Capítulo 6 - Confronto
Com o fim da reunião no auditório, os alunos saíram correndo na direção das salas do segundo ano para ir embora temendo serem chamados de novo.
Marcela e os professores do segundo ano caminharam para a sala dos professores, diferente deles, tinham o segundo turno ainda e precisavam almoçar e descansar um pouco até o horário vespertino iniciar.
Contudo, a diretora decidiu aproveitar esse momento e conversar em particular com eles e após entrarem olhou a sala da secretaria e estava fechada sem nenhuma das funcionárias, trancou a porta do seu lado e seguiu fazendo o mesmo com as outras.
Eu não quero que Celeste, Áurea e Amadeu fiquem se metendo nesses assuntos. Decidiu incomodada com Celeste mais cedo lhe questionando o que ia fazer.
– Não se assustem, só estou querendo privacidade para conversarmos. – A diretora falou para os professores mais perto das portas que a olhavam sem entender a atitude.
– Diretora, o que quer? – Uma das professoras perguntou curiosa com aquela atitude.
– Já saberá Valesca. – Marcela falou à uma das professoras e pegou uma das cadeiras para ir se sentar à mesa.
– Essa situação hoje me fez perceber que estamos deixando algo passar, os alunos do ilhado podem estar passando por outros problemas e isso deve ter afetado seus rendimentos que já são abaixo do esperado. – Marcela abriu o jogo. – Vocês notaram algo? Acho que essa briga hoje foi só a ponta do iceberg. – Perguntou aos professores.
Alguns professores negaram enquanto outros continuaram calados, na realidade, não tinham a menor ideia de que havia essa rivalidade entre moradores de outras partes do bairro e os ilhados ou não se importavam.
– Perceberam algum aluno que tinha um rendimento bom e caiu? – Marcela perguntou preocupada com o silêncio dos docentes.
– Alguns estavam assim. – Valesca falou e Marcela ficou mais aliviada de escutar que alguém tinha notado algo.
– A solução foi colocá-los a tarde com outros alunos que tinham a mesma dificuldade e voltaram a ter o aprendizado satisfatório. – A professora explicou.
– Alguém tem mais para falar? – Marcela perguntou.
– Acredito que a senhora ainda não está ciente, mas, alguns alunos parecem vir ao pré-vestibular apenas para almoçar e jantar, não estão interessados em estudar. – Um dos professores reclamou.
– E você como morador desse bairro, Frederico, sabe que as vezes eles só têm os sapatos para vir por que conseguimos doações. Eu sei que é desestimulante para você, mas, prefiro eles dentro da escola o dia inteiro só para terem as três refeições do que na rua. – Marcela refutou o comentário.
– Quanto aos alunos que estão se viciando e traficando drogas dentro da escola também viciando a outros alunos? – Frederico perguntou.
– Me passou a lista de nomes? – Marcela perguntou e o professor negou.
– Eu preciso dos nomes para solicitar que sejam encaminhados a DECECA e ao Conselho Tutelar para serem auxiliados pelos meios competentes, essa questão é delicada, preciso de apoio das políticas públicas para isso. – Marcela falou para o professor que continuou calado.
– Eu quero que me falem sobre a aluna Barbara Alencar, hoje eu recebi a informação de que ela pode estar em casa por causa de um suposto namoro com um homem mais velho e os pais bateram nela por não concordarem. O que podem me falar sobre essa aluna? – Marcela perguntou.
– Marcela, a Bárbara é uma aluna mediana, apesar de se esforçar, tem dificuldade em assimilar matérias de matemática mais avançadas como geometria e infelizmente é muito introvertida por isso não tem tido muita interação com os colegas que a desprezam. – Valesca respondeu.
– Eu venho deixando-a na frente, bem em frente à mesa do professor, porque ela estava se queixando que as meninas reclamavam dela lá. – Ximenes se pronunciou.
– Verdade. As meninas reclamam que a Bárbara é rude, muito grossa com elas mandando calarem a boca quando estão em conversas paralelas e isso afeta a relação dela com as colegas de classe. – Outra professora comentou.
– Sobre esse namorado, de fato, quando eu saio para ir almoçar, ela está na frente da oficina sentada do lado de um homem ambos almoçando, mas, não sabia que eles se relacionavam. – Frederico comentou.
– Eu frequento a mesma igreja que ela vai com os pais, eles não me parecem muito diferente de outros pais, não os vejo com atitudes que demonstrem ser violentos. – Outro professor respondeu.
– Alguma vez ela falou a respeito? – Marcela perguntou ao professor.
– Não. Bárbara entra na sala e fica lendo até começar, nos intervalos, vai direto para a biblioteca e retorna quando o sinal toca. – A professora de português contou, a garota frequentava bastante o local.
Está mais difícil do que eu imaginava. Marcela pensou chateada, as informações eram muito desencontradas.
– Marcela, talvez a professora de artes, Pâmela Letícia, pode lhe dar mais informações porque ela é com quem a Bárbara estava mais próxima nesses últimos dois meses. – A professora de ensino religioso explicou e Marcela agradeceu vendo um pouco de esperança no final do túnel.
– Obrigado Tati, vou procurar ela e conversar a respeito. – Marcela disse para a professora.
– Quem for sair para comprar seu almoço está liberado e me desculpem por ter me prolongado, só peço descrição, nenhum funcionário deve saber do assunto dessa reunião. – Marcela pediu ao corpo docente.
A diretora saiu da sala e começou a caminhar em direção ao refeitório, naquele horário, as crianças que estudavam no ensino integral iam para almoçar e gostava de estar com elas.
Giordânia andou apressada com a mochila nas costas para acompanhar a mãe que estava quieta, a filha passou o braço por cima do ombro da mãe e beijou sua bochecha querendo deixar quieta a discussão na sala da diretoria.
– Estou com dor de cabeça desde que bateu à porta da minha sala. – Marcela reclamou e a filha segurou a vontade de rir continuando calada.
A diretora viu a reação da filha e revirou os olhos, adolescentes.
– Me fala da Bárbara, ela é aluna da sua sala. – Marcela pediu e notou a filha irritada.
– Também tem ciúmes dela? – Perguntou surpresa, parecia que as alunas daquela geração não sabiam ter amor-próprio se incomodar com os garotos achando uma garota bonita e culpando a garota.
– O Edgar é apaixonado por ela. Hoje no caminho para a escola quase foi atropelado porque não viu uma moto subir a calçada. Ridículo, a garota não dar moral a ninguém e o idiota suspira pelos cantos por ela. – Giordânia contou incomodada.
Hum.. será que o Edgar fez todo um teatro para tentar chamar atenção? Marcela se perguntou preocupada em ter caído naquela conversa.
– Mãe, presta atenção. – Giordânia chamou a mãe.
– Desculpa filha, repete por favor. – Marcela pediu e entrou depois da filha no corredor que levava a segunda parte da escola.
– Mãe ela é grosseira, esquisita, temperamental, uma vez gritou com todas nós nos chamando de mal-educadas porque conversávamos no final da sala quando o professor liberou, preferimos evitar ter qualquer contato com ela. – Giordânia repetiu.
– Certo. – Marcela respondeu, parecia um disco arranhado, todas falavam a mesma coisa.
– Sabe de um namorado mais velho dela? – Marcela perguntou e a filha negou.
– Sei que quando saio para almoçar ela está lá fora almoçando com um cara. Se eles têm algo não comentaram nada. – Giordânia falou e se aproximou da mãe. – Ela tem? – Perguntou animada para saber da fofoca.
– Se acha que falando isso para o Edgar, ele vai mudar o que sente, pode ter certeza de que não é minha filha. – Marcela falou sério para a filha e Giordânia abaixou a cabeça chateada e sentiu-se mal pela resposta sem pensar.
– Vai aparecer um rapaz no momento certo, esse aí é um idiota de não ter visto a garota do lado dele. – Disse para a filha começando a sentir um pouco de ranço do rapaz.
– Certo. – Giordânia respondeu ainda chateada.
Assim que chegaram no pátio, Marcela reconheceu alguns alunos do segundo ano indo para a parte de trás do refeitório sem levar os pratos enquanto um garoto foi para a arquibancada.
– Eles devem estar indo conversar e esperar as aulas do pré-vestibular. – Giordânia disse para a mãe preocupada quando reconheceu Victor entre eles.
– Deve ser. – Marcela respondeu e sorriu para a filha, tinha o pressentimento que era outra coisa.
Mãe e filha desceram as escadas e Marcela pediu a filha para pôr o almoço das duas depois foi para as mesas do lado do refeitório conversar com as duas professoras que almoçavam com as crianças.
Uma das professoras a chamou e se afastou para que se sentasse, mas, Marcela negou e continuou andando até a porta por onde os rapazes passaram, mexeu no trinco, mas, estava trancada.
– Diretora nós fechamos para as crianças não tentarem sair. – Uma das professoras explicou antes de tomar mais uma colherada de sopa.
– Aqueles meninos sempre vão para lá? – Marcela perguntou escutando-os rindo.
– Sim. Ficam conversando e perto do horário da tarde vão embora. – A professora respondeu e fez gesto com as mãos deixando a diretora preocupada pelo que entendeu.
Meu deus. São tantos já. Pensou preocupada e se sentou, pôs as mãos no rosto sem acreditar.
– Seu prato. – Giordânia falou para a mãe, mas, a diretora continuava do mesmo jeito.
– Diretora? – Chamou, haviam combinado que ninguém soubesse o parentesco e evitar chamar atenção para a filha.
Marcela tirou as mãos do rosto e negou afastando o prato, havia perdido a fome, se levantou do banco e saiu pelo corredor entre as mesas para sair dali.
Giordânia quis se levantar, contudo, a professora pôs a mão no ombro da garota a impedindo.
– Ela não tinha noção do que está acontecendo aqui, deixe-a refletir. – A professora falou séria, entendia o sentimento de derrota que a diretora parecia estar sentindo, muitas já tinham sentido isso vendo o que ocorria ali.
A diretora seguiu em direção a parte de trás da cantina andando rápido, mas, quando estava próxima de virar parou abruptamente.
O que eu estou fazendo? Eles sabem o que isso pode causar, são adolescentes, mas, conscientes. Caiu em si e passou a mão na barriga lembrando do filho, em três meses deixaria a escola por alguns meses ou ia ser realocada.
Eu vou resolver isso de outro jeito. Confrontá-los agora não vai ser uma atitude inteligente. A diretora decidiu e deu alguns passos para trás trombando com alguém e se virou.
Um garoto a olhava confuso, a mochila estava nas costas e levava outra na frente.
– Por que não vai almoçar? – Perguntou o olhando, não parecia ter a mesma idade dos rapazes atrás da cantina, era mais novo, cabelos pretos, tinha pele de cor de azeitona e olhos azuis escuros.
– Vou chamar o meu irmão. – O garoto respondeu e tentou passar, mas, a diretora bagunçou seus cabelos o chamando.
– Ele vai ficar envergonhado, nessa idade eles não gostam de parecer bobos na frente dos amigos. Dá a ele uns minutos. – Marcela sugeriu preocupada que o garoto fosse contar que estava indo até lá.
O garoto a olhou e assentiu, então, pôs a mão no ombro dele e o levou na direção da entrada da cantina.
– Qual o seu nome? Vocês dois vão para casa? – Perguntou querendo saber mais.
– Se ele sair dali sim. Eu me chamo Bruno. – O garoto respondeu chateado. – Meu irmão me deu a mochila dizendo que era rápido. – Reclamou.
Marcela deixou o garoto ir na frente e pediu que a professora desse seu prato para a criança.
– E qual o nome do seu irmão? – Marcela perguntou a criança. – Vá almoçar. – Avisou.
– Eu sou o Victor. – O irmão de Bruno falou próximo da diretora.
Marcela se virou assustada com a proximidade do aluno, estavam a menos de um palmo de distância.
O aluno não parecia como os outros, cabelos castanhos claros, era bem mais alto mesmo usando seus saltos, caucasiano, tinha o nariz com as cavidades mais abertas e os olhos castanhos escuros.
– Almoça, Bruno. Posso almoçar também, diretora? – Victor perguntou a olhando sério, o rosto era taciturno.
Ele não está se viciando, é o traficante. Marcela observou antes de assentir, não estava com as características mais perceptíveis como os olhos avermelhados, lacrimejando ou estava irritado só a analisando.
– Você é do segundo ano? Tenho a impressão de tê-lo visto no auditório de manhã. – Marcela perguntou o vendo pegar o prato.
Victor concordou sem olhá-la e seguiu com o prato na frente até ela parando novamente bem próximo, olhou pela janela, Giordânia o observava e sorriu de lado.
– Sua filha me conhece, estudamos juntos. – Comentou ao virar a cabeça para encarar a diretora.
Marcela sentiu um frio na espinha percorrer a sua coluna ao escutar a resposta, mas, evitou olhar para a filha tentando não confirmar a suposição do aluno sentindo que foram ameaçadas, discretamente, e continuou o olhando.
– Pode repetir. – Marcela falou o encarando também e antes que passasse o impediu.
– Com licença. – Victor pediu ignorando o pedido, ela tinha escutado.
– Não vicie meus alunos. – Marcela falou baixo ainda na frente do aluno.
Victor sorriu de lado e se aproximou um pouco mais da diretora, conseguia sentir a respiração forte dela, medo, exatamente igual da filha quando se aproximou no auditório e a cumprimentou antes da conversa com a diretora e os professores.
– Eu não posso fazer nada se me procuram, eu só dou o que querem. – Victor falou baixo respondendo à ameaça, mas, continuou próximo da professora.
– Sua filha se safou dessa vez, mas, ela devia começar a deixar de ser atrevida como a senhora e ser mais calada como o pai ou a próxima surra será muito pior. – Victor avisou e passou pelo outro lado.
Marcela continuou parada, as pernas queriam fraquejar, o coração estava acelerado e o peito doía enquanto tentava respirar, então, pôs a mão na grade para se apoiar.
Ele conhece o Rogério também. Meu deus, ele ameaçou a mim e minha filha! Pensou preocupada, olhou pela janela a filha de olhos arregalados se segurando para não se levantar enquanto Victor caminhava na direção dela.
Victor se sentou do lado do irmão de frente para Giordânia, a garota abaixou a cabeça e engoliu seco antes de se forçar a tomar colheradas tentando disfarçar a apreensão que sentia.
– Professora, a diretora parece estar passando mal. – Victor comentou observando a reação da aluna que não conseguia ficar calma na sua presença.
A professora levantou o rosto confusa e olhou pela janela, pôs a colher dentro do prato, empurrou a cadeira e se levantou.
– Querida, me ajuda? Com esse calor ela precisa ficar mais quieta. – A professora pediu a Giordânia.
– Seria bom dar água? – Giordânia perguntou fazendo o mesmo que a professora aliviada por não ficar ali.
– Sim. Pegue, vou caminhando com ela até a sala da diretoria. – A professora a orientou e apontou para a diretora quando a outra professora finalmente levantou a cabeça e ela concordou.
A garota andou apressada quase correndo pelo refeitório indo em direção a cozinha, abriu a porta assustando as duas manipuladoras que estavam sentadas conversando enquanto almoçavam.
– A... a diretora está passando mal, posso pegar água? – Giordânia perguntou nervosa.
– Pegue. – Uma das manipuladoras respondeu estranhando a menina se tremendo enquanto pegava o copo de plástico.
– Você não quer água com açúcar também? – A segunda manipuladora perguntou também notando o desespero da aluna.
Giordânia negou e assim que encheu o copo até a metade saiu andando apressada abrindo a porta das funcionárias para não ir pelo refeitório saindo sem fechar.
A segunda manipuladora se levantou resmungando e foi até a porta fechá-la, olhou ao redor e piscou duas vezes sem acreditar.
A menina estava agachada vomitando no terreno de areia e o copo do seu lado, curiosa, virou-se e olhou pela porta do refeitório.
Meu deus. Pensou assustada segurando a porta.
Victor estava impedindo de fechar e olhava com escárnio para a garota vomitando o almoço.
A manipuladora forçou e o rapaz a olhou irritado, mas, a mulher continuou até fechar e trancar.
– Se eu souber que está fazendo medo a ela, Victor, conversarei pessoalmente com a madame para saber se mudou as regras aqui. – A mulher falou baixo.
Victor a olhou e apertou as grades vazadas irritado com a menção, encarou a manipuladora que continuou o encarando depois riu baixo.
– Posso nem me divertir com minha fama de mau. – Debochou.
– Como se você fosse isso mesmo. Quem vê essa cara de mal é que não te viu com os meninos. – A manipuladora refutou.
Victor sorriu e olhou para o lado, Bruno o olhava confuso, então, se afastou das grades e se aproximou do seu irmão.
– Termina. Tenho que ir trabalhar. – Victor avisou e o garoto negou. – Bruno. – Falou sério.
– Eu te esperei agora você espera e leva as coisas, não sou burro de carga. – Bruno reclamou e apontou com o queixo para as duas mochilas.
Victor bagunçou os cabelos do irmão e beijou sem se importar com a resposta mal-educada.
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