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CAPÍTULO 1 ou Do que a gente fala quando fala sobre ser quem a gente quer ser

O FATO É, QUANDO EU FIZ DEZESSETE ANOS chupei o namorado da minha irmã. Foram algumas caronas e então aconteceu. Isso não quer dizer que exista um número específico de caronas antes de você fazer o que acha que aprendeu lendo blogues com fundos escuros escritos por tipos que se identificam em salas de bate-papo com nicknames alfanuméricos suasivos (P1K4550) e então lamentam para outros desconhecidos sua falta de elasticidade e os centímetros precisos para fazer da autofelação uma realidade.

Como eu disse, aconteceu... E antes que você abandone a leitura, escolhi não usar as referências ao acrônimo de Time and Relative Dimension in Space para evitar um Deus ex Machina. Todo mundo sabe que uma TARDIS faria toda a diferença (mas ninguém vê Doctor Who de verdade hoje em dia e talvez leitores tenham entrado em extinção). E se tratando de caronas. Caronas não são passíveis de recusa. Na minha opinião se você estiver no ensino médio e percorre vinte minutos com obstáculos todos os dias até o ponto de ônibus mais próximo, você pode deixar essa história de culpa de lado, porque é extremamente pequeno acreditar que se pudesse voltar no tempo, consertaria eventos isolados. As possibilidades são ofuscantes e eu descobriria mais tarde que o erotismo, a morte e a violência estavam intimamente relacionadas.

Ainda assim, em minha defesa, vou pedir que considerem o seguinte: estudar longe de casa, com gente que não acompanhou seus dentes crescendo descontroladamente até quase não caberem na boca como se toda a região da sua cara quisesse ensinar uma lição sobre puberdade, não era assim tão fácil. Erro meu. Voilá! Eu poderia ter escrito aqui antes, a respeito da verdade por trás do ensino médio, que  comédias dramáticas não ensinam e que de algum modo consiste na procura por continuidade, sabe? Como se passar o tempo todo correndo, em cima da hora fosse o mais próximo de um limite que eu experimentaria.

Na ausência de experiências gastronômicas com olhos de cabra, como ter a certeza de que você reconhecia o limite? Se me permitem uma conjectura. No limite. Alguém lembra? Foi o primeiro reality show produzido por uma grande emissora nos moldes de programas de sobrevivência norte-americanos e numa das provas os participantes comeram olhos de cabra. Alguém? Não? O.k. Passei oito anos da minha vida à procura de um ponto de vista que soasse o mais transgressor possível (uma cortina de fumaça, um olho de cabra) uma experiência unicamente humana, e então: Eu e o namorado da minha irmã... E o banco do copiloto.

Não estou dizendo que me arrependo. Foi ele quem chamou assim. "Você não quer sentar aqui no banco do copiloto?" Vocês também sentariam se soubessem o que era possível fazer com aquilo, tipo, com o que eu vinha aprendendo na R.F.B de verdade. E sobre a tal da culpa, tsc tsc, acreditem...

Zero.

Nenhuma.

Nada.

Havia o desejo de experimentar, testar as possibilidades. As melhoras escolhas nunca são feitas de primeira. E não precisei de muito para entender que o tal abismo que separa as pessoas umas das outras, que a gente ouve por aí em fumódromos limitados por fita zebrada (aceitando cigarros por conveniência) ou lê, por acaso (no consultório da dentista) é, acima de tudo, o desejo de ver o outro. Não olhar. Ver. Ver mesmo. Vê-los  de verdade, do outro lado. Um tipo de quebra dos contornos.

É aquela coisa, somos sós por natureza. E quando você tem dezessete anos a ideia de solidão e isolamento representam os espaços de tempo supostos, mas nunca mostrados, os retornos, as quedas, as noites, as gaivotas no fundo dos pulmões depois do choro. Eles até chegam e ganham corpo — os medos —, corpos de abismo. Corpos restritos. Quando pensa nas pessoas que criaram você anulando cada promessa ou mesmo na iminência da velhice. O paradoxo da imortalidade torna-se um assunto um pouco antes da pequena morte. O que eu fiz não foi uma promessa (naquele carro), não foi uma finalidade sem fim e nunca envolveu os moldes ou forcejos sexuais de garotos de dezenove anos com carteiras de motorista provisórias.

Preciso que entendam, eu finalmente era o que nenhuma das pessoas especiais que eu conhecia eram. Eu não queria recusar ao chamado, não queria relutar à mudança. Eu já tinha falhado uma vez. Falhado sendo a pessoa especial de alguém, mas essa história é mais que isso e será a única que poderei contar.

E o que pretendo fazer contando, envolve quem teve um papel relevante até que eu chegasse a esse ponto. Nada mais justo que conhecê-la primeiro. Digo... É o que eu acho...

Minha irmã. Certo, minha irmã.

Desde sempre ela foi um ano mais velha. Nosso aniversário acontece com um mês de diferença e isso significa que pouco antes do Natal compartilhamos a mesma idade. Grande coisa, eu sei... O que significa também que ela prefere deixar claro que ainda assim continua sendo a mais velha. E sendo a mais velha, em um espaço em que as atribuições estavam de acordo com padrões, não era de ser diferente o lance dos namorados. A gente acha que só acontece em séries com adolescentes musculosos, poliglotas e ostentando dentes incisivos a um passo de brilharem no escuro. Mas não, um descuido e vulpt! Está lá, crescendo dentro da sua casa como a mancha úmida na rachadura durante a chuva. A busca pela continuidade, o chroma key dos anseios da classe média. Minha irmã passava a maior parte do tempo falando sobre o técnico em edificações. Sobre chegar a algum lugar, sobre tornar-se alguém. Ela, literalmente, respirava pó de parede por horas. Além de conseguir voltar para casa levando a mochila enorme sem reclamar de verdade. Digo, como é que alguém não xinga? Não fala palavrão? 

"Ela não mete o dedo na orelha pra uma coçadinha" meu irmão disse e completou com o procedimento sobre reunir cera o suficiente para uma vela. Como o ogro, que segundo ele, num canal italiano, tinha seus filmes reprisados em looping por nenhum motivo especial. A vela de cera de ouvido humano era uma das metas que não alcançaríamos. O episódio de Caçadores de Mitos no qual desmentem que velas confeccionadas com cera de ouvido funcionam, aliás, vimos em trio. "Sorte a nossa... o Shrek ser um ogro", minha irmã disse deixando para trás o cheiro adocicado do cabelo.

O lance é o seguinte: com dezessete anos você se pega pensando em ser alguém que escolhe manter distância de tudo o que numa lista de itens a serem excluídos não é uma surpresa dizer que preencheu cada lacuna com sete letras. O suprassumo do lugar-comum, eu sei. Não culpo nenhum de vocês, talvez a maioria até já tenha desistido... E esse instante de consciência se perca em uma publicação com pouco mais de três leitores. Todavia, não posso deixar de dizer que a minha vida até aqui foi recheada por modelos ideais de tamanhos reduzidíssimos em máquinas de "pague o quanto acha que vale" como na sensação familiar de opressão e arbitrariedade que se esperaria de histórias sobre experiências unicamente humanas.

É de se presumir, nesse contexto, que eu também escreva sobre a minha mãe...

Quando eu tinha dezessete, minha mãe era casada com um carinha dez anos mais velho que a gente e que atendia (ou ainda atende) pelo nome de um dos cinquenta estados dos EUA e isso não é o mais estranho, acredite. Há uns anos conhecemos uma mulher chamada Tennessee e isso aconteceu durante uma reunião social de dentistas na qual comemos, bebemos e conversamos (há quem chame de simpósio). Minha mãe foi convidada de última hora, talvez porque não tivesse gente o suficiente ou porque a dentista para quem ela trabalhava tenha sentido a consciência, fosse como fosse, minha mãe achou de bom tom que todos nós estivéssemos lá. Qual a probabilidade de duas pessoas com o mesmo nome, de gêneros diferentes, estarem na mesma festa cujo tema não era Pessoas Comuns Com Nomes De Estados Norte-Americanos? Até porque há Ariel e Ariel, certo? Ou não... Enfim. O assunto ainda intriga visitantes e foi inclusive a primeira história que meu padrasto contou para o namorado da minha irmã.

Pouco depois do almoço, no dia seguinte, um domingo, o tipo baixinho com a maior quantidade de dentes que uma boca humana poderia comportar, foi formalmente apresentado. Não demorou até que ele recebesse um nome de batismo, digo, se você não tivesse um nome não cairia nas graças do meu padrasto (isso é péssimo, eu sei). E então Tennessee, fazia as honras. Tutubarão isso, Tutubarão aquilo. A despeito do próprio nome que por si só existia no limbo da zoação, meu padrasto sabia como desviar a atenção de seu problema, definitivo, de batismo. Até que minha mãe irritada por tabela dissesse: 

"Pelo menos ele se preocupa em sorrir."

Ah! vale ressaltar que minha mãe trabalhava como recepcionista em um consultório odontológico (para o caso de não ter ficado muito claro), daí seu interesse por sorrisos, mais por questões técnicas que filosóficas. Ainda assim o apelido, feliz ou infelizmente, pegou.

"O que importa é a higiene bucal", eu disse, quando subitamente os olhares recaíram sobre mim. "Eu uso aparelho, realmente me importo com um bem-proporcionado sorriso que garanta algumas portas... preferencialmente, abertas." E continuo, ainda que esse trecho seja puramente hipotético: afinal essa é a resposta para "o que você procura no outro. Não é? Tipo, como ela sendo ela saiu com ele... Ele, sabe?"

Vocês podem me corrigir, mas até hoje ninguém respondeu ao questionamento sem afundar até os joelhos no pântano da moralidade. O estupendo boquete pago depois de uma carona. Certo? Quer dizer, ninguém em sã consciência usaria "estupendo", é verdade,  quem sabe, um adjetivo mais condizente com a situação. Com o abandono dos contornos.
De uma hora para outra as pessoas transformam ofensas em reflexo dos seus impulsos. No entanto, ninguém falaria sobre um blowjob como ponto positivo se não estivesse sob influência de motivações bastante fortes. Sob uma potência.  A pequena morte. Explico melhor assim: Dentro da cabeça dele eu risquei o chão da memória. Influenciei o movimento... Um movimento simples, e ele fez o que pedi. E isso vocês entenderão, eu prometo.

Um ou dois dias depois comparar o índice de nomes com respostas de pré-adolescentes, de algum modo, tornou-se terapêutico para mim. Não que minha irmã não concordasse, ela até achava engraçado. Pré-adolescentes com respostas prontas. Olha aí, o número quarenta e dois, minha irmã disse. É o Barão. E o "Barão" era como meu padrasto e minha irmã começaram a chamá-lo, talvez porque Tutubarão fosse uma má ideia, tipo, não que Barão não fosse. Mas acontece que ele, o "Barão" de repente passou a autodenominar-se assim, com adesivo no carro e colar de arroz. Há quem diga que homens são aquilo em volta de um pau. O "Barão" era aquilo em volta de um pau, só que dentro de um Volkswagen 1999 com adesivo em Comic Sans na lateral. Ele e minha irmã mantinham distância em público.

Passamos oito anos no fundamental em uma mesma escola na qual reforçavam a ideia de que nossa mente é nossa, mas não parece um problema as pessoas achavam isso ou aquilo nem aquilo outro dos seus pensamentos. Quer dizer, você é inteligente dentro dos moldes, vai bem na escola, faz o que precisa ser feito e ninguém diz o contrário. No entanto, você não é sua irmã. Você não sabe o que responder. E ao receber uma chance ainda que pequena... O que você faz? Pois é, você não salva o mundo enfiando a panaceia na cabeça de alguém ou acaba com a fome inventando a cornucópia. Não! Você chupa o pau mediano do namorado da sua irmã porque você precisava testar uma coisa. Não me condenem ainda, havia muito mais em jogo num boquete, do que simplesmente trair a confiança que minha irmã talvez tivesse em mim (nós nunca chegamos a falar sobre isso).

Minha irmã em oito anos de ensino fundamental tinha as lágrimas à sua mercê, não aquilo de estupefação que vinha do meu irmão, coisa que ele queria que entendêssemos como o tino artístico, musical. Talvez até entendêssemos, enfim. Já minha irmã, apesar do cabelo com as pontas milimetricamente retas e os arquinhos e tiaras nude (e o nude, só um conceito, mutável, a gente conversava sobre essas coisas) e as camisas de menino, listradas, mas que nela ficavam bem e as calças, cintura alta, gastas na medida e os cintos pequenos, finíssimos, às vezes de onça, outras de cobra e caso você a olhasse sem muita atenção diria que o tênis era sempre o mesmo, um Redley branco. Ela tinha três iguais. Essa era ela, apesar de fazer tudo em quinze talvez vinte minutos (o cabelo atrás das orelhas e a tiara, as órbitas com base clarinha e a boca brilhante cheirando a morango). 

"Dezoito minutos, você vai sair agora?" E eu tentava escolher uma camiseta que não marcasse meus mamilos e encontrar o outro pé do sapato ou manter um fio da sobrancelha aparado, sempre aquele fio que gostava de explorar os limites dos demais fios, um outsider.

Ela saia sem mim e passávamos o dia sem trocar palavra. E apesar do simulacro e da sonsice e dos apesares ela sabia o que estava fazendo quando desaparecia completamente nas aulas vagas e então a descobriam imperturbável indo ou vindo. Quando questionada ela exalava e dizia calculadamente: "Não é fácil manter esses tênis brancos, sabia?" E as pessoas acreditavam, pois aquela era ela... Acreditem, minha irmã não era uma monja imperturbável. Se ela chupava ou não o namorado, não era o tipo de coisa que eu queria fazê-lo assumir. O interesse surgiu um tempo depois, digo, em saber o que ele e minha irmã faziam, quando eu não estava mais temendo permanecer toda a minha vida de R.F.B na antecâmara. O simples fato de aprender a usar os movimentos a partir do que você podia supor que a outra pessoa já tinha feito ou mesmo pensado era o tipo de técnica arriscada. Mas que em um garoto como o namorado da minha irmã, funcionou. E não vou negar que eu sentia uma certeza quase arrogante de que funcionaria. Primeiro eu fiz o movimento, o sinal discreto... No interior da minha própria cabeça.

Os treinos de telepatia eram mesmo úteis, vocês precisam entender a importância de visualizar-se fazendo algo, induzir quem quer que fosse, e na ocasião – o namorado da minha irmã – a pensar sobre a melhor revista Playboy que ele já tinha visto na vida, tipo, eu sabia que não era difícil, as cenas condenáveis ocupam um lugar especial na memória. Ele respondeu com certa hesitação, previsível. Quer dizer, ele namorava a minha irmã, gostava mesmo dela, ele não diria sem antes sentir-se seguro. Eu insisti. 

"Nunca pensei... Nisso", ele disse sem estranhar que a pergunta sequer tinha saído da minha boca. E então, eu estava dentro do "palácio da memória do 'Barão'". Tinha sido fácil assim. Como quando você descobre que alguém está mentindo porque coçou o nariz algumas vezes no decorrer da conversa. Palácios da Memória são chamados assim, não porque somos aristocratas chiliquentos dentro das nossas cabeças, algumas pessoas até são. No caso do "Barão" (as aspas serão sempre necessárias), apesar do novo apelido ridículo, seu palácio era um lugar escuro e vazio, pensava que pela escuridão, tipo, as coisas talvez estivessem ali... Em algum lugar, ocultas. Contudo, era vazio porque ele não parecia guardar nada de muito valioso, foi o que achei, pois era o tipo de coisa que eu acreditava. E esse foi um erro que eu cometi algumas vezes. Tinha me esforçado para compreender como funcionava o movimento que manifestava atração física e admiração corporal sem usar um emblema. Eu não tinha nenhum na época. No entanto, me veio a ideia de que revistas de mulher pelada tinham aquele apelo, guardavam em si essa coisa que faz com que alguns homens continuem comprando e colecionando e que possivelmente ele, ainda que namorasse a minha irmã, fosse um consumidor  e...

Bingo!

Não foi difícil fazê-lo pensar naquilo e resgatar a lembrança duma revista muito manuseada metida no porta-luvas. Que oportuno, pensei. Mas e se fosse a minha irmã ali? E se ela decidisse abrir o porta-luvas para, sei lá, procurar um chiclete ou então pensar... Como a gente costuma fazer quando abre a geladeira. Talvez ela soubesse da revista, talvez a minha "intuição" tenha vindo de um tipo de coisa entre pessoas que compartilham os mesmos genes ou sei lá...

Abro o porta-luvas e ela está lá e aí o movimento.

Ele quase não teve reação, em instantes eu estava sob um chão lilás, quase cinza. E para minha surpresa... Digo, eu tinha usado o Amante... O Movimento do Amante (no mundo material, esse tipo de movimento poderia ser manifestado a partir do que na R.F.B chamávamos de emblemas e os  emblemas eram como parte de uma ideia ou desejo maior, daí que coisas como revistas pornográficas ou itens íntimos... marcas, por exemplo, coisa de publicidade, eles apelam para um público específico, reforçava o movimento. E um movimento era o sinal que estava diretamente relacionado a esse emblema. Se eu tivesse me atentado e usado o movimento do Cara Comum) em lugar daquele, teria sido ainda menos trabalhoso. 

Outra coisa que não foi difícil perceber era que minha irmã estava certa sobre ele. O que ele tem de especial? Quer dizer... Era um moleque que  desejava pertencer a um grupo e ser aceito. E o que eu estava esperando? Eu sempre esperada demais. O movimento do Cara Comum exigiria qual tipo de objeto comum? Uma samba-canção? A senha do Orkut? Ele era alguém cujo palácio da memória não seria um lugar diferente do que eu estava vendo: uma loja de departamento. Vocês conseguem imaginar? A mente do namorado da minha irmã. O lugar no qual ele guardava as lembranças mais importantes era uma loja de departamento. Uma loja com provadores sem cortina, diga-se de passagem.

Eu: me empresta a sua chave?
E ele: pra quê?
E eu: me empresta logo...

E eu escrevo no piso amarelado da "loja de departamento da memória" — me mostre a parte do corpo — e completei, olhando-o nos olhos, "Que você acredita que as pessoas gostam em você!"

A resposta foi um sorriso e risquei mais uma vez, "Outra". E então ele encheu a mão com o volume na calça... E sem hesitar, simultaneamente, no carro, ele morde o lábio inferior, ao mesmo tempo que morde estando a minha frente na própria loja de departamento da memória. E olha do volume sob o jeans, encardido, de volta para mim, respondendo ao meu segundo desejo e que abre esse capítulo e que horroriza tanto vocês.

Ele fez que sim.

Eles sempre fazem que sim.

Em 2005 você podia encontrar conteúdo adulto mesclado a gravações caseiras de empregadas domésticas tentando pronunciar o nome da plataforma de compartilhamento de vídeos e até julgamentos sumários em algum país comandado por fundamentalistas religiosos. Eu me lembro de ver um sujeito sendo condenado por estupro e perder o dito cujo para uma faca serrilhada. Hoje, algoritmos respeitam o seu estômago fraco e apresentam possíveis emulações do que você já costuma ver. O namorado da minha irmã organizava em uma seção especial da memória: cenas gravadas de transas... algumas ex-namoradas, outras situações que ele não tinha se preocupado em nomear e nas quais registrava sem cuidado posições que exibiam o incômodo consentido. Na época, filmagens daquele tipo me interessavam, todavia, eu tinha consciência de que não gostava das coisas mecanizadas, quase tecnicistas. As gravações que acessei lá, na locadora particular do "Barão", reproduziam práticas pouco ou nada prazerosas. Imitações da imitação. E  lidávamos com isso ao sair para missões no R.F.B. Não com cenas de pornôs tóxicos no qual clareavam digitalmente a região pélvica das pessoas, digo, quando entrei para a primeira câmara eu entendi melhor o que ouvia sobre imitação da imitação.

Minha irmã, por exemplo, ela preferia apostar numa questão mais, digamos, antropológica quando o assunto era algum tabu sobre sexualidade. Ela imitava a imitação de alguém. Para ela: O consumo de pornografia por homens é o equivalente a clássicos da Disney para mulheres, ela dizia franzindo as sobrancelhas. Eu não via problema quando ela repetia isso como se fosse algo absolutamente inteligente e eu não achava que ela estivesse errada ao responder minha mãe, batendo a porta do quarto ou varrendo o ar com a mão. Minha mãe que ouvia tudo costumava pedir que ela repetisse aquele belo aforismo de frente para um espelho. E a gente, meu irmão e eu... Ríamos. Para minha irmã, minha mãe, era uma modalidade pouco ativa de protofeminista.

Foi no banco do copiloto que caí pela primeira vez na piada do peixe-bola-gato, logo após deixar que ele guardasse aquela lembrança em algum lugar da loja de departamento da memória. E não! Ele não fez isso conscientemente.

Repete comigo: peixe-bola-gato e então eu: peixe-bola-gato?
E ele: agora em inglês.
E eu: pei-fish-ok-é-fish-ball-certo?-e-hmm-gato-cat.
E ele: agora fala rápido. Fish-ball-cat? E ele: rápido, tem que falar rápido.
Eles perdem ou ganham esse tipo de aura quando encontram pedidos como o meu. No caso do "Barão", ele acreditava que tinha ganhado.
"Você sabia que existe um grupo de peixes chamados de peixes-gato, que são bagres de pequeno porte, de água doce, que segundo banhistas da Amazônia, podem entrar na uretra e comer você de dentro pra fora?" (Eu deveria tê-lo feito guardar uma lembrança inventada sobre aquilo também). 

Ele riu, nervoso.

O intruso de dentes branquíssimos que agora frequentava o meu lugar de segurança e me oferecia caronas... Primeiro, trouxe filmes e  pizzas às sextas e então soube das festas na Fábrica. E a Fábrica, na época, não era bem uma fábrica como vocês sabem, assim como amor não é a mesma coisa que Amor. E foi na Fábrica que ele quis repetir a dose do que tínhamos feito no carro. É o tipo de coisa que não te ensinam por escrito sobre movimentos de poder e Palácios da Memória. Um desejo quando mantido dentro dos palácios eram repetidos até que desaparecessem de seu ponto de origem e eu... Eu havia rabiscado no chão da loja de departamento da memória com a ponta da chave do carro, e pedir que eu repetisse a dose era algo que ele, aparentemente, não via como problema durante uma festa dos Karas. Catorze, essa foi a quantidade de vezes que ele simplesmente sorriu e mostrou o pau flácido feito uma bexiga pós-aniversário. O que a Laila teria feito? Eu queria desaparecer completamente.

Talvez falte repertório, mas a resposta é não, os Karas não eram um grupo de cinco amigos adolescentes que enfrentavam conspirações internacionais como nos livros do Pedro Bandeira e a bem da verdade, muito me espantaria se a referência fosse mesmo essa. Eu gosto de pensar que sim. Mas vocês vão perceber que talvez a coisa não vá por aí. E os Karas... Os Karas eram os amigos do meu irmão e eu nunca soube o que eles eram na verdade, quer dizer, quantitativamente falando. Capotados na sala depois das festas, nos sábados, de manhã, na minha casa, minha mãe os despachava e eu sabia que olhavam para mim pensando aproximadamente a mesma coisa que eu pensava ao olhar para eles.

Não sei como minha mãe permitia que meu irmão abrisse a casa para oito moleques dormirem espalhados pela sala após uma noite da qual ninguém falava. Os Karas exageravam (minha mãe tinha consciência) e garantiam cada vez mais cabeças para ouvirem as discotecagens do meu irmão e, tipo, meu irmão era bom, eu sabia porque ele já tinha tocado na vídeo locadora dos tios e inclusive tinha sido um dos tios que comprara o que meu irmão precisava para seguir com a ideia de discotecar. E os amigos do meu irmão, os Karas, eles meio que comandavam o que acontecia na Fábrica e o que acontecia na Fábrica, em geral, não era exatamente o que a gente faz hoje, marcando e localizando, curtindo e compartilhando.

Comandar a Fábrica significava estabelecer um começo, um meio e um fim para o que ia ou não aparecer na internet na época e isso não impedia que um ou outro blogue abre aspas clandestino fecha aspas escrevesse sobre a Fábrica. Alguma "garota do blog" (o.k., prometo que as referências daqui em diante alcancem vocês para além de seriados que datam de sete anos após o Bug do Milênio) que denunciava uma ou outra, tipo, prática perigosa. A última, envolvia uma menina que para essa história poderia se chamar mesmo Laila ou Irina, Beatriz ou Érica, Lua e isso soaria estranho para quem a conhecesse num primeiro momento ou Ursula como naquele filme infantil, Laila... Mas eu acho que eu já citei ela aqui, ainda assim, não disse que em hebraico significa "noite" ou ainda, Ariadne... Com o novelo de lã — e a menina, ela tinha perdido os movimentos das pernas por alguns minutos durante uma confusão. Ela estava usando uma fantasia de fada ou alguma coisa que parecia uma fada, eu me lembro, e ela usou um tipo de droga que eu não conhecia.

No entanto, era o blog contra o que ninguém tinha registrado oficialmente. Os Karas não eram maus... Irresponsáveis sim, mas todo mundo meio que era. Todo mundo que decide lotar um lugar abandonado passando por um buraco na cerca sabe que não está fazendo a coisa mais certa do mundo. E havia ainda a questão da rua que dava acesso à Fábrica, fechada de ambos os lados, uns dutos de concreto enfileirados impediam a passagem de veículos maiores que moto. Trezentos ou mais, eu não sabia, e isso aqui acaba sendo uma suposição ruim, ainda assim, mais adiante, quase no meio do caminho onde ninguém ia porque não era incrivelmente irresponsável, mas ali... No meio do caminho, a coisa era um pouco complicada. É, ahm complicada tipo, era o lugar para a desova de animais mortos e entulho, vez e outro alguém que precisasse se desfazer de um sofá velho ou mesmo de uma geladeira anciã, era ali que eles iam deixar. 

Em resumo, o lugar era potencialmente perigoso se você quisesse fazer algo contra alguém e convenhamos se você tem quase dezessete anos e alguns amigos, talvez tenha também alguns inimigos ou gente que se refira a você como nariz empinado ou "com ar de superior" o que podia ou não ser verdade. Vocês precisam entender que a Fábrica... A Fábrica respeitava a liberdade de quem estava lá para consumir o que quisesse consumir e fazer o que quisesse fazer. Se você entrava na Fábrica... Era porque não queria que nada ali fosse lembrado (ou registrado com tecnológicas câmeras digitais) para além dos escombros e das grades arrebentadas.

Entendam que celulares até tinham câmeras, mas os sacrifícios eram feitos em nome do ineditismo de modelos de câmeras digitais – God save the Cybershots – ter uma DSC-F1 com 2 megapixel de resolução, flash embutido e lente giratória não era para qualquer um e quem tinha, no nosso caso, eram nossos tios, irmãos da minha mãe, que também administravam a última vídeo locadora do bairro (meu local favorito no mundo) e era quase a mesma coisa de a gente ter também.  As primeiras fotos em frente a espelhos de corpo inteiro com a cara ofuscada por um flash foram tiradas no banheiro do mezanino.

Acreditem isso era assustadoramente comum, assim como as fotos em plongée (de cima para baixo) em fundos variados e o significado de plongée (eu posso antecipar aqui) descobri depois de conversar por horas com uma moradora de rua chamada Germain, numa calçada da rua Augusta. Na ocasião, eu tinha passado a noite toda servindo de pseudo-staff na produção do primeiro clipe da banda do quase namorado de uma abre aspas amiga fecha aspas da escola, enquanto minha mãe acreditava piamente que eu estava em um clube do filme em um apartamento há poucos quilômetros de casa. Se fosse possível voltar no tempo, eu não só me sequestraria encenando a coisa toda do saco na cabeça, mas me obrigaria a mudar de escola e cortar relações com todas as pessoas num raio de seis graus de separação de qualquer ser humano que soubesse meu sobrenome.

Carpe diem uma ova Horácio.

No entanto, essa é uma história para outra hora, e quem sabe eu me lembre de contar sobre as franjas tirantes a azul petróleo e rosa shocking, e dos piercings (de pressão) e das garrafas voadoras no estacionamento do McDonald's e da primeira vez que beijei alguém que fumava (ainda que fossem cigarros mentolados) e todo mundo o chamasse de B, porque ele tinha um nome esquisito de estrela – Betelgeuse, os pais eram loucos ou a explicação me pareceu algo do tipo, porque as coisas aconteciam sem que a gente precisasse ser feliz o tempo inteiro...

Ah!

E seria minimamente interessante se eu escrevesse também sobre como eu escrevi meu primeiro roteiro (depois de ler A História do Olho que é um livrinho assustador) e como o clichê sobre vídeo locadoras e estudantes de cinema, de uma hora para outra, era o que eu vivia na pele... E conte, também, como a rede homônima criada por um engenheiro de software chamado Orkut (Büyükkökten  – e não estranhe, o nome tem mesmo esse monte de trema que também era uma coisa que a gente usava na época) me ajudou a encontrar atores às duas da manhã numa comunidade cujo nome era um trocadilho sobre aparelhos estéreos que não podiam ter filhos.

Não faz muito tempo encontrei a seguinte passagem escrita em um marca página com minha  letra da oitava série:

"Eu gosto de tudo o que é sujo"

Pois é. A oitava série, o vácuo, um conjunto de três ou quatro memórias não muito diferente dos sonhos. Só para constar (antes) os status também eram passivo-agressivos e a gente ainda se assustava com a tela tremendo porque um moleque com nome de estrela chamava a sua atenção ou preferia ficar "invisível" mesmo estando online para justificar depois que você precisava de material para escrever roteiros. Mas isso não aconteceu na oitava série, eu acho. A verdade é que esse saudosismo todo, ele, beira a necessidade esporádica de encher essas páginas com obscenidades. E isso porque existe dentro da literatura aquela coisa de "precisão casual". A vida invisível. O sossego higiênico do tédio. Eu queria poder escrever tudo de uma vez. Dizer segredos sem que fosse necessário pensar em consequências ou no resto. A verdade é que não existe essa coisa de grandes poderes e grandes responsabilidades. A frase nem era mesmo essa. E as responsabilidades menores? E o cotidiano? E o fato de as pessoas nem sempre terem vidas incríveis ou meros momentos incríveis? A felicidade não seria um fragmento? Ou num exemplo mais ilustrativo um imenso vidro dianteiro estilhaçado no mesmo segundo em que você não tem a capacidade de perceber que é a terceira ou quarta vez e que acabou porque você não está mesmo ali, na verdade, você está dentro da cabeça do namorado da sua irmã... E é o tipo de coisa da qual você se orgulha, porque aprendeu a fazer isso muito bem depois de algumas tentativas. E por isso você está e não está lá. No banco do copiloto. Para quem olha de fora, você é só algo ou alguém que se move muito lentamente com a parte branca do olho aparecendo e o corpo suando e reproduz ainda que minimamente o que o namorado da sua irmã tem de lembranças sobre si mesmo e antigas experiências guardadas lá... Experiências que você não teria se tivesse desistido.

E então recebe o impacto dos estilhaços no rosto, não todos, acontece que a película que recobre o vidro, que é esverdeada e até resistente, ela, se rompe no exato ponto no qual o pássaro atravessa e você então aceita, sem na verdade perceber, como um sacrifício, os braços meio moles, do susto e o rosto salpicado de sangue e vidro e aquela expressão de surpresa, de quem emerge do fundo de um lago de memórias, que é também medo e incerteza e o pássaro ali, inerte, no colo, como a vida até antes de você descobrir que podia ensaiar uns movimentos e então estar dentro... Dentro da cabeça do namorado da sua irmã ou de um pombo morto. E você, no futuro, reconhece que naquele instante plantou a semente de quem sempre quis ser...

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