CAPÍTULO 3 ou Quem tem medo da fita verde de O Rei Leão
O HOMEM DE BOTINHAS BRANCAS faz uma dancinha comemorativa ao bater o telefone. Dobrou zelosamente as quase vinte páginas de nomes, endereços e telefones das vídeo locadoras que tinham ao menos uma fita VHS verde de O Rei Leão. O plano consistia em conseguir cada fita em um prazo de setenta e duas horas.
"Você não acha que alugar..." O Office boy consultou o borrão rasurado na palma da mão pegajosa (tinha sido um número antes de ele começar a suar) "Quantas eram mesmo?"
O Homem de Botinhas Brancas, bate os calcanhares e amacia seu colete de lã azul clarinho sob a camisa fúchsia, antes de pronunciar pressagiadamente: "Setecentas e trinta e uma, se contarmos também as que estão alugadas."
"Esse é o problema", choraminga o outro. "É um trabalho sem fim, as pessoas amam O Rei Leão e..."
O Homem de Botinhas Brancas faz um movimento com a língua para fora e na sequência fecha a boca, fez aquilo e se houvesse um daqueles sujeitos (mimólogos?) que andam por aí reunindo onomatopeias numa espécie de enciclopédia de bolso, o tipo teria descrito o som da boca do Homem de Botinhas Brancas como uma mescla de "Chomp" e "Burp" (respectivamente mastigar e arrotar). Um "Chbumrp" ou algo muito parecido com isso.
O que o Office boy, que agora equilibrava uma pocinha na palma da mão, não sabia, dizia respeito a lição de casa na qual O Homem de Botinhas Brancas recebera um A+. (Quatro ou cinco meses antes, num sábado de junho, a informação ((aparentemente confidencial pois vinha codificada em sua correspondência de maneira bastante profissional)) do cancelamento de O Rei Leão 2 - O Reino de Simba o fez exibir alguns passos se valendo da semelhança com que conseguia mover os cotovelos e os joelhos simultaneamente igualzinho o John Travolta em Grease. Especificamente a notícia confidencial falava de uma grande remessa de fitas VHS que desapareceu, assim"Toclof!" (onomatopeia: "dando passos com botinha") e reaparecendo dias depois em pilhas artisticamente erguidas ((e vendidas por valores módicos)) nos centros urbanos) E o Homem de Botinhas Brancas estava metido naquilo tudo qual o cavalo do jovem Atreyu em A História Sem Fim (no pântano), só que o Homem de Botinhas Brancas tinha sobrancelhas e alguma vontade de viver (além de conhecer formas de enganar o olho humano. "Eu sei enganar o olho humano", gabou-se para o Office boy e o rapazola fez beicinho, daquele jeito de quem concorda para manter o emprego, vocês sabem. "Você por acaso sabe quantos metros quadrados tem esse lugar? Eu sei que não sabe... Pois é, eu contratei um cara para fazer isso aí nas paredes... É o que eles chamam de truque de perspectiva, pra deixar o lugar maior... Tem um nome... Tá na ponta da língua..."
A Botinhas Brancas Vídeo (ou sob efeito da acrossemia: BB VÍDEO, para as pessoas era Bebê Vídeo mesmo) existia não para o entretenimento de famílias suburbanas em feriadões. Os pouco mais de trinta e cinco metros quadrados de área útil era um depósito de oportunismo em Sistema Doméstico de Vídeo. E o Homem de Botinhas Brancas que lança a bituca pela janela e imediatamente passa a dar tapinhas solícitos em si mesmo pois àquela altura (a bituca) pega uma lufada (Lips) e a pontinha em brasa diz nã-na-ni-na-não e voa em sua direção e então queima, queima, queima e enfim, vocês entenderam, ele... o Homem de Botinhas Brancas é o proprietário.
(Futuro)
Em prodigiosos oito anos no futuro o Homem de Botinhas Brancas sentado deste lado da mesa ouve o sobrinho explicar as razões de se investir em um programa para se compreender o funcionamento de um sequenciador. Presets o sobrinho cresce (sentado sobre os calcanhares) e diz, "Presets de bateria tio" e então fala em seis canais e dezesseis células de tempo e de um tubarão-martelo.
"Mas agora estamos falando de discotecagem debaixo d'água e com tubarões, hein?" E o Homem de Botinhas Ainda Brancas ri (rá rá rá) e finaliza: "Cê é mesmo vanguarda guri uuuh!"
O sobrinho pisca e pisca e responde com contenção: "É que o programa... o nome é HammerHead Rhytm Station..."
E o tio lança a cabeça rinchando ritmicamente e então: "Dane-se, como é que a gente agiliza isso?"
E o sobrinho saracoteia em cima da cadeira engancha um pé e experimenta a suspensão sobre as duas pernas plásticas que fazem um uuuooom de tempo que congela e então acelera e ele, os braços meio perdidos, lá e cá, lá e cá... Cá! E estabiliza pouco antes de ouvir do tio que seria uma boa remixar Hakuna Matata.
O Homem de Botinhas Ainda Brancas, no futuro, sabia coisas sobre Palácios da Memória e as estranhezas meio ilusórias que aconteciam para além da visão de gente que ainda dormitava de frente para o cotidiano... Ah, como sabia.
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