Capítulo 18 - O demônio e todos os órfãos quebrados
Domingo eu tive um pouco de tempo livre e fui escrever, mas antes de tudo abri um e-mail de uma leitora que fez uma FANART DA MINHA FANFIC.
Primeiro: Eu sempre sonhei com esse momento, eu estou literalmente arrepiando só de lembrar, eu realmente chorei de felicidade quando vi...
O meu Hazz! Gente o meu Hazz existe! Eu fiquei uma hora inteira só olhando ele e cadelando, porque se meus personagens se curvariam para o Hazz, eu também faria. Nossa como faria. Meu Merlin, eu sou toda desse menino, não dá. Me apaixonei por um desenho, baseado em uma pessoa que eu mesma fiz, não sou normal...
Estava escrevendo chorando de felicidade.
Cadela do meu Hazz, sim.
Ou melhor....
Nosso Hazz (≧▽≦)
(Quando a leitora terminar a arte e se ela deixar eu mostro para vocês).
Aproveitem o capítulo que comecei num surto de apreciação ao meu próprio personagem e terminei depois de uma semana cheia de ataques de pânico severos e horríveis.
Mas então... Equilíbrio <3
IMPORTANTE: Essa fanfic AINDA NÃO TEM CASAL PRINCIPAL DECIDIDO, o foco não é no romance (como vocês já devem ter notado), mas no desenvolvimento pessoal do Hazz. Conforme a história avançar vai ter alguém que se encaixa nele e em seus objetivos e nessa hora vocês verão que ele escolheu, entre todas as opções, aquele que o faria mais feliz e completo em sua jornada. Por enquanto não tem como eu decidir porque ele não decidiu.
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Capítulo 18 - O demônio e todos os órfãos quebrados
"Tom via como Harry tinha o dom para atrair pessoas,
além disso, percebeu que o menino era essencialmente bom e tinha medo de onde isso podia levá-lo".
Harry só sentiu forças o bastante para ficar de pé no segundo dia no hospital. Sua magia estava fraca demais e Tom insuportavelmente pequeno na cicatriz.
Estava péssimo, exausto, não conseguiria pensar em usar corretamente suas energias, tinha dificuldades para manter as sombras verdes presas e firmes, como sua armadura tradicional, não conseguia verificar se os tios estavam fazendo um bom trabalho e apenas desmaiava a cada alguns minutos, o que estava o enlouquecendo. O maior tempo que ficou consciente foi durante a noite e gastou cada instante tentando juntar as peças do que acontecera.
Valter foi bem convincente, todos agora sabiam da invasão à mão armada na casa e como Harry tinha sido um "menino tão forte". Igualmente a polícia havia garantido sigilo sobre tudo e impedia que vazasse algo para a mídia para que a família não fosse incomodada nem tivesse que "reviver seu trauma".
Harry forte? Ele tinha quase certeza que se Tom não tivesse se sacrificado por eles, teria deixado a morte busca-lo, só para levar a família junto.
Aquilo não era força, era inconsequência e não podia repetir algo assim. Não se quisesse evitar que o companheiro fosse afetado junto.
Os remédios trouxas pareciam não surtir efeito, por sorte a vinha tinha feito um trabalho suficientemente bom em fechar a ferida nas costas e as outras estavam em processo de cicatrização. Harry tentaria confundir os sentidos dos médicos para que não estranhassem aquele fato.
No terceiro dia conseguiu uma ideia clara da rotina dos funcionários e arrumou algumas roupas. No quarto, bem cedo, foi para os Longbottom. Trocou o avental hospitalar na floresta perto da mansão, então chegou para uma visita.
Contou que havia feito um corte quando aparatou errado, mostrou o braço, e também disse que houve um acidente em casa, mostrando o curativo nas costas como prova. Perguntou se eles sabiam se alguns remédios não funcionavam em bruxos e eles lhe explicaram que realmente muitos não surtiam efeito necessário. Lhe deram poções de cura e ensinaram como usar até que a ferida fechasse (já que ele não deixou que vissem direito para tratarem).
Augusta Longbottom estava suspeitando de sinais que os tios de Harry não eram muito bons para ele, mas o menino se esforçava para manter isso em segredo, então ninguém pôde culpa-la por não chegar à verdade. A viúva, entretanto, notou que a criança evitava responder perguntas e fugia de temas, além de ser muito reservada para alguém da idade (o que associou a fama a princípio, mas descartou a ideia quando percebeu que Harry nem sabia da própria história muito bem).
Augusta queria ajudar, mas o perderia se forçasse demais, sabia disso. Então buscou apenas mostrar que estava ali por ele, lhe ofereceu mais uma vez dormir na mansão, foi negado, mas fez o possível para deixa-lo confortável todo o tempo.
Neville e Harry tiveram outra discussão, longe de todos, sobre contar os abusos sofridos pelo de olhos verdes e conseguir ajuda. Hazz, como sempre, ganhou.
Não precisava de aurores perto dos tios.
Na verdade, evitaria esse encontro o quanto pudesse.
Comeu por lá, brincou um pouco com Neville e partiu cedo, mas isso já era o habitual, então ninguém deu atenção a esta parte.
Depois do que foi uma semana no médico, Valter finalmente levou Harry a um orfanato.
No caminho eles tiveram uma conversa simples. Valter perguntou:
- E se os bruxos aparecerem e não conseguirmos evitar que nos tirem informações?
- Vocês vão. A vida da sua família, Valter, e a sua dependem disso. Vocês vão dar um jeito.
- E se Dumbledore aparecer antes de você ser adotado?
- Você faz seu trabalho e eu o meu.
No orfanato as últimas palavras que trocaram não foram "tchau" ou coisa parecida, mas sim no escritório do diretor, um homem alto e bem vestido chamado Braun, que quando terminou de fazer o registro de Harry Potter foi imediatamente enfeitiçado e induzido a fazer um segundo registro, totalmente diferente. Quando saiu para pegar um carimbo Valter perguntou ao sobrinho:
- Por quê fez isso?
- Você não reclamou no carro sobre descobrirem que estou aqui antes de ser adotado? Os bruxos não sabem minha aparência, se vierem vão achar o registro de Harry James Potter como alguém que já foi adotado, do qual ninguém nem se lembra, então irão atrás de uma pista falsa. Até descobrirem que mudei de nome... talvez nem descubram. Eu terei dado meu jeito.
- Não seria melhor pensar em um nome mais diferente então?
- Não é necessário. Vão procurar por Potter de qualquer forma, é o que interessa, não a mim como indivíduo, mas meu sobrenome e o que vem dele. Hadrian Blake será mais que o suficiente. Também tenho menos chances de me confundir se me chamarem assim.
- Você podia mudar a idade...
- Eu não passo por alguém mais velho, não com a desnutrição, obrigada por isso. Só conseguiria convencer de que sou mais novo e me recuso a diminuir uma série. As crianças já são burras o suficiente agora.
Todo o tempo eles não se preocuparam em olhar um para o outro, mas Hazz percebeu como o tio tremia loucamente.
Os médicos deram a explicação de que era estresse pós traumático, mas o menino achava que podia ter algo a ver com a tortura.
Era apenas uma suspeita...
Afinal Guida não apenas tremia, mas gritava repentinamente e vomitava, às vezes.
Para assinar os documentos (fingindo ser August Blake) Valter sacudiu tanto a mão que tudo pareceu mais um risco desforme a um nome.
- Desculpe – disse à Braun. – Eu sofro de mal de Parkinson. Um dos motivos que se torna muito difícil criar meu sobrinho, não tenho um emprego fixo a um tempo, sabe? Se ao menos o pai não tivesse sofrido aquele acidente...
Depois que Hadrian Blake foi registrado corretamente o tio foi embora sem olhar para trás, o mais rápido que pôde.
Parou o carro algumas quadras de distância e vomitou.
Não aguentava ficar perto daquele monstro nem mais um minuto.
-x-x-x-
O orfanato Sun Glass era bem grande. Braun, se importava mais com dinheiro do que com as crianças, afinal o lugar servia para passar uma boa imagem para si e sua empresa, uma fábrica parceira da Holland & Holland (produtora de armas e varejista de roupas britânica com sede em Londres, que oferece rifles e espingardas esportivas artesanais).
Ficava obvio que além da boa divulgação, o orfanato também oferecia funcionários com mão de obra barata nos adolescentes que chegavam à maioridade, sem serem adotados.
Mesmo com a tamanho do lugar, tinha apenas uma matrona para cuidar de todos e os funcionários da faxina ou da cozinha não moravam por lá. Poucos adultos para muitas crianças. Pátio grande e uma biblioteca ainda maior alguns quarteirões de distância.
Harry não tinha o que dizer sobre aquilo.
Mas Hadrian conseguia ver muitas vantagens.
Não era um lugar maltrapilho também e logo com sua chegada (segurando apenas uma mochila com poucas coisas) a matrona, Helena, já o levou para o depósito, lhe deu um uniforme, pijamas e alguns produtos de higiene pessoal.
Em alguns minutos já tinha muito mais do que em seis anos com os tios.
Helena era uma mulher gordinha e baixinha, de rosto simpático e cruz no pescoço, quando foi informada que Hadrian estava ferido e não poderia tomar banho logo na chegada (como a maioria das crianças fazia), ela teve toda a preocupação de querer a fixa médica do menino, reclamou quando disseram que não havia, ofereceu leva-lo a um doutor mais barato que o diretor permitisse, lhe garantiu que se precisasse de ajuda quando fosse se limpar era só chamar.
Até tentou achar um quarto no primeiro andar, para que não precisasse subir muito as escadas.
Realente uma mulher muito atenciosa.
Sentou-se com Hadrian na cantina vazia e lhe fez várias perguntas, sempre mostrando que queria conhece-lo para poder atender, o melhor que podia, suas necessidades. No momento que Hazz perguntou se podia frequentar a biblioteca, ela lhe disse que poderia ir sempre que um funcionário, ou algum órfão maior de dezesseis concordasse em acompanha-lo, pois ela não poderia, já que acabaria deixando todos sozinhos.
Depois da pequena entrevista, Blake foi alocado a um cômodo. Não acharam nenhum desocupado nos primeiros andares, que eram os maiores com cerca de quatro a seis crianças compartilhando, mas o menino de olhos verdes deixou claro que estava feliz com um cantinho no penúltimo, pois o ferimento não interferia sua caminhada.
Os últimos andares também tinham cómodos muito menores, quase pequenos demais, e devido a isso eram compartilhados apenas por duas pessoas sempre.
Várias crianças, durante todo o caminho que ele fazia pelo lugar com a matrona, o olhavam torto. A mulher notou, por isso foi dizendo:
"Você é muito bonito, vai ser adotado rápido".
Então ele entendeu que suas expressões eram por ciúmes.
Hadrian não seria matriculado numa escola ainda, já que logo seriam as férias e as escolas prefeririam esperar o novo ano letivo, então nos primeiros dias pôde ficar no prédio praticamente sozinho pelas manhãs e parte das tardes.
Usou uma fachada de menino gentil para cativar um a um todos os funcionários e logo conseguiu que uma das faxineiras o levasse, as quartas e sábados no horário de almoço, para a biblioteca.
Ela passava na frente do local no caminho à própria casa, deixava o menino com a bibliotecária, então o pegava na volta, com ele segurando vários livros que pegara emprestado.
Todos os adultos ficavam impressionados com como o menino era educado e inteligente, afinal lia cerca de quatro livros a cada visita, mas teriam ficado ainda mais incrédulos se Hazz mostrasse o que lia de verdade, ao invés de manter um livro infantil aleatório falso para mostrar quando era questionado.
Ninguém além da bibliotecária (senhora Vathis) sabia dos livros de medicina, leitura de linguagem corporal e manipulação social que escondia no fundo da caixa de papelão que ela emprestara.
Enquanto os adultos gostavam cada dia mais do menino Blake, que era "um anjinho", as crianças odiavam na mesma proporção.
Um menino perfeito, bonito, quieto, bem educado, com certeza tiraria toda a atenção dos pais em potencial.
Por isso começaram a tentar ataca-lo.
Insultos, roubos, espancamentos e diversos outros maus tratos, nada que o primo de Harry já não tivesse feito, então ele aguentou. Não queria chamar atenção logo no começo. Quando criou uma boa ideia do que poderia fazer, sem gerar problemas com quem importava (os adultos com poder), teve confiança para atacar de volta. Com força total.
Hadrian não sentia raiva das crianças, mesmo quando eram especialmente irritantes. Muito pelo contrário. Ele as achava curiosamente irrelevantes ou uteis para os testes de magia.
Se sentia tão em paz vendo que ali não haviam aquelas cobranças irreais dos tios e podia ser minimamente digno, que algumas brincadeiras idiotas não o afetavam.
Talvez teriam afetado Tom.
Harry vinha sonhando muito com ele, praticamente todas as noites. Nunca mais conversaram diretamente (o que o deixava decepcionado), mas ele via coisas sobre o outro. Percebeu que provavelmente eram as memórias de Tom, memórias de um garotinho órfão muito bonito e inteligente de sobrenome Riddle, mas que todos desprezavam por ser diferente.
Uma aberração assim como ele.
Supôs que talvez fosse sua curiosidade e necessidade de verificar o companheiro que o fez conseguir, ao dormir, entrar em seu subconsciente, enquanto o próprio Riddle estava fraco demais para pará-lo. A cada noite conhecia mais sobre o talentoso (e meio sombrio) bruxinho.
Hadrian criou um carinho ainda maior e mais estranho pela vinha, a verificava com frequência, tentando até passar a própria magia para o outro se fortalecer e voltar logo.
Mas uma coisa que notou nisso tudo era que... as semelhanças e diferenças entre eles eram assustadoras.
Hazz não tinha o mesmo desprezo pelos outros que Tom indicava, e definitivamente era mais paciente. De resto... Os dois pareciam lados de uma mesma moeda estranha, onde você não identifica onde é cara ou coroa.
Tão iguais, mas também diferentes em pontos cruciais.
Tom se divertia mostrando sua força, fazendo todos se curvarem. Ele queria ser melhor.
Hazz queria que as pessoas o deixassem em paz, se não eram fortes e dignas o bastante de sua atenção, podiam sumir. Ou...
Entre-lo um pouco com sua insignificância.
Quando as crianças o ameaçavam ou corriam atrás dele para lhe bater, o de olhos verdes não fazia muita coisa, desviava e se divertia quando os que o perseguiam davam de cara com paredes, que ele atravessava aos risos.
Era engraçado brincar com suas cabeças, fazer com que parecessem loucos para os adultos, falando de coisas que apareciam na frente de seus pés e por isso tinham tropeçado.
Pequenos insetos sem grandes atributos.
Na maior parte do tempo era apático a qualquer um que não demonstrasse uma qualidade especial, essa era a realidade.
Os com qualidades tomava mais cuidado ou, se passassem da linha que estabeleceu para si mesmo, dava logo tratamento intensivo.
Por vezes foi até impiedoso, mas apenas com aqueles que sabia que seriam mais resistentes a deixa-lo.
Um dia, um garoto invadiu o banho de Hadrian e o zoou por suas cicatrizes. Disse que não adiantava nada ter cara bonita com "aquelas coisas". Ninguém pôde culpar Harry quando o menino simplesmente não acordou no dia seguinte, independentemente do que fizessem.
Ele foi levado para o hospital e declararam que estava em coma, talvez por alguma disfunção cerebral que ninguém se preocupou em pagar os exames para descobrir com certeza.
Não acordou mais.
As crianças chegaram a apontar o dedo para "o estranho do Blake", mas que prova tinham? Como ele teria feito algo assim?
Seu primeiro companheiro de quarto também não durou muito. Vivia tendo pesadelos, tadinho, a maioria envolvendo Hadrian, cobras e plantas pretas que puxavam seu pé.
Estranho, na primeira semana.
Aberração até o fim da segunda.
Na terceira virou monstro.
Aconteceu quando um dos idiotas que o incomodara roubou um livro. Ele quase o destruiu, e Hazz assumiu que se deixasse algo assim acontecer, arruinaria suas chances de continuar com um cartão da biblioteca. O menino em questão simplesmente pareceu esquecer o que estava fazendo, deixou o livro no chão e saiu andando.
Continuou até chegar na rua e quase ser atropelado.
O ex-Potter apenas tinha dado a ordem silenciosa para soltar o objeto e seguir o mais longe que conseguisse deles, até que alguém o parasse. A culpa não era sua que o destino escolhido pelo controlado fora a rua e quase tivesse causado um acidente.
Hazz fez a magia toda de forma não verbal e mal moveu um músculo, mas é claro que os que viram a coisa toda (um grupo de três meninos e duas meninas) já tinha espalhado a fofoca e o declarado responsável.
As crianças o evitavam e podia ficar quieto com suas leituras.
Pôde ainda aparatar um dia, durante duas horas inteira, para ver Neville.
-x-x-x-
Harry estava começando a ficar preocupado que Tom não parecia melhorar, se culpava cada dia mais por suas atitudes e corria pelos corredores de Hogwarts a procura do colega.
Foi quando notou.
Hogwarts?
Ele nunca esteve em Hogwarts.
Nem sabia como era o castelo mais do que os Longbottom tinham dito e isso envolvia o fato de que era dividido em casas. Como sabia que aquele castelo era Hogwarts e como estava lá?
- Você anda vasculhando minhas memórias, um dia chegaria aqui - uma voz disse atrás de si.
Aquela voz.
Grossa, melodiosa, sedosa, cheia de graça e nobreza.
Harry praticamente pulou no corredor para se virar e encontrar, iluminado por um conjunto de grandes janelas, um lindo adolescente de cabelos negros e cacheados, um rosto tão exuberante que tiraria o fôlego de qualquer um que o visse. Estava com um uniforme preto, com detalhes em preto e verde. No peito um brasão com uma cobra.
Diferente das memórias que vinha assistindo do orfanato, esse Tom tinha os olhos vermelhos que sempre o cativaram.
- Não me chame de Tom - o garoto ordenou com um olhar gélido.
Hazz sorriu.
- É seu nome...
- Detesto ele. Escolhi outro, se esqueceu?
- Me recuso a chamá-lo de Voldemort.
- Escolha outro então. Pouco me importa.
- Flufi.
- Escute aqui seu pirralho - ralhou o Riddle e Harry riu satisfeito com sua reação. - Impertinentzinho, eu faço um favor a sua vida e me retribui com uma piada dessas?
Harry percebeu que aquela versão adolescente do companheiro tinha uma expressão muito mais incômoda de repulsa, anos de treinamento, provavelmente. Adultos tremeriam diante desse olhar, que dizia que você era menos que lixo, que seria logo eliminado. Mas Hazz não poderia se importar menos.
- Será Tom - disse firme, um sorriso de canto para enfeitar.
O mais velho inspirou profundamente e levou a mão a testa.
- Por isso odeio crianças.
- Desculpe.
- Você se desculpando? - Tom perguntou o encarando de cima a baixo, bem surpreso com a atitude.
- Por ter te feito ficar todos esses dias... bem... fraco - esclareceu. - Por ter te feito me proteger.
O de olhos vermelhos encarou o mais baixo por um tempo, um longo silêncio contemplativo antes de, por fim, suspirar e começar a andar. Nem verificou se Harry estava indo atrás e isso fez o menino querer ficar exatamente no mesmo lugar, apenas em desafio, então...
Ficou.
- Potter... - murmurou Tom mais a frente, Harry sabia que ele estava irritado, mesmo que estivesse segurando seu descontentamento o máximo ao perguntar - Poderia me acompanhar?
- Claro - disse animadamente e só então seguindo o outro.
- Pirralho abusado.
- Você que é um mandão.
- Você obedecia por muito menos os trouxas ridículos - soltou, mas de se sentir levemente culpado por ter mencionado o fato, sem saber como afetaria a criança.
Voldemort preocupado com os sentimentos de alguém? Ele estava enlouquecendo depois tantos anos na cabeça de um reles pirralho...
Hazz não pareceu afetado, entretanto.
- Era diferente. Aqui é minha cabeça, me recuso a agir diferente do que eu deseje. Você me ensinou isso, lembra? Não os deixe entrar...
- Você ainda deixa, as vezes. Veio me pedir desculpas agora mesmo por algo ridículo.
- Ridículo? - indignou-se o menino correndo para ficar ao lado do outro. - Eu fui inconsequente.
- Você é uma criança, que estava passando por uma experiência traumática. Não precisa se desculpar por ser impulsivo.
- Posso ao menos agradecer, então?
- Isso eu permito.
Harry fez uma careta com o uso do "permito" e Tom, estranhamente, achou aquilo... divertido?
Fofo?
Ridículo!
Lhe deu uma sensação estranha, mas talvez fosse apenas a incapacidade de sentir corretamente como uma simples Horcrux. Tinha que parar de se incomodar tanto com esses detalhes quando se referia a Harry Potter. A situação era toda atípica.
- Estou esperando - murmurou o mais velho apenas porque inconscientemente quis ver o outro fazer mais uma dessas caretas.
- Obrigada por me curar. Todas as vezes que precisei.
- Você mesmo disse, menino, eu preciso de você para viver. Tente não se arriscar de mais, a propósito.
- Vou fazer um esforço - murmurou.
- Mas... - continuou Tom, olhando para frente, sentindo-se incomodado mas... queria dizer aquelas palavras: - Principalmente, eu não me incomodo em ajudá-lo.
Harry piscou por um tempo, quase tropeçou em um degrau que não viu.
- Não?
- Não.
- Como isso?
- O que quer dizer?
- Nós! Quer dizer... você deve odiar estar em mim, com tudo que aconteceu.
- Não é o melhor dos cenários... - e aquela sensação estranha voltou, principalmente quando focou nos olhos verdes Avada do menino e se sentiu compelido a desviar.
Inferno, Voldemort se recusava a desviar o olhar, ainda mais de uma reles criança.
- Mas... eu não veria como o pior - completou.
- Você não me odeia?
- Claro que não. Por que haveria?
- A guerra, meus pais...
- Passado. Agora não interessa mais. Não sou nada além de um pedaço do que podia ser, não sou nem humano e mal posso ser visto como vivo, tudo que tenho é...
Mas ele não terminou.
Mal acreditando nas próprias palavras que iriam sair de sua boca.
Era... ridículo! Ele... realmente...
Sequer conseguia organizar os pensamentos. Raiva, frustração, medo?
- A sobrevivência? - ofereceu Harry.
- Claro - resmungou correndo as escadas um pouco mais rápido do que precisava, seu tamanho fazendo o menor ficar mais para trás.
- Não ficou bravo que eu tenha visto suas memórias?
- Não me agrada, mas é outra coisa que me parece inútil a esse ponto. Se tem alguém que poderia vê-las também é você. Ao menos entenderá que não deve dar atenção a trouxas e o que dizem. São um bando de porcos nojentos, que se agridem e se matam por coisas pequenas como territórios e queimam seu conhecimento com bombas, ao invés de tentarem evoluir.
- Tom...
O mais velho parou para encarar Harry com o uso do nome que ainda o irritava, mas quando viu a expressão do menino de alguma forma estranha gelou.
Havia tanto naquelas orbes verdes que pareciam que te levariam para longe, que iriam te afogar num mundo novo se encarasse demais.
Era poderoso, atrativo e insano, mas Tom quis se aproximar disso, ver onde aquela imensidão o arrastaria.
- Você disse que nunca quis que eu vivesse numa guerra. Por que fez uma?
- Vai aprender, garoto... - começou calmamente, Hazz conteve a vontade de estender a mão e tocar aquele rosto, ver mais de perto as cerejas, os rubis, o sangue infinito que era o olhar de Tom. - Que nem sempre conseguimos ficar calados diante das coisas e dificilmente as pessoas escutam, sem que o caos as tire de sua zona de conforto.
- Pode me explicar mais?
- Você quer saber?
- Quero saber porque meus pais morreram.
- Eles lutavam por uma causa diferente.
- Não quer dizer que estavam do lado certo. Eu quero tudo que puder me contar.
- Só por causa dos seus pais?
- Por você também.
- Por mim?
- Quero entender... isso.
- Isso?
- Nós.
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Alguém poderia perguntar o que quero dizer com nós, sempre que penso muito sobre a vinha. É só uma vinha, é só uma magia, é só tirar, não faz parte de você...
Eu sei onde eu começo e acabo, onde Tom inicia, onde termina, sei quem sou eu e quem é ele, mas a linha que nos separa não permanece tão clara quando olho de longe. Quando não tenho certeza se sou eu ou ele pensando em algo, se é minha magia ou a dele que fez algo ou se faz qualquer diferença algo assim, pois no fim somos nós.
Gosto de entender essa parte que me faz, por isso gosto de conversar com ele, mesmo com tudo.
Descordamos, mas nos entendemos.
Dois lados de uma moeda onde não se vê cara ou coroa.
⇏Riscado Tom não é a Horcrux de Voldemort, é meu ⇍⇍
Diário de Harrison Potter, anotação de 1988.
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Dois dias depois, na última semana do mês, Harry estava lendo com as pernas na frente da capa do livro, uma garota entrou no quarto.
Hadrian a ignorou a princípio, mas ela continuou lá, parada próximo da porta. Então ouviu-a dizer de repente:
- Meus pais eram muito religiosos – a frase o fez piscar lentamente e levantar os olhos em sua direção, mas sem mover a cabeça. Ela continuou: - Eles diziam que Deus era nossa salvação, que tínhamos que fazer o que queria e era certo, ou iriamos para o inferno. Tínhamos que ser bons e perfeitos, ou os demônios nos levariam.
Hazz não conseguiu evitar a careta que fez.
Coisa irritante. Os órfãos religiosos bem que tinham preferido chamá-lo de demônio a monstro, mas pelo menos faziam de longe,
Teve que inspirar fundo para não mandar a coisinha rolar da escada até cair no maldito inferno a que se referia.
- E você acha que eu vou para lá? – perguntou com um tom tão gélido quanto seu olhar.
A menina pareceu pensativa:
- Eu acho que, se as pessoas que me criaram diziam que tudo que era bom estava com Deus, e o ruim condenado ao inferno, então eu prefiro o inferno para poder ficar bem longe deles.
Aquilo o surpreendeu. Não esperava nem um pouco essa resposta, então finalmente sentiu que a coisinha merecia sua atenção.
Tinha cabelos castanhos muito comuns e de tamanho mediano, um pouco abaixo dos ombros, olhos sem nada de mais, mas lábios carnudos chamativos, além de usar roupas mais "masculinas" que as dadas às garotas por ali. Estava cheia de curativos e tinha músculos marcados. Parecia ser bem mais velha que ele.
- E porque isso me interessaria? – perguntou verdadeiramente curioso.
- Se eu vou para o inferno, prefiro ir me acostumando com os demônios. Assim posso conseguir umas vantagens quando tiver que queimar pela eternidade. Quer dividir o quarto? Sei como roubar algumas coisas gostosas do estoque do diretor.
Harry simpatizou com ela no mesmo instante, também com o formato mais complexo de sua alma, incomum em trouxas.
Não apenas uma bolinha brilhosa comum, mas sim algo que se agitava e retorcia sozinho. Uma alma que tinha personalidade.
Seu nome era Alice Still.
A matrona não estava muito feliz em juntar um menino e uma menina no mesmo quarto, mas como Alice parecia ser a única pessoa no lugar disposta, e ainda agradavelmente empolgada, em se juntar a Hadrian, além de que ele próprio não se opunha, acabou aceitando.
O fato de que no mesmo dia que eles apresentaram o pedido, Still quebrou um dente de um garoto e Blake estava suspeitamente próximo a outro que caiu da escada sem motivo, Helena aceitou, afinal era melhor manter os dois problemáticos juntos, assim podia ficar de olho.
Não que Hadrian fosse um menino problema, mas as crianças insistiam em dizer que ele os atacava, além de várias outras histórias e logo o menininho ficaria totalmente sozinho e excluído. Deus a ajudasse que Alice pudesse ser uma solução. O pequeno teria um amigo e a diabinha poderia aprender alguma coisa com ele, que era tão caladinho.
De toda forma, Alice tinha quatorze anos e Harry apenas sete, nem o diretor achou que o arranjo seria tão problemático quando soube, assim aquele se tornou o quarto que todos passaram a evitar.
Se queriam manter a boa integridade física.
O interesse do de olhos verdes na garota castanha cresceu no dia seguinte, quando ela lhe deu uma barra de chocolate da sala do diretor assim que ele acordou.
- Obrigada – agradeceu encarando o pacote que ele sabia ser de uma marca cara.
- Sem problemas. Só não conte a ninguém, sim? – ela disse se jogando em sua cama. – Vou dormir, se importa de não contar a ninguém que ainda estou deitada?
- Não. Você vai matar aula?
- A noite foi longa, não dormi, ou eu fico aqui sem Helena notar, ou eu durmo na sala com os professores me enchendo. Prefiro tentar a primeira opção.
A matrona descobriu.
Alice teve que ir para a escola de todo jeito.
Como agradecimento pelo doce, Hazz tirou suas poucas coisas do armário enquanto a menina estava na escola, e colocou tudo no baú entre as duas camas.
Ele não era do tipo que precisava de espaço e Alice estava deixando pilhas de coisas embaixo da cama, então pareceu algo válido. Diminuiria as chances de uma bagunça generalizada.
Deixou um bilhete avisando que Alice tinha o direito do guarda-roupa para si e foi para a biblioteca. Naquele dia passou a tarde toda, pois a faxineira estava de folga e aceitou lhe fazer companhia.
Quando voltou, foi para encontrar a colega arrumando seu novo móvel.
- É você, Blake – disse depois que ele entrou. – Olá. Posso te chamar de Hadrian?
Ela parecia meio agitada.
- Faça como quiser – resmungou.
- Sou Alice então, para você. Ou Ali, cice, como quiser. Tem certeza de que não se importa em me dar o armário?
- Nem um pouco – respondeu sem olhá-la.
Estava reparando no quarto. Tinha sido mudado. Cada objeto estava em uma nova disposição.
- Achei que assim você teria mais privacidade para suas coisas – ela explicou vendo sua atitude. – Mas se quiser eu volto tudo como estava.
- Não. Gostei assim.
E ele tinha. Still aproveitou o pouco espaço que possuíam de uma boa maneira.
Ao invés de ter ambas as camas lado a lado com o baú no meio, servindo quase de mesa de cabeceira, ela as moveu para ficarem perpendiculares à porta e a janela. A cama de Harry estava encostada a parede com vista, o baú aos pés, só dele.
A outra estava uns cinco passos entre o colchão Harry e uns dez da porta. O armário também foi movido, ficando na parede de sempre, mas do outro lado da porta de entrada, assim quando a abriam, acabava escondendo o objeto até que se entrasse totalmente no cômodo.
Era algo inteligente, já que dava tempo para esconder alguma coisa se a matrona aparecesse para verifica-los.
Harry notou que essa era a intenção, assim como a disposição das camas, pois escondida um móvel novo: uma mesinha de cabeceira de verdade, com duas gavetas.
- Aquilo...
- Encontrei na rua, se achar que é lixo também posso me livrar.
Harry pensou que estava em ótimas condições, não era lixo, não para eles que pouco ou nada tinham.
- Gostei.
- Ótimo. Pode ficar com as gavetas. Dizem que você lê bastante, é um bom lugar para deixar os livros sem estragar. Eu tentei achar a chave para a tranca, mas o idiota que se desfez do negócio pode ter perdido, não estava em lugar nenhum. Você gosta de calças de moletom?
- Não tenho uma opinião sobre isso. Por quê?
- Existe um lugar na cidade que coleta roupas de frio, uma igreja, doações dos fiéis que eles vendem em um bazar todo mês. Eu vou lá sempre e pego algumas peças, mas nem sempre consigo femininas, como já deve ter percebido. Não que eu ligue, mas tem umas que não me cabem mesmo. Se quiser...
- Você compra roupas que nem caberiam em você?
- Claro, eu compro – ela respondeu rindo. Evitando o sarcasmo na voz, mas não no olhar.
Harry sorriu de volta, a pergunta foi apenas para confirmar a suspeita que teve ao ouvir a palavra "pego" na frase de Alice.
- Eu gosto, sim, mas Helena não vai...
- É só pegar roupas sempre da mesma cor e pouco chamativas que ela nunca nota direito. Deve achar que sempre foram suas ou que algum dos voluntários que aparecem te deu. Qual sua cor favorita, a propósito?
- Verde, preto... Gosto de vermelho também.
- Certo. Pode deixar.
- Porque está fazendo isso?
- O que?
- Parece até que está tentando me agradar.
- Se for verdade que coisas ruins acontecem com quem te irrita, só vejo vantagens em te agradar. Agora, seria uma pena se não fosse verdade... – comentou se virando para o armário e o abrindo, procurando algo no meio de suas coisas, que Harry notou serem ainda mais do que tinha visto em baixo da cama antes. – Eu perderia toda a vantagem que poderia conseguir com isso, mas ao menos garanto um bom convívio com meu colega de quarto.
- Vantagem? – dessa vez Harry sorriu abertamente.
- Claro. Se você gostar de verdade de mim, aqueles que me irritarem também podem começar a se sair mal, sem que eu precise me preocupar com isso.
- Você quer uma arma?
- Uma amizade. Também posso dar uns socos em alguém que você queira e continuar te trazendo coisas. O que fizer aos outros não me diz respeito, mesmo assim, quem sabe... Já ganhei um armário, você uma mesinha, o que mais podemos dar um ao outro?
Aquela era uma linguagem que Harry podia entender e se apegar.
Troca de favores, simples e sincera.
Uma amizade transparente onde os dois tinham vantagens.
Havia também, em cima da escrivaninha, uma escova de cabelo nova, ainda na embalagem, com um pequeno bilhete: "sua, se quiser".
Ele verdadeiramente gostou de Alice.
Notou que isso se tornou previsivelmente duradouro alguns dias depois, quando uma coruja de Neville apareceu.
Estava no meio da tarde, Harry lia um livro da escola de Alice, biologia, focado em saúde e qualidade de vida. Estava sentado em sua cama enquanto a mesma fazia flexões no chão.
Avaliava possíveis vantagens em um corpo fisicamente preparado no uso de magia. Afinal, notou que na noite do tiro seu corpo começou a pesar. Se fosse mais forte... teria aguentado mais? Com certeza criara resistência, mas isso estaria relacionado a magia de alguma forma?
Enquanto refletia sobre o assunto a coruja, Abigail (um nome que Harry achou muito engraçado), apareceu pousando na janela.
Era um presente recente de um dos tios de Neville, por ter sido corajoso e tentado salvar Harry na floresta, coisa que todos na mansão ficaram orgulhosos.
Alice parou o que estava fazendo no mesmo instante que o animal piou para ter a atenção deles e a encarou diretamente conforme Hazz pegava a carta do bico.
- O que é isso?
- Uma coruja – respondeu o obvio, mas a menina não se importou.
- E na boca dela?
- Uma carta. Desculpe, Abigail, não tenho nada para te dar – murmurou durante um carinho entre as penas do pescoço.
- Mas... – resmungou Alice muito confusa.
- É assim que demônios se comunicam – explicou um tanto impaciente. – Você ficará calada sobre isso.
- Calada sobre o que? – ela perguntou voltando a se deitar no chão. – Não vi nada.
Hazz sorriu e olhou em sua direção, ela retribuiu o sorriso com uma piscada de olho:
- Nem você verá sobre o que vou trazer amanhã, certo?
- Mas você nunca trouxe nada, como eu veria alguma coisa?
- Brilhante!
Então voltou a fazer seus exercícios, dando espaço para Hadrian se concentrar na correspondência.
Ele desenrolou o papel enquanto a coruja esperava a resposta.
As palavras estavam cheias de curiosidade contida, meio tímidas, mas Nev estava feliz e empolgado, isso era claro. O principal motivo para quilo era apenas dizer que estava radiante que Harry finalmente teve "autorização da família" para receber correspondência e levar livros para casa. Contava que Augusta aceitou no mesmo instante emprestar algumas obras da biblioteca particular deles e que poderia pegar quantos quisesse na próxima visita.
O menino de olhos verdes sorriu enquanto lia tudo. Pegando um caderno que Alice lhe deu, assim como um pequeno estojo com uma caneta e quatro lápis semi usados (que ela "achou" na sala de aula), passou a escrever.
Ele não contou sobre o orfanato, de novo, pois sabia que os Longbottom surtariam e Harry... ainda não estava preparado para depender tanto de pessoas que conheciam bem mais o mundo que ele.
Tinha que ter certeza de que tudo que via na alma era verdadeiro, e não uma imagem forçada como ele mesmo fazia.
Apenas quando tivesse mais seguro, poderia pedir que o adotassem. Esse era seu plano. Só precisava ter certeza que podia confiar e que eles iriam o querer, permaneceria afastando os trouxas no orfanato até lá (para evitar situações chatas de famílias o devolvendo após um tempo que coisas estranhas acontecessem, afinal não pararia de usar suas habilidades e nem sempre conseguia impedir acidentes).
A sua carta foi positiva, falava que as coisas estavam melhorando, que estava comendo mais, ganhara um quarto maior e recebeu mais tempo para si, apesar de tudo. Deixou claro que poderiam começar a se escrever com mais frequência e também contou sobre uma possível nova amiga, que se permanecesse, ele falaria mais na próxima carta.
Por fim, informou sobre os presentes que ganhou, roupas, doces, materiais...
Quando terminou, arrancou a folha, dobrou-a e colocou no mesmo envelope de volta. Sua movimentação chamou atenção de Alice.
- O que você poderia dar a uma coruja, afinal?
- Como assim?
Abigail deu uma bicada carinhosa em sua mão enquanto ele, mais uma vez, a acariciava. Agradecendo o bom trabalho.
- Você tinha se desculpado por não ter nada para ela...
- Algum petisco, eu quis dizer. Um pedaço de carne, por exemplo, um inseto.
Respondeu, sabendo que essas pequenas migalhas de informação faziam Alice feliz, e Alice feliz significava que Harry ganharia algo também.
- Entendo... – então voltou a ignora-lo.
Abigail lançou voo e ele tornou para seu livro.
No dia seguinte Hazz "não viu" (assim como o esperado) quando Alice trouxe uma caixa de madeira, tão pouco as correntes que ela usou para fecha-la e trancá-la, colocando no armário. Ele, ainda sim, sugeriu que a menina arrumasse uma caixa de papelão maior que aquela, para esconder a importante dentro e talvez empilhar umas roupas em cima, assim ficava ainda em mais difícil acesso.
Alice lhe arrumou um lindo espelho.
Quando perguntou o motivo daquilo essa foi a resposta:
- Você fica olhando para a própria pele e se encarando em reflexos as vezes, pensei que seja lá o que estiver fazendo, seria mais fácil se tivesse um espelho próprio. E esse era tão bonito...
Ele anotou o fato de que a Still era alguém muito perceptiva. Tomaria cuidado com isso, apenas por garantia.
Era verdade, o espelho era lindo. Todo ornamentado e parecia de boa qualidade. Escondeu no fundo do baú, pois não sabia de quem ela tinha conseguido a coisa e se poderia lhe dar problemas.
-x-x-x-
"Tom foi o primeiro a me ver como eu realmente era.
Acho que não sei mais como seria estar sem ele.
Enlouqueceria, provavelmente. Me sentiria vazio.
Já sou perfeitamente capaz de me sentir sozinho, mesmo cercado de gente. Além de uma completa aberração, que finge constantemente ser alguém normal para se encaixar entre os outros. ⇏Riscado Uma farsa ridícula ⇍⇍ que faz o seu melhor para superar expectativas, que eu mesmo coloco, para me tornar o que todos se orgulhariam de ver.
Sem Tom...
...
Eu não...
Sei...
Mitrica sempre insiste em me arrumar companhia, além de me mostrar que sempre estará lá.
Ele sabe.
Ele se importa.
Ele faria qualquer coisa por mim, até desistir de tudo que um dia formou seu caráter. A vida dele gira em torno de mim a anos, de um jeito que não tem nem como explicar ou agradecer corretamente.
⇏Riscado Já me disse que é assim que um pai ou um avô age pelo neto, e que não tenho que agradecer ⇍⇍
Mas ele sabe sobre Tom.
E não quer que eu dependa disso.
Se algo acontecer um dia?
Será que vai?
O que eu faria?
Provavelmente algo vai acontecer. Um dia alguém tentará matar a alma de Voldemort em mim. Eu faria o que, então? Lutar pela minha vida em troca de deixar um lorde das trevas homicida fazendo o que quisesse por aí?
Ou eu deveria morrer e me sacrificar pelos outros?
⇏Riscado Parece uma piada de mal gosto me ver como alguém que faria isso ⇍⇍
Mas e se Voldemort tentar me matar?
...
Se ele for atrás de Neville...?
...
Não quero pensar nisso.
Inferno, eu sempre penso tudo com antecedência, mas... Isso... deixo para depois.
Vai estourar na minha cara. Tenho certeza.
Tom foi o primeiro a estar lá. A dar respostas sobre mim e me conhecer como um todo.
Neville foi meu primeiro amigo de verdade. O primeiro coração gentil, que me fez pensar que existem pessoas que valem a pena no mundo. Pessoas pelas quais eu... lutaria? Alguém que estava lá sem nenhum motivo oculto.
Alice foi a primeira que me fez baixar a guarda de novo.
Diário de Harrison Potter, anotação de 1993.
-x-x-x-
Na primeira semana das férias de verão, outras crianças do orfanato começaram a se sentir mais corajosas em relação a Hadrian, fazia tempo que ele não estava envolvido em nada e muitos eram adotados naqueles meses, então estavam de bom humor e inconsequentes.
Foi um erro.
Uma dupla de seus vizinhos de quarto tentou aproveitar o dia fixo em que Hazz ganhou permissão para ir na biblioteca sozinho (a bibliotecária ligava avisando quando ele chegava e depois quando ia embora), para entrar no quarto e roubar uma calcinha de Alice.
Um entrou e o outro ficou vigiando.
Uma pena que Harry tinha recebido cinco livros da senhora Longbottom e, por isso, foi a biblioteca municipal apenas para devolver os que tinha com ele. Neville e avó também estavam viajando por uns dias, então não iria visita-los.
Não demorou nem uma hora para toda a trajetória e uma pequena conversa com a senhora Vathis (a bibliotecária que teve a delicadeza de nunca julgar uma criança de sete anos levando a cada dia livros mais complexos).
Hadrian chegou a tempo de ver o garoto que estava de vigia, em frente a porta do seu quarto.
O tolo tentou disfarçar, como se só estivesse caminhando pelo corredor, e foi conversar com Harry, mas isso o condenou de vez.
Convivendo com tantos trouxas e com os livros de ciências comportamentais, leitura de linguagem corporal investigativa que teve contato, Hazz aprendeu a entender melhor as almas, os sons que faziam e as vibrações incomuns. Diferente da magia dos bruxos, não trocavam de cor e a forma se mantinha praticamente a mesma, só que tremiam de forma específicas para sentimentos.
Covardia movia as pessoas, como sempre.
Moveu este ao erro.
Harry o dispensou e abriu a porta do quarto a tempo de ver a peça de roupa íntima de sua colega na mão de um menino que tentava se esconder. Uma das barras de chocolate, que a garota sempre conseguia de alguma forma, também tinha sido surrupiada.
Os dois não apareceram na janta aquela noite, nem no café da manhã do dia seguinte e quando a matrona ficou preocupada, obrigando todos a ajudarem na procura, alguém os achou no porão.
Estavam tremendo, sujos do próprio vômito, arranhando suas próprias mãos até a carne viva, cheios de sangue em baixo das unhas e chorando.
Quando os levaram no médico ninguém soube explicar o fenômeno. A resposta que a dupla infeliz deu foi que um "bicho papão" apareceu no quarto, que não poderiam voltar para lá de jeito nenhum. O monstro os seguiu até o porão e só ia embora quando sangravam, mas não queriam continuar sangrando para se livrar dele.
Uma assistente social foi chamada e eles foram encaminhados para um psiquiatra, além de outro orfanato na capital.
As crianças culparam Hadrian e passaram a chama-lo de bicho papão assim como demônio.
Alice ficou um tanto assustada, mas mesmo assim conseguiu perguntar a Harry se ele imaginava o motivo de um bicho papão atacar seus ex vizinhos.
- Talvez eles tenham tentado roubar a menina que quis ser amiga do bicho-papão, e ele deu o que mereciam.
Ela lhe deu, no dia seguinte, um medalhão.
Era bonito, corrente fina de cor prateada e uma pedra branca grande, mas achatada, que seria fácil de esconder dentro da blusa.
Ficou intrigado com como ela conseguiu tal coisa, mas percebeu que Still ficava mais confortável quando não era questionada, então nunca fazia.
Mas ela quis saber dele, o que afinal tinham tentado roubar. Hazz contou que ficou confuso com a coisa toda, mas era uma calcinha.
- Por que tentaria pegar uma calcinha de você? Sabe me explicar?
A resposta foi imediata:
- Sei! Mas não vou!
- O que?! Por quê?!
- Não quero te contar sobre isso e baterei no primeiro idiota que fizer! É para o seu bem, você é muito novo e, com sorte, nunca chegara a esse ponto.
Apesar de ele sentir que estava sendo tratando como uma criança e a menina ousara impedi-lo de algo que queria, percebeu que estava tentando cuidar dele, a sua própria maneira. Deixou passar.
E abandonou os pensamentos sobre roubo de calcinhas.
Um segundo quarto do corredor, o vizinho do lado direito desta vez, também ficou desocupado com o tempo, quando uma das crianças entrou (junto de Alice) para colocar roupas limpas na cama, mas teve a brilhante ideia de tentar abrir o baú de Hadrian.
"Você não fica curiosa com o que aquele demônio guarda?" foi o que disse antes de colocar a mão na tampa.
Quando Hazz ficou sabendo, a fofoca já era totalmente outra. Contatavam que Alice e o garoto em questão, Josh, estavam brigando na cozinha e a menina tentou afasta-lo jogando uma panela em sua direção, mas ela estava com água quente e ambos se queimaram.
As feridas, entretanto, não pareciam normais.
O diretor não deixou que fossem no médico, já estava gastando muito nos últimos tempo e esses acidentes o atrapalhavam na mídia, então os funcionários tiveram que se resolver sozinhos.
- Por quê? – perguntou Harry friamente, entrando no quarto e trancando a porta, usava aquele seu tom cortante que fazia Neville desejar sumir, mesmo que nunca dissesse isso ao amigo.
Alice estava sentada em sua própria cama com a mão esquerda enfaixada.
- Eu não imaginei que ele tocaria no seu baú, sinto muito, é que eu tinha muitas roupas e Josh se ofereceu para me ajudar. Desculpe, Hadrian – pediu Alice em tom de choro, a alma tremendo de medo.
Harry percebeu que não gostava de assustar Alice, preferia de quando a menina era ela mesma, o som da alma era mais agradável, divertido e rebelde.
Agora estava parecendo submissa de um jeito que não lhe encaixava. Por medo, não por sua própria vontade. Alice não devia soar assim.
- Como você se machucou?
- Me queimei tentando tirar Josh, piorou quando o ameacei.
- Ameaçou?
- Quando ele colocou a mão no seu baú... Tive que o arrastar para a cozinha, disse que tínhamos que colocar sua mão na água quente para... melhorar... estava doendo, ele não conseguia mexer os dedos, a pele estava saindo, parecia que eu ia congelar no pouco tempo que encostei para tirar suas mãos, as pontas estavam ficando roxas...
- Eu fiz a armadilha, sei o que acontece com intrusos.
Ele tinha colocado a proteção no baú para esconder os livros de magia que tinha pego dos Longbottons, usou uma coisa que viu nas memórias de Tom enquanto dormia. Era um feitiço congelante que te mantinha preso e queimava tanto quanto segurar neve por horas sem luva, a cada segundo pior. Ficou levemente afetado com a ideia de que aquilo atingiu Alice.
- Bem, eu coloquei água para esquentar e tentei acalmá-lo – continuou Alice. – Disse que não devia ter mexido nas suas coisas, mas ele estava tão bravo, falou umas coisas ridículas sobre te machucar aí... eu o ameacei.
- O que disse?
- Eu esperei a água ficar quente, mandei ele buscar curativos então, quando voltou, despejei tudo da panela nas mãos dele, disse que ninguém mais ia acreditar que foi você que fez tudo, não eu. Avisei que se abrisse o bico, você faria muito pior e eu também. Acertei sua cabeça e fomos no soco, mas só uma das minhas mãos tinha sido afetada e pouco, então ganhei fácil.
- Você...
- Desculpa. Desculpa Hadrian. Eu nunca mais deixo ninguém entrar aqui, eu...
- Tudo bem, Alice – disse se aproximando.
Ele se perguntou apenas por alguns segundos se deveria fazer o que estava pensando, mas realmente o incomodou o medo que vinha da menina.
Ficou incomodado com a ideia de que ela iria embora e teria que ter outro colega.
"Você não precisa de ninguém" se lembrou da frase de Tom, ou a voz em si sussurrou, mas a verdade é que Hazz... Não gostava da ideia de afastar as pessoas quando não lhe fizeram mal.
Sentou na cama da menina, ignorando como ela endureceu e pareceu um tanto assustada, então pegou sua mão calmamente e começou a curar.
- Me desculpe – ela repetiu quando percebeu que a dor estava diminuindo, os olhos brilhando para Hadrian.
- Tudo bem. Vou tentar ajudar sua mão.
- Obrigada...
Hazz ficou (de certa forma) feliz com tudo, pois finalmente pôde testar sua magia curativa. Queria que a mão de Alice ficasse bem, então aos poucos viu o resultado, talvez tentasse em si mesmo um dia, fazer um pequeno corte na mão?
Era útil saber algo assim.
A vinha negra se agitou irritada com a ideia dele se automutilando.
-x-x-x-
"Eu não preciso de ninguém. Um bruxo forte me disse isso uma vez.
Mas escolhi ter, sim, pessoas. Não é uma necessidade, eu posso viver sem cada um. Se me deixarem estarei pronto, sempre soube que seria possível. Nunca terão força o bastante para me destruir.
Para me garantir nas palavras de outro bruxo, igualmente forte, não pretendo "cair de um prédio".
Escolhi cada um que está presente na minha vida, e acabei dando um certo nível de confiança a eles...
As vezes, vale a pena".
Diário de Harrison Potter, anotação de 1993.
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Os quartos vizinhos a Hadrian e Alice foram ocupados até o fim de agosto.
Beatrice, Christine ficaram com um e Diego e Heris com outro.
Beatrice e Christine eram duas irmãs, uma de cinco anos e outra de doze. A casa delas tinha pego fogo, os pais morreram e não tinham família que as aceitasse. Ambas foram gravemente feridas no incêndio.
Não eram, infelizmente, bonitas de se ver.
Harry entendia o porquê as crianças as evitarem, dava uma sensação estranha, ele próprio se sentia mal sempre que deixava a atenção cair para suas marcas no pescoço, ou nas mãos (que geralmente eram os pontos descobertos), pensar que alguém tinha sofrido aquilo e sofreria para sempre com olhares por algo que jamais poderia esconder totalmente.
Algo que foi infringido, que as machucou tanto por fora, quanto deviam estar por dentro ao perder a família daquela forma.
Chegou a ter um pesadelo (o que era raro), onde ele próprio tinha várias pelo corpo depois que se mudaram.
Eram muito caladas, tímidas e provavelmente, se Hadrian não fosse o monstro estranho que assustava todos, elas receberiam nomes tão cruéis quanto davam a ele.
Mas não fugiram do termo "aberrações".
Ele teve certeza que escutou aquela palavra da voz de alguma das crianças, agora que ele sabia os nomes das meninas para entender o contexto da frase.
Isso o irritou muito. Não queria ninguém falando assim delas por algo que o mundo as fez.
Pediu a Alice um favor e juntos foram até o quarto das irmãs no dia seguinte a sua chegada. Mesmo com todo o medo que mostravam, Harry tentou ser legal e ofereceu chocolate, disse que se Beatrice (a mais velha) quisesse, podia ir com ele para a biblioteca, já que notou que também tinha alguns livros.
As meninas, entretanto, só ficaram simpáticas à presença de Hadrian bem mais à frente.
Diego e Liu Heris, por outro lado, eram dois adolescentes a um passo de se tornarem adultos. Já tinham seus dezessete anos (Heris faria dezoito em setembro) e faziam parte do grupo dos mais velhos do orfanato.
Os mais próximos de saírem sozinhos para o mundo.
Ambos já trabalhavam na fábrica do diretor, tantas horas no dia além da escola, que mal sabiam sobre tudo que acontecia ali. Eram velhos o bastante (assim como ocupados e cansados) para não acreditar em tudo de que culpavam Hadrian.
Diego foi bem claro em dizer uma vez que deviam haver explicações mais lógicas para aquelas histórias. Era um adolescente negro, muito forte, com músculos que se fossem a uma academia se tornariam assustadores, um pouco acima dos 1,80 e de cabeça raspada, mas era tão gentil e sorridente de forma que dificilmente alguém teria receio em sua presença.
Enquanto isso Heris era o perfeito padrão de beleza europeia nobre. Rosto de feições discretas e aristocráticas, cabelo claro e ondulado, olhos azuis amendoados, a pele bronzeada na tonalidade exata, alto (1,95), com a quantidade específica de músculos que o deixavam forte, mas sem exageros. Sorriso incrivelmente branco. Também tinha se formado um ano antes, por ter pulado uma série com sua inteligência.
Harry decorou seus nomes e aparência quando descobriu que Alice roubava e vendia coisas para eles, bem mais barato do que achariam em lojas.
Como as fontes eram duvidosas, os mais velhos ofereciam dinheiro em troca de objetos específicos, assim ela se livrava, ganhava dinheiro para conseguir mais coisas e quando a matrona achava deles, não suspeitava de nada, afinal os mais velhos trabalhavam.
Dito isso Heris foi seu primeiro "cliente" que Harry conheceu, pois diferente dos outros, o adolescente tinha zero receio em entrar no quarto com Hadrian presente e falar na frente dele, até mesmo explicou um conceito de economia que não entendeu em um de seus livros, e reclamou em voz alta, achando que estava sozinho no quarto.
Liu igualmente cumprimentava Hazz sempre que o via, pedia as coisas mais absurdas e ia embora. Pediu soda cáustica uma vez, outra um barril de tinta branca (que ninguém descobriu onde usou), e em muitas outras acabava querendo artigos para primeiros socorros.
Passou a fazer as encomendas com o próprio Harry quando se esbarravam no corredor a noite, no fim do seu expediente do mais velho.
Liu nunca chegava antes da meia noite e ia direto para os vestiários, depois subia para os quartos e pegava Hazz lendo no corredor.
Comprou uma lanterna com Alice e lhe deu certa vez, para "poder ler debaixo da coberta e não do lado de fora, vai ficar resfriado".
Mesmo assim, o que mostrou a Harry que Liu Heris era o tipo de pessoa que merecia atenção foi quando um rato apareceu no corredor. A alma do menino estava tremendo, mas ele acalmou todos os órfãos, pegou o bicho com suas mãos limpas e levou para o lado de fora.
Harry viu como ia do repúdio total, até o medo absoluto, mesmo assim havia se preocupado mais com os outros do que si mesmo.
Heris era do tipo que enfrentava os problemas.
Ou era o problema.
Na última semana de julho acordou durante a madrugada muito irritado, por sua bexiga o ter interrompido do momento com Tom nos sonhos, mas foi se aliviar.
No instante que entrou no vestiário pegou Heris sujo de sangue.
O pescoço e parte do tronco estavam assim.
Não dele, o que era a parte mais estranha, estava respingado, como se tivessem jogado.
Harry o encarou e o loiro repetiu o gesto, ficaram parados alguns instantes em contemplação antes do mais velho murmurar:
- Acidente de trabalho.
A alma mostrou que estava mentindo, apesar de ter vibrado tão pouco que Hazz quase acreditou, até sua linguagem corporal dizia a seu favor.
Um mentiroso nato, talvez?
- Acidente, que seja, não me diz respeito – Harry respondeu indo para a privada. Foi quando viu que o outro havia jogado num canto uma jaqueta, esta estava muito pior que o restante. Encharcada de vermelho.
- Pode pedir para a Alice me arrumar mais soda caustica?
- Por que não queima?
E ficou esperando para ver a reação do outro a pergunta. Liu apenas murmurou:
- Coisas queimando tem cheiro, as pessoas reparam, chama atenção. Soda destrói e no máximo te faz parecer que estava limpando alguma coisa.
Hazz fez o possível para esconder sua surpresa diante da resposta.
- Entendo... – murmurou. – O acidente foi agora? As quatro da madrugada? No trabalho, você disse?
- Que tal não me fazer perguntas que não vou responder? Você é inteligente, não precisa disso.
- Tudo bem. Sou só uma criança curiosa, não ligue.
- A curiosidade matou o gato.
- Frase velha.
- Mas é precisa. O sangue nas minhas roupas é de um gato, se quer saber.
Hadrian soltou uma lufada de ar com aquilo, ficou um tempo analisando o outro, que voltou a se despir.
- Por que me disse isso? – perguntou o mais novo.
- Você é esperto Hadrian, já disse. Parece comigo. Aprenda uma coisa: seja adotado. Essa merda de orfanato vai acabar com você, de um jeito ou de outro, saia daqui enquanto é tempo.
- Você fala como se eu...
- Você está evitando adoção. Eu sei disso. Eu fazia o mesmo.
Então Liu se virou, permitindo que Harry visse as cicatrizes. Ele tinha várias. Principalmente em formato de bolas e queimaduras pequenas.
- O que é isso?
- Continua curioso gatinho? – Hazz soltou um resmungo e o outro sorriu. – É uma pergunta complicada essa, a resposta também. Faz assim, eu te dou um concelho e você decide se quer seguir ou não, mas presta atenção.
- Se eu fizer isso, você me diz como se machucou?
- Não sei. Talvez.
- Qual o conselho?
- Você é homem e é bonitinho, as pessoas confiam mais fácil em quem tem rosto bonito, é uma espécie de convenção social, além de que por ser homem em um mundo que nos favorece é mais fácil para você em todos os sentidos. Enquanto isso, alguém como Dylan nunca vai ter a isso, poder passar despercebido ou conseguir algo sem um segurança encarando, pois o mundo é cheio de racistas babacas que estarão apontando o dedo para ele. Quem precisa de gente para fazer trabalho sujo vai te escolher. Você é o mais útil que existe, além de tudo é um órfão, se desaparecer ninguém vai se importar em pressionar a polícia. Se for preso, pode ser eliminado ou desacreditado. Você pode ser usado de várias formas, pela inteligência ou pela aparência, que seja. Não importa o quão forte você sempre tenha sido aqui, ninguém é resistente o suficiente contra uma boa arma na cara. Sai daqui antes que te considerem útil, depois não tem como.
- Você...
- Estou só divagando – disse o interrompendo. – Só trabalho numa fábrica de armas e um idiota cortou a mão no rolo do meu lado, mas isso também é ruim, não acha? Ser o idiota do gatinho curioso que acaba sujando alguém com tanto sangue, que este tem que derreter as roupas.
Harry ficou quieto. Estava remoendo o que lhe foi dito, tentando pegar todos os detalhes sem deixar nada passar, igualmente evitando reagir demais aquilo.
- Quando um órfão morre... é só mais um cadáver que alguma igreja vai educadamente dar o dinheiro para enterrar, com uma frase genérica na lápide. Arrume alguém que procuraria seu cadáver, Hadrian. Independente dos seus motivos para atacar os outros e evitar os pais que aparecem, ignore tudo que você pensa e saia daqui.
- Você disse que fazia isso quando tinha minha idade?
- Sim.
- Por quê?
- Por quê? Sei lá. Quando estamos olhando do futuro nenhum motivo parece bom. Talvez eu só estivesse com raiva. Um policial idiota matou minha mãe na minha frente e atirou em mim, porque não queria uma testemunha que revelasse que ela estava desarmada. Não que eu me importasse tanto, minha mãe não gostava muito de mim, apagava os cigarros no meu braço. Ainda era melhor que aqui. Onde todos me odiavam porque os voluntários tinham pena do garoto sequelado e me davam mais coisas e atenção. Eu não queria a pena deles e me tornei um problemático brigão até que ninguém mais me quis. Não seja estúpido como eu. Aceite alguma coisa. Isso aqui só vai piorar.
- Por que está me contando tudo isso? Não tem medo que eu espalhe?
- Você não espalha as coisas da Alice, por que faria isso com as minhas?
- Não é muita confiança baseada em pouca coisa?
- Talvez eu só não ligue mais com o que vai acontecer. Se o idiota do Braun vai querer que eu enterre ou seja enterrado.
Foi quando Hazz notou que o outro estava bêbado. Ele tinha usado um nome, tinha falado demais. Heris também pareceu prestes a vomitar e o mais baixo teve que o ajudar, da melhor forma que pôde em sua estatura, a leva-lo até um dos boxes.
Não falaram mais sobre o assunto e fingiram que nunca havia acontecido.
Mas Liu ainda o ajudava a entender alguns conceitos de seus livros as vezes.
-x-x-x-
Em algum momento do mês de setembro Harry viu um grupo de três meninos e duas meninas intimidando as irmãs Beatrice e Christine, apenas por elas receberem mais doações.
Para Hazz era obvio que isso acontecia por gerarem pena, emoção que incomodaria o garoto e não parecia digno de comemoração. Alguns voluntários tinham vindo naquele fim de semana com presentes (o que as vezes acontecia), além de um fotógrafo do jornal local.
Para mostrar a todos como aquelas pessoas eram incrivelmente bondosas, mesmo sendo financeiramente mais privilegiadas.
Hadrian evitou as câmeras ficando no quarto, Alice conseguiu livros para ele e um pote de vidro de geleia que guardou no armário com o aviso de que poderia pegar sempre que quisesse.
Beatrice e Christine, entretanto, saíram na primeira página e com vestidos novos, livros, até mesmo um belo colar e uma pulseira.
O grupinho que as intimidava já iria receber a raiva de Harry por não as deixarem em paz, mas acabou ouvindo ainda:
"Ninguém vai querer adotar vocês, nem vão conseguir um emprego com essas caras! Aberrações! Igual o demônio!"
- Você! – Hadrian chamou.
O menino que disse o absurdo (talvez o nome fosse Bryan?) chegou a dar um gritinho.
Hazz aproveitou com um sorriso como todas as almas na sala começaram a se balançar apavoradas.
"Vamos testar um pouco de magia?" a voz em sua cabeça murmurou.
O de olhos verdes sorriu:
- Por que não bate com a cabeça na parede até criar juízo? - perguntou ao menino.
Sombras verdes o cercavam, o olhar de Bryan desfocou e ele simplesmente obedeceu. Virou-se para a parede e deu um golpe com a cabeça que fez todos, no mínimo, darem pulos assustados.
O bruxo se virou para os outros.
Beatrice abraçou protetoramente Christine, escondendo seu rosto no peito.
As ouras meninas olharam para os lados pensando em como correr, um dos meninos teve a ideia de avançar contra Harry, enquanto o outro falhava em segurar o amigo que estava sob controle da magia.
"Quebre" Hazz desejou e o braço do menino que tentara ataca-lo fez um barulho alto, seguido por seus gritos.
O grupinho de meninas que fazia parte da intimidação fugiu naquele momento e Hazz decidiu que podia cuidar delas depois.
Enquanto o de braço quebrado deitava e chorava no chão, se virou para o último.
- O que está fazendo d-d-demônio?! – ele gritou enquanto dava passos vacilantes para o corredor. – V-você não vai s-sair e-em pune dessa! E-eu vou contar para a...
- Você não vai falar nada ou arranco sua língua – zombou Hadrian.
- Você não consegue!
Mas antes que Harry precisasse fazer alguma coisa Diego apareceu. O garoto negro acertou a cabeça do mais novo com um tapa tão repentino que todos o olharam, até Bryan que saiu do efeito da magia de antes.
- O que você fez?! – perguntou o menino que levara o tapa após longo segundos.
- Eu vi a merda que vocês estavam falando, deixem Beatrice e Christine em paz ou não vão ter que se ver apenas com o Blake, mas comigo também!
- Ele quebrou meu braço! – gritou o mais próximo de Harry o encarando com raiva.
Ele apenas sorriu em resposta.
- Como? Nem encostei em você...
- Seu...
- Você tentou bater em alguém que sabe lutar melhor – interrompeu Diego. – Aguente as consequências. Saiam daqui agora ou eu mesmo vou quebrar mais alguma coisa e na cabeça de vocês!
Eles saíram.
Diego levou Beatrice e Christine para o quarto delas e lhes fez companhia naquela noite. Nos dias seguintes Harry percebeu que ele estava com medo de si.
Provavelmente, por que agora vira com os próprios olhos os feitos do demônio (como quebrar um braço apenas piscando), talvez estivesse percebendo que as histórias sobre Hadrian podiam ser reais.
Mas... estranhamente Diego não evitou Hazz, pelo contrário, começou a interagir com ele assim como Heris fazia.
Sempre com um receio contido na alma, mas uma curiosidade muito maior.
-x-x-x-
Neville,
Sei que esta carta está sendo pequena, mas hoje é um dia cheio, estou fazendo trabalhos de outros anos que os professores me deram para avaliar minhas capacidades. Logo será mês de Halloween e pensei que podíamos nos encontrar no beco diagonal, sua avó o levaria lá? Parece uma ideia muito melhor comemorar com outros bruxos do que aqui e fiquei pensando se o beco em si nãos seria enfeitado para o Samhain. O que acha? Sua avó aceitaria uma visita ao comércio bruxo comigo? É uma pena que eu não possa levar Alice para você conhecer, mas mesmo que fossemos em uma área trouxa ela não poderia, ainda está de castigo por pisar nos dedos de um menino até quebrar.
Com carinho, Harry.
PS: Obrigada pela planta.
Quando Harry ia levar a carta para Abigail, Alice o chamou:
- Espere!
- O que foi?
- Eu tenho uma coisa para a coruja – disse com um sorriso muito animado enquanto saltitava para seu armário.
Harry franziu o cenho, mas se surpreendeu ao ver ela retirando o pote de geleia que eles tinham acabado de consumir a algumas semanas, mas dessa vez cheio de insetos. Ela se aproximou lentamente de Harry e Abigail, quando nenhum dos dois pareceu incomodado mostrou o vidro que tinha alguns furinhos, repleto de grilos mortos e besouros ainda vivos se debatendo.
- Não sabia se ela comia vivos ou mortos. Grilos são barulhentos demais para manter mais que o cadáver, mas eram maiores então... – Abigail piou feliz e mexeu as asas na direção de Alice. - Posso abrir? Ela vai conseguir pegar os besouros?
- Deixe perto do bico e abra com calma, acho que ela consegue se virar daí.
Abigail aproveitou alegre o lanche. Harry ensinou a Alice onde a ave gostava de ser acariciada, e a menina pareceu radiante com a ideia de tocá-la.
Quando saiu voando pela janela, Hadrian teve uma vontade estranha de abraçar sua amiga.
- Obrigada.
- Não por isso.
Durante os dias seguintes outras coisas estranhamente.... "quentinhas" aconteceram.
Dessas que borbulham na barriga.
Heris e Diego, que estavam passando pelo corredor quando a matrona começou a perguntar da planta estranha que Hadrian estava mantendo em cima de seu baú, disseram juntos que foram eles a darem a coisa ao menino.
Diego lhe disse, em algum momento, que se crescesse muito podia ensinar a re-envasar.
Liu deu a Alice e Harry seu prato de janta no dia que estava sem fome de tão cansado, dizendo que Hadrian estava muito magro e precisava comer mais.
Beatrice foi com Harry à biblioteca nas próximas visitas, conversando sobre os livros que gostava e levou para o orfanato aqueles que ele sugeriu.
Christine lhe deu um cachecol verde muito bonito e deixou Alice lhe fazer uma trança enquanto ficavam todos no mesmo quarto.
Ele e Alice combinaram "o domingo da folga", onde colocaram a cama em frente a porta e decidiram dormir até o almoço (quando a matrona provavelmente os procuraria). A Still fez porque queria descansar, Hazz porque amava dormir.
Como na casa dos tios ele era sempre acordado antes de todas para fazer tarefas e ali podia aproveitar, Hazz mantinha-se na cama em seu quarto um pouco mais do que precisava todo dia e claro que a colega notou. Talvez fossem os sonhos com Tom, mas também havia a sensação de levar descansado e tranquilo. Quase não tinha preço. Queria poder fazer coisas assim para sempre.
Com o tempo, Hazz percebeu, que gostava daquele grupo. Quando o orfanato começou a chamar todos como o "corredor das aberrações", aceitou que já os considerava amigos.
-x-x-x-
"No fundo eu e Tom somos dois idiotas.
Ele é um idiota orgulhoso, que achou que podia controlar tudo, que saberia o que fazer, que ninguém poderia me atingir com o poder que eu tinha.
Eu... o idiota que não aprendeu na primeira sobre trouxas e sobre mim mesmo.
Não se deve ter piedade dos fracos, deve-se jogar fora antes que te atrapalhem.
Mas estava confortável. Esse é o problema, baixar a guarda, confiar. Parece que só aprendemos depois que experimentamos na pele".
Diário de Harrison Potter, anotação de 1990.
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Boa noite.
Dormir que tenho que acordar cedo para ir trabalhar...
Espero que tenham gostado desse capítulo (que representam os dias bons) e até semana que vem!
Com os dias ruins...
Mas antes de tudo vou repetir, para não ter engano: eu não escolhi com quem o Harry vai ficar, e nem estou preocupada em desenvolver isso ainda, porque o próprio Hazz não pensa em relacionamento. Vocês sabem como esse menino tem a cabeça toda voltada para seus planos e para as mudanças que quer fazer. Quando ele estiver pronto para esse passo já terá alguém que, provavelmente, todos verão que é o melhor para ele (espero).
Dito isso...
Um pequeno desabafo aqui:
Essa semana eu tive outra crise de pânico e essa fanfic foi feita para me ajudar com elas. Me relaxar nos momentos em que só queria fugir do meu próprio corpo. Só que dessa vez quase não funcionou... porque fiquei me cobrando demais.
Tive muitos leitores novos ultimamente (muito mais do que eu esperava ganhar) e queria muito agradar todos. Mas eu não vou conseguir. Tive até uma noite mal dormida pensando em coisas que percebi que... não valem a pena.
Eu tenho que me cobrar menos.
Eu faço isso aqui para me divertir também, não só a vocês, então eu vim falar uma coisa...
Eu não vou agradar a todos.
Eu vou fazer meu melhor, fazer a história que me orgulho e a qual eu gostaria de ler.
Sinto por aqueles que não terão o casal que queriam, aqueles que pensarem que eu poderia ter melhorado mais em algum ponto ou mesmo, sinto por aqueles que gostam de um personagem que eu não "dei a devida atenção". Quero escrever algo do qual eu goste acima de tudo.
Por isso, a todos que gostarem junto comigo do resultado, um abraço! E muito obrigada por terem me dado a enorme honra de lerem minhas palavras e minha fanfic, sou realmente MUITO grata <3
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