Ellie tomou um banho, se trocou e preparou seu jantar, mas, mal tocou na comida. Estava inquieta por causa da conversa que tivera com Anna. Não se sentia mais segura em sua própria casa, e mesmo tendo trancado todas as portas e janelas, ao menor ruído, corria para checá-las. Até tentou ouvir música para se acalmar, mas não adiantou. Se sentou no sofá, mas não ligou a TV. Pegou o celular e entrou no Messenger, clicando no ícone de sua irmã e iniciando um bate papo com a mesma:

“Lily? Está online? Responde, por favor? Preciso falar com você”.

Lily estava online e após visualizar a mensagem, respondeu:

“Oi? Qual é a urgência? Quem morreu?”.

Ellie mordeu o lábio, pensando em como contaria aquilo para Lily, mas, se convencendo que Lily a acalmaria de alguma forma.

“Não morreu alguém? Morreu?”, Lily perguntou.

“Não, é pior… Anna”, Ellie escreveu.

Lily demorou a responder e Ellie pensou que ela estava conversando com outra pessoa. Ellie odiava ser colocada em segundo plano.

“Desculpe? Quem?”, Lily perguntou.

“Anna”, respondeu Ellie.

“E quem é Anna?”, Lily perguntou.

“Isso era o que queria saber”, Ellie escreveu, “ela me enviou algumas mensagens estranhas, eu tinha ela adicionada aos meus contatos, mas não me lembro dela, mas ela insiste que me conhece”.

“Eu te avisei para não beber como se não houvesse amanhã”, Lily disse.

“Isso é sério, Lily, essa mulher fala como se tivéssemos um passado, mas eu não a conheço”, Ellie disse.

“Ou, talvez conheça, mas não queira se lembrar”, Lily disse.

“Acho improvável”, Ellie disse.

“Bloqueia ela e pronto, problema resolvido”, Lily disse, “nem precisa me agradecer por salvar o seu dia”.

“Não dá para falar sério com você”, Ellie disse.

“Mas você a bloqueou?”, Lily perguntou.

“Sim, óbvio”, Ellie respondeu.

“Foi melhor assim, vamos deixar as coisas assim mesmo”, Lily disse, “melhor não revirar o passado, pode ser perigoso”.

“Revirar o passado? Perigoso?”, Ellie repetiu, “Você sabe algo que eu não sei? Se souber, por favor? Me fale?”.

“Não, não sei de nada, sinto muito”, Lily disse, “Eu preciso desligar agora porque ainda não dei comida para a Belle, até logo”.

“NÃO”, Ellie digitou em Caps Lock, “Lily? Espere? Por que não me conta o que sabe?”.

Ellie esperou por uma resposta que não veio.

“Ok, descobrirei de um jeito ou de outro”, Ellie escreveu.

Ellie não conseguiu parar de pensar no que Lily dissera sobre não revirar o passado. Ela tentou se lembrar das garotas com quem estudara. Lembrou de muitas Marias, mas nenhuma Anna. Talvez, sua namorada se lembrasse. Ellie foi para a cama e adormeceu. Sonhou que estava em um prédio abandonado e estava com medo porque se sentia observada. O único som que ouvia era o de uma goteira que vinha do alto. O corredor estava mal iluminado por uma lâmpada fraca que piscava, ameaçando queimar. Havia uma cadeira de rodas no final do corredor e uma mulher estava sentada nela. A mulher usava um pijama azul e um roupão da mesma cor. Seus cabelos eram loiros e cobriam seu rosto.

— Como você pode, Ellie?

Ellie quis virar e fugir, mas congelou ali mesmo onde estava. A loira se levantou devagar, cantarolando uma lullaby baixinho. Ellie fechou os olhos com força, repetindo que aquilo não era real, que só estava na sua cabeça.

— Como você pode? — Uma voz feminina sussurrou atrás de Ellie.

Ellie despertou sobressaltada e viu que sua boneca loira estava sentada em uma cadeira ao lado da cama. Ellie não se lembrava de tê-la posto ali. Depressa, ligou seu abajur, se levantou, pegou a boneca e a trancou no armário. Seu celular tocou e Ellie o atendeu, mesmo não reconhecendo o número, afinal, podia ser alguma emergência. 

— Alô?

Ninguém respondeu, mas Ellie ouviu um soluço abafado.

— Posso ajudar?

A chamada foi encerrada. Ellie tentou retornar, mas caiu na caixa postal.

Na manhã seguinte, enquanto tomava café, Ellie escreveu para Gigi, sua namorada:

“Minha querida, preciso de sua ajuda para entender o que está acontecendo”, Ellie enviou, “Ontem, recebi mensagens que me tiraram o sono.

Ellie enviou os prints de sua conversa com Anna para Gigi, e acrescentou:

“Juro que não sei quem é Anna”.

“Gigi demorou para responder.

“E no entanto, ela parece estar na sua lista de contatos”.

“Não mais, a bloqueei”, Ellie disse, “só que alguém me ligou ontem à noite e acho que foi ela”.

“O que ela disse?”, Gigi perguntou.

“Nada… Não disse nada”, Ellie respondeu.

“Pensei que havíamos concordado que você não daria esse número para ninguém”, Gigi disse.

“Sim, eu não dei”, Ellie disse.

“Já falamos sobre isso, Ellie, fãs são legais, mas, justamente porque você não os conhece pessoalmente, não pode compartilhar informações pessoais como o seu número”, Gigi disse, “meu Deus! Há tantos psicopatas por aí, só esperando encontrar alguém vulnerável como você”.

“Eu sei, mas juro que não dei meu número para ninguém, além das designers com quem trabalho, fale o que quiser, mas foi necessário, já estava sem graça de mentir que meu celular estava estragado”, Ellie disse.

“É melhor você abrir o jogo”, Gigi disse, “o contato dela não se salvaria sozinho em seu telefone”.

“Acredite? Também acho estranho”, Ellie disse.

“Hmmm…”, Gigi disse.

“Acha que estou mentindo para você?”, Ellie disse, “Gigi? Você me conhece! Sabe que eu nunca mentiria para você, meu amor”.

“Eu sei”, Gigi escreveu, “nunca houve segredos entre nós”.

“Só te contei isso porque pensei que, talvez, você conhecesse Anna”, Ellie disse.

“Não conheço, mas fico feliz que você a apagou, deve ser uma hacker ou só alguma idiota fazendo uma brincadeira de mau gosto”, Gigi disse, “Lembra que você vivia recebendo chamadas de um número desconhecido?”.

“Sim, lembro”, Ellie disse.

“Acredite em mim? Isso é mais comum do que você pensa”, Gigi disse, “hackers são um pé no saco, e a palavra Escritora nos seus perfis só os atraem mais, afinal, eles só estão atrás de uma coisa… Dinheiro”.

“Quem dera, eu tivesse dinheiro, mas mal consigo pagar as capas dos meus livros”, Ellie disse.

“Por enquanto, você ainda será uma escritora famosa, um dia, tenho fé, você também deveria ter”, Gigi disse.

“Obrigada, Gigi, sempre me sinto melhor depois de falar com você”, Ellie disse.

“Também te amo”, Gigi disse.

“Ah, eu ia dizer isso logo a seguir”, Ellie escreveu, com vergonha, “eu te amo”.

“Eu já sabia”, Gigi disse.

Ellie ia responder quando recebeu uma chamada de vídeo de Anna. 

— Não é possível! Eu bloqueie você! — Ellie disse, sentindo sua mão tremer.