples disfarce chamativo, o palhaço grifinório da turma, que conseguia levar todos em sua conversa e distraí-los com um chapéu chamativo. Um bruxo das trevas escondido por barreiras morais que jamais abandonaria, ardiloso e enganoso, mas essencialmente bom. Ambíguo como a própria magia, cheio de segredos e possibilidades.
Era uma sensação interessante para o filho, pensar como seria se estivessem juntos. Duas pessoas de almas tão intensas. Sabe-se lá o que poderia ter acontecido.
Harry tinha a mania de, em tempos em tempos, gastar alguns minutos para pensar em tudo aquilo que seu pai simbolizava, apenas para verificar se os novos conhecimentos que havia acumulado não poderiam lhe dar ainda mais interpretações sobre aquele homem. Fazia o mesmo com a maioria de sua família, afinal com o tempo os conhecia mais e suas essências representadas na verdade absoluta que era a alma, ganhavam proporções ainda mais únicas e fascinantes.
Almas eram fascinantes.
Tão perfeitas em seus donos, um livro de capa vezes enganosa, outras perfeitamente informativa. Uma história completa em uma imagem, muito maior do que mil palavras.
[N/A: Olá puladores de plantão!
Um aviso para caso desejarem. Aqui irei tratar mais aprofundadamente da alma de alguns personagens. Algumas já foram mencionadas na fanfic, mas só quando Harry era uma criança e, portanto, ainda tinha uma visão superficial sobre elas e outras não, mas vocês ainda terão menções mais breves dentro deste capítulo mesmo, então é algo mais relacionado a aprofundamentos que vocês podem não estar com o humor ideal para lidar.
Estou avisando para que se sintam à vontade pulando até o foco do capítulo, não vou ficar magoada e nem vai atrapalhar o entendimento do todo dessa parte da história, então sigam em frente. Mas vou amaldiçoar aquele que escolher ler e encher meu saco porque "está muito comprido" ou pior: comentar "não entendi".
Falar que foi o TDAH não vai justificar minha dor de cabeça não, poupem esse tipo de comentários já que estou poupando vocês de informações muito detalhistas se não querem elas hoje. Assim ficamos todos felizes.
Começando aqui, pulem!]
Sobre o pai. Harrison lembrava-se claramente de, aos dez anos, Heris o arrancar de perto de um grupo de cogumelos do jardim de Lakroff, dizendo coisas como: "aqueles coisinhas enganosas e macabras" e reclamando que já eram suficientemente tenebrosas no mundo trouxa e não queria ninguém perto dos cogumelos de um bruxo como Lakroff até ele jurar que não iam "zumbifica-los ou coisa parecida" e que não tinham nenhuma correlação com a subida de Gellert no poder. Tudo aquilo foi como um choque de curiosidade tão intenso que Harrison parecia ter enfim voltado a idade dos nove anos. Aquele menino calmo, silencioso e observador se tornou uma arma automática de perguntas que tremia diante da velocidade que exigia por informações.
Fez com que o irmão e o avô se juntassem para lhe dar alguns livros com tudo que se sabia sobre fungos e cogumelos. Sejam estes dados reais, simbolismos e até usos no mundo trouxa e bruxo. Depois de algumas leituras, o menino quase se insultou por ter passado tanto tempo ignorando alguma característica de uma alma. Ainda mais uma tão importante. Nunca mais a subestimou como fez com o próprio pai.
Os cogumelos não estavam na alma de James à toa, não eram apenas enfeites que a personalidade espalhafatosa criou para adornar sua "coroa de galhadas grifinória".
James não usaria em sua própria alma a coroa de ninguém além de si mesmo.
Todavia era bom fingindo o contrário ou se adaptando ao ambiente. Ele podia se sentir confortável como um líder de sua casa, mas era um rei por conta própria e, por isso a coroa de James tinha cogumelos para corrompê-la, mudá-la, torná-la única. Um fungo que possui uma parte visível aos olhos acima do solo, mas que guarda embaixo da terra muito mais, aquilo capaz das piores coisas, sua verdadeira e macabra essência estava em esporos bem escondidos e perigosos demais à quem não sabia lidar com. Não só isso, mesmo o que era visível, era atrativo de forma proposital para atrair as vítimas de sua manipulação.
Afinal, este fungo é capaz de realizar um tipo de atração conhecida como "mimetismo" ou "mimetismo floral". Onde alguns espécimes desenvolvem características semelhantes a frutas, flores ou outros objetos atraentes para chamar animais que possam ajudar na dispersão dos esporos. Apresentando cores vivas, formatos peculiares ou odores agradáveis.
Exatamente por serem cogumelos, aqueles fungos nascidos na cabeça de James simbolizam sua capacidade de alastrar-se em um terreno (a Grifinória), atrair as pessoas em sua forma chamativa de ser, tal qual um cogumelo tinham a possibilidade dependendo de quem os manejava de fazer um bom alimento, ou um chá alucinógeno como suas brincadeiras, com suas mentiras, mas aos poucos, a cada um que pisava em seus domínios sem saber acabava por espalhar seu controle, então tomava a mente de algumas criaturas (algo que todos associavam a sua liderança nata) e ainda, através de seus esporos, vigiava grandes distâncias (tal qual Hogwarts, com o mapa do maroto, usando quadros, amigos, e a essência mágica dos bruxos para localizá-los, tornar a escola seu território), capaz de espalhar seu domínio pelas frestas, invadindo passagens secretas da escola, vendo cada dia mais. Estando em todos os lugares.
Mesmo quando seu mapa foi tomado e, diante das capacidades suas e dos amigos, tendo a possibilidade de retomá-lo... não quis. Naquele ponto, o que lugar daquela escola já não tinha esperos crescendo pelas paredes de pedra? Brotando pelo solo? Para que se dar ao trabalho, se não precisava mais?
A de James era perfeita para se entender a complexidade das formas em uma alma, justamente porque cada parte dela estava ali para te enganar, era a prova de quanto devia se pensar em cada detalhe à sua frente, ou nunca veria o todo. Almas não precisavam criar nada em vão, nada que não fosse você em essência. James te atraia com algo bonito, de cor intensa, espalhafatoso, mas escondia um potencial destrutivo e tudo dependeria do quão longe deixassem que fosse... e ele queria ir longe.
Que novas pistas poderia descobrir naquela coroa? A cada pessoa que conhecia e lhe dizia "conheci o seu pai", lhe despertava aquela sensação novamente: será que esse me dará uma informação nova? Ainda queria saber porque havia uma árvore. Uma de ossos ou era apenas branca? Por que galhos brancos? Por que tinha folhas? Já pensou seriamente que fosse o desejo intenso e dever de família de James. A árvore em sua cabeça parecia com a árvore genealógica dos Potter no cofre da família, onde os nomes ficavam gravados e os documentos de cada esposa eram guardados em caixas nas ramificações do tronco, para que um Potter sempre soubesse a que tinha direito. Por tanto, sua coroa, representava tudo que tinha? Tudo que sua linhagem permitiu para que se tornasse o rei que era? As folhas, podiam ser os filhos que ele próprio queria acrescentar?
Lilian, por sua vez, não ficava nem um pouco atrás do marido. As possibilidades infinitas como o número de estrelas no céu, que sempre estaria ligado à ela de alguma forma. Qualquer Mitrica que vira, na verdade, tinha uma alma digna de nota. Todos mostravam até os desejos mais profundos e inseguranças em suas almas, presas à seus corpos como partes intrínsecas de si mesmos e de como lidavam com tudo que guardavam em si e James era, mesmo que por casamento, um Mitrica.
Donos de almas presas aos corpos, parte intrínseca deles próprios.
Os ossos saindo da cabeça de James, se espalhando para fora, como a da maioria das pessoas e, portanto, se disfarçando na multidão enquanto anunciava sua presença. Mas ainda parte de seu corpo. Como as estrelas por toda Lilian, ou os olhos de Lakroff e seu corpo assombroso que buscava desesperadamente se sentir... bem consigo mesmo.
As estrelas de Lilian, mostrando sua independência e intensidade, a mulher que tal qual uma estrela, precisava para existir apenas de sua força e combustão, gerando energia própria e para o mundo e, por isso, atraia planetas para sua órbita e gerava vida nova.
Haviam tantas estrelas em sua mãe quanto promessas. Tanta luz, mas não porque era uma bruxa da luz: mas sim porque era bruxa. Era energia pura, que aceitaria fontes diferentes pois jamais se prenderia a apenas uma galáxia, quando ela era várias. Uma estrela em crescimento, em constante expansão e desenvolvimento como o infinito do espaço.
E, no peito, aquela flor. Tão sutil, tão única e diferente em comparação com o universo. Uma vida tão frágil e bela, mas que mostrava a importância de lembrar-se de quem tu és, de onde veio. Da terra. De um jardim. Garden e suas flores. Uma trouxa que recebeu a promessa do infinito de possibilidades com uma magia que surgiu em sua família. Ela poderia viajar o espaço, mas seu coração sempre saberia voltar à Terra, onde, no fim, acabaria e não temeria.
Sendo consumida por fungos.
Servindo de energia para novas vidas.
Não era como James, que poderia deixar as coisas subirem à cabeça. Ou mesmo precisava esconder nada. Sabia exatamente olhar para os céus, mas sem esquecer a verdade em seu coração. Sua luz não seria apagada sem nada além que o tempo. Mesmo na morte, ainda podia ser vista ao olhar para cima, então guiar um marinheiro perdido. Alguém equilibrada. Alguém que pode levar uma planta para o espaço, tal qual um lírio, e mantê-lo vivo.
Potencial, dedicação, intensidade, mas calmaria, a essência de tudo que simbolizava vida, mas também caos e força, possibilidades infinitas e um coração bem preso no lugar, para jamais perder sua essência, sua verdade, seus princípios e desejos. Lilian era o céu e a Terra em um único elemento. Isso era intenso. A fazia ser uma bruxa da luz disposta a aprender as trevas por algo que sempre valorizou, a fez conseguir aquilo sem nenhum risco de não encontrar o caminho de volta, alguém forte demais até para ser sugada por um buraco negro ou se tornar um, estaria brilhando enquanto podia e para aqueles que quisessem a seguir. Os protegeria. Mostraria o céu de possibilidades, garantira que encontrassem terra e nela forneceria vida como estivesse em seu alcance, mas sem precisar mais do que estar ali para isto. E, mesmo assim, dependeria de você saber como estar com ela a seu favor, ou tudo poderia se tornar destruição.
Se perderia no mar, queimar-se-ia junto com os recursos que desperdiçou, ou seria tomado pelo lado sombrio que ela poderia sempre escolher assumir? Bastava matar uma porcentagem tão pequena de si mesma, mas lhe daria tanta força... ela apenas não queria.
Ainda.
Harrison sabia que seus pais tinham um bom equilíbrio e justamente sentia isso pensando em suas magias, não só pelo que todos diziam. Até porque no começo eles se chocaram, mas era justamente por serem tão intensos em si mesmos. Eram totalmente diferentes, mas suas essências, se conversassem da forma certa e nos lugares certos, criavam um encaixe fascinante.
A galáxia e os fungos. As constelações e os espólios. A vida e a morte, os dois viviam ambos presos nessas energias.
Dito isto, havia as cores. Uma das primeiras coisas que mudava na infância de um bruxo, quando sua magia tornava aquele branco sem forma em algo único, deixando de refratar todas as luzes e aceitando apenas aquelas que condiziam com você e suas ações. Assumindo o que estava sendo ensinada a ser. Indicando que bruxo você era.
Lakroff era roxo. Lilian era laranja e amarela. James era ouro.
Mas seu ouro não parecia em nada com o de Neville.
Não havia um único ponto em James que se assemelha à Neville além da casa em Hogwarts, então... Como se interpreta Nev?
Provavelmente o julgamento de Harry estava muito afetado por opinião pessoal para dar um veredito ideal.
Mesmo a alma do pai, o menino viu com um distanciamento curioso para chegar a suas conclusões, mas Neville? A alma dele vinha com uma pessoa que Harry cresceu junto e isso tornou a interpretação dezenas de vezes mais confusa. Tinha muito passado e emoções para tentar encaixar em algo tão...
Vago.
Uma alma que mudava vez ou outra, o que só tornava o desafio maior.
Neville Longbottom tinha a característica maleável? Ouro era justamente usado por isso para fazer um número imenso de jóias. A alma de Neville mudava porque era feita de ouro? Não tinha muita certeza nem sobre isto.
O loiro era alguém aberto à mudanças, não era "cabeça quente" ou "cabeça dura" como vários que já conheceu e até colegas da própria casa, as coisas podiam ser ensinadas a ele e Neville ouviria e até mudaria se sentisse que o que ouviu era certo.
Só que Luna era uma pessoa igualmente disposta a conhecer antes de julgar ou tomar algo por verdade, sempre mudaria se achasse que aquilo era o correto, tal qual a maioria dos corvinos diante de novos fatos ou experiências... E mesmo assim Harry não viu nenhum Corvino de ouro desde que chegou em Hogwarts.
Então o que ouro era tão importante que continuava sendo a única constante naquela alma?
Desde feitiços aprendidos, experiências, personalidade, até traumas e grandes bagagens, a alma mudava entre a infância até a fase adulta. A de um adolescente nem sempre estava pronta, o que era esperado já que tão novos nem sempre conseguimos encontrar nossa verdade, mas Nev... era "incompleto até demais"?
Parecia que não sabia nada sobre si mesmo, além de uma única coisa.
Uma integridade de ouro?
O amigo podia ainda estar descobrindo que forma queria dar a todo o ouro derretido que o seguia de perto. Quase como foi com Hazz na infância, onde controlava a própria alma nos espelhos, aproveitando como ainda era muito transigente e flexível (mesmo quem bem mais individualista do que a maioria na mesma fase da vida), tudo para testar possibilidades.
Neville de repente estava com a sua em seu corpo, como uma segunda pele, ou às vezes em sua sombra, como se não julgasse que ouro fosse algo a representá-lo corretamente, não fosse a coisa certa como primeira que viriam ao olhá-lo, então tinha que ser mantida escondida, mas ainda sempre consigo.
Já esteve até flutuando à sua volta como água, tal qual se o menino estivesse nadando na própria alma. Já tornou-se formas e formas.
[Aqui o aviso para os puladores voltarem à programação normal!]
Era inquietante, para Harry, que só conseguia tomar uma coisa da alma de seu melhor amigo:
Incerteza.
Neville era inseguro sobre si mesmo. Era sua principal linha de raciocínio e que condizia com tudo que era exposto no dia a dia. Neville se agarrava apenas a uma parte de sua personalidade, que praticamente foi dada a ele ao ingressar em Hogwarts. "Grifinória" e aquele se tornou seu traço mais intenso, tudo porque não conseguia se sentir seguro com qualquer outro que não fosse tão... seguro.
Ouro. A cor da casa. Era gentil e puro, leal e nobre, a cor que sua família tomava para si a gerações, um manual de instruções para pessoa descente. Por isso, sequer uma armadura sua alma podia formar, afinal as armaduras de ouro eram misturadas a outros metais para criarem uma resistência maior e serviam como enfeites para mostrar poder. Não para um propósito de batalha, em defender o cavaleiro e seu povo. Neville não era assim, não fazia para autoconhecimento, mas queria ser... útil. Não estava disposto a ter uma armadura falsa apenas para se colocar em evidência e se vangloriar de um poder monetário. Não queria se esconder atrás de uma e deixar de conhecer mais.
Por isso a alma continuava quase que... Esperando o molde certo?
Por isto tentava de novo e de novo se encaixar? Uma alma curiosa com o mundo e si mesma e que gostava de testar? Mas até mesmo aquilo podia ser sua verdade final. Puro, sincero e livre, não precisava se forjar em nada para atingir as expectativas, padrões, não queria mudar e ficar preso para sempre em uma única possibilidade para que lhe dessem o valor de uma joia. Estava feliz sendo apenas o elemento, nunca um anel.
Por isso se sentia tão mal quando a avó insistia em colocá-lo no padrão de lorde?
Afinal nunca seria nada além de um metal livre?
Apenas sua essência sendo ela mesma e aproveitando o que poderia fazer, sua proximidade com a terra, a natureza, algo vindo dela e conversando com ela em cada aula de herbologia que tanto gostava.
Valioso, maleável, um item que vivia entre reis (e deuses, em seus templos mais famosos), mas que as pessoas assumiram valor, não ele próprio. Cheio de simbologias e mitos por trás, de um potencial quase infinito desde que houvesse criatividade e dedicação, porém tudo por causa dos outros. Em essência, apenas um recurso da terra, sólido em temperatura ambiente.
No seu ambiente natural.
Simplesmente parecia impossível achar a resposta certa agora. Provavelmente Harry entenderia no futuro, quando fossem adultos e não tivessem mais tantas dúvidas.
Apenas temia uma coisa: aquela não parecia uma imagem firme.
Uma alma frágil demais para proteger um guerreiro que vivia em constante perigo como Neville.
Só que, mesmo com essa preocupação... Ainda ficava curioso com cada nova mudança e o que as despertava.
Afinal quão linda e forte aquela alma se tornara quando teve que empunhar uma espada e enfrentar um monstro centenário no auge de sua força de vontade, coragem e sentido de dever heroico? Contra o basilisco, que forma o ouro escolheu tomar?
Lembrava-se claramente de quando, ao conjurar o patrono de leão, Neville assumiu involuntariamente e por um longo tempo justamente uma capa longa de couro, que lhe dava um aspecto de juba na base do pescoço. Algo animalesco, selvagem e seguro, tal qual a alma de Hagrid e sua carapaça animal, porém nobre e majestoso como Sirius, o lorde Black disfarçado e contido.
Porém naquele momento Neville parecia mais uma gelatina. Reduzida em si mesma por insegurança. Por isso, quis dizer algo que pudesse ajudar o amigo a torná-lo uma figura forte e intensa. Lembrá-lo de seu valor como ouro, mais do que sua maleabilidade. Só que não teve a oportunidade, Augusta lhe puxou o cotovelo e teve que esquecer aquilo por hora.
- Neville então me aguardará aqui com Heris – suas palavras saíram frias e rígidas. – Long logo estará de volta, garanto que o castelo não vai engoli-lo até lá.
Apesar de nada em sua frase indicar humor, mais parecia zombar da ideia de um trouxa se preocupar com algo assim, o mais velho riu e brincou:
- Quer dizer que depois que ele voltar isso se torna uma possibilidade?
- Apenas fique de olho no meu neto – respondeu com um negar de cabeça, levando Harry e Long consigo.
Seguiram mais ao fundo no corredor, a bruxa escolheu um ponto onde ainda conseguia assistir perfeitamente os netos e a entrada da sala do diretor, ao que Harrison sabia que era justamente a intenção. Não havia prestado atenção neles, distraído com suas velhas dúvidas acerca da alma de Neville e sua preocupação com a reação deprimida, mas aparentemente tanto Augusta quanto Heris estavam cautelosos diante de tudo que tinha acontecido. Em relação ao irmão, não era apenas sua incerteza tradicional em adentrar qualquer local bruxo por pensar que podia ser atacado e dificilmente poderia se defender a menos que a coisa tivesse uma cabeça capaz de levar um tiro e morrer com isto.
Também encarava aquela direção, múltiplas preocupações girando por sua mente e ao desviar a atenção por um segundo onde estava a alma da vó ficou ainda preocupado. Irritado...
Deixaram-na daquela forma.
Mas ele também fazia parte disso.
Conclusão que o lotou de uma culpa capaz de lhe perfurar as entranhas.
- Long, aqui está bom, se puder fazer o que combinamos.
- Sim, milady.
A viúva ainda sorriu para Harrison quando o elfo girou nos calcanhares e analisou o lugar, contudo o gesto só o deixou sentindo um aperto na garganta, uma ânsia pior, pois não viu sequer um fio de alguma alegria na alma da bruxa que justificasse a expressão, além de simples cortesia. Neville era uma gelatina insegura, Augusta... parecia pronta para devorar alguém, aquela leoa gigantesca (maior que a dona) e majestosa que sempre a seguia, não parecia nada feliz e estava repleta de espinhos. Só tinha a visto daquela forma uma vez na vida. Quando contou o que lhe tinha acontecido durante todos os anos com os tios, sobre o orfanato e... apresentou Lakroff.
Na época foi assustador ver a magia de Augusta se dividir praticamente em uma matilha e se dividir pela sala, grudando uma em Harry, outra para cada um de seus irmãos e a última diante de Lakroff.
Em posição de ataque. Espinhosa e furiosa, querendo os proteger do homem e destruí-lo por invadir seu território. Colocar filhotes em risco.
Entretanto a magia dele parecia achar graça.
Harry estava sem os óculos, por achar que podia remediar melhor a situação e a reação dela a toda a história assim, mas aquilo foi surpreendente. Também não podia ver Lakroff em si, já que sua alma o cobria por inteiro e o tornava naquele monstro, não sabia se ele que tinha sorrido ou se realmente aquela expressão tenebrosa era sua alma debochando da leoa, que sabia ter poder para devorar com o dobro da velocidade e o triplo da brutalidade se quisesse. Sabia apenas que os olhos dele, sem dúvidas, debocharam daquilo, apesar de igualmente seguirem as leoas por todos os lados que foram. Sem perdê-la de vista.
Ela podia ser uma predadora, mas estava diante de um monstro que nunca possuiu um adversário natural.
- Heris deve estar muitíssimo incomodado – Augusta comentou e Harry apertou os olhos por um segundo, para voltar a realidade.
Outro fator que o fazia sentir-se mais confortável com a poção cegueta ou os óculos feitos por Lakroff: Ele se perdia muito nas almas, tentando ouvir o que tinham a lhe dizer através dos olhos e esquecia de prestar atenção naquilo que estava diante de todos. Era mais confortável entre as almas, mais sincero, porém o mundo terreno era importante e não podia se esquecer de voltar a ele.
Acenou com a cabeça e inspirou, focando-se. Foi quando sentiu as barreiras mágicas se levantarem ao seu redor. Long estalou os dedos e passou a se mover ao redor da dupla, fortalecendo-a.
- Ele terá que me perdoar por tudo isso – continuou Augusta.
- Me desculpe – Hazz soltou de uma vez, querendo se livrar logo daquele peso, arcar com as consequências que houvessem.
Augusta, entretanto, não entendeu:
- Como é? Desculpe?
- Eu sinto muito. De verdade, eu... – só que não sabia como se expressar.
Ou por onde começar. Tinha tanto o que dizer, ao mesmo tempo que não parecia que palavra nenhuma fosse compensar o óbvio: ela estava decepcionada. Aquilo estava estampado em cada fibra de sua alma, nos olhos da leoa, a raiva rugindo na garganta, a angústia com a qual suas garras se fixavam no chão com tanta força que enegreceram.
Harrison sempre parecia ter algo a dizer, sobre o mundo, as pessoas e principalmente era dado à expressar suas opiniões, quando as achava válidas. Discursos fluíam por sua boca com naturalidade e destreza adequada, todavia as palavras se tornavam tão confusas e até inalcançáveis quando se tratava de expressar a ele mesmo. Especialmente quando claramente tinha errado com alguém de que tinha muita estima.
Por isso se calou e Augusta se viu assistindo, assustada e confusa, aquele menino vacilar e tremer os lábios antes de mordê-los. Hazz não conseguia deixar de pensar no quanto tinha culpa naquilo. O quanto seu amigo podia ter sido afetado.
Ele não impediu. Ele era o motivo de ter acontecido. Ele tomou decisões que pareciam ser as certas, mas se tivesse agido de outra forma Neville não teria passado por aquilo e agora Augusta não...
- Eu te decepcionei, me desculpe.
A bruxa decidiu intervir. Principalmente porque as bochechas de Harrison tornaram-se vermelhas, junto com a ponta do nariz:
- Harrison! – chamou com firmeza, aproximando-se do menino que apenas continuou de olhos fechados.
Ele não queria ver a alma da mulher. Era covardia, sabia disso, não combinava consigo, mas tão pouco conseguia evitar a dor da culpa e Augusta entendia em algum ponto, mesmo que estivesse longe da verdade, havia atingido a essência de que o menino estava evitando encarar algo. Que estava na lady, aparentemente.
Ela suspirou muito baixinho e se voltou para Long:
- Long, meu bem. Pode voltar para Heris e Neville, por favor. Apenas certifique-se de nos manter em uma área privada até que sigamos à vocês. Eu e Harrison temos que resolver mais coisas do que eu previa.
- Sim senhora – o elfo confirmou, seguindo pelo corredor e dando privacidade a ambos.
- Harry, querido... – tentou com um tom bem baixinho, para tentar fazer com que o menino lhe encarasse, tivesse menos daquele receio e explicasse o que afinal o estava angustiado.
Com Neville geralmente funcionava ao menos para começar a conversa.
Mas, é claro, os dois meninos eram muito diferentes e Harrison continuou da mesma forma.
"Não se desculpe" a bruxa pensou frustrada, estendendo a mão para o rosto pequeno do menino sem terminar de chegar ao objetivo e tocá-lo efetivamente "Eu só quero agradecê-lo. Preciso te contar... como me sinto agora, sobre tudo".
Se sua mão não teve a iniciativa para tocar Harry, tão pouco as palavras o fizeram. Presas apenas na ideia. Esse era justamente o grande problema de pessoas como Augusta e Harrison, ainda mais juntas. Retração.
Aquela dificuldade em se abrir e dizer suas aflições.
Esconder-se em si mesmas naturalmente causava uma fissura entre você e os demais. Para se proteger, para lidar com o mundo e por não sentir que liberar as emoções faria algum bem, pessoas assim acreditam que escondidos até de sua própria consciência, os sentimentos não têm o mesmo poder destrutivo. Eventualmente podiam lidar com seja lá o que fosse, não? O tempo até mesmo poderia levar todo o seu significado. Geralmente eram inteligentes o bastante para lidar com as coisas, então por que não teriam sucesso consigo mesmos?
Era um mecanismo de defesa ridiculamente falho e tão difícil de superar. Afinal precisava ser varrido para fora por uma coragem que geralmente evitavam nutrir diante do mundo. Emoções são fraquezas que podem ser usadas para ferir, não só você, mas quem ama. Algo muito comum nos sonserinos, mas nada mais do que uma consequência de estar cheia de herdeiros. A nobreza não podia se mostrar, ou seria pisoteada, era mata-mata.
Mesmo quando se sentia seguro, ainda precisava de toda a sabedoria para tentar fazer com que as pessoas entendessem o que estava saindo de sua boca e nem sempre funcionava, pela alta de hábito. Nem todos tinham um dicionário bom o bastante para interpretar as emoções de alguém que nunca as permitia criar formas tangíveis e ver as falhas dos outros em te ajudar, só aumentava a convicção de que falar não servia em nada.
Um redemoinho perigoso e ardiloso. Afinal ninguém pior para julgar seus sentimentos e pensamentos do que você. Mesmo quando queriam ajuda, os inclusivos não sabiam pedir, onde pedir e, por isso, não recebiam o que precisavam e se convenciam mais e mais de que estavam sozinhos para lidar com tudo.
Não importa o quão extrovertidos parecessem ou quantas pessoas o cercassem, o mais importante estava guardado em uma barreira discreta o bastante para não perceberem, mas feita em chumbo maciço, sem fechadura pelo lado externo.
Se nunca permitia que os amigos chegassem a fundo e quebrassem aquela caixa, ou nunca simplesmente abria por contra própria de dentro, deixando que vissem a verdade que habitava lá, sempre haveria uma incerteza de que aquele a quem gostavam era apenas a farsa, a personalidade que assumiu ao conhecê-los, não o seu criador. Isso causava tantos atritos em suas relações, insegurança, solidão.
Aquela coisinha dentro da caixa não tinha amigos, apenas a máscara que roubou sua vida. Primeiro para te proteger, agora porque não conseguia mais se livrar dela. Isto, é claro, em casos extremos.
Augusta rezaria para que Harrison não estivesse em estágio tão complexo de insegurança ou desconfiança, mas tinha seus indícios de que não era uma preocupação tão necessária. Ela mesma já viu o menino na caixa algumas vezes e percebeu que ainda estava disposto a sair quando se permitia acreditar em sua segura. Era um doce apaixonante. Complexo quanto qualquer humano, mas cheio de um brilho único e tão cativante quanto... assustador em alguns momentos.
Mesmo que demorassem para encontrar o equilíbrio entre seus próprios limites e diferenças, ambos se permitiram liberar a porta daquele limite, aprenderam a falar um com o outro. Para se aproximar daquele menino arisco era possível e diante da possibilidade, bastava jeito e insistência (o que tinha de sobra na família que criou).
Tentar.
Essa era a chave para os dois.
Nem que fosse preciso mais de uma tentativa ou mesmo que falhassem em tantas outras. Em algum momento se entenderiam. Isso que importava.
Dito isto, estava na hora do Potter tentar!
- Harrison, abra os olhos e me encare, pelo menos – diante da ordem, assim Harry fez, abrindo os olhos.
Imediatamente, porém, ele pulou para trás como se levasse um choque. Augusta se assustou com aquela reação, mas sua mente fez as devidas conexões e entendeu o que tinha acontecido. Seu coração partiu-se em pedaços agonizantes enquanto calmamente recolhia sua mão.
Queria muito acreditar o contrário, mas foi justamente aquilo que assustou o menino. Um adulto deu um comando, que quando Harrison olhou para si, estava com a mão levantada. A bruxa trincou os dentes pensando até que ponto aquele menino teria que conviver com as cicatrizes que aquelas pessoas terríveis lhe deram.
Hazz teria pulado apenas por instinto, ou sua mente o fizera acreditar que a mulher estava tentando puni-lo, por não ser rápido o bastante em obedecer uma ordem?
A bruxa contou até dez lentamente e a cada número em seus pensamentos um misto de tristeza e raiva a tomava mais e mais.
Malditos Dursleys.
Maldito orfanato.
Maldito Albus que o deixou lá sozinho!
Teve que se focar em sua própria magia, para não deixá-la reagir muito intensamente, não até que Harrison entendesse que sua raiva não era direcionada a ele, pois claramente estava receoso justamente com isto. Olhava para um ponto acima da cabeça de Augusta, sem dúvidas, onde deveria estar sua alma querendo o prazer de devorar as daqueles que um dia machucaram o menino.
Foi difícil.
- Em dados momentos eu queria que o cristianismo fosse real – comentou, quando dava sua quinta inspiração longa.
- Desculpe, como? – Harrison, é claro, ficou completamente perdido com o comentário. Afinal, parecia tão solto e sem sentido.
Mas Augusta continuou:
- Eu faria questão de ser ainda pior ou agradeceria se bruxaria realmente fosse uma passagem para o inferno, pois mesmo diante dos demônios me sentiria no céu se pudesse passar a eternidade no mínimo ouvindo seus tios queimando – o menino arregalou os olhos e arfou. – Mais prazeroso ainda seria se pudesse apreciar seus gritos enquanto entrava em mais uma das longas conversas que tenho com seu avô.
Ele riu, completamente surpreso.
Harrison riu.
Isso permitiu que a avó sorrisse ao menos um pouco de volta e, acreditando que a reação não seria mais tão arredia, se aproximou e tornou a levantar sua mão, dessa vez sem demora ao buscar contato com as bochechas macias do menino. Ele não se afastou, permitindo o toque onde a avó sutilmente fez pequenos círculos com seu dedão naquela área.
Ela jamais poderia esquecer, por mais crescido que fosse agora, da figura que era apenas um garotinho misterioso que surgiu na floresta da casa Longbottom precisando de ajuda, muito carinho e proteção. Harry sempre precisou do que era o mais básico para uma criança: amor. Uma família. Mas isto lhe foi negado por tanto tempo...
O garotinho que, para a visão de Augusta, não tinha idade para aparatar, mas continuava fazendo isto simplesmente porque queria visitá-los. Tão magicamente forte ao ponto de fazer algo assim, mas sempre tão magrinho, tão pequeno para a idade, tão inseguro olhando para os cantos como se temesse um perigo constante, que pensava tanto antes de falar e mesmo assim dizia tão pouco em comparação com a explosão que meninos geralmente eram naquela idade na empolgação de contar como foi um dia na escola, por exemplo.
E se encolhendo sempre que alguém levantava a voz ou a mão.
Um bruxo com potencial gritante, mas uma criança frágil e machucada. Mesmo que fingisse que estava bem. Como Harrison fingia... Augusta chegava a acreditar às vezes. Pensou que os sinais de paranoia eram trauma guardado da noite que os pais foram levados. Acreditou nisso, em suas mentiras, nos seus sorrisos, nas roupas largas que escondiam as feridas e a desnutrição onde sempre dizia: "gosto de roupas largas, são mais confortáveis para usar magia e brincar".
Ele sempre tinha uma resposta para mascarar as pistas.
Um disfarce para seus demônios de seu dia a dia.
A Longbottom era enganada pela ideia de educação, quando a criança fazia pratos tão pequenos para comer, que mal teriam alimentado Neville aos três anos. Ou quando comia apenas dois ou três doces toda vez que a viúva fazia para os meninos. Nunca considerava que Potter comia tão pouco em sua casa, que seu estômago não aguentava mais do que pegava e, por isso, na única vez que tentou acabou vomitando.
Assumiu que foi um enjoo causado pela brincadeira das crianças e de terem se movimentado demais logo após o almoço.
Harrison havia crescido e não só em altura, idade ou mesmo porte físico. Suas capacidades, conhecimento, experiências... ele era a cada dia uma versão mais forte de si mesmo e realmente treinava, estudava para isto. Mesmo assim, Augusta via exatamente o mesmo menino frágil à sua frente. O mesmo que tinha desespero em decepcionar alguém de sua família. Medo sobre como reagiriam se não atingisse o mínimo que esperavam.
Mesmo que talvez nem ele admitisse que era o que estava acontecendo.
- Preste atenção, menino – Augusta ordenou com firmeza e viu o menino parecer ainda mais focado nela, além de ter acenando bem levemente com a cabeça, indicando que ouviu e estava obedecendo.
Era triste vê-lo se afastar de um toque seu, enquanto uma ordem parecia tão mais... natural.
Era avassalador perceber como ele obedecia muito rápido à agressividade, instintivamente assumia sua presença e não reconhecia primeiro carinho ou paciência.
E nunca deixaria de ser digno de fúria, pensar que aqueles lixos humanos podiam ser seus tios e ainda fazer isso com ele.
- Acho que seus irmãos já comentaram que há locais diferentes no inferno. Não acredito que tenha realizado atos hediondos o bastante para me equiparar ao louco do Lakroff. Uma pena mesmo... se gritarmos bem alto poderíamos nos ouvir ou seríamos abafados pelo sofrimento alheio? – Harrison engasgou, provavelmente por achar que agora falariam a sério. Que o momento das piadas acabara.
Claro, a antiga Prewett sempre foi uma pessoa conhecida por sua rigidez nas palavras e formas de agir. Seus amigos na escola tinham medo de fazer algo que fosse desaprovar, por puro respeito, por medo da bronca que levariam depois que resolvesse o problema que criassem (pois ela daria um jeito de resolver). Casar com Francysk Longbottom e conhecer Callidora Black só piorou o que já existia em si, sem dúvidas. E da mesma forma que um Black a tornou mais rígida em seus modos...
Outro lhe fez baixar a guarda.
Graças a todo aquele passado do menino, Augusta não conseguia se sentir confortável agindo totalmente como lhe era comum, não perto de Harrison. Conseguia ser algo além da lady quando estava com ele. Por ele. Que merecia tantos sorrisos quanto trouxe para a mansão. Quanto estava trazendo agora.
- Eu teria que me contentar apenas com o som dos seus tios ou nem perto deles conseguirei encontrar lugar?
Harry tremia, agarrando-se ao máximo para não cair na gargalhada, pequenos sons entrecortados lhe escapassem, mas eram o bastante para denunciá-lo. Augusta só queria vê-lo assim: sorrindo. Por isso quis a conversa. Porque queria fazer seu máximo para garantir os sorrisos de seus netos.
Do seu próprio jeitinho.
O pestinha queria fingir uma nobreza que, com certeza, lhe faltava. Dragãozinho vingativo. Ainda tinha a cortesia de tentar, pelo menos, mas... justamente estavam ali para isso: lhe explicar que não precisava mais fingir. Lhe mostrar sua troca de posição e que já sabia quem ele era.
O amava daquela forma e agora também o apoiava.
- Acredito... – comentou Harry, baixinho e com um sorriso sutil, quando conseguiu se acalmar. Durante todo o tempo, a avó deixou que sentisse aquele momento sem interrupções. Agora, entretanto, sua expressão era muitíssimo travessa, o que fez a mulher levantar a sobrancelha cautelosa. – Que se é seu desejo estar com meu avô, a senhora terá que aproveitar os próximos anos e cometer o maior número de delitos possível.
- Garoto, eu podia ter nascido ontem e ter a certeza de que viveria mais cem anos, mas não conseguiria tempo para exercer o mesmo número de atrocidades que aquele fóssil maluco. Pensa que sou que tipo de pessoa?
Outra risada. Outro suspiro de alívio de Augusta, que cruzou os braços enquanto mantinha a firmeza em seus gestos e rosto, mesmo que suas palavras demonstravam um humor bem diferente. Assim como sua alma, o que só servia para relaxar mais Harrison.
- Desculpe, senhora. Por minha ousadia em supôr tal semelhança entre os dois – brincou, seu sorriso aumentando mais.
- Está perdoado. De toda forma, não posso dizer que permaneço completamente virtuosa para que seu pensamento fosse completamente descartado. Entretanto, chegar aos pés de seu avô é um desafio, posso ser favorável à ideia de ter Lakroff para conversar pela eternidade, mas meus limites ainda são diferentes. Claro, a simples lembrança de seus tios já me incomoda, mas hoje ainda tive que lidar com Albus, o que sem dúvidas afeta o meu lado racional. Encontro-me em um vale de ideias onde me sentiria satisfeita se Dumbledore estivesse junto de sua "família" – fez as aspas com as mãos.
- Junto deles, vovó?
- Seria poético não? Albus queimando no inferno – Hazz, desta vez, teve a decência de ficar espantado e cobrir a boca, provavelmente para esconder o sorriso com aquilo.
Augusta era alguém de certezas, quando colocava algo na cabeça, dificilmente tirava. Não queria que Harry sentisse mais a necessidade de esconder. Quem era, que queria, o que acreditava. Não desejava que mesmo qualquer um dos Grindelwald pensassem que deveriam pisar em ovos para serem aceitos em sua presença mais. Porque eles o faziam, ela percebia. Não era tola, mas aceitava aquilo como respeito mútuo. Ninguém questionaria ou tocaria nas opiniões políticas e sociais um do outro, a menos que houvesse uma abertura prévia e consentida, do contrário era enterrado em prol da amizade. Só que aquilo era inútil agora.
Não era mais a mesma. Não depois de tudo que Albus se mostrou como líder da causa onde esteve envolvida até hoje. A lealdade de Augusta Longbottom se encontrava agora com quem fez por merecer. Com sua família.
- Você sempre gostou da ideia do karma – comentou tirando uma mecha rebelde do garoto de quase atingir seu olho. Assim que foram movidos, aqueles fios de cabelo se dividiram, metade voltando ao lugar, a outra tomando vida própria e seguindo para cada um seu canto.
Poderia haver cabelo que mais se encaixasse naquele menino?
- Acho que seria adequado depois de tudo. Fawkes pode até fazer companhia, imagino que o inferno não deva afetar fênix... ou será que são fogos diferentes?
- Vovó!
- O que? – perguntou o encarando em escárnio. – O homem deve gostar de fogo, nem é um pedido tão cruel que seja levado por ele. Apenas estou supondo que sua alma poderia ser uma pista de onde deve acabar.
O tom de voz da mulher não mudou em nenhum instante. Continuava frio e firme, mas o que dizia era o bastante para Harrison finalmente se sentir mais calmo. Augusta não estava chateada com ele.
Estava brava com quem atacou Neville.
Claro, aquilo não sumiu com a culpa que ele mesmo sentia por ter sido o estopim de todos esses eventos, quando a vida do amigo já era suficientemente caótica sem Harry para atrapalhar. Entretanto, para Augusta, mesmo que fosse para conseguir informações sobre Harrison, era Dumbledore a fonte da raiva e decepção que cercava a matriarca desde o começo. A fonte que enraivecida a leoa, agora girando lenta e cautelosamente em torno de Harry, o resguardando. Ela se esfregava vez ou outra no menino, como se tentasse deixar seu cheiro, marcar seu território, a alma e magia da mulher tentando alcançar a do menino e por ali deixar sua marca, de forma tão intensa e sincera que, mesmo não sendo capaz de senti-la, uma parte de sua mente criava algo parecido com o toque de pelos gentis, lhe causando uma vontade irracional de acariciá-la.
Agradecê-la. Dizer que já estava calmo.
Mesmo que Harrison não tivesse previsto aquilo e protegido Nev, o coração da avó havia perdoado Potter e se enfurecido com o diretor de Hogwarts. Estava com tanto medo antes que a decepção fosse para si que, talvez, seu alívio tenha ficado mais claro do que o esperado, pois de repente os braços de Augusta o seguraram pela jaqueta branca de presidente do conselho estudantil e o puxaram para um abraço tão apertado que era capaz de lhe arrancar o ar dos pulmões.
Ficou claro que se assustou com o gesto repentino, no princípio houve um momento estático de receio e observação do ambiente, depois ele só não quis retribuir como se nem tivesse sido ensinado o que fazer. Mas Augusta acrescentou e sentiu-o relaxar a cada palavra:
- Ah querido, jamais se desculpe por coisas que não deve. Não para mim – ela se afastou para juntar ambas as mãos no rosto do menino e levantar com delicadeza a fim de que pudessem se olhar face a face. Bem mais delicadeza do que fizera no abraço e até disso ele riu baixinho.
Não queria mais do que aquilo: que estivesse confortável. Enfim a Longbottom pensou que as coisas estavam se encaixando como deviam.
Sempre foi uma bruxa baixinha e não estava com saltos tão expressivos, seus netos já haviam-na ultrapassado no verão e nem haviam tido seu período de crescimento repentino como a maioria dos meninos. Achava que ambos estavam demorando e suspeitava que já neste verão do quarto para o quinto ano, ficariam muito maiores do ela e qualquer salto alto que se permitia usar. Ficariam ainda mais lindos, tinha certeza.
Mas agora, tinham praticamente a mesma altura para que não precisasse se inclinar ou fazer qualquer coisa para olhar diretamente para os olhos do menino.
Que estava sem os óculos ceguetas.
Dois redemoinhos de raios verdes intensos giravam à frente e esperava que pudessem ver em sua alma qualquer verdade que ainda escondia, mesmo que não intencionalmente.
O menino, entretanto, foi o primeiro a se pronunciar, preso na forma com que era encarado:
- O que a senhora está pensando?
- Como meus netos são lindos – respondeu logo de cara.
Isso o fez corar muito sutilmente, tanto que se Augusta não estivesse tão perto, não notaria. Só que ela o fez, e precisou abraçá-lo novamente em seguida.
- Vó? A senhora está um tanto-
- Vocês dois se tornarão guerreiros incríveis, sabia? Já são.
- Obrigada... – respondeu sem firmeza alguma.
- Sempre terrível com elogios. Você não muda mesmo – comentou negando com a cabeça e, desta vez, garantindo que continuava o olhando de frente, acrescentou: – Você e Neville conseguem me dar orgulho na mesma proporção que me enfurecem, sabia?
- Como é? – por sorte, a mulher havia lidado bem o suficiente com a situação para ele entender a afirmação como algo não pessoal e rir de sua colocação repentina.
Claro, ainda estar com os braços sendo segurando carinhosamente pelos dela, pode ter acabado com toda a força da bronca.
- Eu já lhes proferi, em mais de uma situação, que devem erguer a cabeça sempre! Não devem se envergonhar de suas realizações. Harrison, especialmente quando outros perpetraram atos indignos que o levaram a agir em prol do que é melhor.
- Que os outros... me levaram a agir? Que quer dizer?
- Não foi escolha sua sair de Hogwarts. Lhe forçaram a participar deste torneio e ser emancipado, pelos deuses, nessa idade! Você é apenas uma criança e-
- Não sou exatamente uma criança... – a mulher o encarou com a sobrancelha levantada e batendo o pé no chão, enquanto Tom riu em sua cabeça.
"O que foi hein?" questionou a horcrux. "Ta rindo do que".
"Ver crianças negando que são crianças é tão engraçado quanto um inimigo fraco gritando em batalha que vai te destruir".
Hazz mordeu a bochecha irritado com aquilo.
Por um segundo pensou em provocar de volta, dizer algo como "pelo menos eu posso crescer e você vai continuar sendo uma alma penada", mas aquilo era indizível para si. Primeiro porque sabia que poderia realmente atingir Tom, segundo porque ele mesmo, se pudesse e enquanto pudesse, lutaria para lhe dar um corpo. Tê-lo abraçando e conversando com todos assim como foi no fim de semana. Parte da família como um todo. Sempre soube que queria aquilo, mas depois de experimentar uma amostra? Seria impossível não querer mais. Então mesmo que o pensamento tenha vindo, se foi rápido e seguido por tanto carinho que nem Tom poderia se incomodar com aquele vulto de maldade.
Pelo contrário, ele zombou disso:
"Olha que fofa a criança com peninha de magoar seu amigo imaginário, me sinto honrado".
O menino quis revirar os olhos por aquilo, mas Augusta poderia entender errado então apenas os fechou e inspirou fundo, antes que começasse uma discussão com Tom.
- Legalmente um adulto – murmurou, porque percebeu que o Riddle detestou tanto quanto os outros adultos na casa Black aquela frase, mesmo que também a usasse junto do menino para provocá-los, vez ou outra.
Principalmente Lakroff.
Augusta riu:
- O fato de você já poder ser considerado adulto pelas leis, só mostra como meu governo precisa de uma boa sacudida e talvez algumas, várias, mudanças – o fim da frase foi dito com um olhar muito significativo para o menino, que sentiu em cada parte do seu corpo a presença de uma mensagem. Um aviso.
Uma mudança.
Sem se permitir pensar muito sobre isso, apenas concordou de forma vaga:
- Muitos governos precisavam de mudanças.
- Sim – meneou em consentimento vago. Como se quisesse acrescentar algo . Então, apertando os lábios antes de continuar, chamou. – Harry – ela usou o apelido para lembrá-lo de que mesmo o repreendendo, ela o fazia por amor.
Era sua avó! Como tal, tinha que lhe apontar quando errava, não só amaciar ou parabenizar diante dos acertos. Que tipo de pessoa se tornaria se não tivesse alguém assim? Se toda sua vida fosse levado apenas por Lakroff, que o tratava como perfeito e intocável?
Algo como Draco Malfoy? Lucius? Mesmo Abraxas? Todos mimados. Apesar do último ainda ter potencial. Desperdiçado, é claro, ao jurar lealdade para a pessoa errada. Mesmo que... entendesse um pouco melhor agora parte da causa que tentava defender por baixo de toda aquela arrogância e supremacia que provavelmente teria de olhar mais a fundo, podia não ser tudo e desde o começo ela apenas não ouviu até o ponto certo.
- Harrison, eu o chamei aqui pois queria lhe explicar algo. Vejo, entretanto, que você também se sente inclinado a me dizer algumas palavras. Prefiro resolver esta questão antes de levantar a minha própria. Para isso, entretanto, preciso que me faça entendê-lo. O que não será possível se continuar balbuciando e se curvando como estava fazendo! – Harrison imediatamente ajeitou a postura.
A matriarca soltou um som que tinha a potência de um bufar e revirar de olhos, mas aquelas eram reações muito inapropriadas para uma lady, então mantinham a apenas essência de descontentamento.
Augusta era, para Harrison, a própria definição de austera.
[Dicionário da fic: Austera. adjetivo. 1. Que é muito rigoroso em seus princípios. 2. Que demonstra pouca ou nenhuma flexibilidade. = RÍGIDO, SEVERO 3. Sério e grave. 4. Que exige muito esforço (ex.: trabalho austero). = ÁRDUO, DURO, PENOSO. 5. Ríspido (ex.: voz austera).
Uma pessoa austera é alguém que demonstra um comportamento sério, rígido e disciplinado em relação a si mesma e aos outros. Ela tende a ser estrita consigo mesma e com suas obrigações, seguindo um estilo de vida simples e sem extravagâncias. A austeridade está relacionada à moderação, autocontrole e renúncia a excessos, sejam eles materiais, emocionais ou sociais. Uma pessoa austera geralmente valoriza a disciplina, a ética, a sobriedade e a responsabilidade, e pode ter uma abordagem mais rigorosa em relação aos padrões morais e aos princípios pessoais. Essa postura pode ser adotada em várias áreas da vida, como no trabalho, nas finanças, nos relacionamentos e até mesmo na aparência pessoal]
Mas ele gostava assim. De alguma forma muito interessante era uma combinação ideal em sua vida, junto de Tom e Lakroff ele sentia que tinha boas pessoas para se inspirar. Todos muito diferentes entre si, que eram os responsáveis pela formação de sua personalidade com pontos positivos e negativos, mas que podia, através das próprias experiências e ideias, tirar o melhor de cada.
"O pior também" Tom sussurrou muito fundo em sua mente, certeza que assumiria ser um pensamento de si próprio, se não fosse a Horcrux em seu pescoço que dava a voz ao amigo.
O ponto é que serviram para algo que não tinha em outro lugar, mesmo que inconscientemente, foram seus modelos adultos. Suas figuras paternas... na ausência daqueles que nasceu para ter.
- Agora sim, aja de acordo com sua posição, lorde Peverell.
- Sim, lady Longbottom. Desculpe-me pela gafe.
- Por que está rindo, se está se desculpando? – questionou estreitando os olhos.
- Por nada – e riu mais um pouco.
- Potters – novamente, aquele murmúrio de descontentamento e desaprovação tão elegantemente usados pela mulher.
Humor.
Era bom que o menino parecesse bem humorado, mas Augusta não podia baixar a guarda ainda. Um dos mecanismos de defesa, enfrentamento e disfarces mais comuns de Harrison era o humor. Seus sorrisos eram capazes de iluminar uma mesa, encantar multidões, mesmo não sendo sinceros em qualquer parte. Ele era bom com isso principalmente para desarmar os adultos.
Afinal, se tornava tão parecido com seu próprio pai ao rir e fazer algum gracejo, que distraía completamente aqueles que um dia conheceram James. O que era irônico, em vista de justamente a diferença gritante entre pai e filho. James era tão sincero sobre alguns aspectos de si mesmo que não conseguia disfarçar seus sentimentos mais puros. Alegria, tristeza.
Raiva.
Ficavam tão explícitos em cada ação sua, que ou contaminavam a todos ou assustavam. Seu rosto, atitudes ou palavras tinham que expressá-lo. Era sua forma de dizer ao mundo como estava o enxergando e o mundo tinha que saber o que James Potter tinha a dizer sobre ele.
Harrison poderia guardar os seus para sempre sem que ninguém jamais conhecesse as verdadeiras ideias que por ali se escondiam.
Por isso, por saber que não podia ter certeza se ela e o menino estavam chegando a um entendimento mútuo, continuou sem levar em conta as brincadeiras.
- Entende como agora eu sei a que se refere quando desculpa-se? A palavra ganha algum significado e pode servir para seu propósito. Palavras são mágicas por si próprias, mas apenas se usadas com um objetivo, não soltas ao vento.
- Sim, senhora. Entendo..
- Ótimo. Então tente de novo. Do que exatamente está se desculpando desde que viemos aqui? E garanta que o que disser fará sentido, a palavra de um lorde tem importância. Não desperdice ou faça-a uma arma para atestar uma incapacidade sua.
Obedientemente, Harrison manteve a postura adequada, e desta vez decidiu expor exatamente o que havia lhe passado.
- Eu falhei com a senhora, por isto desculpei-me. Garanto que não pretendo deixar que volte a acontecer, mas reconheço que diante das circunstâncias posso ter perdido o poder de acalmar suas preocupações, mas é o que posso oferecer. Minha palavra de que-
- Em que você falhou, por todas as deidades? – indignou-se.
- A senhora me pediu para proteger Neville! – respondeu com firmeza, mas depois houve uma pausa, um momento de silêncio e compreensão maior de Augusta, da mesma forma que Harry tomou aquilo para respirar profundamente antes de continuar, bem mais afetado. – Eu não consegui. Eu tentei e juro que o fiz! Mas talvez eu só não fosse o bastante... – as palavras não foram sussurradas, nem murmuradas, mas saíram de uma forma sútil. Tal qual um sopro. Muito bem articuladas e audíveis tal qual como foi orientado pela dama, entretanto, ditas com uma leveza ímpar que quase faziam-nas perder a potência. Como se seu orador as achasse vergonhosas demais para que ganhassem mais força do que já tinham. – Ou posso não ter focado no que devia. De toda forma eu sei que falhei e, não só isso, eu... A senhora está chorando? – se desesperou.
Augusta estava. Mesmo que fosse apenas uma única lágrima já que não se sentia triste o bastante para chorar com aquelas palavras.
- Menino, claro que estou!
As palavras dele, mesmo ditas em simples sopro, atingiram as barreiras da mulher com a força de um tufão. Terminando de destruir tudo.
Inclusive o que segurava as últimas forças de sua "antiga eu".
E ela não sabia nada sobre a nova.
Era o medo, de certo. Em estar naquela situação, onde sabia que teria que se desconstruir como um todo. Era algo difícil de se lidar para qualquer idade, mudar o olhar em suas memórias e abandonar certezas, ter que refazer sua base de sustentação e perceber suas falhas.
Só que, independente do desafio, sabia que devia arrumar coragem e enfrentá-lo. Era uma grifinória, uma avó e estava fazendo isso por sua família.
Uma leoa decidida a fazer tudo sozinha, sem mais um leão para mandar-lhe.
Ela virou-se para limpar aquela lágrima fujona, de forma que os outros netos não vissem e acabassem se preocupando também. Ou talvez sob novamente seu subconsciente querendo esconder as emoções de novo, do máximo de pessoas.
- Sabe, Harrison. Você não pode se desculpar quando fizer algo que sempre foi o meu dever. Pare de interpretar tudo errado... só me faz sentir pior. Neville é um desafio grande demais, até para você e eu nunca devia ter lhe passado alguma responsabilidade nisso.
- Certo, mas... pare de chorar, por favor. Eu entendi.
- Desculpe, querido. Isto o incomoda? – sorriu e levantou o rosto, pois o pedido a fez pensar que outra lágrima estava prestes a lhe fugir.
Harry, entretanto, aparece ainda mais desconcertado:
- Eu... Eu não- Vó! Desculpe, eu não queria fazer sentir-se desconfortável ou... julgar, apenas estava-
Augusta deu uma leve risada daquilo e voltou a olhá-lo, bem mais calma.
- Você tem uma reação muito interessante acerca de pessoas chorando, já lhe disse? Acho que só o vi lidando de forma adequada com as lágrimas de Neville. Talvez meu neto chore demais e já tenha se acostumado – ponderou por alguns instantes. – Ou vocês que possuem uma ligação intensa o bastante para que saiba como lidar com ele.
- Talvez – concordou lentamente.
- Mas sobre você e Neville, eu que devo desculpas a vocês. Está bem?
Ele não respondeu, tão pouco concordou, no lugar ficou longos instantes com uma expressão séria até recitar:
- "Sei que é pedir muito, mas cuidem do Neville. Sei que não tenho muito a oferecer, nem que é dever de vocês, só que acredito que neste ponto já somos uma família, então oferecer meu amor é o que posso. Cuidem dele, como eu cuidaria de vocês" – ele suspirou. – Sim, não era meu dever, mas você mesma disse que somos uma família, então não foi apenas sua falha, se deseja pensar por esse ângulo. Quando qualquer um de nós deixar outro se ferir, então é uma falha, não? Não pode dizer que errou, sem afirmar o mesmo de mim. Eu estava perto dele, estava nessa escola! Não a senhora-
- Eu não devia ter jogado esta responsabilidade para você, já disse! Ou mesmo Lakroff. Sim, somos família – ela tornou a tocar o rosto do menino, suas bochechas cheia de afeto. – Fico muito feliz que também pense assim, porque o amo tal qual um neto biológico – desta vez as bochechas do menino ficaram coradas o suficiente para qualquer um notar e Augusta riu, uma risada quase difícil demais de ser contida entre os lábios de forma adequada.
Aquilo foi, entretanto e por si só, um alívio.
Seu dia estava sendo péssimo e precisava disso. O bom e velho Harrison e sua forma péssima em lidar com sentimentalismos e emoções. Ela o entendia. Também não era dada a eles toda forma, mas nem por isso chegava aos pés do menino. Tomou a liberdade de aproximar sua cabeça na direção do menino, levantando seus cabelos negros para fazer algo que já viu Lakroff repetir várias vezes. Harry nunca se afastava, o que fez a bruxa se permitir tentar: beijou a testa do menino que sobreviveu (mas diferente do Mitrica preferiu evitar fazer próximo da odiosa cicatriz, que ainda lhe dava calafrios).
Ele realmente não fugiu do contato, apesar de ter ficado ainda mais vermelho, uma vez que era novidade. Vindo de Lakroff contato físico e "muito mel nas palavras" era constante, aquilo era novo para a dinâmica dos dois, mesmo que se permitissem um pouco mais de intimidade em prol da conversa, era diferente.
Era bom.
Isso garantiu mais algumas gotas de felicidade para a bruxa, então ainda deu outro beijinho, mas em uma das bochechas agora.
Harrison riu daquilo apesar de tudo, como se sentisse cócegas. Depois de ser pressionada pela dor daquela noite, o novo som, uma simples risada genuína era como garantir que os ventos levassem todos os cacos que havia se partido e que queria se desfazer, então ser aquecida por um raio de sol perfeitamente quente e revigorante. Iluminando o presente.
O futuro só o tempo diria.
Afinal nem Lakroff falava sobre ele.
- O que está fazendo? – perguntou Harry.
- Beijando meu neto, achei que estava claro – resmungou estupidamente. – Você gosta de apontar fatos óbvios, Harrison? Primeiro minhas lágrimas...
Aquilo aumentou a risada do adolescente e a felicidade contínua de Augusta.
- Sim, gosto de verbalizar os fatos, até os que me parecem mais óbvios. Afinal, venho notando que há pessoas que não conseguem percebê-los mesmo diante de suas faces! O costume, entretanto, parece ter ido longe demais. Minhas sinceras desculpas.
- Querido, desculpe-se comigo mais uma vez por algo que julgo tolo e teremos um problema — murmurou e a gargalhada que recebeu foi o suficiente para, enfim, voltar ao lugar.
Dumbledore a levou ao limite, mas... Harrison a trouxe à terra.
O menino piscou e estagnou quando Augusta o abraçou novamente, mas desta vez para surpresa dela, levou apenas alguns segundos para aceitar e retribuiu o gesto.
- Vejam só, ganhei um abraço! Lakroff terá motivos para reclamar dois dias inteiros no Yule, com certeza.
- Eu também não me afastei deste que já deve ser o terceiro, acho que serão mais de dois dias. Talvez o feriado todo? – Harry também entrou na brincadeira.
- Vou fazer valer a pena então e gastar todo mimo permitido hoje.
Ainda rindo das brincadeiras incomuns da mulher, ele não se afastou nem por um segundo do abraço. Para o terror de Lakroff (em algum lugar de sua mente Grindelwald que sentiria aquilo), o jovem Potter apenas inclinou a cabeça para encostar à dela.
Ali, parado em seus braços, Augusta sentiu como se fosse um boneco. Um lindo boneco de porcelana bem trabalhado de um bruxo forte. Entretanto, ainda quebraria no instante que alguém o derrubasse.
Mas dizia a todos que aguentava a queda (e era tão bem forjado que acreditavam).
Mesmo depois de todos esses anos onde ambas as famílias adotivas em seu coração tentavam curá-lo ainda tinha rachaduras, eles não conseguiam esquecer. Nem tudo havia cicatrizado totalmente e pior eram as que ficaram, mesmo com o esforço da magia. Sejam interna ou externamente.
Potter podia parecer forte, mas não era. Não no seu coração de mãe.
- Será que com tudo isso, consegui fazê-lo entender que não o responsabilizo, tão pouco você deveria, diante do que foi feito?
- Como família, ainda estou no meu direito de me desculpar por não cumprir um pedido.
- Como família, você é apenas o neto e, gostaria de ressaltar que é o mais novo de todos nós! Até que Heris tenha um filho ou coisa parecida, você é caçula a quem nós devem proteger.
- Baba Yaga que me livre!
- Qual das partes foi incômoda para você? – perguntou, sorrindo de antecipação.
- Heris tendo filhos.
- Seu irmão seria um ótimo pai. É ótimo com crianças. Tenho certeza que iria querer várias. – provocou.
- Isso implica que ele teria de casar?
Augusta imediatamente riu, o som saiu mais alto do que se permitia, então levou a mão à boca para conter qualquer tentativa de escapar mais.
- Seu ciúmes para com seus irmãos é hilário.
- Neville disse algo assim este ano, tenho quase certeza. Ou tinha um viés parecido, pois foi quando ameacei alguma mulher de se aproximar dele entre as mesas da grifinória e sonserina, diante de quem estivesse ouvindo no salão principal. Disse para esperar eu voltar para Durmstrang e também que pensam que sou ruim, mas não viram como eu seria com as vozes na minha cabeça – e calculadamente tarde acrescentou: – Se as tivesse.
- Imagino que ficaria muito bravo se alguém tentasse lhe medicar e tirá-las de você.
- Devastado – respondeu, as mãos movendo-se expressiva e dramaticamente para o peito. – Eu mataria para manter as vozes exatamente onde estão.
- Você mataria ou "elas" lhe diriam para fazer?
- A este ponto, acho que nem faz mais tanta diferença.
Os dois riram da brincadeira juntos.
Enquanto Tom reclamava o fato de que havia se tornado a piada "novamente".
"Me aguarde, pirralho. Vai ter volta" resmungou tão imaturo quanto podia.
"Vai fazer o que? Dar um peteleco na minha orelha?" provocou de volta e riu mais ainda quando a cicatriz começou a doer. "Foi na testa, então?"
Quando a dor se intensificou antes de sumir ele soube que estaria pagando por isso, de um jeito ou de outro, assim que se esquecesse ou baixasse a guarda. Tom nunca esquecia. E dificilmente gostava de deixar barato.
Entretanto, como ele não era capaz de fazer nada tão terrível assim, ainda era divertido provocá-lo, o bastante para que não parasse.
- Neville é minha responsabilidade – Augusta repetiu, ainda com firmeza. – Não sua. Se está me dizendo que tentou, eu já sou grata, tenho certeza de que as coisas poderiam ser piores sem você aqui. Esqueceu-se o tamanho das confusões que meu neto geralmente se enfia? Parece que ele está desafiando a si próprio a fazer algo a cada ano, mais alarmante que o anterior, para jamais rebaixar o nível!
- Em defesa de Neville, acho que as confusões que caçam ele, não o contrário – brincou.
- Ele também usa este argumento para tentar se defender. Juro que votei contra o torneio tri bruxo ser reativado, tanto quando a proposta apareceu no Wizengamot, quanto no Conselho de Governadores de Hogwarts porque com seu histórico já estava imaginando um jeito de se ferir. E olha que já foi impressionante para mim que Albus tivesse a decência de abrir uma reunião com o conselho de pais para isto. Mas é claro que ele não podia aproveitar a oportunidade para nos ouvir questionar sua decisão de enfiar um instável como Moody aqui – a bruxa bufou, negando com a cabeça enquanto levava à mão a testa e massageava. – Só nessa sentença eu listei ao menos três perigos eminentes que poderiam atingir o histórico temerário do meu neto.
[N/A: Temerário (adj.): 1.Que tem tendência ou propensão para se envolver em situações de risco, colocando sua própria vida em perigo. 2. Caracterizado por comportamento imprudente, audacioso ou temerário. 3.Pessoa que apresenta histórico destrutivo, frequentemente envolvendo-se em situações perigosas ou de risco extremo. 4.Que é propenso a ter azar ou experiências negativas, especialmente relacionadas a perigos iminentes.
O termo "temerário" descreve uma pessoa imprudente, audaciosa e propensa a correr perigos desnecessários, muitas vezes colocando sua própria vida em risco. Essa palavra transmite a ideia de alguém que está constantemente envolvido em situações perigosas devido a uma combinação de má sorte e comportamento imprudente. Ou seja: dar uma de Harry Potter e seus amigos, mas principalmente Harry Potter (e Neville, nessa fanfic)].
- Oh doce Merlin, que fiz para ser condenada a isto justo nesta idade? – questionou a bruxa, negando com a cabeça.
- Que idade? Vinte anos? Diziam que é a flor da vida e-
- Continue esta frase e lhe puxarei a orelha, projeto de Lakroff.
- Eu diria que não é uma característica restringida apenas ao meu avô. Nós Mitricas, entretanto...
- Seu pai era assim também e o Mitrica da relação era sua mãe.
- Minha mãe casou-se com James, o que o tornou lorde da casa. Ele é, no fim, um Mitrica e acho que ela fez a escolha ideal, não? Se encaixa incrivelmente entre nós e a união deles ainda possibilitou algo incrível como meu nascimento! – e indicou a si mesmo de forma convencida, o que gerou outra risada involuntária de Augusta.
Ela instintivamente sufocou está também, antes que pudesse aproveitar todo o momento, mas foi forte o bastante para constatar o fato: estava sorrindo. Felicidade genuína. E via o mesmo no neto.
Mesmo diante de todas as inseguranças futuras e como mentora, via diante de si algo a se salvar: O amor que sentia por aqueles meninos não podia ser algo ruim e descartável e era uma base que poderia e iria manter.
Não importava tanto seu novo posicionamento em relação ao mundo. O mais valioso, eram aquelas crianças. Seu motivo de viver e sorrir, mesmo depois de tudo, aquilo que lhe restou neste mundo. Todas as incertezas em relação ao futuro, ou sua insegurança em relação a ter de se refazer já tão velha se seria capaz ou não, eram apenas detalhes diante de que no fim, só tinha que ter certeza de acertar em um ponto e o resto poderia lidar.
- Você está muito brincalhão – comentou, levantando uma sobrancelha, com um tom de repreensão em sua voz. – Você é o lorde de, ao menos, quatro das casas mais nobres e antigas da Europa. Sem mencionar "legalmente um adulto" – lembrou, a voz mais rígida a cada instante. – Deve agir como tal, não como um reles bobo da corte.
O uso das próprias palavras de Harry contra si, entretanto, só causaram-lhe uma reação divertida:
- Não se preocupe, não sou o bobo, mas o próprio príncipe da corte – respondeu de forma arrogante.
Augusta sorriu, negando com a cabeça e acariciando a do outro.
Porque Harrison parecia estar entendendo, mas ainda queria ter certeza que não duvidaria daquilo, não haveriam dúvidas, no final do dia: ela nutria carinho por cada traço da personalidade do menino, exatamente como era, e estava feliz que não havia se reduzido novamente àquele menino encolhido.
Harrison, o príncipe da Durmstrang. Esse era seu neto e tinha orgulho dele.
De sua luta.
O que foi justamente o motivo de levá-lo até ali, desde o princípio:
- Sua alteza – o tom firme de quem chama sua atenção não combinava com o início daquela frase, o que fez Harrison a encarar com um largo sorriso travesso. – Preste atenção!
- Sim, ministra! – brincou de volta.
- Ministra? Como é?
- Pergunte ao meu avô depois, ele que inventou.
- Certo – ela dispensou. Não ganharia nada tentando entender a cabeça de Lakroff, aquele maluco (incrível, mas maluco). – Sua alteza é um guerreiro — sua mão viajou suavemente pelo rosto tão macio do adolescente, acariciou com seu dedão a bochecha, foi até o queixo e o levantou, para encarar aquela imensidão verde que parecia tão apagada, mesmo que o sorriso tentasse iluminá-lo o bastante para que não fosse notável. Talvez funcionasse com outros, mas com os Longbottom? Era um esforço quase ridículo. — Guerreiros não abaixam a cabeça – advertiu. – Eu sempre digo isto, mas você e Neville ainda não aprenderam! Não ouse tornar a baixar o rosto e me pedir perdão, no mínimo olhe para a pessoa que sente que deve desculpas quando for dizer. Desculpas também não servem de nada se nem mesmo tem coragem de enfrentar a situação de frente.
Harry inspirou fundo, como se junto com o ar, absorvesse aquelas palavras. Firmou sua postura e se curvou, mas sem tirar os olhos diretamente da avó ao repetir com firmeza:
- Eu sinto por não ter cumprido com seu pedido. Mesmo que não fosse minha obrigação, tomei para mim tentar meu máximo.
- Você deixou de tentar? – interrompeu abruptamente. Se alguém olhasse de fora, se não os conhecesse, Augusta pareceria estar dando uma bronca em Harrison.
- Não.
- Ao que deve desculpas, então?
- Talvez para mim mesmo.
- Por?
- Envolver um amigo nos meus problemas?
- Não entendi. Explique-se melhor.
Ele não respondeu rapidamente. Não podia fazê-lo. Envolvia muitas coisas que não queria que Augusta se aproximasse. Seus planos, objetivos.
Até que ponto, qualquer um que Albus Dumbledore não pudesse ter de alguma forma prejudicado, invadido ou invalidade era sua responsabilidade?
Acreditava fielmente nas palavras de seu bisavô, parafraseadas de um pensador trouxa, sobre como somos parte do problema ou da solução. Estar quieto é concordar com o problema. Se tivesse anos atrás lutado para derrubar Dumbledore, poderia ter perdido a proximidade com os Longbottom que ainda lhe eram muito leais, ao ponto de justificarem todas as falhas que já foram acobertadas do homem com discursos como acreditar que as implicações de testemunhar contra Dumbledore seriam muito prejudiciais. Pensamentos de que as ações de Dumbledore, embora questionáveis, não deviam ser expostas publicamente por causa dos serviços que prestou à comunidade bruxa.
Ele os perderia e, por isso, não fez. Mesmo que quisesse, escolheu um plano mais demorado, mas que garantiria que pessoas como seus amigos vissem que estava com a razão.
E mesmo assim, teria que arcar com a culpa de que se qualquer outra passasse por algo como o que ele passou, ele foi efetivamente parte do problema por nem tentar avisar antes. Mesmo que estivesse lutando por uma condenação, não apenas avisos soltos, um aviso poderia fazer a diferença.
Vários avisos, poderiam evitar situações menores.
"Você escolheu a jogada onde só precisaria dar um cheque-mate e acabar com isso. Sem que o velho tivesse como ver aquilo chegando, não se culpe por querer vencer o jogo" repreendeu Tom.
"Eu me culpo por sacrificar as peças para isso".
"Ninguém ganha com todas as peças de pé. Por mais valiosa que seja, até a rainha o rei deverá dar em prol da vitória... em prol de sua vida".
"Neville não é minha rainha" respondeu na mesma hora.
Tom riu. Primeiro porque o adolescente sentiu a necessidade imediata de afirmar aquilo. Segundo, porque sabia.
"Não. Mas talvez seja eu".
"Quer merda quer dizer com isso?" perguntou, muito incomodado com o tom de voz da horcrux naquele momento, mas ele também não obteve resposta, Augusta já voltava a lhe falar:
- Como você envolveu Neville nos seus problemas, Harrison?
- Dumbledore não teria porquê violá-lo se eu não tivesse me escondido do ministério. Se eu só tivesse... escolhido um caminho onde não haviam segredos para ele-
- Tolice. Simplesmente ridículo! – interrompeu em desprezo. – Você é um homem ridículo, Harrison?
- Desculpe, como?
- Você foi o responsável por Dumbledore fazer o que fez? É isto que pensa?
As bochechas de Harrison coraram levemente e sua postura diminuiu um pouco enquanto concordava com a cabeça.
- Não resmungue, não sussurre e muito menos acene desta forma. Pare de evitar as consequências de suas palavras. Os Príncipes devem garantir que sejam sempre ouvidos com clareza por seu reino, não apenas ao falar, mas diante do que cada ação representa e a mensagem que passa. Se quer ser um líder, arque com suas decisões e tenha orgulho delas – Harrison abriu a boca, mas a mulher o calou com o levantar de sua palma. – Mesmo quando acreditar que falharam. Suas decisões sempre devem ser baseadas naquilo que você pensou ser o melhor na época. Tome para si aquilo que acha que é o melhor, vista e lute por isto, assim poderá colher os frutos. Quando der certo, será mérito de suas capacidades de liderança e quando der errado, não tome como demérito, mas aprendizado. Principalmente: lembre-se que se o seu melhor plano foi uma falha, não importa quais eram as outras opções, você não mudará o que está acontecendo. Mas você fez o que achou melhor. Não pode se envergonhar disso, de escolher a decisão certa.
- Se eu falhei ela pode ser considerada certa?
- Sim. Afinal foi a que você achou melhor. É disso que me refiro. Não adianta escolher algo que não se orgulho, mas pensa que poderá acertar, na falha você sentirá o peso de ser um líder ruim e não ter feito o que achava certo. No momento, você não acha que escolheu errado, mas que queria mudar o passado e fazer diferente do que seus instintos diziam. Isso não é liderar. É covardia e incerteza. Quer ser um líder incerto e que não acredita nas próprias decisões?
- Não.
- Então aceite as decisões que já tomou. Agora responda: você gosta de Albus Dumbledore?
Não foi preciso uma resposta verbal.
A expressão de Harrison foi a mais pavorosa que Augusta já vira em sua longa e experiente vida. Lhe faltariam palavras se tentasse descrevê-la. Aterradora, angustiante, era até mesmo enervante apenas olhar para sua face naquele momento. Os olhos não eram apenas a cor da maldição da morte, mas elas em si. O brilho, os raios, a promessa e o efeito. A respiração do garoto ficou lenta e pesada, toda a cor do rosto sumiu, era uma estátua.
Uma estátua da morte em pessoa.
Olhando alguém que lhe causava ódio puro e genuíno.
O menino negou com a cabeça, muito lentamente, quase como se acreditasse que se qualquer som saísse da sua boca, seria a concretização da maldição da morte e Augusta não duvidaria dessa capacidade. Não agora.
- Em algum momento de sua vida você nutriu alguma simpatia ou sentimento diferente do negativo para com ele? – ela continuou, tirando forças para falar da certeza de que Harrison não a machucaria.
Sua raiva não era para com a bruxa.
Mais uma vez, ele negou com a cabeça.
- E mesmo sentindo-se assim em relação a ele, alguma vez em sua vida tentou forçar eu ou Neville a vê-lo como você o faz?
A frase pareceu atingir o menino e desarmá-lo com a velocidade com que tinha sido levado antes. Harrison de repente era o mesmo menino de sempre, não aquele...
Ser.
Uma entidade. Não era sequer um príncipe das trevas, Augusta pensou quase rindo nervosamente. As palavras proibidas ecoando em sua mente. "Lorde das trevas". Lorde de tudo que a representa e dela própria. A definição pura e simples de governar, de verdade, em tudo que as artes das trevas são capazes e alcançam, explorá-la com toda sua força, expandi-la em seu máximo potencial e se aliar a ela, tal qual o maior dos mestres diante de sua arte.
Aquilo sumiu.
Era assustador pensar que alguém podia sumir com todo aquele poder, presença e pressão tão rapidamente, tão naturalmente. Fazia-a questionar todos os seus sentidos. Duvidar se o que estava diante de si era mesmo humano.
Pois mesmo que agora fosse... Tudo aquilo realmente era possível existir em algo tão irrisório quanto uma pessoa? Parecia acessível apenas pelo divino.
- Que quer dizer? – até sua voz parecia deslocada agora. Não que a máscara não estivesse perfeita.
Estava, como sempre. Harrison dificilmente se permitia ser menos que perfeito em suas melhores artes, como a enganação por exemplo, mas Augusta estranhava aquela voz calma e humana saindo da mesma pessoa que estava na sua frente antes.
Até os olhos voltaram a um verde mais pacato, mesmo que ainda fossem lindos como joias, ainda algo mundanamente físico. Não magia em si.
- Você disse que tem culpa pelas ações do diretor de Hogwarts, pois ele queria algo que Neville poderia ter para chegar até você, que era seu objetivo final. Enquanto isso, você pessoalmente alguma vez usou magia, tentou nos forçar ou nos manipular para que acabássemos lhe dando algo que você queria?
- Jamais faria algo do tipo.
- Então não pode colocar isto em suas costas. A sua liderança, sua alteza, envolve permitir que as pessoas tomem suas decisões por conta própria. Você dá uma ordem, a que acha ser a melhor, mas apenas os que acreditam em você precisam acatar. Não são soldados cegos, mas aliados. Você é um líder que pensa bem e quer que todos façam o mesmo, que tomem juntos aquelas escolhas para que não se arrependam no final, mesmo se falharem. Foi uma escolha. Não é sobre qual o objetivo, mas justamente os meios que escolhemos para eles. Se sua forma de agir respeita os limites das pessoas e seu livre arbítrio... Não vejo como haveria de ser repreendido pelo que outros líderes fizeram com o seu direito livre de ações e para alcançar você – ela deu uma longa pausa, mas Harrison viu que queria dizer mais alguma coisa e, por isso, esperou pacientemente.
A mulher sentia que aquele era um bom momento. Ela praticamente podia ver a linha imaginária do limite que faltava. Se ultrapassasse aquilo... era uma escada rumo ao desconhecido. Ao vácuo perigoso e instável que Harry representava. Ela viu uma das janelas de Hogwarts, o céu noturno brilhava pintado de estrelas, caminhou até ela e viu os jardins.
Pensar sobre aquilo era bem mais fácil do que dizer. Terminar de cruzar a linha era algo assustador e foi como se precisasse olhar um pouco do passado, para ter certeza de que esse era seu futuro.
Do lado de fora, Hogwarts estava aos poucos deixando que o aspecto de outono desse espaço para o inverno. O vento era mais forte e levava as folhas que caiam de um jeito que não se empilhavam mais como antes, mesmo que ainda fosse forrado por algumas. As crianças provavelmente estavam começando a optar por cachecóis e as meninas por meias calças, mas estava noite e ninguém andava por aí. Todos deviam estar jantando.
Seus netos tiveram tempo de comer?
- Quantas refeições você comeu hoje?
- O bastante.
- Não foi o que perguntei. Responda adequadamente.
- Só não jantei – Harry crispou os lábios, torcendo para que voltassem ao outro assunto, mas não tentaria mudar de propósito ou Augusta notaria.
- Quando sair daqui, peça a Long lhe preparar um prato.
O menino fez uma enorme careta de que decididamente não queria, mas não tinha coragem de dizer não.
- Eu entendo se quiser manter suas inseguranças com você mesmo – ela tornou a falar. – Espero apenas que não permita que sejam um norte maior do que as certezas que lhe digo.
- Manterei isso em mente – concordou, acenando com a cabeça, ele seguiu até a avó, apoiando-se na parede ao lado da mesma janela e procurando o lago, talvez o barco da Durmstrang. – Eu entendo que se fiz o que julguei melhor, então não cabe a mim o arrependimento. Se acredito que havia uma solução que poderia ter sido mais adequado, acrescentarei ela a meus novos pensamentos e levarei tudo comigo para quando tiver de tomar escolhas parecidas, para continuar tendo certeza de cada passo e podendo lidar com suas consequências de cabeça erguida e orgulho intacto. Não posso mudar o que foi, mas prometo que continuarei tentando, a senhora queira ou não, vou priorizar sempre proteger quem me é caro. Se julgo que algo poderia ter sido feito, no passado jamais será alterado, mas no presente é fato que será considerado.
- Certo.
Augusta ponderou sobre aquilo. Teve uma impressão muito forte de que era mais uma promessa.
Mas uma ameaça.
Uma ameaça velada à Albus. Pois se ele foi, no passado, algo que Harry considerou prejudicial à Neville, então no presente teria que considerá-lo... mas como o faria? A expressão que tinha feito antes era um indicativo de que não seria nada que a mulher poderia desejar sequer para seu pior inimigo. Mesmo assim?
Não poderia se importar menos.
Como diria o hipócrita do Albus: desde que fosse pelo bem maior de todos...
Ela acenou:
- Não posso falar contra tal atitude, se é a decisão do lorde – Harrison quase sorriu para aquilo, pois viu o orgulho na alma da mulher, apesar do rosto sério, mesmo que um leve receio, que não soube identificar porque. – Você se tornará um grande líder. Lembre-se sempre do que foi dito aqui e... saiba que...
- Vovó? – chamou quando ela pareceu hesitar demais.
- Me orgulho de como age. De suas escolhas. De sua delicadeza em aceitar os limites de todos, mas nem por isso desistir de seus objetivos. Apenas pensar no máximo possível de pessoas, em suas diferenças, antes de tomar uma decisão é um feito grandioso, que muitos não fazem quando possuem poder. Tenta encontrar um equilíbrio, mas sem abandonar seus próprios princípios, sejam eles renegados por outros ou não. Você, eu imagino, poderia até usar força para conseguir o que quer, mas nunca o faria antes de tentar outras opções que fariam as pessoas entenderem seu ponto de vista ao ponto de talvez aceitarem. Quando acha que está certo, gosta que as pessoas escutem para chegarem às mesmas conclusões e trabalharem juntos. Você... – ela riu – "não tem inimigos, apenas alvos".
- Vovó, a senhora sabe que o fim desse lema é "alvos que ainda não decidi abater", não é?
- Você é um garoto muito detalhista, não vejo como seu lema poderia não ser.
- Lema da minha casa...
- Não oficial, feito por você e seus amigos. Dito isto, abater possui muitos significados além da morte. Diminuir a força, a intensidade, a quantidade ou a importância de algo. Causar tristeza, desânimo, desgosto ou abatimento emocional em alguém. Derrubar, render. Reduzir o valor. Até mesmo em um jogo de cartas abater é usado para se referir a vitória onde se tira todas as cartas do seu oponente – ela olhou intensamente para o menino e se aproximou mais dele ao dizer: – Todo líder é um jogador que precisa abater os outros para ganhar seu objetivo. A questão é qual dos significados de abater você quer usar, Harrison Potter?
- Eu?
- Na minha interpretação? Você se sente muito melhor quando consegue tirar carta por carta de seu adversário. Eliminar é simplesmente rápido demais e exige força bruta. Você é um estrategista. E não quero que se martirize por suas escolhas quando somos atingidos, pois da mesma forma que deseja nos proteger, espero que estejamos aqui para resguardar você enquanto se mantém na frente. Não deve se culpar pelas ações de outros líderes, se estes escolhem ferir para alcançar um objetivo. Seja como for, se escolhem ultrapassar os limites das pessoas, não é você que deve se desculpar, mas eles que precisam arcar com as consequências de suas ações. Eles que precisam ser abatidos – Harry piscou, surpreso com aquelas palavras.
Confuso, diante de todas as interpretações.
Atingindo por uma certeza: não importava como ele tinha lidado com Albus até agora, ele cutucou o tesouro de um dragão. Nenhum dragão aceita que mexam no seu tesouro e nenhum dragão ficaria parado. Harrison poderia não ter inimigos, mas ele tinha decidido um alvo a anos. Talvez estivesse sendo bonzinho demais com ele, estava na hora de mudar a estratégia? Tinha de ser mais incisivo?
Queria apenas ter certeza de até onde podia ir:
- A senhora, então, pretende denunciá-lo por isso?
- Eu queria, mas não vou. Não sem antes ouvir o que Neville tem a dizer. Ele... te contou? Quando isso aconteceu? – Harry negou com a cabeça, parecendo bem abalado por isso. – Ele deve ter seus motivos, ou o que ele acha ser um motivo. Para esconder. Quero entender.
- E depois?
- Se ele não quiser denunciar, vou deixar nas suas mãos.
- Como assim?
Augusta deu uma risadinha baixa, antes de abrir sua bolsa e procurar por um de seus cigarros:
- Abater Albus. Fazê-lo arcar com suas consequências.
Harry arregalou os olhos, surpreso com aquelas palavras, ele assistiu chocado e quieto a avó colocar o objeto na boca e acendê-lo, soprando pela janela após abri-la. Ao fim da lufada de fumaça, ela acrescentou:
- Karma. Faça valer. Use isto, seja lá qual for seu plano. Sei que pode. Sei que vai. Assim como tinha ciência de que faria o possível por Neville antes mesmo de lhe mandar a carta, assim como espero que ele faça por você...
- Ele faz.
- Assim seja, mas por que será que não senti a firmeza adequada nas suas palavras?
Harry corou levemente, mordendo o interior da bochecha enquanto pensava. Augusta não deixou que fosse muito longe, já dando sua própria interpretação:
- Neville também não lhe culpa por isso. Duvido, e esta é mais uma falha minha, que culpe até mesmo Albus. Farei esse garoto enxergar, garanto.
- Por que seria uma falha sua?
- Fiz um garoto muito ingênuo.
- Neville não é ingênuo. As pessoas só pensam isto dele por ser bom demais.
- O mundo é ruim para pessoas boas demais.
- O mundo é ruim. Não importa a pessoa. Alguns só são espertos, ambiciosos e cruéis o bastante para tirar proveito dos demais. O ponto é o que fazemos do mundo.
- E o que você quer desse mundo?
Harry piscou, confuso com a pergunta abrupta.Levou alguns segundos antes de enfim, dizer algo:
- Não entendi.
- Eu disse que você era um líder, você não questionou em momento algum. Então, como líder, onde quer estar? E o que quer fazer? Como quer mudar esse mundo? Ou quer deixá-lo como está?
- Acho que não penso tanto sobre isso – sorriu.
E Augusta riu. A risada mais alta que deu até então, quase engasgando com a fumaça de seu cigarro, mesmo que o vento estivesse levando obedientemente para fora.
- Não minta para mim, Harrison James Mitrica Potter! – gritou irritada, uma bronca severa.
Hazz, porém, nem piscou para a súbita mudança de humor. Pelo contrário riu baixinho e inclinou a cabeça provocativo:
- Errou o nome, não tem o mesmo peso assim, sabia?
- Harrison!
- Vovó Augusta? – manteve o tom divertido.
A mulher inspirou fundo. Sabia exatamente o que o menino estava fazendo. Tentando distraí-la, mudar de assunto, usar até mesmo a raiva para que ela se esquecesse o ponto e depois ele puxaria outro rumo, mas isto era importante demais para que caísse tão fácil. Mesmo assim, teve que comentar:
- Você pegou o pior do seu pai. - Pestinha malcriada.
- Vá reclamar com Lakroff. Ou com meus tios.
- Eles ainda estão vivos? — questionou levantando uma sobrancelha.
- Não tenho nem ideia, pergunte ao meu avô também, talvez ele saiba. Ele queria ver o quão forte era minha maldição. Se ela se desfez ele pode ter matado, se não, então ainda estão vivos... — Augusta viu como Harrison, de repente, tentou segurar um sorriso, mas seus olhos brilharam e giraram, como um redemoinho verde neon ao acrescentar: — Mas acho que eles preferiam a morte, se for esse o caso.
A Longbottom, pela primeira vez desde que Harrison começou a demonstrar mais esse lado e desde que conhecia os Grindelwald num geral, percebeu que não teve que se segurar para não reagir. Não teve que fingir que estava bem com aquilo. Com aquele lado sombrio.
Ela, simplesmente, não se importava mais.
Pelo contrário, ela sorriu de volta bagunçando os cabelos de Harrison.
Isso surpreendeu muito Harrison, que já estava preocupado de ter dito algo como aquilo para a avó de consideração. Geralmente Augusta não usava tanto contato físico. Ela obviamente não era fã e Harrison... tinha seus traumas. Desviava dela sempre que levantava a mão quando acabara de conhecê-la, mas é claro que isso passou a muito tempo e Augusta o abraçava sempre que se viam. Deve ter percebido que Hazz gostava sim, considerando o quanto seus irmãos e Lakroff faziam questão de tocá-lo, mas ainda parecia fazer apenas na medida.
Hazz entendia. Augusta se esforçava para isso: que ele visse sua consideração e amor.
Usava a palavra, mesmo que ela, assim como o próprio Hazz, não usasse tanto.
Eram dois cubos de gelo interagindo que, pelo bem do entendimento, tentavam se forçar a derreter um pouco. Mas agora não estava indo longe demais?
- Vovó? — questionou. — A senhora-
- Eu o amo, sabia?
- Sim. Eu também amo a senhora, vovó.
- Seu avô vai morrer de inveja quando lhe mostrar essa memória. Aposto que você fala essas palavras bem menos para aquele dinossauro.
- Nem consigo imaginar o tamanho do drama que fará.
- Com certeza um show digno dos maiores teatros — riu, uma única risada debochada. — Se permitissem a apresentação de fósseis.
Harrison também ria, porém de forma bem mais aberta.
- O mundo bruxo precisa de mudanças – Augusta decidiu retomar seu objetivo. – Todos estão muito presos ao passado. Talvez um olhar mais jovem possa ajudar a chegar em possibilidades melhores. Você estará no topo um dia, pense bem o que quer fazer, pois eu confio que seria capaz de grandes coisas e tomar as melhores decisões, mesmo quando parecerem erradas, eram as melhores opções.
- E se eu não estiver no topo, se não quiser?
- Dragões são líderes, você estará envolvido, faz parte da sua natureza. Principalmente, você não consegue ver algo que não gosta e ficar quieto. Os bruxos precisam mudar.
- Não apenas os bruxos. O sistema obviamente falha com o mundo e as pessoas. Posso fazer minha parte, mas ninguém muda o mundo da noite para o dia.
Augusta sorriu, um olhar intenso e significativo para o menino, ela sabia exatamente o que ele estava fazendo e queria que este também tivesse ciência disso. Calmamente puxou o ar do cigarro, e soprou pela janela:
- "Vivemos todos no mesmo planeta". Sim. É como diria seu avô: todos podem sofrer as consequências do que um dos lados faz, seja mágico ou comum, enquanto estiverem todos no mesmo plano.
- Ele dizia isso para justificar a retirada de trouxas desse plano. A senhora lembra, não?
- Ah, sim, nunca esquecerei das crueldades daquele homem. Lakroff pode ser absurdamente diferente de Gellert, mas veio dele e não há tempo que me fará ignorar esse fato. Apenas o aceito, por seus chás da tarde agradáveis e o restante da família que vem com o pacote.
Harry teve que rir daquilo, mas não conseguiu tempo para fazer algum comentário espirituoso que de certo desejava, pois Augusta continuou:
- Dito isto, a mudança dificilmente é aceita sem uma batalha – ponderou.
Harry estava estranhando muito o rumo daquela conversa. Talvez porque seus instintos alertavam-no da importância dela, somado a tantos outros fatores. Só precisava chegar ao cerne daquilo e entender o que Augusta queria dizer, de toda forma. Estava levando uma bronca?
Ela percebeu seus movimentos?
Possível, a avó era inteligente e seus parentes tinham aquela maldita piada constante de lorde das trevas para dar algumas dicas estranhas. Claro que não era a mesma coisa, Harrison não era um lorde das trevas, mas será que Dumbledore, Lakroff, toda essa história de guerra e possível retorno de Voldemort a fez querer garantir que Harrison estivesse bem longe de se envolver em tudo isso? Incentivar qualquer coisa?
Decidiu tentar confortá-la, já que evitar o tema não vinha funcionando até agora, talvez desconversar quanto antes:
- Vidas se perdem. Chame uma luta por mudanças de guerra ou revolução. Sangue inocente escorre, principalmente daqueles que são forçados a estarem ali bem na frente, dados para sacrifício. Mas também dos que escolhem um lado e lutam pelo que acreditam, mas a preços altos demais. Até que não lhes reste vida ou pelo que lutar, pois tudo já foi tirado.
- A guerra definitivamente não parece a melhor solução – concordou Augusta. – Resta-nos então estagnar-se? Viver diante da conformidade e calados? Parece muita tolice, ainda mais diante dos líderes que nos regem. Mas que tal revolucionar o sistema? Seria mesmo uma guerra apenas um sinônimo de revolução, depreciativo, com o qual a história nomeará de acordo com o gosto pessoal dos vencedores? A revolução, uma guerra escrita à bons olhos de quem se colocou no topo?
- A senhora definiria de outra forma?
- Justamente, meu menino, o líder.
- Como assim?
- Ele pode ser a resposta tanto quanto um livro. Aquele que lidera uma revolução e o que lidera uma guerra não são os mesmos. As causas. Numa revolução é claro que as leis possivelmente irão favorecer aqueles que a iniciaram, entretanto nela existirá falácias de melhora, a população deverá ser levada pela ideia de benefício mútuo e o fim de um sistema específico que era incomodo. Numa guerra alguém sempre é subjugado, apenas por como nasceu e ele jamais terá escolha. Sua presença se torna indesejada e deverá ser aniquilada. Para deixar de ocupar o espaço daqueles que o querem apenas para si. O alvo será escravizado, torturado, morto, pois se torna menos que humano. Não foram suas ações que o levarão a punição, mas o ódio pessoal de uma outra classe ou "raça" que se sente diferente. Mesmo que sejam todos humanos, todas vidas. Claro, em essência são muito parecidas, mas o líder de uma revolução e o líder de uma guerra são diferentes. Pois um se volta para o povo, mesmo que uma parte possa estar acima, o outro ordena como um ditador, escolhe os que merecem a vida como se fosse um deus, os demais nem mesmo podem achar lugar neste mundo, mesmo que estivessem dispostos a tentar.
Houve um período de silêncio, onde Harry deixou que cada palavra dita pela avó entrasse em sua mente e marcasse um lugar, avaliando as reflexões ali enquanto também esperava que acrescentasse algo mais. Talvez lhe explicasse exatamente onde queria chegar com tudo aquilo, e porque disse aquelas coisas.
Se a conversa fosse algo vindo de Lakroff, ou Tom, não teria estranhado em nada. Ambos se distraiam e gastavam um tempo considerável com questões filosóficas como esta, sempre se aprofundando ainda mais. Afinal eram, em essência, revolucionários. Ou, ao que Augusta acabara de definir, um ditador. Que considerava alguém diferente como outra raça. Uma, que pior ainda, julgavam inferior e digna de extermínio. Ao menos foi assim em certo ponto de suas vidas e, agora, se permitiam olhar de outras formas e estas linhas de pensamento tornaram-se ainda mais profundas, necessárias e de amplo empenho, por precisarem chocar-se e prevalecer sobre as outras que um dia tomaram por verdade.
De Augusta, entretanto, era complicado saber o que responder a tudo aquilo. Onde poderia pisar.
- A senhora julga, então, que o mundo precisa de um revolucionário? Mesmo que haja batalhas e vidas se percam, mas obtenha um resultado onde a existência de todos é permitida, mesmo que alguns grupos precisem se subjugar, a permissão implícita da vida é o mais importante?
- Eu já pensei assim. Não, não é disso que falo agora.
- Então o que?
- Não tenho certeza. Não sou nova o bastante para conseguir imaginar um mundo melhor, sem cair em idealismos irreais e que parecem tão impossíveis que simplesmente soltá-los pela boca se torna tolice. Em minha idade, o mundo parece imutável e o ponto em que está preso, é ruim. A vida é permitida, mas em que preço? Sempre haverá um grupo obrigado a pagar pela felicidade de uma minoria favorecida. Não penso tanto no que pode ser feito do mundo, mas você encontrou um bom cerne: o revolucionário. Quem será o líder. Eu não consigo pensar em como o mundo deveria ser, apenas vejo como ele é. E estou descontente.
- Está?
- Principalmente, com o líder.
Harrison acenou e aguardou um tempo, antes de sussurrar, como se ainda tivesse receio em confirmar aquilo:
- Dumbledore.
- Ah sim, ele foi um revolucionário. Já o apoiei por tantos anos. Mas não vejo mais a luz de suas mudanças. Tudo que vejo é alguém que reage aos ditadores, que vêm se levantando para conquistar algo para os grupos que defendem. Que fazem algo. Algo terrível, mas... não estão parados. Dumbledore diz defender coisas... que não o vejo mais lutar por. Não quero um líder que diga defender uma causa, mas apenas se levantar por ela quando alguém efetivamente a ameaça com varinhas. Se a sociedade em si é uma ameaça para ela, deveria ser questionada e tratada de acordo – ela suspirou. – Eu me expressei errado antes, acabo de perceber. Dumbledore não é um revolucionário.
- Considera-o um ditador?
- Tão pouco. Jamais. Dumbledore não ordena a população que se subjugue às suas vontades, apesar de querer que obedeçam suas ordens por achar que são estrategicamente as melhores. Ele não tem iniciativa para um ditador.
- O que ele é, então?
- Um rei. Dos ruins. Alguém que nasceu um soldado, um guerreiro com uma essência criativa, provavelmente idealista e sonhadora, de lutar para os líderes certos, mas que foi destruída ao não encontrar ninguém assim. Nenhum mestre que merecia seus serviços e lealdade. Então assumiu ele mesmo a posição de líder, dada por seu exército ou por nascimento, não porque merecia. Não porque queria. Era um general que quando não havia mais quem sentar no trono, foi nomeado, sem que tivesse a real vocação para o fardo. Não sabe liderar um reino, apenas exércitos. Precisa da batalha para demonstrar suas reais capacidades e ser útil para seu povo.
- E quando não há batalha?
- Se estagna. Deixa como está. Enquanto ninguém se levanta, está bem. Não sabe como fazer uma mudança real, escolhe pequenas causas, mas tudo continua igual no fim.
- Como deixar que um lobisomem estude na escola?
- E nunca se ultrapassou esse limite. Se houve outro entre esses terrenos estudando, não tive conhecimento, pois os força a continuar se escondendo como se tivessem de se envergonhar do que são e permanece a estimular o estigma, a falta de conhecimento e aceitação dos demais sob a circunstância. Não, não quero um líder assim. Alguém que não escuta, que não respeita os limites, que tenta se fazer ouvir quando acredita em uma causa até que todos entendam seu ponto. Não quero alguém que terá a mesma oportunidade sempre, mas deixará como está por incapacidade de se fazer entender. Apenas uma ajuda, para uma pessoa, não serve para um mundo quebrado. É preciso fazer o que é certo, mas também usar os meios corretos.
- Não violar um aluno.
- Não usar crianças de forma alguma como soldados. Só porque é um velho que, em sua época, já seria considerado adulto nesta idade. Este mundo não precisa disso. Estar preso ao passado, na estagnação. Seja lá para que direção for mudar, é preciso tentar. Se não está bom... é porque não chegou ao fim. No momento de sentir orgulho dele. Precisa da revolução. Entretanto, para atingir o máximo de governos seria preciso muita força e dedicação.
- Mudanças não são vistas com bons olhos e líderes não saem facilmente.
Augusta aumentou seu sorriso e acenou satisfeita para o menino, que enfim não estava fugindo da conversa. Ela poderia dizer o que tinha para dizer:
- Por isso eu diria que se alguém fosse tentar, precisaria ser muito cativante, alguém que odeia as regras o bastante para lutar contra cada uma, então ter muita coragem para enfrentar quantos inimigos arrumasse no caminho, mas eu diria que... apenas ambição não bastaria. Talvez alguém espontâneo o bastante para não lutar apenas por força bruta, mas saber como lidar com diferentes situações. Um líder, realmente. Claro, ainda forte o bastante para aguentar a briga, alguém que cobiça alto, mas... de grande coração.
Estreitando os olhos e desconfiado a cada adjetivo usado pela mulher, Harrison se permitiu perguntar apenas sobre o último ponto:
- O coração para escolher as causas certas?
- O que, afinal, seria certo se estamos falando de ir contra ao que a lei julga assim? Não. Estou me referindo a... – ela moveu o dedo em um círculo em frente a boca, um costume que raramente se permitia, mas que desde pequena servia para ajudá-la a pensar. Até que, enfim, sorriu e encarou diretamente o fundo daqueles belos e poderosos olhos verdes. – Alguém que poderia ser confundido com egocêntrico, tamanha sua força de vontade e firmeza em conquistar seu objetivo, poderia ser visto como ditador, mas apenas "pelos quais não o conhecem profundamente" – recitou. – Que não sabem de seu coração grande o suficiente para amar mil vezes a mesma pessoa ou amar mil pessoas. "Apenas não quer que seu coração seja quebrado, porque ele é forte mas ao mesmo tempo é tão frágil". Alguém que lutaria não pela causa, mas pelas pessoas que viveriam felizes quando seus esforços rendesse frutos.
- Vovó...
- Sim? – sorriu com todos os dentes, até se esquecendo do cigarro por alguns instantes.
Mas o menino continuou sério quando disse:
- A senhora recitou os lemas e princípios da Haus Feuer.
O sorriso da mulher continuou, enquanto ela meneou com a cabeça e comentou, olhando para fora. Com mais duas tragadas, se livrou do objeto, mesmo que não tivesse acabado, colocando um feitiço para queimá-lo até o fim e deixando que as últimas cinzas voassem.
- Talvez um leão não seja um líder bom o bastante. São as leoas que sempre acabam precisando fazer tudo mesmo – negou com a cabeça. – Um dragão, talvez?
Harry abriu a boca para responder a avó, depois pareceu achar melhor pensar um pouco mais e a fechou, apenas encarando os olhos azuis da mulher. Ela sentiu-se devidamente observada até à alma, mas sabia que sua magia e energia vital estavam junto de si naquilo, naquela mensagem onde não podiam restar mais dúvidas. Seu apoio. Sua lealdade.
Só que então percebeu o menino desviando a atenção para o lado e sua expressão mudou:
- Lakroff.
- O que foi?
- Ele acabou de aparecer. Dumbledore o liberou – Augusta virou na mesma direção que o menino observava e atestou que o amigo estava, agora, com Neville e seu filho, conversando.
- Dumbledore deve aparecer logo – comentou Harry. – Ele ou Minerva precisam liberar a saída, não?
- Normalmente algum professor acompanha até a saída, sim – então suspirou, puxando Harrison ainda mais para o canto. – Teremos que ser mais rápidos. Harrison, escute bem, apenas para que não hajam dúvidas: é claro que não lhe culpo por "não conseguir" proteger seu irmão — fez aspas com a mão. — Neville também tem que se cuidar sozinho – Hazz abriu a boca para contestar, mas Augusta o calou com um olhar mais que rígido. – Mas eu sei que, no fim, vocês dois são apenas crianças. Ou adolescentes, tanto faz para mim, todos são muito jovens quando se chega na minha idade — Hazz se limitou a sorrir. — O ponto é que, quando mandei aquela carta eu posso ter colocado uma pressão em você e não é o que eu queria. Esteja com Neville como puder e isto basta. Harrison, meu doce lorde das trevas...
- Hei! Que história é essa, a senhora não vai começar a entrar nessa também, vai? — Augusta não respondeu, apenas inclinou a cabeça e o encarou, o silêncio ainda cheio de significados ocultos, o olhar tentando repassá-los. Só porque entendia que o tempo deles estava mais escasso, não queria dizer que não notou o menino desviando do tema de novo.
Aquilo deixou o mais novo desconsertado, tanto que negou com a cabeça e acrescentou, mas tão baixo que... foi quase como se ela o fizesse duvidar de algo que tinha absoluta certeza até então:.
- Eu não sou um lorde das trevas.
- Tudo bem – dispensou. Sua mensagem estava dada, agora restava ao líder tomar suas escolhas. Ela não era uma líder, apenas uma guerreira, apenas uma leoa que protegeria sua matilha, até de outros leões. – Mas você é Harrison e eu sabia que você faria questão de cuidar de Neville. Eu tenho certeza que faria de tudo, até se colocar na frente dele, mesmo que seja um sonserino – provocou, mas ficou tão séria que Harrison não tentou dizer algo, pois percebeu no estreitar de olhos dela, que havia mais. – Você realmente não sabe como acabou no torneio tri bruxo?
- Como? – questionou confuso com a linha de pensamentos dela.
- Neville, a cada ano, parece estar diretamente relacionado a tudo que acontece nessa escola. Mesmo quando ele poderia se afastar, ele se coloca. Como se fosse sua sina. Como se... fosse o escolhido de alguma história cruel demais para uma simples criança passar – Harrison baixou a cabeça com o peso daquelas palavras. – Mas este ano, foi você. Eu poderia pensar que foi coincidência, ou que você é ainda mais apetitoso para o destino como alvo de seu sadismo. Só que, primeiro, eu tenho que perguntar. Diante de um Grindelwald. Diante daquilo que sempre dizem: que nada é coincidência. Harrison, você-
- Eu tive um mal pressentimento – já foi dizendo. Fechando os olhos com força. – Não gostei do cálice desde o momento que o vi. Tive... visões. Então Neville... nós conversamos uma noite, um pouco antes da escolha dos nomes e eu simplesmente tive essa ideia de que ele poderia acabar passando por isso de novo e eu não podia deixar!
- Então você colocou seu nome? Como burlou a jura que fez diante de todos?
- Eu não coloquei meu nome. Mas fiz com que colocassem.
- Entendo... Harrison, como você teve coragem?
- É Neville! Eu não podia deixar ele passar por um torneio mortal! Não podia deixar essas coisas ruins acontecerem com ele de novo! Mas eu desviei os olhos por um segundo e-
- É disso que estou falando, garoto estúpido – interrompeu.
- Estúpido?!
- Desculpe, fui ríspida? – perguntou alarmada.
- Não. Só... estou confuso.
- Harrison, eu não perguntei como teve coragem de se colocar no lugar de Neville diante da morte, eu sei que você faria isso por sua família e nós somos sua família – disse segurando seu rosto, ambas as mãos, uma em cada bochecha. – Estou questionando como teve coragem de me pedir perdão por falhar em proteger Neville, se dos maiores riscos você não hesitou por um segundo em afastá-lo na mesma hora!
- Mas Dumbledore...
- Será abatido. Eu devia ter visto como Albus era um risco para Neville, principalmente depois de tudo que te aconteceu. Eu falhei em não odiá-lo depois do que você passou.
- Nem eu o odiava – murmurou Hazz para tentar consolar a mulher, porque sua voz parecia muito quebrada ao dizer aquelas palavras, mas até para si mesmo serviam.
Augusta percebeu o que ele estava fazendo e o acariciou novamente:
- Eu sei. Mas devia. Nós dois devíamos tê-lo odiado mais. Nós dois devíamos ter olhado de perto cada passado de Albus, porque se ele feriu uma criança, poderia ferir outra. Nós dois devíamos ter o ferrado, antes que ferrasse mais alguém.
Hazz arregalou os olhos diante daquelas palavras. Pelo seu tom, pela forma chula que eram na boca de Augusta.
Pelo seu significado.
- Vovó... Você-
- Só que eu te conheço, você sabe mais que muita gente e se está agindo como está, não é apenas por mim ou Neville, mas porque era a melhor decisão. Não sei qual o seu plano, mas faça. Estou com você. Eu estou com você, Harrison – repetiu, com ainda mais firmeza. – Se não estive totalmente antes, eu lamento muito e não vai se repetir. Você fez o possível, fez o que conseguia pelas próprias limitações que lhe causei. Minha lealdade à Dumbledore me cegou e o afastou de ser mais incisivo. Neville sofreu as consequências e a culpa vai nos atingir? Talvez, mas não devia. A culpa é só dele, Albus. Você fez seu trabalho muito bem e eu não podia ser mais grata e orgulhosa de você, meu menino. Você é um garotinho incrível, nunca se esqueça disso – e o abraçou.
Hazz a abraçou de volta.
Pois ela tremia.
O gesto parecia fraco, mas foi firmando aos poucos. Os dois tentando ao máximo passar todo o carinho que sentiam um pelo outro naquele gesto, os dois deixando as barreiras de lado um pouco.
Deixando o frio de sempre se dissipar num gesto quente.
Para que aquele sentimento não pudesse mais ser questionado, mesmo quando as palavras lhe faltassem, pois iam faltar. Ambos sabiam. Não eram de dizer, mas demonstrar com pequenos gestos. "Eu te amo e estou aqui", era isto e se manteria talvez até a próxima grande provação ou ainda mais longe. Tanto que ao se afastarem, estavam perfeitamente mascarados novamente. Rostos límpidos, olhares decididos. Um lorde e uma Lady.
- Agora, será que posso falhar mais duas vezes e lhe pedir alguns favores? – perguntou Augusta. – Mas apenas se me prometer que, caso não consiga cumprir com eles, não vai se culpar. Pode prometer isso?
- Não – o menino provocou.
A mais velha revirou os olhos e repetiu:
- Pestinha malcriada.
- Obrigado, eu tento.
- Então está bem – Augusta ameaçou se afastar e pegou sua varinha, provavelmente para dar sinal a Long para desfazer a área de privacidade.
Harrison viu Dumbledore e Minerva McGonagall descendo os últimos andares das escadas e segurou a mão da mulher, para impedi-la:
- Eu prometo.
- Não poderá ser da boca para fora.
- Eu juro por-
Só que a bruxa cobriu sua boca antes que pudesse realizar qualquer jura:
- Não faça isso. Não sei se realmente vai conseguir não levar para o pessoal. Se quiser jurar, faça apenas uma jura de que fará o que estiver ao seu alcance, mas se sentir que isso prejudicará a si mesmo, vai desistir, por mim.
- Quais são os favores?
- Não sei se te parabenizo por ser sagaz como uma cobra em perguntar antes de jurar qualquer coisa, ou se lhe dou uma bronca por só fazer isso quando mudei ao que devia jurar.
- Estão olhando para cá – comentou.
Augusta puxou a orelha do menino, que resmungou:
- Ai, ai!
- Se continuar tentando manipular essa conversa, vou puxar mais!
- Vou me faltar orelhas.
- Harrison!
- Desculpe.
Mas aquilo serviu para que a agitação de ambos parasse um pouco. Augusta se colocou na frente dele e segurou ambas as bochechas, para que seus rostos ficassem frente a frente:
- Não é seu trabalho vigiar as costas de Neville. Ele deve ser capaz de lutar as próprias batalhas sozinho. Você é forte e ele também deve ser.
- Ele é.
- Então não há porquê se sacrificar por ele. Apenas ajude. Vocês dois, se ajudem. O garoto fez questão de não me contar o que aconteceu, então de certo deve se achar maduro o bastante para se resolver diante dessa adversidade, tal qual fez com as outras. Um tolo, assim como você.
- Ai – choramingou de forma dramática.
- Crianças se achando maduras o suficiente para enfrentar o mundo. Dois impulsivos precocemente impulsivos. Se continuarem assim vão perder a cabeça e depois quem é a culpada? Eu, que não lhes puxei a orelha o bastante! – reclamou fria.
- Minha orelha então terá de ser de ferro, com tantas ameaças estarei perdendo até completar os dezessete.
- Engana-se se acha que já é maduro aos dezessete. Não será até eu disser que é. Então pare de pensar o contrário.
- Como desejar, senhora.
- E pare com esse sorrisinho, estou lhe dando uma bronca!
- Esse é o melhor que pode fazer?
- Garoto! Você está merecendo muito umas palmadas!
Hazz apenas sorriu enquanto a mulher lhe puxava a orelha, de novo, mas bem levemente.
- Dito isto... acho que serei um tanto hipócrita agora. Ou contraditória. Que os deuses me perdoem.
- O que foi?
- Os favores que vou pedir. Eu disse para parar de assumir o que não devia e, realmente, sua segurança e a de Neville são responsabilidade minha e de Lakroff... mas ainda quero te pedir um favor que se aproxima muito de lhe dar outra função nisso tudo.
- Que favor, vovó? Está me deixando ansioso.
- Não desista de Neville.
Silêncio.
Harrison ficou quieto por um tempo, apenas com uma careta confusa na direção de sua avó, sentindo os dedos finos e o frio do metal dos anéis da Lady contra suas bochechas.
- Como é? – perguntou depois que chegou a conclusão de que realmente não seria capaz de entender aquilo sozinho.
- Olhe, Harrison. Você pode não admitir. Pode, talvez, até acreditar que está longe disso, mas supondo que esteja certo, eu ainda acredito piamente que independente de você ou Neville... a guerra está aí. Ela nunca acabou. Desde Voldemort ou ainda antes. Desde Gellert. O mundo ainda não resolveu um problema claro que vem sendo abafado, mas mesmo que a chama não esteja visível, a brasa continua queimando até que alguém, ou alguma coisa, jogue álcool de novo. O mundo, ainda, terá que encerrar essa guerra. A magia continuará dividida? Que lado irá se sobrepor ao outro? Quando a guerra estourar, todos terão de, mais uma vez, tomar uma posição. Escolher um lado. Pois mesmo aqueles que se acham neutros, nada mais são além do que os que abaixam a cabeça para os vencedores, aqueles que fazem parte do problema.
Harrison acenou a cabeça diante daquelas palavras.
As palavras de Gellert.
Que Augusta não apenas conhecia, mas estava conscientemente escolhendo usar.
Aquilo, novamente, carregava um significado gigantesco. Uma prova, talvez a última de que precisaria, para assegurar onde sua lealdade tinha ido, de uma forma tão sutil, mas tão igualmente potente que fazia o coração de Harrison se acelerar em expectativa.
Mudança.
Augusta queria a mudança, ela disse com todas as letras... e queria vinda dele?
As coisas já estavam mudando e aquilo era importante, ele sabia, por mais que não tanto por enquanto. Como uma das peças enfim se movendo para onde devia, o jogo estava avançando. Albus jogara no lixo uma carta muito importante, no momento onde Harry pôde pescá-la e descer sua mão à mesa.
Restava apenas saber o quão importante seria aquela jogada em específico no futuro.
- Infelizmente, eu não sei se essa guerra demorará. Não o bastante para que você e Neville sejam maduros o bastante. Você, entretanto, passou por coisas o bastante para estar à frente de sua idade em muitos pontos. Você sabe bem seu lado.
O Potter esperou, olhando para cada traço da mulher, que aos poucos sumia com a firmeza (mas apenas no olhar, todo o resto continuava igualmente inabalável), mas seus olhos tremiam, assustavam-se. Sua voz ficou distante quando disse:
- Neville talvez não saiba.
- Eu-
- Pior, talvez Neville penda para o lado errado.
Aquilo doeu. Harrison sentiu um aperto gigantesco, assim como um frio ao ponto de que suas mãos endureceram. Se alguém lhe pedisse para escrever seu nome numa folha de pergaminho, não conseguiria. A força que sentiu na esperança de que Augusta estava consigo, morrendo com aquela frase.
- Um dos favores que eu tinha a te pedir – continuou Augusta. – É que tenha paciência. Ele pode pender para o outro lado do muro, mas eu não vou deixar que caia e se separe de nós por uma barreira como essa. O meu favor é que você não desista de Neville. Mesmo quando parecer que foi direção errada. Tomou as decisões erradas. Ele é apenas ingênuo. Imaturo. E a culpa é minha. Eu o super protegi, fui tola e cega e afetei sua própria percepção. Da mesma forma que demorei a perceber tudo que me cerca, ele também precisará levar seu próprio tempo. Mas ele é jovem e se importa com você. Sei que verá com clareza um dia e sei – rezo, pensou a bruxa. – Que o fará antes que seja tarde. Porque Neville jamais te machucará. Por isso peço que faça o mesmo. Não o machuque. Tenha paciência.
Harrison negou com a cabeça e Augusta ia falar algo, mas ele foi mais rápido:
- Não sei nem porque me pediu algo assim. Eu jamais desistiria de Neville. Jamais o abandonaria. Independente de suas escolhas, estarei com ele. Desde que me deseje ali.
"Esse é o problema" pensou a bruxa.
- Harrison, o que estou dizendo é sério. Tudo que eu quero é que vocês dois fiquem bem. Não quero que nenhum dos meus netos saia ferido se o pior acontecer. Eu quero ter certeza de que ambos continuarão como são: unidos. Que jamais deixarão a história se repetir. Que duas pessoas tão próximas deixem princípios e ideais diferentes fazerem da mesma intensidade do carinho que sentiam, sua maior dor e arrependimento. Não quero que levantem a varinha um contra o outro. Que um destrua o outro.
- Eu nunca-
- Harrison! Me escute! Eu não posso deixar que vocês escolham lados diferentes! Nunca! Porque... se isso acontecer... – as palavras começaram a sair lentamente. Com longas pausas uma entre a outra. Como se doesse dizer cada uma. – Se cada um for para um lado, eu terei que tomar uma decisão. A pior e mais difícil delas! Eu não posso, simplesmente não suportaria escolher.
Harry acenou com a cabeça, igualmente abalado por aquelas palavras. Ambos ficaram um tempo quietos, refletindo sobre aquilo, sobre a dificuldade que o mundo poderia oferecer no pior dos cenários.
A dor que podiam sentir.
Não querendo ficar pensando em uma das coisas que tanto atormentava seus pesadelos (a imagem de Neville segurando uma espada ensanguentada encarando Harrison), o moreno acrescentou:
- Eu sei. Eu nunca te pediria por isso. Sabe que nunca ousei pensar o contrário. Mas... mesmo que o pior aconteça, eu lutarei o máximo que consigo para evitar isso. Ao que vale lembrar, dizem por aí que sou terrível quando boto algo na cabeça – acrescentou para tentar diminuir o peso no ar. Não conseguiu, então apenas continuou, com um suspiro resignado lhe escapando. – Se o pior acontecer eu vou entender. Nunca pensarei mal da senhora pela escolha. Você tinha que fazer.
- Justamente, Harrison – bufou. – Você pode até não pensar mal de mim. Mas Neville? Ou qualquer outro? Duvido que as pessoas não me julguem quando souberem qual seria minha resposta. Eu mesma não consigo me perdoar em pensar que a faria.
- Vovó, eu não-
- Eu sou uma grifinória. Tem um motivo para o chapéu seletor lhe colocar na sonserina e talvez não seja nada do que você mesmo pensa.
- O que quer dizer?
- Sonserinos são leais a pessoas. Grifinórios a causas – murmurou e Hazz inclinou a cabeça, obviamente confuso com o que foi dito. – Um dia você entenderá – comentou puxando a mão do neto de consideração e acariciando. – Então verá que pessoa terrível minha lealdade pode me tornar.
Ela não esperou que Harrison se recuperasse, que entendesse o que quis dizer, antes de acenar para Long, que já foi os liberando. Minerva encarou o elfo, mas nada disse, apenas seguiu na direção de Augusta.
Antes que estivesse perto o bastante, Harry tomou força para questionar:
- E o outro favor?
- Faça ele sofrer as consequências. Nunca mais hesite em abater um inimigo por nossa causa – e ajustou o chapéu, para receber Minerva.
-x-x-x-
Assim que Augusta e Hazz se afastaram Heris se viu pensando que queria ser um bruxo.
Mas quem não gostaria?
Qualquer trouxa que ouvisse sobre magia ficaria imediatamente empolgado, depois decepcionado por não participar dessa parcela da população mundial que recebia uma carta após seu aniversário de 11 anos.
No momento, pelo menos, ele poderia não ter deixado seus charutos em casa e já estaria satisfeito.
Os de Augusta eram muito fortes, não pediria um dela a menos que quisesse morrer aos trinta. Seu pai, que já ralharia com ele por fumar, mas lhe invocaria um eventualmente, estava em algum lugar brigando com um fantasma do passado que lhe causava asco. Long foi proibido de lhe dar cigarros de toda forma (a única ordem que Lakroff deu além de "cuide do meu filho mais velho"). Estava condenado à abstinência por hora.
Queria algo para se distrair, de preferência que soltasse um cheiro forte o bastante para tirar os confusos, doces e diversos que haviam na sala daquele maluco do Albus Dumbledore. Como a sala de um diretor mais parecia uma perfumaria onde uma das prateleiras caiu e quebrou todos os frascos? Uma perfumaria e brechó de quinquilharias.
Coçou o nariz e olhou para trás quando a estátua por onde tinham passado se moveu sozinha e cobriu as escadas.
Seu pai ficaria lá por quanto tempo afinal? Deveria avisar Augusta que Dumbledore o estava mantendo como refém ou deixava o velho se divertir um pouco atormentando o diretor de Hogwarts? Ela parecia bem séria, melhor não atrapalhar e no pior dos casos... bem, uma escola mágica deve ter extintores de incêndio mágicos, não é?
Que inferno, se sentia totalmente fora de seu habitat! Não sabia como aquele lugar funcionava e até que estava curioso, mas com todo respeito à Neville e suas capacidades mágicas, preferia estar com Augusta, Long e Lakroff para impedir qualquer coisa estupidamente viva de atacá-lo sem que estivesse vendo, tudo porque em seu mundo não era para ser algo animado.
Como a árvore, que sabia ter em algum lugar por ai para bater nas pessoas, ou uma das armaduras poderia se levantar e acertá-lo com a espada.
Até aquela águia poderia picá-lo, não?
Foi até o outro lado do corredor (talvez, mas só talvez, para se afastar do animal de pedra) e se inclinou cuidadosamente por uma das janelas, para ver os terrenos da escola. Não conseguia ver muito dali e estava escuro, mas era um lugar simplesmente imenso. Não conseguia pensar em nenhuma escola no mundo trouxa inteiro que tivesse tanto espaço em seu nome.
Bruxos não brigavam por terras, então? Nunca pensou muito sobre isso, mas se viviam praticamente em uma sociedade escondida nos becos, pilares e embaixo da terra, parece que magia resolve bem o problema de espaço e população. A escola, então, podia ocupar o correspondente a uma cidade trouxa que nenhum órgão governamental tentaria pegar isto para vender ao rico que pagasse mais para fazer seus negócios e deixar a máquina do capitalismo girando?
Era estranho pensar nisso, mas até pelo que Neville contou, os Weasleys eram pobres e tinham um terreno até que bem expansivo. As famílias bruxas duram mais que as trouxas, então estariam com eles a maioria dos terrenos "não habitados" da Europa?
Decidiu ignorar isso, não era tão importante ou já teria mais conhecimento sobre o assunto com os livros de história da magia que pegou de seu pai. Mesmo se realmente quisesse descobrir detalhes, com certeza poderia pedir ao quadro de Gellert um dia que fosse para a biblioteca da mansão. Ou o de Lakroff, mas pessoalmente gostava mais das recomendações de Gellert, já que vinham com piadas e muitas provocações de um para o outro.
Aquele era, afinal, um quadro de Gellert Grindelwald. O lorde das trevas! Pintado e ensinado em seu auge na guerra enquanto Heris era apenas trouxa "invadindo seu território". Lakroff poderia brigar com o quadro até o inferno sempre que o pegava insultando o filho, mas os dois estranhamente gostavam daquela dinâmica de provocações e não iriam parar.
O lorde das trevas sempre acabava dizendo qual livro o garoto devia procurar e ainda o incentivava com comentários maldosos como "um trouxa nem conseguirá ler mesmo". Heris fazia questão de ler mais de uma vez e ser testado pelo velho e o conhecimento era fixado. Não tinha tanto do que reclamar.
"Foi a isso que me reduzi" pensou mesmo assim, com um risinho divertido e silencioso "Alguém que se diverte brigando e provocando um quadro animado de um antigo bruxo homicida".
Entretanto, o jovem adulto logo parou com aqueles pensamentos aleatórios ao tirar a atenção da janela e voltá-la para Neville.
O menino parecia abatido enquanto encarava um ponto específico e talvez um tanto nervoso. Seguindo pela mesma direção, supôs que estivesse olhando a avó e Harrison mais ao fundo do corredor. O mais novo estava rindo de algo e a mulher logo passou a, ou acariciar sua cabeça, ou tentar arrumar seus cabelos rebeldes.
Se fosse a segunda opção era tempo perdido, já que os fios que tirou do lugar escolherem novos pontos únicos para se arrepiar de acordo com sua própria vontade, algumas mechas se avermelhando daquela forma tão interessante. Como fogo surgindo no meio do espaço negro infinito.
- Tudo bem aí, Neville? – questionou e o Longbottom praticamente pulou em seu lugar, antes de olhar espantado para o Mitrica.
O mais velho duvidava que Neville tivesse esquecido de sua presença ali, então provavelmente o susto foi por ter sigo pego observando, mas o que ele estava pensando para ter essa reação ao ser "descoberto"? Isso deixou o Mitrica curioso:
- Então?
- Eu- Está tudo bem sim, por quê?
Não respondeu verbalmente, apenas indicou com sua cabeça o fim do corredor e a outra conversa. Neville corou e aquilo foi um indicativo maior ainda de que tinha alguma coisa.
- Estava apenas olhando – desconversou o mais novo. – Eu já conheço o castelo, o terreno e a gárgula, para me distrair com eles – respondeu e arregalou os olhos em seguida. – Desculpe, fui estúpido!
"Foi?" pensou Heris cruzando os braços e se recostando na parede.
Depois ele encarou a rocha pensando que "estúpido" poderia ter sido se escorar na parede de um castelo mágico. Quer dizer... O que aquilo não poderia ter?! Passagens secretas, por exemplo? Que certeza tinha de que não simplesmente atravessaria ao encostar em uma por ser trouxa e não dever estar ali? Harrison atravessava as paredes do orfanato quando pequeno e as de casa desde sempre, será que não era mais comum do que pensava? Lakroff era velho e absurdamente paciente, parecia que sempre escolhia a forma mais lenta para fazer cada coisa em casa para "aproveitar melhor o tempo", ele que podia ser o estranho que não atravessa paredes!
Pior: e se a parede brigasse com ele por ser um folgado?
Podia lidar com atravessar o nada e cair de bunda, seria engraçado e uma sensação nova, sem dúvida, mas a ideia de uma parede brigando consigo o deixaria desconcertado.
Eles tinham um chapéu falante! Heris o viu na sala de Dumbledore em uma prateleira. A coisa bocejou e piscou, como se tivesse acordado com sua avó gritando, depois parecia completamente entretido na fofoca. Uma parede com olhos e bocas entre as pedras não parecia tão absurdo depois de ver o mesmo se formar no tecido de um chapéu. Que lia mentes. De crianças.
Aquele lugar faria muito mal para seus nervos, teria que ler o tal "Hogwarts uma histórias" que Neville mencionava as vezes, antes da próxima visita ao lugar. Teria algo assim na mansão de Gellert Grindelwald? Provavelmente não, com a repulsa que tinha pela escola e sua forma de ensinar, mas quem sabe?
- E como vai seu trabalho? – Neville perguntou.
Heris não o encarou para responder, de repente estava se concentrando para não rir da imagem de um rosto gigante em uma parede reclamando para um chapéu mais tarde, "acredita que o impertinentezinho, além de gritar com nosso diretor, ainda usou minhas bochechas como uma maldita cama!"
Mesmo assim, ele não estava tão distraído e entendia bem o que o outro estava fazendo:
- Bem – foi tudo que disse.
- Sei...
A conversa quase parou por ali.
Nev não sabia como tentar trocar uma conversa com alguém tão sério e que sempre se limitava a poucas palavras como Heris (a, se ele soubesse), mas não precisou se martirizar muito em relação a isso, já que o próprio Mitrica acrescentou:
- Vai tentar algo melhor agora?
- Como é?
- Trocar de assunto. Estou perguntando se fará uma tentativa melhor de me distrair, ou se vai responder o que estava te deixando abatido enquanto olhava eles – e apontou novamente para onde estava o irmão e Augusta.
Agora ela o beijava.
E ele, apesar de retraído como normalmente ficava, não estava a afastando e nem fazendo careta, pelo contrário, ria.
"Lakroff está se revirando de inveja em algum lugar naquela sala nesse momento".
- Eu não – Nev começou no mesmo instante, mas a frase foi morrendo conforme continuava, perdendo a força até ser quase um sussurro. – Não estava abatido.
O mais velho resmungou em concordância falsa, depois inclinou a cabeça:
- Já disseram que você é um péssimo mentiroso?
O mais baixo choramingou antes de cobrir o rosto frustrado:
- Já.
- Não se preocupe. Isso não é um demérito, mas sim uma qualidade – garantiu diante de como pareceu abatido pelo comentário. – Mostra integridade. Uma segurança que nem você pode notar ter, mas que está aí. De quem você é, o que quer ser e como lida com isso de forma limpa. É uma característica que a maioria das pessoas não se permite por medo da sociedade. Você é um grifinório, não? Mostrar coragem diante da realidade, a coisa mais assustadora e desafiadora, é algo e tanto.
Aquilo pareceu deixar o garotinho feliz. Bem mais do que Heris poderia ter imaginado. O sorriso que Neville deu tornou-se capaz de iluminar um quarteirão, sua postura ficou ereta e seus olhos brilharam empolgados, se aproximando do mais velho inconscientemente.
O trouxa não sabia, mas para o bruxinho receber um elogio sincero como aquele, ainda mais sobre uma característica sua que sempre viu como uma fraqueza e dificuldade patética, vindo de alguém como Heris, uma pessoa que o próprio Harry admirava e respeitava, que fez questão de colocar em sua família e que geralmente era tão reservado, perfeccionista e sério? Era muito importante.
O mais velho dos filhos de Lakroff nunca pareceu do tipo de falsas afirmações. Na verdade, tudo que dizia era algo que já havia pensado antes e que valia a pena ser dito, ou não gastaria seu tempo abrindo a boca. O herdeiro Longbottom tinha até a impressão que, por mais irônico que fosse, a maior inspiração de Hazz para se tornar um bruxo merecedor da sua posição de liderança, era justamente o irmão.
Portanto receber aquela visão nova sobre uma característica sua que as circunstâncias sempre o faziam odiar daquela pessoa fez Neville, de repente, muito feliz.
Só que de repente olhou para baixo, ao perceber que poderia estar sendo um pouco emocionado demais e sua expressão, de certo, estava constrangedora.
- Sua resposta? – perguntou Heris, decidindo arriscar mais uma parede, e desta vez, se escorando na mais próxima do Longbottom.
- Que resposta?
- O motivo. De estar abatido.
- Eu não-
- Já estabelecemos sua desvantagem em tentar negar a verdade, não foi? Quer mesmo continuar?
Neville fechou a boca mordendo as bochechas, quase fazendo um biquinho. Heris percebeu como ele estava ansioso, coçando a própria perna e esperou pacientemente que se sentisse à vontade para falar.
- Só estou curioso – Neville sussurrou, dando de ombros. – Com o que minha avó queria falar com Hazz.
"Hum" foi o único som que saiu pela garganta do outro, presa ali diante dos lábios fechados. Suas sobrancelhas e olhar, entretanto, pareciam dizer muito mais, deixando o adolescente de alguma forma muito desconfortável por dentro.
O que funcionou quase como uma pergunta completa, pois logo em seguida o garoto voltou a se pronunciar:
- Eu não queria esconder do Hazz, sabe? Mas não queria que ele soubesse! – Heris levantou ainda mais uma das sobrancelhas. A ansiedade, a velocidade com a qual as palavras de Neville saiam acabou por aumentar com isso. – Quer dizer, sei que ele tem rancor com Dumbledore e eu nem tinha certeza se ele realmente tinha feito alguma coisa comigo, provavelmente era só impressão minha. Eu estava muito estressado e não queria que Hazz tomasse partido disso. Podia resolver, sei me entender com o professor Dumbledore a gente sempr-quer dizer! – se interrompeu. – Eu não... Hazz não... A! Agora ele vai ficar chateado comigo, e minha avó! Ela com certeza vai...
Heris piscou diante da pequena explosão verbal e riu baixinho:
- Você está abatido por causa de Hazz?
A reação do menor foi curiosa.
Ele ainda estava com a boca aberta, desde de sua última enxurrada de palavras, e engoliu uma grande lufada de ar por ela, que prendeu no tórax e manteve, enquanto seus olhos... pareciam procurar uma resposta. A verdade? Possivelmente nem Neville entendia isso ainda. Ou não se sentia bem com o próprio sentimento para um dia dizer em voz alta. Haviam muitas coisas ali, isso era certeza: ele estava inseguro, triste, ansioso.
Confuso.
O Mitrica conhecia bem esses sentimentos. Muitas crianças chegavam no orfanato exatamente com o olhar que estava enxergando em Neville agora, mas porque alguém como ele estava se sentindo assim agora era complicado de se entender. Afinal, as crianças órfãs geralmente eram justamente por estarem em um lugar novo e presas a uma realidade de abandono, onde seu futuro não tinha uma única certeza.
O que, na vida de Neville, o fazia sentir incerteza? Como Harrison se relacionava a isso?
Crispando os lábios e depois estalando, Heris disse:
- Bem, não é da minha conta, de toda forma.
Isso teve o resultado desejado. Neville percebeu que não era obrigado a dizer nada. Tirou o peso daquilo, tornou sua escolha envolver Heris ou não em seus pensamentos. O que o menino, aparentemente, escolheu fazer após uma pausa:
- Por que você e minha avó vieram aqui?
- Achei que já tinha percebido, considerando o que disse sobre Harrison. Para lidar com o que Dumbledore te fez.
- Mas eu não disse nada! Não contei... para vovó! Eu-
- Esse é parte do problema, não? Por que não falou para sua avó?
- Eu não achei que precisava...
- Mesmo? Mas está paranoico pensando que ela vai ficar brava com você. O que quer dizer que sempre soube que devia ter feito isso.
- Sim... Eu acho – comentou, obviamente envergonhado e triste.
- Se tivesse certeza de que podia lidar sozinho e essa era a melhor escolha, não devia ter vergonha dela. Ninguém deve ter vergonha de fazer o que achava que era o melhor. Apenas devemos odiar quando fazemos as escolhas erradas sabendo que eram.
- Não queria preocupar minha avó com algo que não precisava de tanta atenção.
- Não precisava? Posso não entender bem do mundo m... e governo britânico, como acho, mas até onde entendi isso foi um crime.
- Não é tão sério quanto estão fazendo parecer.
- Não estava propositalmente evitando um problema que não queria ter que lidar?
Neville arregalou os olhos e deu um meio passo para trás surpreso.
Heris acenou.
Estava tão acostumado a tirar informações das crianças do orfanato que Neville, alguém que já conhecia ainda por cima, era fácil. Afinal, órfãos eram ainda mais evasivos que o normal, por causa de muitos traumas que a maioria carregava.
- O que te fez evitar o problema? – continuou questionando.
- Como assim?
- O que nessa situação toda te deixou mais confortável fugindo, escondendo no fundo da mente a situação como se ela não precisasse de atenção dos adultos, do que simplesmente lidar com ela?
- Não estava fugindo, apenas tinha sido resolvida. Dumbledore pediu desculpas...
- Então você sabia que ele fez. Teve sua confirmação. Não pode usar mais o argumento que não tinha certeza. Portanto, por que não contou para sua avó? Se já tinha sido resolvida, se era um fato, não era melhor que soubesse logo, do que descobrir uma parte por terceiros?
- Quem contou para ela?
- Sua professora.
- Como é?! Por que Minerva disse para-
- Que tal uma pergunta melhor: como Minerva sabia? – Nev não respondeu, ele recuou mais um pouco. Heris viu aquilo, como o menino estava fugindo de novo do assunto. Tudo bem, sabia quando parar. Não era agora, entretanto. – Como você sabia que ao dizer "sua professora" você imediatamente pensou nela? E como sua professora sabia disso, hein?
- Eu contei para ela – sussurrou. – Só para ela. E eu pedi para que não-
- Pediu?
- Como?
- Pediu para ela não falar com ninguém sobre isso?
Neville se calou na mesma hora. Ele não... não se recordava. Pediu isso à Minerva? Ou só acreditou que ela não contaria, assim como ele próprio, por se tratar do professor Dumbledore?
Não, provavelmente ele só assumiu que ela seria leal ao diretor. Que... entendia o problema que algo assim poderia ser para sua reputação e escolheria abafar.
Ele levou as mãos até a cabeça e apertou os cabelos, totalmente confuso, sentindo dor na cabeça.
- Nev – chamou Heris. – Você confiou nela, uma adulta, para pedir uma opinião. Pelo que ficamos sabendo também pediu a opinião dos seus amigos primeiro. Está certo em fazer isso. Você notou que podia ter algo errado, mas não foi tomando uma atitude precipitada, pensou bem e quando viu que precisaria de mais, foi atrás de mais um ponto de vista. Quando você não sabe direito o que pensar, às vezes falar com outras pessoas e ter novas perspectivas sobre uma situação pode te iluminar – sorriu, se aproximando bem lentamente do garoto e se abaixando um pouco, para ficar na sua altura. Isso teve o efeito desejado, Neville não pareceu ter coragem de simplesmente fugir agora. Era como se sentisse que devia a Heris ouvir e olhá-lo de volta. – Se você estava disposto a falar com uma professora, mostra que não tinha certeza da gravidade da situação e como amiga de Dumbledore, Minerva podia ser mais branda. Você queria que ela fosse mais branda. Por que você quis que alguém justificasse e apoiasse sua própria vontade.
- Eu não-
- Você queria porque gosta de Dumbledore e foi atrás de Minerva porque queria que um adulto também endossasse o crime de Albus, assim ele não pareceria tão grave e você tão errado por fazê-lo.
- Não! Eu não! Eu-
- E está tudo bem! – interrompeu, dando ênfase a essas palavras.
Neville, que estava se retraindo e tenso, de repente, relaxou. Seus olhos brilharam na direção do outro esperançosos. Ficaram em silêncio por um tempo, até que tomasse força para perguntar:
- Está tudo bem?
- Se você diz que sim? É, está. É sua vida, como você se sente em relação às pessoas, o que quer ignorar de ruim em suas personalidades ou não. Eu gosto de Gellert Grindelwald e o maluco canta música de ninar quando mata pessoas.
- Como é que é?! – questionou incrédulo e Heris riu.
- É verdade. Ele é insano. E a música é macabramente boa falando nisso, mas deve dar pesadelos nos aleijados que ele deixou vivos do massacre – Neville pareceu positivamente aterrorizado (na visão de Heris), para que seu foco fosse menos para o que o mais velho lhe acusou e mais no que isso dizia sobre si mesmo. – Também gosto de você, sabe? Alguém que é um garoto bom e gentil, que jamais machucaria pessoas e que não sabe mentir, por ser íntegro e sincero demais em sua essência para isso. Entende? Gostar de alguém ou não é uma escolha, depende de você assumir seus limites, eu não deixo de gostar de Gellert só porque ele matou milhares de pessoas e uso a palavra "só" nessa frase, o que já mostra uma falha de caráter gigantesca em mim. Eu ganho dinheiro com coisas igualmente questionáveis, depois faço doações de uma porcentagem disso para instituições de crianças órfãs que podem ter perdido os pais justamente pelo que ajudei a espalhar pelo mundo. Entende? Certo e errado são conceitos hipócritas por si só, justamente por dependerem de opinião pública. Ou até individual. O ponto é que só você pode fazer o julgamento do que quer levar para sua vida. De quem você vai gostar? Até onde irá por essas pessoas? Não apenas em atitudes, mas pensamentos? Não te julgo por isso, está bem? Só me faça um favor.
- Que favor?
- Quando alguém que você gosta fizer algo que você sabe que é errado, não aceite isso só por ser um amigo ou qualquer pessoa próxima. Até quem mais amamos erra e cabe a nós ver esses erros e esperar que a pessoa também os perceba, ou ela continuará errando. Cabe a nós, por estarmos próximos, gritar com ela e lutar para que entenda nossos sentimentos. Não invalide os seus. Eu disse que gosto de Gellert, mas acha que perdoo tudo que ele fez? Eu só não tenho porque brigar com um velho que não faz mal nem a uma mosca no estado de espírito que está. Agora, acha que se ele voltasse a fazer discursos onde eu não passo de um porco de estimação eu simplesmente ignoraria? De jeito nenhum! Eu já vivi muitos anos sendo a base da sociedade, sendo um ninguém que as pessoas usavam ou descartavam, não vou aceitar que me tratem assim de novo. Não vou aceitar ninguém que apoie o descarte total de uma raça inteira. Alguém que categorize e diferencie raças.
Mas não vou passar a mão na cabeça de nenhum ser vivo (independente do mesmo conceito de raça) se fizer coisas igualmente condenáveis e merecer as consequências.
Esse é o ponto: certo e errado é relativo, mas quando achar que alguém está errando, não deve impedir que ela arque com as consequências, ou você também é hipócrita e está junto no erro. As pessoas sempre continuarão sendo ruins e tornando esse mundo ruim, se suas ações ultrapassam o direito de liberdade inerente de cada um e não são punidas.
Neville baixou a cabeça, mas não se afastou, Heris levou sua mão ao ombro do menino e apertou, para lhe dar algum apoio em seus pensamentos.
- Então... se eu não quiser que alguém seja punido por errar... eu também estou errando?
- O que você acha?
- Como é que posso saber? Se o que a pessoa fez é errado? O que é certo ou errado, afinal? Se até o contexto pode mudar isso?
- Você acha que o contexto pode mudar?
- Sim. Eu acho. Você lucra com algo que muitos podem achar errado, mas eu não te julgo punível por isso.
- Mesmo? Por quê?
- O mundo vai continuar brigando e... – ele olhou para os lados, como se não quisesse verificar se não havia alguém ouvindo. Percebeu, apenas naquele momento, que Long estava perto deles e estranhou não ter notado o elfo até então, mas estava tão quietinho e elfos geralmente querem passar despercebidos enquanto obedeciam suas ordens que nem era tão estranho. Apenas focou-se em Heris e sussurrou: – Armas vão continuar existindo. Há séculos! A cada geração tentam deixá-las mais fortes. Você vender ou não, não fará elas pararem de existir, mas... se o dinheiro que sai disso ajuda sua família e outras várias pessoas, criando uma cidade onde empregos são gerados, lares e... eu soube que estão fazendo um orfanato?
- Sim.
- E até para os trouxas, vocês doam dinheiro para crianças e eu sei o quanto se preocupam com a natureza, coisa que a maioria dos bruxos nunca pensa. Eu ouvi do projeto que estão pensando para energia sustentável nas suas fábricas e tratamento de esgoto. Você faz diferença com esse dinheiro. Sem você, outra pessoa faria a mesma fábrica, venderia as mesmas armas, mas destruiria o mundo e pegaria tudo para si. É um contexto onde... não consigo odiar você pelo que faz. Você só não... não se importava mais em lutar contra o sistema, decidiu fazer parte dele e usar a sua força para ajudar quem podia. Sozinho você não teria força para boicotar o sistema, mas dentro dele ganhou poder o bastante para tornar alguns aspectos dele positivos para algumas pessoas. É melhor morrer com a mão suja, mas tendo salvo vários outros, do que morrer lutando contra algo imutável.
- Você acha imutável?
- Algumas coisas não são? Ainda mais quando dinheiro e poder estão envolvidos para fortalecer a causa?
- Depende de quanto poder você mesmo tem para ir contra.
- Você não teria. Não nessa situação. Literalmente... não consigo pensar numa situação mais difícil de enfrentar. Afinal a força bruta está com eles, a maior delas.
- Entendi o que quer dizer com contexto. Mas é fácil? Identificar um contexto adequado?
- Não! E é disso que estou falando! – reclamou frustrado, voltando a puxar os cabelos. – Como eu sei o que é certo e errado, digno de punição ou não, julgamento ou não, quando um contexto é válido ou não, ainda mais quando tem alguém que me importo envolvido?!
A respiração de Neville estava descompensada, seus olhos um pouco mais abertos que o normal. Heris viu a confusão e até dor ali. Ele suspirou.
Neville Longbottom era bom demais para o próprio bem.
Tão bom, que não queria ver maldade nas pessoas e preferia ver o contexto para suas ações, tentando desesperadamente perdoar e entender. Não queria ser o que julga, nem o que pune. Ele entendia os problemas do mundo, como até as leis eram incongruentes, mas por isso não podia levar elas como norte sempre e... não conseguia achar um bom norte.
Era pureza, esperando alguém que pudesse guiá-la e moldá-la, mas o mundo mostrava tantos estímulos diferentes que não sabia onde deveria parar. Alguém que queria que o mundo fosse melhor do que realmente era, para que não precisasse duvidar tanto.
E não precisasse se sentir tão ruim ao apoiar a falha de alguém que gostava.
Porque as pessoas falhavam, mas ele amava demais, era leal demais, para simplesmente reagir adequadamente ao erro. Pior, duvidava de si mesmo o bastante para não saber o que era errar, pois quando alguém que respeitava fazia algo, imediatamente preferia pensar naquilo como acerto do que aceitar que as pessoas iam decepcioná-lo e de propósito.
Alguém bom... ou inocente? Ingênuo demais, com certeza. Precisava que o mundo fosse preto no branco e simples. Certo e errado. Para que soubesse onde ir, mas o mundo era colorido e isso o deixava confuso. Um daltônico que não misturava os aspectos da cor tal qual o resto do mundo. Uma criança que entende que errou ao quebrar o perfume da mãe, mas questiona se não está errado a mãe lhe bater por algo que foi um acidente sendo que ela mesma não apanhou por quebrar uma jarra no dia anterior.
"Por Circe, esse garoto precisa endurecer logo ou o mundo vai passar por cima" pensou. Ainda mais preocupado com a ideia de que alguém assim estava perto de um manipulador de crianças nato como Albus Dumbledore.
- É bem simples, na verdade. Na teoria certo e errado são facilmente alcançados se você conquistar um único aspecto em sua personalidade, mas entendo sua dificuldade na prática. É difícil de construir esse aspecto, o que faz com que a maioria não consiga, por não ter a paciência, dedicação ou até vontade. Elas acabam preferindo apenas ouvir os outros, seguir o que a maioria diz e isso é o maior causador do caos nas sociedades a anos. Quando um "homem decidido" ganha voz e aqueles que apenas escutam o seguem, porque sempre o farão com quem fala mais alto e primeiro, sem duvidar, tomam por verdade e lhe dão poder.
- O que é? Que aspecto é esse? – o menino perguntou, parecendo esperançoso, como se a resposta para aquilo fosse lhe dar o norte que tanto queria.
- Tenha seu próprio senso crítico – Heris respondeu e a expressão do outro tornou-se meio confusa e surpresa ao mesmo tempo. – Sabe o que é senso crítico, não é?
- Sei... Você já me disse uma vez, eu acho.
- E o que era?
- É ter discernimento e equilíbrio – respondeu incerto, mas se sentiu mais seguro quando Heris acenou aprovando. – É analisar, discutir, refletir ou buscar informações antes de tomar uma decisão ou tirar uma conclusão. Não aceitar a primeira coisa como verdade, mas procurar as fontes e ter certeza. Questionar, tudo.
- Isso. Não aceitar automaticamente, sem refletir primeiro, o que lhe é dito ou imposto também. Evitar sempre ouvir apenas um lado de uma história, não ser superficial sobre o mundo, lembrar que entretenimento não é verdade absoluta e na maioria das vezes é o que mais deve ser questionado e que não ter senso crítico é garantir que outros tenham espaço para controlar suas atitudes sem que você perceba.
- Eu entendi...
- Então entendeu a parte mais importante: Não seja manipulável. Sua opinião sobre o mundo deve ser a sua apenas, formada pelo que você encontrou, duvidou, provou, não acredite no que te dizem só porque é uma pessoa de confiança, não aceite um estereótipos como verdade e aprenda mais com o que sabe que é errado, do que com a verdade. A verdade é muito mais difícil de alcançar do que a mentira, então quando souber que algo é falso tome isso e siga para descobrir mais. Leia. Em mais de uma fonte. Pesquise, duvide, levante a voz e questione as provas e fatos, nada é certo, mesmo a ciência que dirá a magia? Pense por si mesmo e vá a fundo. É fácil, na teoria, definir o bem e o mal, o certo e o errado, você tem que ter uma moral e ética e essas coisas virão com naturalidade. Mas você tem que criar personalidade própria, então usar essa régua nas suas amizades e no mundo. O problema? Criar isso é algo demorado, leva anos. De novo: até mesmo adultos acabam chegando a suas idades sem ter personalidade, presos ao senso comum, massas de manobra controláveis. Ferramentas para pessoas que sabem o que querem e tem capacidade para controlar quem acredita em tudo.
- Assim como políticos.
- Isso.
- E os lordes das trevas? – sussurrou, corando com o olhar de Heris.
- Bem, sim – e deu de ombros, como se não se importasse com o significado implícito daquele pensamento. – Mas você focou no ponto errado.
- Como assim?
- Você fez questão de acrescentar "das trevas" no final – riu. – Você já foi manipulado e nem percebeu.
- Eu?
- Sim. Afinal não percebeu que a pergunta tinha que ter sido: "lordes". Apenas isso. Não importa se é um bruxo das trevas ou da luz, um lorde tem poder porque sabe manipular os que não o alcançaram. Um lorde usa sua força para ter o que quer.
- Não todos – murmurou.
- Mas só todos os das trevas, então?
- N-não foi isso q-que-
- Não todos das trevas?
- Não.
- E da luz?
Neville corou fortemente e parecia que daria outra resposta gaguejada e incerta, mas Heris já se adiantou:
- Qual o contexto de Dumbledore, então?
- Como é?!
- Você, na sua régua moral, acha que ler a mente de alguém é certo?
Neville ficou quieto.
O Mitrica suspirou e se aproximou, para sussurrar em seu ouvido:
- Se Gellert estivesse em casa, e lesse sua mente quando você fosse nos visitar, apenas para descobrir qual de nós pegou um livro de arte das trevas perigoso de sua biblioteca, você acha isso certo ou errado?
- Eu... – houve um longo tempo de silêncio. – Não sei.
- Não sabe mesmo? Ou percebeu que certo e errado é ainda mais relativo do que achava? – o mais novo continuou em silêncio. – Pense no contexto de que você tanto usou para me defender. Um de nós pegou o livro de um lorde das trevas, esse livro pode nos machucar, a magia viciante e perigosa nele pode nos ferir, pode nos deixar loucos, ele precisa nos salvar, mas nós não sabemos disso já que achamos ser apenas um livro e não fará mal. Ele, então, tão ansioso para impedir que o pior aconteça, apenas lê sua mente torcendo para achar a resposta de quem está com a coisa. O que ele fez, certo ou errado?
- Ele podia... – mas Neville não terminou a frase, até mesmo aquelas duas palavras saíram sem força. Em sua mente, algo óbvio parecia gritar "ele podia ter apenas explicado e perguntado".
Mas Dumbledore fez aquilo, não? Ele se explicou para Neville. Suas preocupações. A guerra, Voldemort, Harry... as artes das trevas. Ele...
- Agora, vamos mudar a história – disse Heris, se afastando e fazendo o mais novo voltar a lhe dar atenção. – Se Lakroff lesse a mente de um aluno de Hogwarts. Certo ou errado?
- Errado – respondeu na mesma hora, mas se arrependeu logo em seguida.
Principalmente com o olhar vitorioso e a pergunta feita pelo outro.
- Por que Dumbledore pode, então? – O Longbottom abriu a boca, mas nada saiu de lá, no lugar... ele tremeu. Como se, de repente, não tivesse mais chão embaixo de seus pés. – O que lhe dá esse direito? – ainda sem resposta. Heris meneou com a cabeça. – Nada, não é? E se alguém de que somos próximos faz algo errado, nós devemos só aceitar? – Neville negou com a cabeça, fechando os olhos com força. – Quando a coisa errada foi conosco? Devemos perdoar ou... merecemos sentir raiva, mágoa e exigir que a pessoa entenda seu erro, para que nunca mais fira ninguém assim de novo?
O menino abriu a si mesmo e se manteve em silêncio, de olhos fechados, obviamente pensando no que foi dito. Sentindo o que foi dito. Heris se deu por satisfeito, por enquanto. Ao menos, a semente da dúvida ele plantou, não podia fazer muito mais por Neville se ele mesmo não tomasse iniciativa. Só que teria que conversar com Lakroff sobre suas preocupações em relação a personalidade do menino.
Harry amava o Longbottom demais para fazer algo e Lakroff nunca gostou do menino, mas ao menos estava próximo e tinha motivação o bastante para agir diante da óbvia alienação que aquele garoto tinha, somada a uma personalidade... maleável demais? era preocupante.
Ainda mais porque Lakroff dificilmente desgostava de alguém ou ficava tão na defensiva, desconfiado e atento como era com Neville. Como se esperasse que algo desse errado e, sendo um vidente? Era melhor avisá-lo.
Sentia por Neville, por não poder respeitar o momento dos dois e mantê-lo privado, mas a prioridade de Heris era sua família e Neville só fazia parte enquanto estivesse junto de Harry. Não defendendo o homem que literalmente estava disposto a cometer um crime para ter mais informações sobre ele.
Informação é, no fim, uma forma de poder e controle sobre as pessoas.
Aquele que sabe mais, sempre conquista mais e impede o conhecimento de chegar a qualquer um que possa tentar lhe roubar o topo.
- Bem, pense sobre isso – comentou olhando para a gárgula pois teve a impressão de ouvir algo vindo dela. – Lamento dizer que terá de ser logo, afinal sua avó vai querer respostas. Vocês dois vão para casa.
- E Harry? Ele...
- Vou levá-lo para casa também.
- Por quê?
- Preciso falar com Harrison sobre tudo que vem acontecendo. Também queria mais tempo para conhecer Sirius Black, fui lembrado que ele é padrinho de meu pupilo e está mais próximo do que devia sem que eu tenha certeza de que é boa coisa. Pensei em ficar na cidade, apenas um ou dois dias, mas... não acho que me sentiria tão confortável aqui – e sussurrando, acrescentou: – Em uma cidade totalmente bruxa, sabe como é? Eu evito até a minha.
Neville riu.
Heris era filho adotivo de um bruxo que fundou uma cidade totalmente bruxa em torno da mansão da família... Devia ser estranho mesmo ficar na própria cidade depois disso. Não à toa, as casas no nome de Heris Ender Mitrica ficavam uma na América e outra, até onde sabia, na Alemanha mais próximo dos hospitais da família que ainda ficava de olho. Chegou a ouvir uma conversa, em um dos feriados que passou com os Mitrica, que estava pensando em uma na China, mas raramente ficava na mansão Mitrica.
Ainda mais que Diego vivia no exército, Alice no ministério, Lakroff e Hazz na escola a maior parte do ano. Não teria mesmo porque ficar sozinho naquele lugar imenso.
Ele ia onde as armas e os negócios trouxas mandavam e mantinha apartamentos até bem humildes para suas capacidades.
- Vou tentar fazer o possível de casa, pedir ao senhor Black que use o pó de flu para nos visitar em casa, talvez o chamar para conversar na sala de jantar onde os olhares de todos aqueles Mitricas com certeza podem intimidá-lo.
Neville riu, lembrando-se do lugar e imaginando Sirius parecendo tão deslocado em suas roupas trouxas, sendo encarado de cima por uma parede gigante e cheia de quadros de videntes desconfiados.
- Por que quer intimidar Sirius?
- Para ter certeza de suas intenções para com o meu irmão.
"De sua lealdade, considerando onde está a de Harry e o apoio à luz de Black na última guerra" acrescentou mentalmente. Claro, ele já tinha sido testado por Lakroff, mas gostaria de ele mesmo verificar algumas coisas que o velho poderia ter deixado passar, na sua tentativa de fazer a vida de Hazz repleta de parentes, amor e essas coisas bregas que tanto queria para os filhos.
- Mas primeiro quero tirar Harrison para conversar. Aquele pestinha escondeu de mim o torneio.
- Eu fiquei sabendo – Heris encarou Neville de forma repreenda, o que fez acrescentar na mesma hora. – Eu soube agora! Quando fomos chamados! Até então, achei que todos estavam informados, eu juro!
O mais velho riu, afirmando com a cabeça:
- Acredito em você. Enfim, irei verificar o que perdi. Se realmente não há mais como tirar Harrison desse torneio mesmo com a emancipação, por exemplo. Não sou do tipo que desiste antes de eu mesmo ver as possibilidades, sabe?
- Você acha que há chance disso?! – perguntou Neville cheio de esperança.
- Infelizmente não posso dizer... mas se Lakroff não foi capaz, não estou com muitas esperanças – o garotinho murchou e o Mitrica sorriu para aquilo com afeto, segurando novamente o ombro de Neville.
Ele ainda era uma boa pessoa, ainda amava Harrison.
Isso era importante. As visões cruéis e desanimadoras de seu pai podiam não se realizar, sejam quais fossem.
Esperava que não se realizassem, para ser sincero, pois ele e seus irmãos sempre se perguntaram o quanto isso poderia destruir Harrison. Talvez mais do que Lakroff quisesse admitir, visto que mesmo ao fazer amizade com Augusta Longbottom, ele ainda parecia sempre um pouco menos empolgado que os demais em relação as visitas e proximidade das famílias. Como sempre tinha aquele olhar de quem escondia demais. E as crianças sabiam como Hazz era sensível, mesmo que não demonstrasse.
A própria história do orfanato.
Harry gostava de Alice e a entendeu, acreditou em sua história do que realmente aconteceu naquele dia com a matrona. Que ela não fugiu de Hadrian, mesmo que estivesse sim com medo quando percebeu que seus poderes eram capazes de matar um homem adulto e isso o tornava muito mais forte do que qualquer um deles podia lidar, ainda sim isso foi apenas o que a fez não responder a princípio. Ela não correu dele, mas correu porque percebeu que seu medo e hesitação a deixaram focada no alvo errado e que a matrona, a "filha da puta que fez aquilo" (essas foram suas exatas palavras) tinha fugido. Que não devia temer Harrison, desde que continuassem como estavam ela ficaria segura, mas que a Matrona tinha ido longe demais, aquele homem mereceu e a mulher não podia escapar! Ainda mais porque se contasse para qualquer um sobre o cadáver, quem pagaria poderia ser Hadrian!
Alice não fugiu de Harrison, mas sim correu atrás justamente de quem podia entregá-lo.
O choque da situação a fez nem ouvir Harrison a chamando, ela apenas pensava onde a matrona poderia ter ido primeiro e disparou pelas escadas. "Helena foi telefonar para a polícia? Contar ao diretor do orfanato?" Tudo que foi fazer, foi justamente procurá-la para proteger o amigo. Assim como Diego, quando Heris o fez agir. Só que nenhum dos dois pensou em procurá-la no depósito de limpeza. Onde achou o álcool e o isqueiro. Nenhum pensou que iria fazer o que fez.
Só que todos escutaram o barulho. Chegaram para ver o começo do incêndio, que Heris não os deixou apagar.
"Deixe queimar esse lugar. Seria melhor que caísse logo. Só tirem os outros daqui!"
"Mas e o Hadrian?"
"Ele atravessa paredes, já o vi fazer, se estava aqui já saiu".
Era doloroso para todos se lembrar daqueles dias terríveis. Os quatro irmãos ficaram marcados.
Tanto quanto as cicatrizes no corpo de Harrison, a culpa no coração de Alice era imensa. Hazz podia tê-la perdoado e tornando-a sua irmã, mas a menina ainda odiava olhar as cicatrizes e via como o irmão parecia temer a rejeição muito mais do que antes. Como, só de pensar em ser visto como assustador por um amigo, isso o fazia se reprimir. Como preferia se machucar para conter a própria magia quando se descontrolava, do que deixar livre e correr o risco de assustar alguém.
Ele preferia se rasgar por dentro contendo-a até estar sozinho e sofrer longe de todos, do que talvez ser julgado.
Mesmo que estivesse rodeado de pessoas que nunca o fariam, continuava não acreditando nisso.
Tudo por um mal entendido, mas que o marcou para sempre. O medo de que um dia fosse verdade. De que poderia causar medo nos amigos. Um de seus maiores medos, junto com o fogo em seu bicho papão.
A liberdade de Hazz, de como ele agia com sua própria magia, a culpa de Alice, inocência de Diego que ainda acreditava que pessoas não eram capazes de fazer aquilo umas com as outras.
Era sombrio lembrar do dia que "Hadrian Blake" voltou, para apagar qualquer coisa que poderia levar a ele e denunciá-lo, além de se vingar de Helena. Como Heris o viu tão diferente, raivoso, destrutivo. Quebrado. Mas absurdamente inseguro, se comparado com o que era antes. O menino curioso que usava sua magia desmedidamente.
O equilíbrio que criou depois disso ainda era tão confuso. Até a palavra "equilíbrio" deixava de fazer sentido. Hazz mais parecia uma bomba relógio pronta para explodir e ninguém sabia em que direção ou qual a potência que seria, justamente porque fazia questão de esconder essa verdade. Da mesma forma, tinha pequenas explosões tão destrutivas que davam a certeza de que quando fosse sério, ninguém se livraria das consequências de qualquer raio à sua volta.
Heris se sentiu péssimo por não ter conseguido proteger o garoto daquele lugar. Eles não gostavam de se lembrar como Harrison não acreditou em Alice no começo, tamanha sua mágoa e raiva, como ela pediu que ele usasse seus poderes para ver a verdade... e como ele invadiu a mente dela sem dó. Rasgando as poucas proteções que um aborto teria. Lendo tudo que podia, invadindo seu palácio mental com uma brutalidade que a fez gritar.
Então logo depois percebeu que sua raiva feriu uma amiga que realmente se importava e estava arrasada por ter falhado com ele. Harrison não gostava de pensar no que foi capaz de fazer a Alice, por pura vingança e até os tais "óculos ceguetas" usou com mais frequência porque temia tanto sua própria magia que a simples ideia de estar invadindo a privacidade de algo tão puro como uma alma o incomodava.
Era um período horrível que só melhorou semanas depois, quando, aos poucos, foram se readaptando a presença uns dos outros na nova casa, como foram se tornando irmãos, unidos pela dor, pela maldade alheia, pelos traumas e a aceitação de novas versões deles mesmos. Quebradas e apáticas, que tinham uns aos outros para se apoiar e que lutariam com suas vidas para proteger aquele pequeno castelo de cartas que conseguiram se enfiar.
Até se tornarem um castelo forte de pedras sólidas como era hoje.
Não foi do dia para a noite, nem fácil. Heris chegou a questionar por um tempo se seria possível, mas agora tinha uma casa, recursos, dinheiro, um nome e nada poderia lhe tirar isso. Tinha as vantagens que nunca teve antes! A força que aqueles babacas tem para controlar as pessoas a bel prazer... e não quis jogar fora. Principalmente porque nunca poderia pensar em um lugar melhor para aqueles três.
Bastava apenas que tornasse aquilo um lar.
Então se esforçou no começo. Para ganhar a confiança do bruxo, que obviamente só os tinha adotado por Harrison. Para fazer o próprio menino lembrar de quando era Hadrian e porque confiava e gostava deles. Junto de Diego, que sempre foi o mais dócil do grupo, ele lutou para torná-los família, todos os cinco (oito, contando com os elfos). Alice também queria isso, estar com Hazz e ele, por mais que tivesse medo de admitir, queria os amigos de volta. Ter pessoas por perto que conseguiam sentir algum conforto e se divertir. Pessoas que se importam e não o odiavam por ser quem era, mesmo com tudo que fez.
Heris lutou quando chegou ao orfanato para evitar ter uma família, depois que cresceu teve que lutar para viver (muitas vezes às custas da vida de outros) então de repente estava dependendo da luta justamente por uma família. Mas julgava que conseguiu.
Mesmo que Alice e Harrison tenham demorado a ser o que eram, mesmo que nunca mais tenham dormido juntos um dia inteiro, ainda sim conseguiu que com as semanas, ela enfim tomasse coragem de aparecer no quarto do menino quando o ouvia gritar durante um pesadelo e o próprio bruxo aceitar que ela ficasse na cama consigo até amanhecer para se acalmar. Ela lhe fazendo carinho no cabelo, ele fazendo luzes coloridas com sua magia para que ela se encantasse e mostrasse que nunca a temeu.
Conseguiu que, com os meses, todos dormissem juntos no quarto, pois isso fazia "Hadrian" conseguir manter-se mais tempo com os olhos fechados, sem a tremedeira de sempre.
Com os anos, fez com que Lakroff parasse de olhá-los como animais que gostava de ver brincando com seu neto, para enfim serem seus filhos. Que os olhasse com o mesmo afeto que olhava para Harrison (mesmo que sequer fosse sua intenção, porque tinha certeza de que não mudaria um fóssil daqueles). Só queria o respeito, mas... até que gostava do carinho.
Era um velho solitário, que dava mais carinho do que Heris jamais esperou receber um dia de qualquer fonte. E não podia negar a vantagem em ser mimado por um bruxo rico.
Que combinação, não? Poder mágico e dinheiro. De repente, a vida entrou no modo fácil.
Mas depois de tudo que passaram para estar ali, justamente por sentirem na pele o quão valiosas eram cada uma daquelas coisas e da simples presença de cada um naquela estrutura, jamais deixariam que nada, nem ninguém, atrapalhasse. Portanto as visões de que Neville Longbottom poderia ferir Harrison, mesmo que Lakroff nunca dissesse em voz alta, nunca confirmasse ou contasse exatamente o que via... A ideia era o bastante para manter todos de olho.
Faziam o possível para tratar o amigo de Hazz bem, mas estavam sempre atentos para perceber qualquer mudança.
Neville ainda parecia bem preocupado com o amigo e que continuasse assim, para o seu próprio bem.
Todos podiam lidar com uma traição e destruir aquele que a causasse, mas Harrison? Ele ainda tinha muito medo de contar as coisas que fazia até mesmo para os irmãos. A imagem de Alice correndo escada acima nunca saindo de sua cabeça, com certeza, uma dor não superada.
Se Neville a concretizasse... Se Neville, de verdade, virasse as costas para Harrison por temê-lo? Harry teria que passar por aquilo de verdade. Irreversivelmente, seu medo se concretizaria? Alguém olhando para si tal qual um monstro e fugindo, deixando-o sozinho para queimar?
O medo de assustar os amigos era tão real que o machucava, não só quando tinha que segurar a própria magia quando sentia necessidade de ser destrutiva. Heris percebia como Harrison sempre era... falso. Principalmente perto de Neville. A máscara de uma criança que ele nunca teve a chance de ser, destruída pelo sofrimento, mas algo de que as pessoas poderiam gostar.
Detestava que o irmão andasse com ela. Pois parecia cortar seu coração a cada dia, por sentir que quando ela caísse, todos subiriam as escadas e o deixariam sozinho no porão escuro. Esperando a morte. E mesmo que alguns ficassem e conversassem sobre esconder as provas para protegê-lo, Hazz e sua insegurança se focava tanto no que ia embora.
Ele queria manter o mundo ao seu lado, porque era alguém que por anos, não teve ninguém para fazer o mesmo. Se importar.
"Malditos Dursleys" pensou e encarou Neville. Se ele fosse virar as costas, se deixasse de se importar com Hazz... o que fariam? Como fazer Hazz olhar os que ficaram desta vez e não quebrar?
- Eu não sei porque isso aconteceu com ele – murmurou Neville baixinho, mas sua voz estava intensa o bastante para que Heris sentisse a mágoa nelas.
- Coisas parecidas acontecem com você nessa escola o tempo todo.
- Comigo! – praticamente gritou, se colocando de frente para o mais velho, como se o desafiasse. – Comigo! Não com mais ninguém! Comigo e... – de repente ele murchou. – Meus amigos.
- Nev-
- Hermione foi petrificada no segundo ano, Gina – sua garganta tremeu em pesar antes que acrescentasse. – Foi levada para dentro da câmara e quase morta, Ron teve-
- Desculpe interromper, mas o que você tem a ver com Hermione andando sozinha no meio da noite, seus amigos te seguindo nos perigos que você se mete e-
- Harry é meu amigo! – mais uma vez aquela firmeza estava ali, confrontando o mais velho. – Nada disso nunca aconteceu com ele! Não na escola! Esses perigos idiotas e mortais, mas ele vem um ano e de repente isso acontece?
- Já parou para pensar que o problema está em Hogwarts e não em você?
- Mas se não acontece com mais ninguém além de mim e dos que me são próximos, a constância aponta para mim.
- Você acha, então, que a culpa é sua de Harrison estar no torneio?
Para a surpresa do mais velho, que não esperava uma reação tão intensa, os olhos de Neville imediatamente se encheram de lágrimas, seu rosto avermelhou-se e ele fungou, respondendo apenas com um aceno de cabeça.
- Ele vai ficar bem – garantiu, abaixando-se para a altura do menino ao consolá-lo. – Harrison é capaz de superar qualquer desafio. Ele só precisa saber que estamos lá por ele, que nunca vai ficar sozinho, então conseguirá tirar forças de qualquer fonte.
- Ele não devia precisar – sussurrou. – Não devia ter que tirar forças para enfrentar algo como... a coisa doentia que o jogaram!
- Não. Realmente não – acenou com a cabeça. – Mas sabe o que é interessante? Sua avó disse algo bem parecido na reunião agora pouco. Só que sobre você – sorriu.
- Sobre mim?
- Sim. Ela disse a Dumbledore que você não devia precisar de sobreviver a monstros gigantes, lordes das trevas, criaturas mágicas como Trolls, aranhas gigantes ou coisa parecida na escola.
- Mas eu-
- Por isso viemos aqui. Por isso nós estaremos aqui. Por ele e por você. Vocês não deviam ter de passar por provações assim. Cabe a nós, como seus responsáveis, lutar para que tenham uma infância saudável, mas se ambos continuarem escondendo coisas de nós assim? Então estão apenas dificultando nosso trabalho e nos fazendo mal! Saber de algo que os colocou em risco apenas depois de tudo já ter ido ao auge do absurdo e "se resolvido" por crianças, saber ainda por cima através de terceiros, apenas nos sentimos inúteis e falhos.
- Vocês não são!
- Então nos deixe fazer nosso papel e nos digam quando algo acontecer! – pediu firme. – Entendeu? – perguntou quando o menino não disse nada.
- Entendi.
- Ótimo – concordou se afastando. – E estejam próximos. Para que um proteja o outro.
- Claro – disse, como se fosse óbvio.
De novo, Heris esperava que fosse. Ao menos os sentimentos Neville obviamente tinha por Harrison, fortes o bastante para que estivesse limpando os olhos que começaram a desinchar.
- Mas... – continuou o menino, de forma bem insegura.
- Diga.
- Eu protegeria... eu quero proteger Harry de tudo! Mas e se... eu não souber como protegê-lo? Ou... do que eu deveria proteger?
Heris sabia que havia muita coisa significativa naquelas palavras. Neville estava guardando algo, mas o mais velho não sentia que se perguntasse conseguiria a resposta. Ele provavelmente evitaria o assunto.
Talvez o melhor seria conversar com Harrison para que ele mesmo se resolvesse com o amigo. Mesmo assim, queria conseguir algo a mais:
- Olha só, que ironia não é mesmo?! - zombou.
- O que?
- Quer saber como e do que protegê-lo e não sabe para onde ir? Entende agora? Os desafios que eu ou sua avó temos? Que todos nós temos, ao tentar proteger vocês dois enquanto suas próprias ações nos atrapalham? Se não se abrem, nunca sabemos com o que temos que lidar, se não pedem ajuda, ficamos a esmo, se não nos avisam de um perigo, não temos como agir! Com o que está preocupado? Do que acha que deve proteger Harrison?
Neville não teve coragem de dizer. Se remexeu no lugar. Nem ele sabia como dizer tudo que se passava na sua cabeça.
- De tudo – foi o que conseguiu dizer. – Eu só queria ter certeza de que nada pode ferir Hazz. Nunca. Eu faria de tudo por isso.
A intensidade com que aquelas palavras foram ditas, como o som foi baixo, mas o significado tão alto, chegaram a tirar fôlego do Mitrica. O menino ainda repetiu, como se soubesse que aquelas palavras não eram em vão e que mereciam ser repetidas "tudo", mais baixinho, mais discreto, nem por isso menos importante.
Heris levou um tempo para pensar em como responder àquilo.
- É exatamente assim que nós nos sentimos em relação a vocês. Por isso, por favor, nos digam. Peçam ajuda. Estar longe já é uma dor, saber que vocês ainda nos escondem o que pode feri-los? Só nos deixa paranoicos e loucos.
- Hazz sempre esconde... de mim também.
- Ele acha que pode lidar com o mundo sozinho.
- Ninguém pode – sussurrou, negando com a cabeça.
- Disse o garotinho que enfrentou o basilisco sozinho.
- Eu precisava! – se defendeu imediatamente, com mais firmeza, mas então sua voz falhou e seus olhos pareceram brilhar. – Ou... as duas podiam ter morrido – baixou a cabeça com dor.
- Você fez o que podia – garantiu Heris, puxando Neville para um abraço, que espantou o menino, mas foi imediatamente aceito. – Tracy sabe disso, seja lá onde Lady Morte a tenha levado. Você foi incrível – mas o mais velho sentiu como o menino tremia, diante daquelas palavras. Um luto e uma culpa e dificilmente seriam curados. A sensação de incapacidade. Heris a conhecia bem.
Sentiu quando achou que "Hadrian Blake" morreu por não ter agido mais incisivamente e antes que tudo estourasse daquela forma. Tudo porque não soube lidar bem com a situação toda. Por isso, acariciou os cabelos loiro escuros do Longbottom e acrescentou:
- Você é incrível. É a única coisa que me deixa tranquilo sabendo que Harrison está no torneio tri bruxo.
Neville estranhou aquilo e se afastou, enxugando uma lágrima solitária ao olhar o mais velho:
- Não entendi.
- Eu sei que você vai lutar por Harrison – se explicou. – Não importa o que aconteça, você estará aqui, com ele, ajudando-o. Mesmo que ele finja que não precisa de ajuda, mesmo que se afaste, ou que diga que tem tudo sobre controle, você não vai desistir de ficar de olho e considerando seu histórico de quebrar regras, você entraria até em um dos desafios para tirá-lo de lá antes que pudesse se ferir... a menos que te deixem inconsciente primeiro.
Neville riu e concordou, achando que realmente, só assim para que não tivesse o impulso de se jogar na frente de Harrison para levar qualquer coisa por ele... Se pudesse, se soubesse que isso aconteceria, ele mesmo teria colocado seu nome e torcido para ser escolhido no lugar.
Até trapacear para seu nome ser escolhido no lugar do amigo ele o faria.
- Você vai fazer tudo que pode e tudo que eu não posso – continuava o mais velho., – Diante de minhas próprias limitações, você está aqui para protegê-lo junto com Lakroff e, talvez, consiga alcançá-lo mais facilmente. Auxiliá-lo. Até mesmo evitando que os desafios sejam tão desgastantes quanto poderiam, nem que seja o fazendo companhia enquanto se cura de um ferimento ou o chamando para se distrair entre uma tarefa e outra, para não deixar sua cabeça enlouquecer, ou deixá-lo se focar apenas em treinar e esquecer de comer, beber água ou dormir. Eu não estarei aqui durante o torneio, mas posso contar com você para cuidar dele?
- Com certeza! – afirmou com firmeza. Olhar decidido, pulando no lugar ao afirmar.
- Ótimo – Heris sorriu, bagunçando os fios do menino. – É bom fazer isso direito. Agora que te coloquei como responsável pelo Hazz, se algo acontecer e ele se machucar, Alice te mata.
- COMO É?! – gritou.
O mais velho riu:
- Caro herói grifinório, estamos contando com você para ser nossos olhos, ouvidos e braços nessa escola. Nosso infiltrado! Se nossa cobra sair ferida, você que falhou.
- Isso está errado! – reclamou.
Mas em seu rosto residia um sorriso.
Ele cuidaria de Harrison e Heris soube disso. Queria ser um vidente para ter certeza, como os bruxos da família, entretanto tinha esperança. Esperança de que as coisas ficariam bem, de um jeito ou de outro.
Elas tinham de ficar. Os Grindelwald não perdoariam se os Longbottom ferissem seu caçula, mas eram os mais difíceis de punir, diante do apego que já existia.
"Por coisas assim pessoas acreditam que afeto não passa de fraqueza" pensou Heris, se afastando, mas tentando manter o sorriso. "Seria tão mais fácil só dispensá-los".
Só que não conseguia ver ninguém da família Grindelwald apático aos Longbottom. Todos acabariam sofrendo, por um ou outro, se tivessem de perdê-los nessa jornada. Só que justamente: eram Grindelwald's. Mariposas. A criatura da ambição e sacrifício próprio, por ninguém além de seu objetivo. Se qualquer um, mesmo que os Longbottom, estivessem no caminho de um objetivo mais importante... Teriam que ser comidos pelo chacal Mitrica.
Alheio a estes pensamentos, Neville apenas estava se sentindo muito satisfeito, apesar da conversa ter obviamente feito com que pensasse em muitas coisas e o tivesse incomodado em outros pontos... foi claramente a conversa mais agradável que já teve com o mais velho dos Mitrica.
E era uma conversa necessária.
Ele estava evitando as coisas, mas via que talvez tivesse que ter feito isso para pôr as ideias no lugar. Entender o que fazer. Coisa que obviamente ainda estava longe, mas Heris parecia perfeito para lhe dar um norte. Claramente ele tinha opiniões mais firmes que o do adolescente, não via necessidade em apelar para gentilezas que fossem endossar os pensamentos de Neville e, pelo contrário, o estava confrontando com a verdade de suas próprias ações.
"Ele pode me ajudar..." pensou, afinal além de ter uma visão mais madura e firme, ele também parecia estar tentando ser paciente consigo e, por ser um trouxa, talvez tivesse uma visão mais neutra apesar de tudo, sobre uma das coisas que mais estava o enlouquecendo. Decidiu experimentar:
- Heris, posso pedir sua opinião em uma coisa?
- Sobre o que seria?
- Você... já leu bastante sobre as artes das trevas?
- Eu? Já.
- Por quê?
- Queria entender. Na cultura dos livros trouxas magia sombria é inegavelmente maligna e, de repente, tinha um lorde das trevas indicando livros para alguém que eu considerava minha responsabilidade. Não ia deixar Harry se meter nisso sem saber exatamente com o que ele iria lidar.
- Sobre o que você descobriu – murmurou olhando para onde sua avó e Harry ainda conversavam, parecendo bem entretidos.
Bem próximos.
Sufocando a expressão que quase fez e a qual sabia que geraria perguntas do outro, focou-se no que queria.
Entretanto, o grifinório não teve a chance de falar. Naquele instante a gárgula atrás deles se moveu e descendo as escadas veio Lakroff, os passos de Dumbledore e Minerva ecoavam logo atrás.
Gostaria de agradecer a todos neste mundo, por este momento maravilhoso.
EU JÁ NÃO AGUENTAVA MAIS!
DOIS MESES ESCREVENDO ESSE CAPÍTULO, DE LUTO AINDA POR CIMA! Nunca mais quero ver ele! (brincadeira, só precisa de um tempo e espeço, mas enfim...)
Espero muito que pelos menos vocês, meus leitores, tenham gostado depois desse tempo desaparecida, desculpem e muito obrigada por terem chegado até aqui. Sei que muitos não voltarão, mas os que ficaram comigo, lembrem-se de darem suas opiniões porque preciso de criticas e observações construtivas ou positivas para voltar ao tranco e continuar trazendo a história com a mesma qualidade que esperam e que eu me sinto mais confortável.
Então, o que acharam? (sejam sinceros).
Lembrando que está é a parte 1 e a parte 2 vem na quarta-feira, só quero dar uma última revisada. E sim, ela está tão grande quanto essa. Eu gosto ainda mais da parte 2, então vamos ver se vão aturar mais disso aqui.
De toda forma, agora termina o arco para podermos ir para a primeira tarefa!
Até a próxima, obrigada por não terem me abandonado, não se esqueçam das criticas (boas e ruins), uma boa noite e tchau!
PS: Estou querendo marcar uma nova live na quarta-feira depois da parte 2 para falar com vocês sobre o próximo arco e para quem perdeu os spoilers do arco do baile de inverno poder ter uma nova chance. O que acham? Eu vou confirmar no grupo do discord, então entrem lá. Beijos!
PS2: Obrigada aos meus betas que tiveram tanta paciência comigo durante esse tempo, vocês são divinos (mesmo o que nunca abre o Wattpad e nem vai ver essa mensagem).
PS3: Se está gostando do trabalho dessa autora saiba que tenho um livro publicado na amazon e adoraria ter sua opinião e apoio. O nome é "Aquilo que se vê no escuro" por Bárbara Regina Souza e está gratuito para assinantes do Kindle Unlimited
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