Capítulo 12 - Os covardes da rua dos Alfeneiros e o garoto de ouro da Grifinória
AVISO DE GATILHO (ABUSO DOMÉSTICO, ABUSO INFANTIL, TORTURA PSICOLÓGICA, AGRESSÃO FÍSICA, TORTURA E TENTATIVA DE ASSASSINATO)
Esse capítulo conta com vários casos que levarão a entender os traumas psicológicos e cicatrizes que já foram mencionadas na fanfic que Harry possui. Também apresentará como ele e Neville se conheceram.
É um capítulo mais triste e pesado, mas importante para a história do personagem.
Entendo quem decidir pulá-lo, MAS já aviso que NÃO detalhei cenas de abuso, pois, apesar de saber que riqueza de descrição garantiria despertar mais sentimentos nos leitores, decidi abrir mão disso (da "emoção" da cena) em prol de evitar exposição "gráfica" de situações que não me agradam e poderiam despertar sentimentos pessoalmente dolorosos em alguém.
Meu objetivo é criar uma história para divertir, não entristecer (a vida já está ruim o bastante). Por isso, se alguém achar que as coisas estão acontecendo muito "rápido" ou que a escrita está diferente, é por isso. Evitei focar no que não achei totalmente necessário.
Apesar de tudo, espero que gostem.
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Anteriormente em "Quem será seu herói?"...
"No começo 'Tom' era fraco e totalmente instintivo, como um animal mesmo. Um gato que aparece para pegar algum alimento depois some. Você sabe que mora com você, mas não tem certeza se o bicho pensa o mesmo, ou se só está ali enquanto for útil, mas em seu interior te despreza como apenas mais um macaco pelado.
Às vezes eu tinha medo que meu sangue o queimasse, pois, a única coisa que diferenciava Tom de um simples parasita era como eu conseguia ouvir seu desejo pela vida. Eu era vida para ele, sua única chance de se agarrar a esse mundo, então tinha pena.
##Riscado Tom odeia que sintam pena dele. Ele é uma alma penada muito orgulhosa##
Talvez por isso me ignorava e só aceitava dividir sua força quando eu estava correndo risco de vida realmente. Precisava de mim, afinal. Quando estava sangrando ele reagiu...
##Riscado mas também no dia que ficou curioso se eu poderia mesmo matar, apenas por que quis. Usar um Avada sem varinha e tão novo. Ele ajudou ##
#Riscado Será que ele nunca conseguiu? Tom fica bravo quando penso em ser melhor que ele em alguma coisa... mas talvez eu seja##
##Riscado Ele também não parece gostar do nome Tom, mas não vou trocar agora##
##Riscado É uma criança birrenta, se quer saber!##
O maior problema é que ele tinha menos paciência do que eu. Então houve o segundo acidente e tudo ficou mil vezes pior..."
Diário de Harrison Potter, anotação sem data.
.
Capítulo 12 - Os covardes da rua dos Alfeneiros e o garoto de ouro da Grifinória
"Neville Longbottom era o garoto de ouro da Grifinória,
mas antes disso, foi o menino corajoso da floresta"
PASSADO. ANO DE 1985
O momento mais marcante dos cinco anos de Harry começou em um dia em que estava cuidando do jardim.
Seu tio estava trabalhando, Duda brincava no vizinho com dois de seus amigos e tia Petúnia estava lavando roupa.
A cada dia mais e mais tarefas eram atribuídas ao menino, as únicas que não eram sua função envolviam altura, como a roupa que precisava de um adulto para alcançar o varal. Mas ele sabia que era uma questão de tempo para lhe forçarem aquilo também.
Uma coisa que o estava incomodando eram os sussurros.
Harry começou a escutar cada dia mais sons que não conseguia identificar, principalmente quando estava com raiva, parecia alguém falando, um chiado estranho, uma coceira na orelha, mas ele nunca entendia muito bem e se esquecia rápido das frases. Esses sons eram frequentes. Ao menos uma vez por semana? Algo assim. Como agora. Enquanto cortava os galhos mais rebeldes do jardim de sua tia e levou uma bolada na cabeça.
Era Duda.
Ou um de seus amigos idiotas, não tinha como ter certeza.
Mas pelas risadas ficava claro que tinham arremessado de propósito.
Eles apontavam para Harry e se divertiam com a ideia de terem atingido em cheio seu crânio, mas ele preferiu os ignorar, se concentrar no pior: o corte na mão. O golpe da bola tinha feito com que cortasse com a tesoura de jardinagem um pedaço de seu dedo, que agora estava sangrando. Muito.
Os sussurros estranhos, as risadas das crianças, um cachorro irritante em algum lugar latindo e um carro buzinando. Eram muitos barulhos e o pequeno Potter estava apenas querendo se concentrar na ferida. Ele se levantou, juntando toda a sua calma e foi para dentro da casa. Duda veio atrás.
- O que foi aberração? Você não terminou sua tarefa! Mamãe! - – gritou empurrando Harry e correndo para os fundos. - A aberração está fugindo dos deveres!
Mas Harry já estava se encaminhando na mesma direção. Parou na cozinha, onde Petúnia se encontrava, provavelmente enquanto esperava a máquina de lavar terminar o trabalho. A tia, assim que viu Harry saindo do corredor, começou a gritar "o que está fazendo aqui? Volte para..." mas então reparou no sangue e se calou.
Era realmente muito.
- A aberração sujou o tapete de terra! – gritou Duda apontando para o carpete, que realmente tinha marcas de pegadas, mas eram de dois pares de pés.
Também havia um pequeno rastro de gotinhas vermelhas.
- O que você fez? – perguntou a mulher, se aproximando de Harry.
- Duda... – começou o menino, mas percebeu que seria uma má ideia então trocou a frase. – Sem querer os meninos acertaram uma parede com a bola e ela veio em mim, acabei me cortando. A senhora tem um curativo?
Com a cabeça baixa encarando a própria mão, pensando que talvez fosse melhor ir a um médico, pois ele achava que estava conseguindo ver partes da carne que não deveriam ser visíveis e... Aquilo era seu osso? Harry não percebeu o que estava por vir, antes que levasse um tapa na cabeça.
O susto foi tanto que ele tropeçou para trás e caiu.
- Você sujou todo o meu corredor! Você não pensa menino?! Não seja ridículo! Para fora! Já! Lave essa mão no quintal e volte ao trabalho! – gritou muito brava olhando o caminho entre a porta da frente e onde estavam. – Meu carpete! Todo sujo! Mas você vai limpar! Vai passar a noite limpando se for preciso! Nunca mais entre sujo desse jeito aqui! Onde já se viu?! Derramando sangue pelo corredor! O que está fazendo aqui ainda?! – gritou tão alto que Harrison achou que seus tímpanos fossem estourar.
Os sussurros na sua cabeça aumentaram, Harry conseguiu ver sua magia se agitar, no meio do verde que escapava do seu controle pequenas vinhas negras se expandiam a cada respiração do garoto. Famintas.
- Tia – começou, bem lentamente. – A senhora poderia ao menos me dar um algodão e uma fita para eu colocar no corte?
- Parece que você não ouviu... – disse Petúnia se aproximando mais, ela agarrou as vestes de Harry e o forçou a se levantar, tão de mal jeito que o arrastou enquanto tropeçava nos próprios pés até o quintal, onde praticamente o jogou. – Volte ao trabalho e não suje minha casa! Garoto ingrato!
Ela disse mais algumas coisas, mas o menino não conseguiu entender, os ouvidos de Harry pareciam ter sido tapados e tudo que conseguia distinguir era o barulho do próprio sangue correndo e de sussurros raivosos.
O dedo estava doendo muito, ele tinha que estacar o sangramento, por isso, ignorando toda a situação, apenas pegou a blusa larga e velha que estava usando e usou sua magia nas mãos para conseguir força o suficiente para rasgar uma tira.
Cuidadosamente enrolou no ferimento. O tecido cinza se tornou vermelho em questão de segundos, mas pareceu suficientemente funcional.
Ele foi levantado mais uma vez, o mesmo nível de brutalidade, mas desta vez pelo braço e com tanta força que provavelmente deixaria um roxo, a tia o arrastou para dentro (provavelmente para os vizinhos não assistirem o que estava por vir) e começou a lhe bater.
Reclamando de como era um irresponsável, ingrato, estorvo que não entendia o valor das coisas, que havia rasgado uma roupa que tinham lhe dado, que não sabia fazer nada direito, não seria mais que um bêbado inútil como o pai.
Duda ria mais atrás, apontava o dedo, falando como o Potter "bestalhão" estava apanhando por ser mal criado de novo, sem nunca esquecer de soltar um "aberração" vez ou outra.
- PARA COM ISSO! – gritou Harry quando sua paciência chegou ao limite, levantando o rosto para encarar a tia diretamente.
Ela parou.
Surpreendentemente ela parou no mesmo instante.
Mas tinha alguma coisa estranha nisso, Hazz podia ver nos olhos dela, eles perderam a vida. Pareceram desfocar enquanto toda sua magia verde a cercava e entrava por cada buraco da cabeça.
Petúnia ficou ali, uma estátua, assim como todos os outros. Um silêncio estranho tomando conta da cena antes tão barulhenta, como se estivessem tensos esperando para ver o que aconteceria.
- Mamãe? – chamou Duda incerto.
Ela continuou parada. A mão no braço de Harry perdeu a força, sua expressão tornou-se limpa, vazia, relaxada, toda a raiva sumindo e sendo substituída por vazio.
"Fascinante..." uma voz murmurou.
Harry estava muito curioso com o que sua magia estava realizando.
As próprias vinhas de Tom pareceram se acalmar, tão interessadas quanto, se encolhendo para seu tamanho normal, deixando que apenas as sombras verdes de Harry trabalhassem calmamente, influenciando a mulher.
- A aberração gritou com você mamãe! – Duda gritou apontando o dedo. – Papai vai te castigar muito, não é?
Harry não lhe deu atenção, ficou tão entretido com os olhos da tia que até que pôde se sentir relaxar. Sua magia começou a retornar para o corpo, aquela emoção vaga e borrada na expressão da mulher adulta começou a sumir aos poucos, ela piscou algumas vezes e pareceu realmente confusa com onde estava e o que estivera fazendo.
- Mamãe? – chamou Duda.
A mão no braço de Hazz voltou a apartar com a mesma intensidade de antes e Petúnia ganhou uma expressão de raiva ensandecida.
- Tia? – o de olhos verdes disse quando começou a sentir que a unha da mulher estava perfurando sua carne, na proporção que ela o apertava.
- Para o armário. AGORA! – ela berrou e o menino obedeceu.
Não sem antes perceber que no lugar onde estivera no carpete havia uma mancha verde musgo.
Assim que entrou no quartinho foi trancado e avisado de que não sairia até Valter chegar.
Os sussurros de antes tinham parado completamente, quase como se nunca estivessem lá. Isso lhe deu liberdade para pensar no que tinha acontecido, no que sua magia fez.
Ele tinha obrigado a tia a parar? Ele podia fazer isso? Obrigar alguém a fazer o que queria?
Parecia meio irreal. O homem cobra na sua casa tinha pedido para sua mãe sair da frente, mais de uma vez e bem irritado com isso, se fosse possível forçar alguém ele não teria simplesmente feito isso?
Mas Harry entendia muito pouco de magia, só o que ele próprio treinava sozinho, então que certeza poderia ter de qualquer coisa?
Conseguiria repetir aquilo?
Uma ideia boa demais.
Se as pessoas seriam um bando de idiotas, ele poderia obrigar que fizessem o que era certo? Poderia ter forçado Sirius a ficar com ele e não o dar a Hagrid?
Será?
Ele estendeu a mão e desejou luz, sua magia se concentrou em uma bolinha bem acima da palma e se acendeu em verde (mesmo de dia aquele lugar estava sempre escuro), então começou a procurar. Haviam aranhas normalmente por ali...
Achou! Uma pequena, mas serviria. Pegou-a com cuidado e colocou dentro do pote que mantinha. Encarou o aracnídeo e pensou com calma:
"Eu quero que pule". Ele repetia a frase segurando o vidro com as duas mãos, mantendo em mente a sensação da sua magia entrando pelos poros da criaturinha, assim como havia feito com a tia, desejando que seus olhos se desfocassem e ela obedecesse.
- Pule! – ordenou, baixinho.
"Eu sei que em algum lugar dentro de mim havia opensamento de: se as pessoas são incapazes de me entender, eu poderia força-lasa isso. Não dependeria mais de criarem algum juízo, de escutarem o que tenho a dizer.Elas não teriam opção.
Não deixa de ser verdade, se você souber como fazer a coisa ninguém é um inimigo, apenas um aliado em potencial, que ainda está 'confuso demais' para ver com clareza. ⇏Riscado Ou lixo dispensável...⇍
Forçar alguém.
Seja com magia, força bruta ou simplesmente manipulação. Basta ser melhor do que a outra pessoa e, às vezes, você encontra pérolas no caminho. Elas te seguirão por livre e espontânea vontade, pois são espertas".
Diário de Harrison Potter, anotação sem data.
-x-x-x-
Naquela noite, quando Valter chegou, Harry não entendeu muito bem se Petúnia tinha ou não percebido que fora controlada por alguns segundos, ou se ela assimilou sua confusão a ter o sobrinho gritando e, portanto, a desafiando. De toda forma ele apanhou.
O tio não tinha mais coragem de usar o cinto, mas em uma casa cheia de objetos ou com um corpo daquele tamanho e com uma mão tão grossa e pesada, o couro não fazia tanta falta.
Harry teve o cuidado de manter as vinhas recuadas. Com certeza seria ele o responsável por limpá-las depois! Tinha visto que não eram algo que saia fácil quando se tornavam visíveis a qualquer um. Precisava pintar por cima.
Outra que Tom necessitava aprender a não atacar sempre que viessem para cima do Potter, tinha que treinar aquela cobra arisca para se comportar!
Ficou sem janta (apesar de ser o responsável por fazê-la) e sem café da manhã quando chegou o outro dia. Não foi para a escola, para que os professores não vissem a mão infeccionada ou os roxos por toda a pele e no rosto. Roxos e cortes. Também não teria o risco de ouvirem o menino gemendo quando se mexesse.
Ele passou a tarde trabalhando, a louça sendo especialmente difícil quando o sabão entrava em contato com o corte, piorando-o.
O tempo todo manteve a concentração na respiração e em segurar Tom, que constantemente tentava fugir e atacar quando a tia se aproximava. Quase um detector de aproximação portátil.
"Por que não deixa ela sofrer?" a sua voz interna perguntou.
"Por que eles não merecem atenção".
"Estão te machucando".
"Não passam de... covardes".
"Não seja ridículo, você estava pensando outra coisa! Vai mesmo deixar que entrem até na sua mente? Que impeçam seus próprios pensamentos? Você quis dizer que não passam de seres ridículos e inferiores! Diga isso! Não se mude por eles! Não deixe que ganhem! São fracos e inúteis! Você...".
"Eu só..." mas parou o pensamento no meio, finalmente notando que estava mesmo tendo uma conversa sozinho.
Estava enlouquecendo! Precisava parar com isso. Então voltou para as tarefas.
-x-x-x-
"Você já esteve andando na rua e de repente pensou, sem nenhum motivo, 'e se eu apostar corrida com esse carro?'. Claro, existem variações dessa ideia como 'quem chega primeiro naquele poste, eu ou o carro?', o importante é notar que: de onde veio isso? Sua mente, de repente, cria uma situação, uma ideia aleatória e você faz? Ou não? Nossas mentes tem essa característica. Algumas religiões ainda dizem que essas reflexões estranhas são sussurros dos espíritos a sua volta. Se há espíritos ruins, as ideias serão ruins, como 'e se eu me jogar em frente desse carro?' ou 'qual a sensação de matar uma pessoa?'.
Pouco importa o motivo, a verdade é que todos já tivemos pensamentos verdadeiramente macabros ou estranhos, dos quais simplesmente ignoramos para fingir ser uma pessoa normal. Para nos encaixar. Ser normal, então, poderia ser exatamente a capacidade de ignorar isso? Essa parte, esses sussurros, essas ideias ruins e más que estão em nós em alguns momentos?
Se todos são assim, porque automaticamente as vozes na minha cabeça são do Tom?
É algo que fico pensando as vezes.
Apenas por que há uma segunda alma habitando no meu corpo, sei que todos podem assumir que é ela que sussurra essas coisas. Que Tom está me influenciando, que eu tinha que me livrar da alma do Lorde das Trevas.
Só que, qual é a prova disso? Em que ponto se pode ter certeza que esses pensamentos são dele, não meus? E se eu apenas falo comigo mesmo? Se eu apenas sou diferente, como sempre fui?
É a minha voz, ela não muda, está na minha cabeça e, mais importante, eu quase sempre concordo com o que diz. Só não obedeço. Entende? Ninguém poderia me julgar se eu fosse naturalmente macabro e meio doido, afinal, eu vi o assassinato da minha mãe e... ⇏Riscado passei por tudo aquilo na mão dos trouxas ⇍
Quem seria são? Quem seria "normal" no meu lugar?
⇏Riscado Mesmo que fosse Tom, a verdade é que eu não podia me importar menos⇍
Diário de Harrison Potter, uma das primeiras anotações feitas. Ano de 1988.
ANO DE 1986
O restante dos cinco e seis anos foram especialmente difíceis para Harry. Duda pegava a cada dia mais gosto por vê-lo sofrer de alguma forma. O primo se aproveitava de quando estava distraído e lhe acertava coisas, como quando se escondeu no corredor da escola e ao passar, estendeu o pé e derrubou o Potter. Seus amigos vieram bater-lhe em seguida.
Um deles já usou um galho do chão e Harry se segurou para não transformar a coisa em cobra e mandar atacar as pestes. Ou qualquer outro animal que fosse!
As agressões das crianças, entretanto, eram mais brandas do que aturar os tios bravos com uso de magia.
A solução que conseguiu pensar com o tempo, para evitar as pessoas, foi aprender a sentir suas almas. Sentir quando haviam pessoas se aproximando.
Ele podia vê-las, era uma distância curta para simplesmente saber a posição com os outros sentidos, certo?
Errado.
O mundo estava cheio de criaturas vivas, distingui-las umas das outras era bem complexo, mas ele começou a perceber algumas coisas, semelhanças, diferenças, peculiaridades. Entendeu mais sobre o funcionamento da vida.
E como ler suas emoções.
As almas reagem as emoções das pessoas.
Se está com medo, mentindo, feliz, triste, ela vibra de uma forma única para cada sentimento. Isso era útil, pois Harry podia perceber algo em particular, o "instinto assassino" de alguém, a vontade de uma pessoa de te atacar, o perigo vindo por parte dos outros, antes mesmo que isso fosse visível em suas expressões.
Quando Duda começava a pensar em fazer algo contra Harry ele podia se preparar.
Com os tios não era tão útil.
Não tinha como fugir ou desviar do golpe quando ele vinha. Viria em dobro se tentasse.
Eles gostavam de bater. Cada dia pelos motivos mais idiotas.
Como quando tia Petúnia decidiu cortar seu cabelo.
Ele era naturalmente bagunçado e isso a irritava. Para Hazz, entretanto, era bonito assim, lembrava o pai e era puramente uma questão de saber como lidar com as madeixas, deixar a bagunça agradável em seu rosto. Mas não adiantava, Petúnia pegou uma tesoura e cortou tudo tão rente ao couro cabeludo que Harry ficou na dúvida se ela não estava propositalmente tentando machucá-lo no processo.
Assim que terminou o pequeno foi mandado para suas tarefas e quando a tia foi verificar o andamento delas mais tarde, os fios estavam exatamente do cumprimento que sempre estiveram.
Ele apanhou o suficiente para cada fio.
Não antes de sua segunda tentativa que chegou a lhe arrancar sangue com as pontadas da tesoura.
Outra vez, quando foi ao mercado para ajudar Petúnia, uma mulher na fila elogiou como ela tinha um filho lindo, parecido com um anjo, que nunca tinha visto uma criança com a pele tão bonita ou com olhos tão belos. Verdes como a natureza. Disse que era uma pena que não tivessem dinheiro para comprar roupas que combinassem mais com sua aparência deslumbrante.
Harry apanhou por ser confundido como filho de Petúnia, por ser mais bonito que Duda naquela hora e por insinuar que eles eram pobres.
Ficar trancado, sem comer e não ir para a escola, para esconder os hematomas, não precisava nem mais ser mencionado, de tão frequente que era. Uma rotina que os Dursleys justificavam com uma mentira de que Harry matava as aulas sozinho.
Ele apanhou por quebrar um brinquedo de Duda (que estava trancado em seu quarto e que o Potter não tinha acesso), por sumir com a chave do carro (que ele nunca nem viu), por enferrujar a tesoura de jardinagem (que era mais velha que ele) e qualquer outra coisa que quisessem culpa-lo, mesmo que nunca tivesse a chance de fazer.
A voz cruel em sua cabeça sempre insinuava para ser pior, ser mal, as vinhas acabavam aparecendo, mas ele as absorvia sem que os outros vissem.
"Revide!" dizia a parte sombria e ele ignorava.
Enquanto conseguia manter a própria calma.
Então veio o próximo grande incidente. O dia da frigideira.
Estava cozinhando, cortando os legumes enquanto tia Petúnia fazia uma receita de cookies para o primo, bem ao seu lado. Estavam só os dois no cômodo e em silêncio, quebrado apenas nos momentos em que a mulher cantarolava alguma coisa.
Harry chegou a pensar em conversar com ela, contar que a mãe tinha o mesmo costume (apesar de ter uma voz muito mais bonita do que a aguda e irritante da irmã loira). Lilian sempre cantava quando estava fazendo alguma tarefa. Cogitou perguntar se sua avó, mãe delas, era assim e, portanto, criado uma espécie costume de família. Mal sabia sobre ela, sua família, seus avós maternos. Tudo que conhecia sobre suas origens era o que ele próprio se recordava e a cada ano as imagens ficavam menos vívidas.
Estava tão distraído nesse devaneio e tentando ter uma lembrança melhor da época em que tudo era bom, ouvindo o som da tia, quase se fundindo ao som de sua mãe na mente, que por pouco não cortou o dedo.
Aquele mesmo da última vez, que tinha ficado com uma cicatriz estranha de um risco disforme e algumas bolinhas (onde tinha se costurado, sozinho, com coisas que usou magia para conseguir).
Foi realmente por um triz e isso o assustou, ele puxou a mão em reflexo para trás e seu cotovelo bateu na assadeira com os cookies.
Tudo foi para o chão.
Harry suspirou e fechou os olhos conforme sentia a alma da tia se agitar de raiva. Que seja, ia apanhar. Deixou a faca na tábua, limpou a mão no avental e calmamente desceu do banquinho que estava, para que não caísse com o golpe que viria.
- Vou pegar a vassoura, tia, me desculpe – disse apenas porque era o educado a se fazer.
Aquilo tinha sido um erro dele, afinal.
Mas nunca era tão simples, não é?
Petúnia, ao invés dos tapas em que ambos estavam acostumados, aparentemente estava com tanta raiva que pegou a primeira coisa que viu para lhe atacar: uma frigideira de óleo quente.
Foi a primeira grande queimadura do pequeno Potter.
Claro, ele poderia defender a tia dizendo que ela não viu que a panela já estava quente, ou que havia alguma coisa dentro, mas ainda não justificava acertar um objeto daqueles em seu braço, por causa de um acidente, e com tanta força.
Ela pegou o cabo e da mesma forma apenas direcionou contra a criança.
Havia pouco óleo, ele só o usaria para fritar os bifes, mesmo assim era alguma coisa. Aquela quantidade fugiu de dentro da panela e pegou no seu braço e nas costas, do lado direito do corpo, depois veio a sensação do aço quente das bordas por cima da queimadura que já se formava, tostando a pele danificada.
Agora imagine, várias gotas de óleo espalhadas por sua pele, por cima de um tecido, formando bolhas que continuavam a queimar pelo líquido se manter quente, borbulhando e fundindo seu corpo a camisa que usava. Por fim a frigideira encostado, apenas o metal da borda, formando um risco perfeito por cima de tudo isso, quase um sorriso negro gravando em brasa em você, por cima das bolhas.
Aquela foi a maior dor que já sentira.
Muito maior do que quando ganhou a cicatriz de raio esquisita.
Inferno, Harry não conseguiu evitar, ele gritou!
Gritou muito!
Caiu no chão sem força nas pernas e arrebentou as cordas vocais! Doía! Lágrimas escorriam por seu rosto enquanto tentava colocar alguma ordem em sua mente, para conseguir uma solução ou ao menos voltar a enxergar! Tudo ficou totalmente escuro! Era uma sensação tenebrosa! O que podia fazer? Água? Tirar a blusa?
Talvez ele tivesse pensado nessas coisas se algum de seus pensamentos fizesse sentido, mas eram muitos, o tanto que ele gritava por fora parecia que a mente gritava por dentro!
Dói! Pensou em desespero completo. Faz parar! Faz parar de doer!
No meio de centenas de sons altos em sua cabeça, do cheiro de pele queimada e de sua magia agitada ele identificou um pensamento:
"Quem faz isso com uma criança?"
E era verdade! Caramba, Harry nunca fez nada para merecer isso. Pela primeira vez ele se cansou e, mesmo com tudo, deixou que a raiva falasse mais alto no meio da confusão. Abriu os olhos, finalmente voltando a enxergar (apesar de tudo estar em um estranho tom avermelhado) e encarou sua tia.
- O QUE VOCÊ FEZ?! – gritou.
Petúnia deu um pulo para trás.
Ela estava assustada com sua própria atitude, foi impulsivo e o garoto realmente estava machucado. A queimadura, até onde via, estava muito feia. Como esconderia isso dos professores e dos vizinhos?
Mas quando o menino olhou em sua direção, de repente parando de gritar aleatoriamente, mas sim gritando com ela, Petúnia foi de preocupação, para terror.
Ele estava com os olhos vermelhos.
A voz dele... nem parecia que havia sido apenas um falando. Pareciam duas vozes, uma por cima da outra, uma muito mais velha.
E então ela sentiu dor.
Muita dor.
Parecia que mil facas em brasa estavam perfurando toda a sua pele simultaneamente e era uma sensação tão indescritivelmente ruim que se viu arremessada contra o chão enquanto contorcia-se e gritava.
- QUIETA! – ordenou Harry, incapaz de ouvir a voz da mulher sem querer acertar-lhe ele mesmo uma maldita frigideira.
Ela se calou no mesmo instante, enquanto a panela no chão começava a flutuar em sua direção, reagindo ao simples pensamento do garoto. Ela estava cercada da magia verde dele e das vinhas, muitas delas, como galhos de uma imensa árvore. Definitivamente, olhando de longe, parecia uma árvore.
Os galhos negros de Tom, as folhas musgo de Harry. Petúnia no meio, se contorcendo em silêncio, a boca aberta, olhos esbugalhados e babando.
Ele ainda estava com muita dor, mas não pensava em acalmá-la, só queria que a tia também sentisse, para nunca mais fazer algo tão terrível!
"Sofra!" disse a voz, muito satisfeita, mas ainda irritada.
Então Duda entrou. Pela porta que dava acesso ao quintal dos fundos, a de vidro, e quando viu a mãe no chão, o primo ajoelhado na frente, encarando-a com os olhos vermelhos enquanto ela parecia estar morrendo, o garotinho começou a gritar:
- A aberração está matando minha mãe!
Ele fugiu enquanto dizia isso, gritando para qualquer vizinho, indo pedir ajuda.
Harry percebeu finalmente o que estava fazendo.
"Olho por olho" disse a voz.
"Eu não sou assim!" respondeu Harry.
Então se forçou a acalmar e encerrar tudo aquilo.
Quando a tia finalmente parou de se contorcer (apesar de ainda estar tremendo) ele correu para o banheiro no andar de cima.
Só tinha o direito de usar o chuveiro quando mandassem, mas precisava tirar o óleo quente de si. Entrou com roupa e tudo de baixo do chuveiro e ligou na água fria.
Ficou lá dentro, chorando, enquanto a dor só parecia piorar, as bolhas se formando, crescendo e ele tentando arrancar a blusa sem levar junto a pele, talvez diminuir o prejuízo. Para conseguir ter algum momento sozinho com essa tarefa, ele trancou a porta ao passar.
Valter chegou alguns minutos depois. Conseguiu acalmar os vizinhos e o filho, dizendo que tudo não passava de um mal entendido e mais algumas outras desculpas que não vem ao caso. Por fim, depois de conversar com a esposa e coloca-la na cama da melhor forma que pode, foi ensandecido na direção do banheiro ainda fechado, esmurrando a porta para que fosse aberta imediatamente.
Harry o estava ignorando, sentado de baixo da água, ainda com muita dor, a carne viva sem pele depois que finalmente conseguiu tirar a blusa, sangrando e escorrendo pelo ralo. Estava tremendo, fraco, triste e com dor. Ele só queria sair dali, só queria se livrar de tudo aquilo, mas se fosse... O que faria depois? Os tios iriam o perseguir para puni-lo? Hagrid iria aparecer e arrasta-lo de volta para aquela casa e facilitar o trabalho? Ninguém nunca poderia ajudá-lo? Ninguém se importaria?
Então o tio arrombou a porta.
O som foi tão alto que o garotinho parou de chorar no mesmo instante, levantando a cabeça, que estava repousada entre as pernas. A expressão do homem já dizia tudo: Harry estava condenado por aquilo, pela porta também.
Ele não tinha o direito de trancar.
Hazz nunca mais trancaria a porta do banheiro, pois sempre que fechava os olhos e passava a mão pela perna esquerda, uma parte de sua mente o assustava e enganava, fazendo ouvir o som de madeira sendo derrubada, os gritos do tio e fazendo se lembrara da dor da sua segunda grande queimadura: um risco do atiçador de fogo da lareira.
Mais uma marca de ferro em brasa que ganhou.
Punição por ter feito Petúnia sentir dor, depois que Valter o arrastou para a sala e achou que aquilo seria adequado.
O Potter se segurou muito para não atacar de novo.
Manteve tanto controle sobre Tom que desmaiou de exaustão e acordou com a dor de mais golpes que estava levando, tapas, chutes, até socos, além do corpo sendo solto de qualquer jeito no armarinho.
Em sua cabecinha de criança, Harry achava que se atacasse Valter também, a punição só ia piorar.
Tudo só ia piorar.
Doía mais quando ele revidava.
Era melhor fiar quieto.
Era melhor aceitar.
Melhor impedir Tom de protege-lo.
Se queria ajudar, que aprendesse a curar mais rápido, na velocidade em que lhe batiam, não aumentasse os problemas e punições.
Ele não notava questões ainda mais perturbadoras, como o fato de que, por quase sempre se curar, seus tios ganhavam mais liberdade, as consequências de seus atos não apareceriam.
Ou que não revidar fazia com que se esquecessem aos poucos os limites que deveriam cruzar com um humano, afinal ele nunca parecia se abater de verdade. Continuar relativamente nutrido, mesmo que não lhe dessem comida, fazia não se importarem em deixar mais e mais dias sem.
Mas todo aquele tratamento miserável só fazia Harry se sentir menos valioso a cada instante.
Sem seus pais no mundo não havia nada que amaria Harry. Ninguém nunca se importaria. Dumbledore e Hagrid o deixaram ali para apodrecer, seu padrinho tinha qualquer outra coisa que importava mais, seu primo sentia prazer em se juntar aos tios e odiá-lo, as crianças na escola tinham repúdio, os professores nunca ligaram. Ele não merecia afeto, ninguém nunca lhe daria nada.
Estava sozinho.
Era descartável e uma aberração, cada dia mais feia. Ninguém nunca o entendeu, ninguém nunca entenderia.
Estava sozinho.
Chorando, o pequeno foi aceitando esse fato..., mas de repente sentiu a dor começar a sumir.
Ainda sem roupa na parte de cima, pôde ver com clareza sua pele acendendo em vermelho (a magia de proteção da mãe) tentando impedir Tom. Este se emaranhava, crescia e gritava de dor enquanto adentrava todas as novas feridas do menino e lentamente o curava.
- Para! Está te machucando! – pediu um tanto desesperado.
Mas o som saiu apenas como um sussurro, tão fraco e que doeu tanto a garganta, que começou a tossir.
Tom continuou. A magia gritando, se machucando, queimando, mas sem parar de curar Harry.
O menino já estava em pânico!
Ele não estava sozinho, mas ficaria se a vinha não parasse!
Ele podia sentir como aquilo estava desgastando, rasgando, toda a evolução que estivera conseguindo sumia aos poucos. Tinha que dar um jeito de parar Tom! Mas o pequeno alívio, depois de tanta dor, confundiu seus sentidos e o menino desmaiou de novo.
Quando acordou, no dia seguinte, com tio Valter o batendo e avisando que teria que se virar para cumprir as tarefas daquele jeito, que se estragasse mais uma das roupas que lhe deram iria perder um dente, Harry praticamente o ignorou, focado demais em tentar sentir a outra alma que deveria estar com ele.
Quase chorou de alivio em constatar que sim, ainda estava lá.
Muito fraco, adormecido, preso na cicatriz de raio na testa, mas estava vivo.
A queimadura na perna de Harry não passava de uma cicatriz profunda e negra, mas parecia até algo velho. A pele nos braços e nas costas estava de volta, eram apenas bolhas que podiam ser suportadas e provavelmente também assumiriam um tom mais escuro, nada que não pudesse aguentar.
Hazz era vida para Tom, mas aquela alma penada tinha arriscado sua segurança pelo menino, de propósito e sabe-se lá por quanto tempo, ao ponto de quase não existir mais.
Nenhum dos dois estava sozinho e Harry ainda tinha valor para alguma coisa no mundo.
Podia viver com isso.
Foi trabalhar.
-x-x-x-
"⇏Riscado Tom precisava de mim, apesar de tudo, ele me defendia também em benefício próprio. Ou não? Eu não sei, as vezes em que ele se sacrificou além do ponto...⇍
⇏Riscado Não importa quantos anos passem, acho que nunca vou entender alguém que queira, de verdade, estar comigo e goste de mim. Todos sempre têm um motivo para ficar⇍
⇏Riscado Algo que ganharam ou algo que não contei, mas que os afastaria com certeza. Eles gostam do que eu me faço parecer, não necessariamente do que sou⇍
⇏Riscado Ninguém me conhece totalmente e ao mesmo tempo não depende de mim ou não me 'deve' algo, como Nagini, por exemplo ⇍
⇏Riscado Eu sei que ninguém ficaria⇍
⇏Riscado Alguém poderia aceitar toda a verdade, sem sentir que deve retribuir por algo que fiz? ⇍
Um dia vou conhecer alguém que olhe de verdade para mim, cada coisa, decisão, pensamento e cicatriz, sem sentir logo em seguida medo, repulsa ou dependência? Conhecer alguém que pode fazer o que quiser e mesmo assim apenas... Me aceite?"
Diário de Harrison Potter, anotação de 1994. A única página, em todos os anos de diário, que foi arrancada, rasgada e jogada fora na lareira.
-x-x-x-
PASSADO. ANO DE 1987
Neville estava triste, ele ouviu seu tio Algie e sua avó conversando sobre si.
Hoje estavam tendo mais um jantar de família na mansão Longbottom e o garotinho os detestava. Parecia que todos quereriam alguma coisa dele, mas que nunca conseguia oferecer. A casa ficava cheia e sua avó reclamava de como estavam suas roupas, sua postura, seu linguajar. Eles eram os Longbottom, dos sagrados vinte e oito, uma das poucas famílias antigas e nobres que não sucumbiu as trevas, deveriam ser orgulhosos, fortes, símbolos da luz! Neville tinha que atender as expectativas como futuro lorde!
Mas Neville era só Neville.
Não era forte e corajoso como seus pais, não era o herdeiro perfeito como Frank, não era muito inteligente, nem nada. Não se sentia capaz de nada.
E seu tio perguntou a Augusta naquela tarde se achava que Nev seria um aborto.
Ele só correu para longe, não queria ver o rosto de sua avó ao pensar sobre isso, se ela ficaria irritada de pensarem dele assim ou se...
Ou se ela o olharia como se também acreditasse na hipótese. Com medo.
Neville estava com medo. E muito triste.
Ele só queria ser tão bom quanto seu pai.
Foi então que ouviu o grito.
Foi rápido, mas foi bem alto, devia estar perto. Sem mesmo perceber o que estava fazendo, Neville disparou na direção que parecia ser a origem, para descobrir o que poderia ser. Talvez até um de seus primos mais novos.
Então veio um segundo grito, igualmente rápido, igualmente alto e agudo. O pequeno Longbottom continuou correndo, tentando acelerar ainda mais o passo e então travou quando finalmente viu um menino.
Ele parecia alguns anos mais novo, talvez estivesse em torno de cinco anos, estava caído no chão com uma enorme cobra enrolada nele.
Tudo bem, talvez não fosse enorme, o menino que era pequeno, mas era uma cobra verde, assustadora e decididamente grande. Enrolava ao outro e ainda sobrava.
- Você! – Neville gritou, a boca agindo antes da mente. – V-você... – gaguejou.
O menino o olhou, tinha íris verdes lindas que distraíram Neville alguns instantes (pareciam até brilhar), mas então a cobra se mexeu e ele tremeu voltando a realidade.
Tinha que ajudar o menino, a cobra ia picá-lo!
- N-não se mexa! Ela n-não vai te p-picar se você ficar parado! – mas ela podia! E uma mordida daquela coisa com certeza matava uma criança tão pequena e meio magrinha como era. – Eu vou te ajudar! – disse tentando acalmar o outro.
Mas...
O desconhecido parecia bem calmo, se quisesse saber. Estranhamente calmo para alguém na sua situação. Ele ficou quieto e continuou olhando Neville com curiosidade e... um sorriso minúsculo no canto dos lábios.
A criança misteriosa estava interessada em Neville. No que faria, o que aquele garoto assustado e gordinho, tremendo e gaguejando, poderia fazer.
Neville percebeu algo estranho no olhar daquela pessoa, mas focou no problema.
Havia uma árvore frutífera com um galho retorcido e meio caído, foi até lá, ainda seguramente longe do olhar da cobra e do menino (ele não sabia qual era mais desconcertante) e arrancou a madeira para si. Foi caminhando até seus alvos, braço estendido.
- Eu v-vou usar isso...
- Na cobra? Ela iria me atacar se fizesse isso – Foi a primeira vez que Nev ouviu a voz do outro.
Era linda como ele próprio, mas fria, dava a impressão de estar falando com uma casca vazia, mas era estranhamente... cativante. Profunda, prometendo o mundo dentro do desconhecido.
Neville se arrepiou com aquele som.
- Eu vou sacudir na frente dela – explicou. – Para que queria atacar no seu lugar.
- Vai atiçar a cobra na sua direção, então?
- Você corre quando te soltar.
- Você me ouviu? Ela vai te atacar por cima do galho, não é um animal burro.
- Mas ai você pode correr! Ela não vai ter tempo de comer nós dois!
O menino arregalou os olhos e então... sorriu. Risinhos incrédulos saindo em baforadas de ar.
Toda a frieza de antes, toda a astúcia nos olhos, tudo que te deixaria cauteloso se foi e no lugar ficou apenas luz e carinho, uma risada gostosa e acolhedora enchendo aos poucos o bosque.
- Não se preocupe, ela não vai me machucar, só está com medo. Acabei de tirar ela das garras de uma águia que a arrancou do ninho.
Uma águia conseguia tirar aquela coisa do ninho?
- Veja, ela está machucada, mas não é agressiva – o menino continuou. Apontou nesta parte para o tronco da cobra e Neville notou que sim, havia um corte ali. O réptil mesmo não se mexeu, continuou encarando Nev. – Eu sou Harry, a propósito. Qual seu nome?
- N-neville.
- Neville, prazer! – disse sorrindo. – Uma dica, na próxima vez que for tentar acalmar alguém e estiver com tanto medo faça perguntas simples, vai distrair os dois e você tem tempo para se recompor, além de tirar o foco da outra pessoa do perigo.
- E-eu...
- Está tudo bem, não estou te julgando. Você foi incrível, sabia? Já conheci duas pessoas que dariam a vida por mim, mas eram meus pais. Nunca vi ninguém que estaria disposto a atiçar uma cobra para si, e de propósito, só para me livrar disso. Lhe sou muito grato!
- Bem... – Neville corou. – Tem certeza de que a cobra não vai te atacar?
- Sim, te garanto – e como que para confirmar isso ele levou a mão a cabeça do animal e fez um carinho.
O Longbottom estranhou aquilo, mas estava tão agitado pela adrenalina que apenas se permitiu soltar o galho e olhou para baixo. O menino o inquietava.
- Muito obrigada Neville – repetiu.
- Pelo que? E-eu s-só fiquei aqui tremendo e... gaguejando! Você nem se importou com a cobra te enrolando... A propósito, como tem certeza de que ela não vai te picar?
- Ela me falou que não ia.
- A cobra te falou?
- Sim.
- A cobra?! – indignou-se ao lembrar do pouco que conhecia sobre esse certo dom. Falar com as cobras não tinha alguma coisa a ver com magia sombria?
- Sim. Você não fala com elas? Achei que por ser um mágico como eu também teria essa capacidade...
- Um mágico? Você quer dizer um bruxo?
- Bruxo? É assim que chama quem sabe fazer magia?
- Sim... – respondeu cauteloso, o menino realmente não sabia aquele fato?
- Que bom saber. Enfim, achei que por você ser bruxo como eu, conseguia entende-las também.
- Eu não, isso é muito raro e.... espera, se você nem sabe o que é um bruxo, então como saberia que eu sou? Ou melhor... – Neville murchou e o garoto pareceu perceber.
- O que foi? Por que ficou triste? Eu fiz alguma coisa? – e ele parecia realmente incomodado com essa ideia.
- Não! Eu... eu só... ninguém da minha família acha que eu...
- Que você o que? – perguntou tornando a acariciar a cobra.
Ela se mantinha fortemente enrolada ao corpo magrinho.
- Minha família acha que eu vou ser um aborto – murmurou, muito triste, apertando as mãos próximo ao corpo e fechando os olhos.
- Aborto? Como isso? O que é isso? – quis saber, uma vez que parecia perturbar de verdade o garoto de cabelos castanhos claros (ou loiro escuro, nunca entendia muito bem essas diferenças).
- É quando alguém, que é filho de pais bruxos, não tem magia.
- Mas você tem – disse com tanta incredulidade na voz que uma parte de Neville simplesmente pulou de alegria, seus olhos imediatamente procuraram os de Harry.
- Como?
- Você tem magia, então como podem dizer algo assim?
- Eu... Como você poderia saber que eu tenho magia?
O mais baixo encarou Neville da cabeça aos pés alguns instantes antes de responder:
- Horas... Você estava quase usando ela contra a cobra para me proteger!
- Eu... eu estava?
- Sim. Não percebeu? Você é tão forte que não nota a diferença quando usa sem querer?
- Mas eu não... senti nada... Te juro que não percebi mudança alguma, não sei usar magia...
- Mesmo? Então você é ainda mais impressionante, porque veio armado com um simples galho, nada de magia, até onde sabia internamente, e cheio de medo, mas estava disposto a fazer o que fosse possível para me salvar? Neville, você é incrível!
.
"Incrível.
Sempre digo a Nev como ele é alguém impressionante, dedicado, forte e capaz, mas 'incrível' se tornou a nossa palavra.
Quer elogiar de verdade? Diga: Você é incrível!
Nada nos deixa mais felizes".
Diário de Harrison Potter, anotação de 1988.
.
- I-incrível? – gaguejou o mais gordinho, muito corado e... animado!
Nunca ninguém o tinha elogiado assim.
- Sim! Muito! Gostei de você Neville. Podemos... ser amigos? – sussurrou a última parte.
- Amigos?! – perguntou, pois tinha ouvido o outro e quase não conseguia acreditar que alguém o achava incrível e o queria como amigo.
Seus olhinhos brilharam de expectativa.
Harry suspirou e pela primeira vez foi ele a olhar para baixo, enquanto falava calmamente, quase com... receio.
- As pessoas que conheço, Neville, são covardes. Covardia, medo, pavor, são todas coisas parecidas. Existem pessoas que são movidas por elas ou paradas por elas. Eu me acostumei a sofrer quando as pessoas sentem medo, mas você... – ele levantou a cabeça, estava muito sério, os olhos verdes pareceram ganhar uma tonalidade estranhamente escura. Talvez fossem as sombras das árvores. – Você criou força no medo, apesar dele quis e tentou me ajudar. O que você tem é nobreza. Eu gostaria de um amigo assim. Você seria o primeiro também... – ele negou com a cabeça, como se lembrasse de algo, então sorriu, mas sem felicidade genuína. – A menos que consideremos esse carinha aqui – e apontou para cobra.
O réptil levou a cabeça em sua direção, então Harry começou a soltar chiados estranhos enquanto recebia balançadas de cabeça em resposta. Por fim, o animal se aproximou, esfregando o crânio no queixo do menino em um carinho estranho.
- Isso é língua das cobras?
- O que?
- Isso. O que você estava falando. Esses chiados.
- Eu estava chiando?
- Estava.
- Interessante... Não percebi mudança alguma na forma de falar.
- Mas mudou.
Harry pareceu pensar um pouco sobre aquilo, então houve um som acima deles e ele olhou para a direção irritado.
- Aquela águia chata! Me arrume uma pedra Neville, por favor? Aquele bicho ainda não desistiu dessa dama. Falei certo agora? – perguntou para a cobra voltando a chiar em seguida.
- E-eu... está bem – Neville respondeu, mesmo sem saber se o moreno ainda o escutava.
Procurou envolta uma pedra por um tempo, nem muito grande, nem muito pequena, enquanto se perguntava o que pretendia com isso. A águia estava muito alta, ele tentaria assustá-la com aquilo? Quando achou uma que o satisfez foi decidido até Harry e entregou.
- Viu? Você já não tem mais medo dela – disse sorrindo.
- Como?
- Da cobra. Você veio até aqui. Está bem pertinho, quase poderia encostar nela para me entregar, mas veio.
- Bem... Eu vi que ela não parece perigosa e... eu confiei na sua palavra de que conversou com ela direito.
- Confiou em mim?
- Sim, o que tem?
- Nada. É que geralmente as pessoas não são tão legais comigo. Geralmente ignoram tudo que eu digo...
E ele parecia estar sinceramente triste com aquilo, mas já conformado. Neville não teve pena, apensas simpatia e confusão.
Porque as pessoas não seriam legais com aquele menino bonito e simpático?
Então ele se lembrou dos chiados sinistros que saiam quando ele falava com a cobra e de sua própria primeira reação a ideia de alguém que fala com elas.
Talvez as pessoas tinham medo de Harry ser um bruxo das trevas?
Por isso ele estava falando sobre medo e pessoas covardes?
A habilidade dele sem dúvidas estava ligada a aquele-que-não-deve-ser-nomeado, será que Harry sofria por isso?
Para piorar o menino era magrinho, não parecia saber muito sobre os bruxos (não conhecia a palavra nem tinha noção de quando usava um dom incomum) e ainda tinha o mesmo nome que menino-que-sobreviveu, Neville podia entender como crianças eram maldosas e o incomodariam com isso. Seus próprios primos seriam do tipo a fazer brincadeiras cruéis e apontar o dedo dizendo que Harry não merecia esse nome, e que era feio falar com "monstros escamosos". Com certeza, isso sairia de suas bocas. A vida seria tão irritante quanto a do próprio Longbottom.
Desprezado, por algo que não tinha controle ou escolha.
O Potter, alheio aos pensamentos do outro à sua frente, encarou a pedra na sua mão, depois a águia então levantou o braço e a rocha voou da sua palma para o céu em disparada. Quando estava do lado da águia simplesmente pegou fogo fazendo um barulho alto. Isso assustou o pássaro e o fez voar para longe.
- Vê se vai caçar em outro lugar! – gritou tornando a acariciar a "amiga" serpente.
- Como você fez aquilo?! – perguntou Neville em choque e maravilhado que alguém tão novo tinha tanta habilidade.
- Magia.
- Bem, isso eu sei! – o que o impediu de responder de forma grossa foi apenas que sua avó teria repreendido, mas então lembrou-se que Harry realmente não entendia muitas coisas básicas – Eu quis dizer... Como conseguiu fazer magia tão fácil? Quantos anos você tem exatamente?
- Sete.
- Minha idade!
- Surpreso?
- Você parece mais novo...
- Minha família não me alimenta direito, li em um livro que isso pode afetar o crescimento.
- O que?! Como assim não te alimenta direito?
- Eles me deixam sem comer como castigo.
- Isso é errado! – indignou-se. – Nenhuma malcriação merece ser punida com a retirada de uma necessidade! É igual proibir de... usar o banheiro!
- Eles também fazem isso – murmurou levantando os ombros.
- Mas isso é absurdo! Seus parentes são loucos? O que eles...
- Eles me acham uma aberração, não gostam de magia, tem medo dela e de mim.
Neville percebeu que estava quase certo em sua teoria então.
Harry não sabia sobre bruxaria, mas era porque vivia com trouxas! E do pior tipo, ao que indicava. Isso era errado, nenhuma criança merecia ser tratada mal por ter magia!
Ou...
Ser tratada mal por não demonstrar, assim como era consigo.
Eram estranhamente parecidos em seus opostos absolutos. Isso lhe deu uma onda ainda maior de afeto por Harry. Eles podiam se entender.
- Isso é horrível! Temos que fazer alguma coisa!
- Fazer alguma coisa?
- Claro! Vamos falar com minha avó! Ela pode ajudar! Falar com seus parentes, brigar com eles, ela é bem convincente e assustadora quando quer e....
- Eles não passam de covardes fracos – disse o interrompendo. – Esqueça disso, eu consigo me virar e me entender com eles.
- Mas...
- Não precisa se preocupar, de verdade. Prefiro resolver sozinho.
- Bem... Se você insiste... – concordou muito incerto. – Mas se mudar de ideia me avise! Eu faço questão de ajudar se precisar!
- Mesmo? Me ajudar? Mas você ainda não respondeu, isso quer dizer que gostaria de ser meu primeiro amigo?
- Eu adoraria, Harry!
Então o menino sorriu. Um sorriso tão grande e genuíno em seu rosto (belo como de uma veela), que parecia cegar. Neville se viu desconcertado de novo na presença dele, mas de uma forma diferente, era como estar diante de alguém realmente divino, enquanto não se era nada demais.
Só que Harry também tinha considerado Nev incrível. Tinha o reconhecido e estava feliz com sua presença e amizade, feliz com o que ele era, exatamente como era.
O Longbottom devia ter alguma coisa realmente boa... alguém tinha notado que era valioso. Foi uma sensação maravilhosa e o garotinho de cabelos claros sentiu que era forte e bom pela primeira vez na vida.
Acabou sorrindo também, tanto que doeu a face.
- Isso é brilhante! – disse Harry. – Você parece saber bastante sobre magia, poderia me contar mais?
- Eu? Saber de magia? Mas foi você que fez aquele truque com a pedra!
- Bem, eu sei como fazer coisas, mas não sei nomear, nem sei o que você parece ter na ponta da língua.
- Entendi. Claro que te ensino! Você mora com trouxas, não é?
- Trouxas?
- Desculpe, é como os bruxos chamam pessoas que nascem sem a capacidade de fazer magia.
- Entendo... Trouxas? Parece adequado...
- Adequado?
- Não ligue para isso.
Neville também notou como o de olhos verdes não parecia segura a língua, falava o que estava pensando, de forma sincera e ponto. Talvez isso também incomodasse as pessoas. Nev, entretanto, gostou muito. Era péssimo em entender as entrelinhas.
- Tenho livros infantis, eles podem te ensinar essas coisas básicas, mas também posso te contar muito mais. Você gosta de ler?
- Muito! Amo ir para a biblioteca quando posso! Leio de tudo, até dicionários! Tem uma vizinha minha, senhora Figg, faz um ano mais ou menos que convenci ela a me levar a uma brande que temos na cidade, sempre que pedem para que fique de babá. Ela tem um pouco de magia, essa senhora, mas não parece saber sobre isso ou conseguir usar. Talvez não seja o suficiente comparado comigo ou você, entende?
- Talvez ela seja um aborto.
- Aquilo que você falou sobre nascer sem magia com pais bruxos, certo? Posso perguntar a ela.
- Acho melhor não.
- E por quê?
- Alguns abortos não sabem que nasceram de bruxos e nós não devemos deixar que trouxas descubram sobre a magia. Deve ser mantida em segredo.
- Certo! Nossa... obrigada por me contar isso, eu realmente não sabia. O que acontece se descobrem?
- O ministério... bem... eu acho que eles te prendem ou te proíbem de fazer magia para sempre, se você for o responsável por revelar nosso mundo para eles. O ministério da magia, é nosso governo, sabe? Temos leis para isso, mas não sei bem todas.
- Eles podem me proibir de fazer magia?! – perguntou assustado. – Eu faço as vezes na frente dos meus tios trouxas, mas eu juro que é sem querer! – disse quase desesperado com a ideia de ser punido por aquilo.
- Está tudo bem, não é bem assim, crianças nascidas trouxas não sabem sobre a lei, então não são punidas. É normal fazer magia sem querer quando somos pequenos. Pelo menos... deveria ser.
- Deveria?
- Bem... eu nunca fiz.
- Além de hoje para me ajudar, é claro.
- Não conta... eu nem percebi.
- Não importa, teve magia. É uma prova e foi incrível.
Neville corou.
- Obrigada – murmurou baixinho diante do sorriso do novo amigo.
Harry voltou a se distrair alguns instantes com a cobra, o animal disse mais algumas coisas e finalmente se soltou, começando a serpentear pela floresta e sumindo.
- Tchau! – despediu-se o mais baixo.
- Achei que ia ficar com ela.
- Meus tios nunca deixariam. Eles ficariam horrorizados com a ideia que eu falo com um animal. Magia, a simples palavra ou a ideia dela, sua existência é proibida na minha casa.
- Isso é terrível, ainda mais com nossa idade! Eles... ficam bravos quando você faz magia acidental? – perguntou se aproximando e ajudando o outro a levantar.
- Magia sem querer, essa que você disse que é comum?
- Sim.
- Sempre. É por isso que me trancam no quartinho, ou me batem ou me deixam sem comer! Eles detestam mesmo! Eu tenho que me esforçar muito para que não aconteça.
- Será que é por isso que você parece controlar tão bem? – murmurou pensativo.
- Eu treino escondido, ajuda a ter menos acidentes, pelo que venho notando.
- Onde você mora, Harry?
- Surrey. Little Whinging – Neville arregalou os olhos.
- Você está muito longe!
- Eu sei. Estava querendo espairecer, aí teleportei.
- Teleportou?
- Você sabe... Eu me movi com magia de um lugar para o outro.
- Você aparatou?! Sozinho? Aos sete?! – indignou-se dando quase um pulo para trás.
- Aparatou, então é essa a palavra? Estou aprendendo tantas coisas novas! Obrigada Neville! Não sabe como eu queria alguém como você aparecendo!
O garoto gordinho corou outra vez.
- Harry... – murmurou cautelosamente, para que o outro não se sentisse atacado com o que diria, ele não duvidava do outro, só queria uma confirmação. – Isso é impossível, bruxos só conseguem aparatar aos dezessete anos... Você acha mesmo que fez isso?
- Mesmo? – Harry pensou por uns instantes e Neville viu quando algo passou por seus olhos. Ele o encarou daquela forma astuta e arrepiante, como se visse sua alma e tudo que ela esconde. – Neville, as pessoas só conseguem aprender ao dezessete ou elas só ter permissão e são ensinadas para fazer isso aos dezessete?
- Bem... – ele ficou quieto com a pergunta, o cérebro funcionando a mil – Acho que pode ser algo assim...
- Para mim parece como dirigir.
- Dirigir?
- Você sabe, quando você faz dezesseis e pode usar um carro.
- Aquela coisa de metal para movimentação de trouxas?
- Isso mesmo. Os trouxas só podem usar uma daquelas coisas se forem maiores que uma idade específica no país em que vivem. Em teoria, porque só com esses anos de vida você tem maturidade para isso. E tamanho, acredito. Uma criança não enxergaria pelo painel.
- Bem... Dezessete é maioridade legal para um bruxo.
- Viu? Então não é impossível aprender a... apa...
- Aparatar – ofereceu Neville.
- Aparatar antes dos dezessete, deve ser apenas ilegal fazer antes.
- E você aprendeu sozinho?
- Eu queria evitar pessoas, então eu sumia. Também queria poder procurar comida quando estava de castigo, ia para outro lugar e depois pensava em voltar.
- Consegue fazer sempre que quer?
- Agora sim.
- Posso ver?
- Claro.
Harry de repente, com um único "pop" e levantando poeira, tinha sumido e Neville escutou o mesmo som às suas costas, virando-se logo estava de frente para o amigo de novo.
- Você é incrível Harry! Incrível mesmo! Nossa!
Dessa vez foi o mais magro a corar, um sorriso satisfeito no rosto abaixado.
- Obrigada, Neville.
- Pode me chamar de Nev. É meu apelido.
- Certo. Eu... não tenho um...
- Quer um?
- Se eu quero um... apelido? – perguntou confuso e um tanto esperançoso.
- Sim, claro! Deixe-me ver, o serviria para Harry... – murmurou ponderando alguns instantes. - Já é um nome um tanto pequeno...
- Meu pai me chamava de Harrisson, às vezes - ofereceu.
- Que tal Hazz, então?
- Hazz? – repetiu. – Hazz... Gostei – disse sorrindo muito.
Parecia até brilhar exatamente como um anjo.
- Então será Hazz! Você disse que mora com os tios, mas acabou de falar do seu pai, o que aconteceu? Pode me contar?
- Meus pais morreram, quando eu era pequeno.
- Sinto muito! Não devia ter perguntado!
- Está tudo bem. Eu... também tinha um padrinho, mas ele não quis ficar comigo e um amigo dele me deixou com meus tios trouxas.
- Seu padrinho não merecia essa posição. No mundo mágico escolher alguém para ser padrinho é uma honra. Seus tios também parecem pessoas horrorosas.
O de olhos verdes riu.
- Eles são. Obrigada por concordar.
- Quer ir na minha casa? Podemos achar livros que te ajudem a saber mais sobre os bruxos! Se quiser, quando aparatar para sua casa, pode leva-los e ler quando puder, o que eu não conseguir te ensinar, eles ensinam. Você gosta de ler mesmo...
- Não posso! Se meus tios achassem algo sobre magia no meu armário eles ficariam loucos de raiva!
- Hm... Bem... Você pode aparatar aqui sempre que quiser.
- Não tem problema, o governo bruxo não vai querer me prender?
- Claro que não, você nem sabia sobre as leis.
- Mas agora sei.
- É... talvez seja melhor perguntar a minha avó, ela sabe tudo sobre essas coisas, ela é a Lady Longbottom.
- Lady?
- Longa e complicada história, isso só ela saberia te dizer com certeza, eu ainda luto para entender. Se importa de irmos até vovó? Prometo não falar dos seus tios, se você não quiser.
Harry sorriu, feliz que o novo amigo respeitou sua vontade.
Assim não teria problemas com mais alguém atacando Valter e Petúnia e piorando seus castigos físicos e verbais.
- Claro. Se você não achar que ela vai se importar comigo aparecendo.
- Claro que não vai. Aposto que vovó vai gostar muito de conhecer alguém como você! Ela vai ficar impressionada com sua força!
- Não achei que eu era tão impressionante, mas obrigada.
- Bom, para mim é, eu não consigo fazer nada do que você é capaz.
- Você só deve estar fazendo alguma coisa errada, ou não se concentrando o bastante. Aposto que consigo te ajudar. Igual você está me ajudando, uma troca. Quer tentar?
-x-x-x-
"Meus tios nunca fizeram uma cicatriz profunda em um lugar que não podia ser escondido com roupas e, como eu usava as velhas e largas de Duda, era ainda mais fácil impedir que soubessem sobre elas. Neville e a família Longbottom demoraram anos para descobrir sobre cada uma. Não puderam me ajudar com o que viria a acontecer, mas a culpa é minha por não ter aceitado ajuda.
Não.
Não é minha culpa. Tenho que lembrar disso!
Nada nunca foi minha culpa! Eu era uma criança!
⇏Riscado Culpa tinham os malditos trouxas que fizeram a coisa para começo de conversa! Aqueles porcos ridículos e desprezíveis! ⇍"
Diário de Harrison Potter, anotação de 1988.
-x-x-x-
Harry trabalhava quase todas as horas do dia, só não estava fazendo alguma das tarefas domésticas quando os tios viajavam ou iam passear e deixavam-no com a senhora Figg.
Ou quando estava na escola.
O menino usava esses raros momentos para estudar.
Gostava principalmente de livros de medicina e nutrição. Eram muito úteis para seus primeiros socorros, assim não forçava Tom a se machucar de novo por eles, e também para saber o que melhor comer para continuar sem fome durante todo o dia e ter energia para o que tinha que fazer. Aparatava em hortas escondido, entre outros lugares.
Além disso houveram mais dois dias em que pôde ver Neville e estava muito feliz com isso, com o que estava aprendendo aos poucos sobre os bruxos.
Potter era alguém adaptável, independente de toda a dor, física e psicológica, ele aprendia a se virar e ser grato com as pequenas coisas que conseguia.
Então veio o terceiro grande acidente.
O pequeno de olhos verdes estava na cozinha. Guida Dursley, irmã de Valter, tinha vindo visita-los e como sempre trago seu cachorro.
Ela parecia bem insatisfeita com o fato de que o bicho (quase sempre agressivo com todos), parecia evitar Harry como o diabo evita a cruz e, igualmente irritante, a criança não parecia nem mesmo ligar para o que ela lhe falava.
O que era um ultraje! O estorvo filho de vagabundos estava recebendo um favor de seu irmão, morando ali, e nem tinha a educação de reponde-la!
- Menino! – chamou brava.
Harry finalmente a olhou, com toda a calma do mundo, rosto limpo e faca de cozinha na mão.
- Sim senhora, tia Guida?
- Venha aqui – ordenou.
- Guida querida... – começou Petúnia, muito receosa. – A aberra... O menino está cozinhando, você deve estar cansada e com fome da viagem...
Mas a mulher com cara de cavalo se calou no instante que Guida Durslay levantou a mão.
- Esse menino não aprende, vocês não devem estar educando-o corretamente. Têm que dar mais castigos.
"Mais castigos?" pensou Harry, mas se segurou para manter o rosto sem expressão.
"Castigo é nascer com essa genética Durslay ridícula" outra parte dele (a mais sombria) comentou. "Por sorte não é preciso se preocupar com isso. Nem com a reprodução do espécime! Morre em Duda, se o destino for bom ou sensato".
E Harry quase riu sozinho.
– Esse aí tem um jeito ruim e mirrado. A gente vê isso nos cachorros. Pedi ao coronel Fubster para afogar um no ano passado. Era um ratinho. Fraco. Subnutrido.
Ela tinha afogado um cachorro? Por acha-lo fraco? Essa mulher devia ser meio louca.
"Tinha é que ter afogado a si mesma" resmungou a vozinha. Harry, mais uma vez, quase riu.
- A coisa toda está ligada ao sangue – continuou a mulher gorducha – como eu ia dizendo ainda outro dia. O sangue ruim acaba aflorando...
"Essa é boa, sangue ruim, que uso irônico de palavras! Justo aqui e de uma baleia do clã dos 'trouxas orcas nojentas' e da cavala pescoçuda ali! Eu estaria mais preocupado se fosse um deles! Quer dizer, dá a impressão que vou pegar uma doença só de olhar muito".
"Para com isso, vou acabar rindo...." disse a si mesmo. Respirando lenta e calmamente. Tia Guida não parou:
- Mas, não estou dizendo nada contra a sua família, Petúnia – deu umas pancadinhas na mão ossuda da cunhada com sua mão que mais parecia uma pá –, mas sua irmã não era flor que se cheirasse. Isso acontece nas melhores famílias. Depois, fugiu com aquele imprestável e aí está o resultado bem diante dos olhos da gente.
Harry não sabia muito o que fazer com os olhos ou com as mãos, ainda estava segurando a faca, se virasse de costas para guardá-la, mesmo que rapidamente, ainda seria castigado? Provavelmente.
Ficou como estava, apenas abaixou a lâmina e limpou a outra mão no avental que usava.
– Esse Potter – disse bem alto, agarrando uma garrafa de vinho e se servindo. Algumas gotas caíram no chão. – Me desculpe Petúnia. Garoto! Limpe isso! Rápido antes que manche.
Ele agradeceu pela oportunidade, deixou a faca na tábua, correu para o armário de panos, molhou um e foi até ao lado da cadeira de Guida.
Mal teve tempo de reagir quando acabou sendo acertado por um golpe na cabeça um pouco depois.
- Não esfregue! – Guida rosnou. – Vai manchar o carpete.
- Sim, senhora - concordou ignorando a dor. Ela o tinha acertado com a garrafa?
- Realmente não presta, esse menino. Valter, você nunca me contou o que o pai fazia...
Tio Válter e tia Petúnia tinham uma expressão extremamente tensa. Duda chegara a levantar os olhos do presente que tinha ganhado para olhar os pais, boquiaberto. A mulher mais magra até mesmo estava tremendo.
– Ele... não trabalhava – disse tio Válter, sem chegar a olhar de todo para Harry. – Desempregado.
– Era o que eu esperava – disse tia Guida, bebendo um enorme gole de vinho e limpando o queixo na manga. – Um parasita preguiçoso, imprestável, sem eira nem beira que...
– Não era, não – murmurou Harry inesperadamente. Todos na sala ficaram muito quietos.
Harry tremia da cabeça aos pés.
Sequer estava bravo, constatou, já havia se acostumado perfeitamente com insultos a si mesmo e aos pais vindos de qualquer um na casa, no fim ele sabia que não passavam de mentiras calculadas para atingi-lo. Ele já levava tanta pancada que mais uma não fazia nem mesmo cócegas, não se permitiria explodir por isso.
Mas Tom parecia pessoalmente ofendido.
O pequeno Potter não entendia ao certo o motivo para isso, mas estava sentindo a pressão da magia do outro sobre a sua e bem raivosa. Estava difícil controlar, as vinhas estavam crescendo, seu sangue brilhando para protege-lo.
Eventualmente ele teria idade para entender que, para alguém como Tom, ofender o guerreiro que sempre o enfrentou sem medo, com força equiparável e conseguiu vencê-lo no fim, era um ultrage. Ofender o casal de Potters era desconsiderar suas forças em guerra e, portanto, a do próprio Tom.
Ele queria atacar aquela trouxa.
- MAIS VINHO! – bradou tio Válter, que empalidecera sensivelmente. Ele esvaziou a garrafa no cálice de tia Guida. – Você, moleque – rosnou para Harry. – Vá se deitar, ande...
- Não, Válter – soluçou tia Guida, erguendo a mão, os olhinhos injetados e fixos em Harry. – Continue, moleque, continue. Tem orgulho dos seus pais, é? Eles saem por aí e se matam num acidente de carro (imagino que bêbados)...
"ACIDENTE DE CARRO?! Acidente de carro matando Lilian e James Potter? Acidente de carro é o que sua cara vai se tornar se não calar essa boca de leitoa!" brandiu a voz em Harry.
Certo... isso tinha o irritado um pouco.
Os tios nunca tinham contado aquela mentira.
Nunca tocaram no assunto da morte dos Potters.
Claro que o menino nunca perguntou porque não tinha pais, afinal sabia, então nem haveria motivo para falar sobre isso. Eles teriam inventado uma história tosca como aquela para Guida, para satisfazer suas perguntas? Ou ela criou de sua própria cabeça para incomodá-lo?
Lilian aparecia todas as noites em seus sonhos, implorando, gritando pela vida de Harry:
"O Harry não, por favor não, me leve, me mate no lugar dele..."
"O Harry não, o Harry não, por favor, o Harry não!"
Várias vezes. Todas as noites. Seguido pelo som do corpo caindo no chão. O grito de dor e as lágrimas do homem que apareceu depois segurando seu cadáver.
"O Harry não, o Harry não, por favor, o Harry não!"
Acidente de carro? Por que seu pai estava bêbado?
"Suba! Eu vou ganhar tempo!" James dizia nos pesadelos, a luz verde, o choro de Lilian. Esse homem teria arriscado a vida da própria mulher?
Ele iria impedir Tom de atacar, mas não ia segurar sua língua facilmente. Insolência era punível, mas de forma mais branda se comparado com magia:
- Eles não morreram num acidente de carro... – protestou, baixinho e se levantando. – Vou me deitar, como meu tio mandou...
- Morreram num acidente de carro, sim, seu mentiroso infeliz! E jogaram você nos ombros de parentes decentes e trabalhadores! – gritou tia Guida, inchando de fúria. – Você é um ingrato e insolente! Valter! Vai deixá-lo me questionar assim? Sem fazer nada?
- Minha irmã... – murmurou Valter em dúvida do que fazer.
O menino geralmente não questionava mais o que diziam, estava receoso com o que a aberração faria se realmente estivesse brava àquele ponto. Não queria que Guida visse alguma bizarrice inexplicável.
Petúnia se levantou e se afastou um pouco, ainda traumatizada com a última explosão onde havia praticamente sido torturada e passado dias fraca e tremendo.
- Tudo bem, deixem que eu ensino a vocês como tratar um delinquente desses! – disse a Dursley maior, se levantando e, ao se posicionar de frente para Harry, lhe acertou um soco no rosto.
Petúnia deu um gritinho, Valter se aproximou.
- Guida... – o homem murmurou.
- Escute aqui moleque, você deve respeito ao meu irmão, a mim e a todos nessa casa! – brandiu. – O que se faz quando alguém que você deve respeito diz alguma coisa?
Harry ficou calado. Levou outro soco, mas se manteve em pé.
- Você concorda! Essa é a resposta. Agora, quando te ordenam uma coisa, o que se faz?
Harry manteve-se em silêncio. Mais um soco, agora na barriga, fazendo-o se curvar.
- Você obedece! Repita! "Eu vou obedecer àqueles que devo respeito" – disse e, ao não receber resposta, acertou outro soco. – Repita!
- Eu vou obedecer àqueles que devo respeito – murmurou.
Levou outro soco, nas costas. Caiu.
- Valter, seu cinto, por favor? – Pediu Guida e todos os outros arregalaram os olhos.
- E-eu...
- Por favor, não se deve questionar aquele que está tentando educar a criança, não na frente dela, ou nunca aprenderá. Seu cinto.
Muito receoso Valter retirou o objeto da calça. Petúnia correu para um canto da sala sem que os outros notassem, procurando algo num armário.
Fechou os olhos e tremeu quando ouviu o som do primeiro golpe contra o sobrinho.
- Vocês têm que bater direito, ou ele nunca irá aprender. Claro, tomem cuidado para não deixar marcas, existem lugares em que elas saem mais cedo, mas as pernas são bons alvos, crianças caem com frequência então ninguém vai questionar se aparecer com alguns roxos por lá – explicou enquanto com o pé empurrava o corpo de Harry para que caísse deitado e lhe acertou o cinto na perna.
Ele gritou de dor. O cachorro, Cruel, começou a latir na sua direção.
As luzes começaram a piscar.
- Nunca questione sua tia, escutou? – perguntou a tia com o cinto, lhe acertando outro golpe.
- Sim! – gritou com os olhos fechados, com muita dor.
- Sua mãe era sim tão ruim quanto você, seu pai um vagabundo bêbado e os dois morreram num acidente de carro! Nunca questione os adultos! Repita!
Outro golpe.
- Nunca questionar os adultos! – gritou, lágrimas escorrendo.
Outro açoite, mas desta vez a fivela cortou a perna.
- Repita sobre seus pais também, para aprender o tipo de pessoa que você nunca deve ser!
- Não!
Outro açoite, mais forte, seguido por um puxão na blusa que o levantou e então um tapa severo no rosto.
- Seu garotinho desprezível! Meu irmão tinha que ter te dado a um orfanato!
- Eu concordo! Seria melhor!
Outro tapa e desta vez levou um golpe do cinto também no rosto.
- Você vai aprender, de um jeito ou de outro, seu insolente! – disse erguendo o braço imenso pronta para o próximo ataque.
"JÁ CHEGA!" gritou a voz em Harry e de repente Guida estava cercada das vinhas de Tom.
Gritando.
Ela caiu no chão, começou a se contorcer assim como tia Petúnia fizera da outra vez, muito mais severamente, os olhos revirando nos globos.
Valter gritou, Duda saiu para sua mãe que gritou:
- PARE JÁ COM ISSO!
Harry tentou, de verdade, mas não conseguia, as vinhas não voltavam.
Valter o agarrou e sacudiu com força.
- PARE AGORA SUA ABERRAÇÃO, OU EU TE MATO!
- Eu não sei como parar! – disse desesperado.
E levou outro golpe, dessa vez do tio, sendo arremessado no chão com tanta força que as pernas não o seguraram e fez um barulho muito estranho ao cair. Talvez tivesse torcido algo? Ou ainda... quebrado?
- É SUA ÚLTIMA CHANCE! PARE OU EU TE BATO ATÉ A MORTE!
- TOM PARA! – implorou Harry, um grito alto enquanto segurava sua cabeça que estava doendo, quase tanto quanto o restante do corpo. – TOM! PARA!
"Tom eles vão nos matar!" pensou sentindo que começaria a chorar.
Valter levou o pé para trás, mas antes de conseguir chutar Harry as vinhas foram nele também, o derrubando, fazendo gritar no chão.
Duda gritava e chorava, o cachorro latia, as duas pessoas no chão se contorciam berrando tão alto que abafavam o som do corpo se debatendo, o Potter não conseguia se concentrar para forçar as vinhas a voltarem, um chiado muito alto ainda estourava nos ouvidos.
E então o maior dos sons que já ouvira em toda a vida rasgou o ar da sala:
BAM!
Harry sentiu alguma coisa atingir suas costas, então o cheiro de pólvora e seu sangue. Ele olhou para trás em choque, tudo ficou em silêncio absoluto, Valter e Guida não estavam mais gritando ou se mexendo.
Petúnia ainda segurava a arma que atirou contra o sobrinho.
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Próxima semana voltaremos ao presente, provavelmente, então conforme forem aparecendo mais detalhes teremos mais alguns capítulos no passado.
Agradeço por qualquer voto, comentário e todos que me colocaram em listas de leitura para que outros leitores possam me achar <3
É isto, até segunda-feira...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro