Parte IV
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Erasmo andava pelos amplos corredores do castelo, não ousou cumprimentar as pessoas por quem passava. Não confiava em nenhuma delas, eram súditos leais de seu imperador e fariam de tudo para ganhar a confiança de seu soberano, mesmo que para isso usassem da generosidade do próprio príncipe.
O plano pairava em sua mente e torcia para que conseguisse concretizá-lo.
Arruinaria o legado de seu pai e acabaria com toda a matança que se seguia por todos os vilarejos de seu reino. Tomaria o trono para si e impediria mais mortes, mas para isso acontecer precisaria ter Aggie ao seu lado e sentia-se nervoso caso a garota não concordasse com a sua ideia insana que poderia levar ambos ao fim após criarem uma rebelião e exercerem o golpe contra o próprio imperador.
Após a conversa no casebre Erasmo certificou-se de que Aggie ficaria segura e não andaria mais pela imensidão da floresta principalmente durante as madrugadas frias onde sabia que era o momento em que os caçadores utilizavam da trilha para invadirem as casas sorrateiramente e retirar as consideradas bruxas de suas residências levando-as para as masmorras onde seriam torturadas até confessarem os seus crimes e pecados.
Levou a jovem para o celeiro onde apenas ele tinha conhecimento do local e foi buscar o cavalo dela em meio ao campo e após muita insistência conseguiu puxar o animal para que o seguisse.
Suas mãos transpiraram ao adentrar os aposentos de seu imperador, Conrado permanecia deitado enquanto uma das criadas ajudava-o a se alimentar. A fraqueza estava evidente em seus olhos cansados e pesadas olheiras abaixo deles, a pele ressecada e agora extremamente pálida demonstrava a doença que se alastrava por suas veias.
A tosse reverberou pelo quarto e o tecido branco foi tomado pelo vermelho do sangue que saiu pelos lábios arroxeados do soberano. Erasmo sentou-se à direita do pai, com o olhar firme no homem, porém não sentia nada ao vê-lo além da repulsa que tomava o seu coração. A lembrança ainda estava vívida em sua memória do dia que o imperador tirou a vida da pessoa que o rapaz mais amava.
— Quero que vá até as masmorras. — A voz rouca e fraca do pai ordenou e o semblante do príncipe se tornou vazio.
— O que quer me enviando para lá? — questionou controlando a raiva que crescia em seu peito. Não suportava o que acontecia naquela região do castelo e a última vez que tentou libertar os prisioneiros que foram levados de maneira injusta resultou naquele fatídico dia. Não deveria ter sido ela a morrer no seu lugar, mas sabia que Conrado não mataria seu próprio herdeiro resultando no fim de sua geração.
— Está na hora de você aprender onde é seu lugar Erasmo, não quero um herdeiro frívolo como você — decretou — sempre quando o vejo só consigo pensar no fracasso que está se tornando como futuro imperador de Osborne, não fique como a sua mãe ou acabará morto como ela. — As mãos de Erasmo se fecharam, porém em suas pupilas a fúria acendia e o queimava. O furacão despertava dentro de seu coração. — Faça aquela maldita bruxa me curar. — Sentenciou.
O barulho dos trovões ecoaram pelo aposento, assustando as criadas que correram para certificar-se de que as janelas estavam trancadas. Os raios iluminaram o céu que agora estava enegrecido, as estrelas escondiam-se por debaixo da neblina e o vento balançava enquanto o barulho dos galhos se partindo aumentavam o terror que chegava ao reino de Osborne.
Erasmo ergueu-se e saiu pela porta, não virou para despedir-se do pai.
Os guardas acompanhavam o príncipe em direção a masmorra para que este não fugisse das ordens de seu imperador ou ousasse libertar os prisioneiros como da última vez tentou, os gritos de dor e angústia ecoavam por seus ouvidos. Procurou não focar o olhar nas mulheres que eram torturadas, contudo sua garganta fechava-se e seu peito se comprimia ao ver crianças e adolescentes envolvidos no meio daqueles atos cruéis.
Seu olhar direcionou com o martírio que se seguia para as pessoas que estavam encurraladas no pesadelo de serem considerados hereges. Podia ver uma mulher amarrada à parede de sua cela, o freio de bruxa mantinha-se preso dentro da boca dela pressionando os dois dentes em sua língua e indo rente a suas bochechas. No lado oposto, outra feiticeira foi acorrentada enquanto arrancavam suas unhas e espetavam alfinetes de ferro em sua pele, esperando o momento que elas iriam confessar os seus crimes e revelar provas para as culparem.
Reparava nas pessoas presas em celas móveis que ficavam penduradas durantes dias sem receber qualquer tipo de alimento, não poderiam dormir e morriam lentamente após o tempo que passavam dentro daquele caixão de tortura.
Encolheu os ombros ao escutar os berros agudos enquanto as bruxas eram depositadas na mesa de madeira e com as cordas fixadas em áreas superiores e inferiores de seus corpos. As cordas prendiam seus pés e mãos em uma ponta enquanto as roldanas em outra, o torturador girava as maçanetas alongando os membros que se esticavam em pura agonia. O barulho de ossos quebrando e a pele rasgando alcançava sua audição, a respiração tornou-se pesada buscando olhar para frente e evitar o ambiente ao seu redor que cheirava a morte.
Os cadáveres passavam em câmera lenta diante de seus olhos contorcendo o seu estômago, a putrefação contornava todo o local manchando o piso com sangue que chegava a tocar suas botas.
Parou em frente a última cela, rodeada pela escuridão, não escutava a respiração de alguém ou qualquer som que sinalizasse que ainda existia vida dentro daquela prisão. O ranger dos ferros despertou o príncipe ao ver os guardas abrirem as barras, adentrou.
Pegou a tocha e iluminou o interior do lugar, encontrando-a, a feiticeira que seu pai ordenou que Erasmo tirasse respostas. A senhora estava presa com correntes e seu corpo caído ao fundo quase desfalecido. Os cabelos molhados sentenciaram a privação de sono que a bruxa sofria todas as noites. O odor fétido fez Erasmo ergue os braços em direção ao nariz. Virou-se para os guardas, contudo eles permaneceram do lado de fora esperando que ele realizasse as ordens.
Suspirou pesadamente e caminhou até a mulher que deveria repudiá-lo com todo o seu ser.
Abaixou-se diante dela e esperou até ter a atenção voltada para si, engolindo em seco ao ver o rasgo no rosto da bruxa formando uma imensa cicatriz.
— A que devo a honra alteza? — perguntou, completamente miserável, enquanto o corpo tremia pelo ar gélido e as roupas encharcadas. Erasmo ergueu o braço e retirou a capa que vestia estendendo a vestimenta sobre os ombros da senhora que o fitou indiferente.
— Acredito que você precise mais do que eu. — Confidenciou impotente. — Sinto muito por estar aqui.
— A culpa não é sua, meu jovem, o homem não deveria unir suas convicções teológicas ao poder político. Um líder deveria governar todo o seu povo e não apenas um grupo específico, lembre-se disso ao herdar o trono de seu pai. Eu consigo ver o quão sábio se tornará. — Erasmo a fitou, sua boca abriu-se, mas nada proferiu — contudo, não serei eu a salvar o seu soberano, há outra pessoa que fará esse papel e você já a conheceu meu príncipe. Faça a mudança acontecer, use a caça ao seu favor.
— O que quer dizer com isso senhora? — Ela sorriu.
— Quem levar a bruxa capaz de curar a vossa majestade terá um desejo concebido. — Repetiu as palavras que o príncipe havia lido no folheto. — Use este desejo com sabedoria.
O barulho da sela abrindo obrigou Erasmo a se virar e se deparar com os guardas que aproximavam-se.
— Obrigado. — Declamou em um sussurro.
— Sampson, lembre-se de meu nome quando eu me for para que ele não caia em esquecimento como de muitos que passaram por aqui. — Anunciou a mulher que sorriu e encarou os homens atrás do rapaz — não ajudarei a realeza, espero que seu soberano queime no inferno. — Declarou voraz.
Em um movimento ágil, os soldados ergueram a bruxa e a soltaram das correntes, levando-a para a forca, porém seus olhos brilhavam com a imagem da revolução que chegava vagarosamente através daqueles que também eram considerados hereges e só não sabiam disso.
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Aggie andava de um lado para o outro dentro do celeiro, a ideia inconsequente de Erasmo retumbava em sua mente. O príncipe a levaria até o rei, porém de livre e espontânea vontade e com isso o imperador não poderia negá-la o desejo concebido por ela ter ido até o castelo atrás de sua recompensa.
Sabia que não seria somente isso, podia ver nos olhos dele que existia algo além, entretanto não queria obrigá-lo a falar. Sentia o incômodo que exalava do rapaz, principalmente quando conversavam sobre as vidas perdidas durante aquele império.
O jovem a olhava com ternura e a tratava tão bem que Aggie sentia-se estranha com tamanha recepção vinda do filho do imperador, o soberano odiava as bruxas e deixava aquilo nítido em todos os seus discursos. Mas, Erasmo parecia ser diferente e ainda questionava-se como ele podia sentir sua aura ou perceber o momento exato em que ela utilizava os feitiços. Os últimos meses que passaram juntos fizeram ambos criarem laços e darem início para aquela improvável amizade.
Apenas aceitaria o acordo, após ter certeza de que poderia confiar na palavra do príncipe não queria ser levada em direção à morte por um mero erro, por mais que se sentisse bem ao lado dele o medo gritava mais forte em seu interior. Esperou Erasmo retornar da caçada que foi obrigado a participar por ordens do pai. Ninguém ousava ir contra as ordens do soberano, a crueldade exalava do homem que devastava vilarejos e arruinou famílias em busca de aumentar o seu território e dizimar aqueles que considerava indignos de estarem entre si.
As pernas da garota tremiam contra o chão, o nervosismo se espalhava por cada parte de seu ser com a demora da chegada do futuro herdeiro. A lua surgia lentamente por entre as nuvens e o céu tornava-se escuro, as estrelas não os agraciaram naquela noite.
O barulho da porta abrindo em um solavanco fez Aggie se levantar assustada e acabar recitando o feitiço de proteção que projetou contra a pessoa que ultrapassou a entrada, um gemido de dor foi audível e a jovem arregalou os olhos ao ver Erasmo levar as mãos ao machucado realizado no braço que estava descoberto pela armadura.
— Alteza! — ela exclamou surpresa, enquanto o garoto a fitava perplexo.
— Você me atacou? — A olhou incrédula, enquanto recebia um sorriso envergonhado como resposta.
— A porta abriu do nada, eu não sabia que era o senhor, fiquei assustada. — Aggie desviou o olhar, porém retornou ao escutar a gargalhada dele.
— Você está melhorando nos ataques, bruxinha. — O príncipe se aproximou e bagunçou os cabelos dela com divertimento arrancando uma careta de Aggie com o apelido.
— Por que demorou tanto? O pôr do sol acabou a muito tempo! — exclamou temerosa.
— Foi horrível Aggie — ele suspirou, sentando-se na cadeira e retirando sua capa para ver o ferimento recém adquirido. O olhar dela recaiu nos braços fortes do rapaz, ao notar que ele trajava vestes reais e não a armadura de sempre. — Tantas famílias, entre os corpos ensanguentados haviam crianças e idosos. Como eles podem fazer algo assim? O que ganhamos com tudo isso além de mais mortes? — questionou, erguendo o rosto para o teto e afundando as mãos na face em completa frustração. — Qual o propósito de inciar uma guerra se as pessoas que mais se machucam são o nosso próprio povo, eu não compreendo...
Aggie aproximou-se e tocou delicadamente o ombro de Erasmo, recebendo a atenção do rapaz.
— O que a guerra tirou de você, Erasmo? — questionou.
— A minha mãe... — Ele proferiu em um sussurro — ela foi considerada uma bruxa, como você, depois de sermos pegos tentando libertar os hereges da masmorra — o príncipe a fitou por alguns segundos antes de retornar a olhar para o teto — o imperador não pensou duas vezes antes de queimá-la na frente de toda Osborne por seus pecados. Conrado não poupou a vida nem de sua imperatriz então por que ele se preocuparia com pessoas que não tem ligação alguma com ele? Eu ainda escuto Aggie, todas as noites, os gritos de sofrimento enquanto o fogo engolia o corpo dela ainda com vida. — As lágrimas desceram pelas bochechas do príncipe que pela primeira vez permitiu-se chorar — eu não posso obrigá-la a fazer parte disso, você merece viver e ser feliz, o mais longe possível desse reino. Você é uma boa pessoa Aggie e eu não me perdoaria se algo te acontecesse.
Naquele instante, Aggie percebeu o coração afável dentro de Erasmo e tinha certeza de que ele seria um grande imperador ao assumir o trono do pai. Contudo, um sentimento começou a apoderar-se do interior da garota ao olhá-lo, o carinho que nutria por toda ajuda agora estava mudando e no fundo a menina sabia que não o via mais apenas como um amigo.
— Eu farei isso, nós dois faremos. — Afirmou, Erasmo virou-se surpreso — partiremos pela manhã e irei atrás de minha recompensa como você planejou. Está na hora dessa perseguição acabar. — Sentenciou determinada, arrancando um sorriso singelo dele que levantou-se eufórico e a abraçou.
Ela sentiu seu corpo tensionar com o contato inesperado, mas sorriu ao levar suas mãos às costas de Erasmo e afagar os cabelos castanhos com seus dedos.
— Obrigado, eu farei de tudo para manter você bem e segura, Aggie... — Ele afirmou e aquele simples gesto preencheu o coração dela que se acalentou com o gesto amável recebido.
A mudança viria e nem o próprio soberano poderia impedi-los de realizá-la.
Oie bruxinhas(os), deixa um comentário do que achou desse quarto capítulo que me ajuda a melhorar a história! Vou amar saber a sua opinião.
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