Introdução
Vinte anos antes.
Os pulsos de Diana Porter doíam. O pano amarrado em sua boca fedia e tinha um gosto horrível de poeira, entretanto, aquilo não a impedia de grunhir. Os piratas cercaram o navio quando ela ainda dormia e os gritos do sentinela não a fizera acordar a tempo de tentar bolar um plano para fugir.
A ideia de fazer uma surpresa para seu marido indo à África do Sul fora estúpida e com apenas dois míseros dias até a chegada, seu navio fora atacado por piratas.
Fora a primeira noite que ela não passava observando as estrelas com fascinação - o único lugar que ela mirava no momento era sua filha, Jane Porter, balançar em cima da cama brincando sem saber do caos que a rodeava. A bebê tinha apenas seis meses, o que fizera os ladrões ignorarem-na como inofensiva.
Diana só precisava de uma oportunidade e fugiria. Era bem verdade que as chances de sobreviver eram pouquíssimas: quem em sã consciência entraria mar a fora à noite sem saber aonde ir?
Logo ela foi empurrada para fora de seus aposentos e a direcionaram a uma fila até a prancha com os tripulantes tão amarrados como ela, entretanto, o medo dos seus olhos eram o contraste para com o da Senhora Porter. Nos olhos castanhos de Diana só se via raiva de uma mãe que queria proteger sua filha.
Em um ato que subestimava a mulher, os piratas cortaram as cordas de seus pulsos e entregaram o bebê revelando que era melhor que as duas morressem juntas. Os homens portavam as armas da tripulação e mais as que trouxeram – dois enormes navios cercavam o Anguis com seus canhões prontos para atacar a qualquer ato de resistência.
A espigada fora usada para empurrá-la até uma improvisada prancha em direção ao mar. As risadas dos homens irritavam Diana de forma absurda e ela só queria que eles pagassem pelo que estavam fazendo. Engoliu seco ao pisar em cima da prancha de madeira pela primeira vez e agarrou Jane nos braços. O medo que havia sido encoberto pela raiva e adrenalina tinha se tornado enorme, a impedindo de ignorá-lo, entretanto, o barco pendurado a dois metros abaixo dela e meio metro para o lado a fizera bola um plano mais rápido do que ela imaginava. Ponderou quando percebeu o perigo que lhe cercava: a morte nunca esteve tão perto. Engoliu o seco e abraçou com mais força sua bebê. Sentir o cano da arma em suas costas foi o empurrão que precisava e antes que o pirata terminasse de ralhar suas ameaças, Diana pulou de costas em direção ao barco.
Os piratas estavam atordoados e apenas observaram a corda fraca que segurava a pequena embarcação se partir e cair no meio do oceano. Um dos ladrões apontou a arma para matar a mulher, porém o líder do ataque o impediu. Dificilmente ela sobreviveria ao mar; o pirata daria crédito para a sua tolice.
Sentindo as costas arderem e Jane chorando por algum motivo desconhecido, Diana agarrou um remo e começou a velejar para longe do navio atacado. Sem olhar para trás e com o coração acelerado, a mulher deixou-se levar pelo oceano. Sua nuca coçava com a ideia de checar o que acontecia no seu antigo transporte, mas ela evitou olhá-lo.
Horas se passaram e ela começava a pensar que ir para o mar daquele jeito foi uma decisão arriscada e talvez estúpida. Ela sentia um frio absurdo e sua cabeça já doía com o choro de sua filha que parecia sentir a tensão da mãe de algum jeito. Percebendo que não conseguia avistar mais nada além de água, no escuro da noite, Diana soltou os remos e agarrou sua filha tentando fazê-la parar de chorar. O desespero a atingiu quando percebeu que sua filha estava tendo febre e tremia. Com muita dificuldade rasgou parte da barra de seu vestido vermelho e enrolou o corpo pequeno e frágil de Jane para aquecê-la.
Os músculos de Diana doíam, mas ela não sabia se era pelo frio ou pelo pulo que dera para chegar no barco. O cansaço a corroía e sua barriga reclamava de fome. Agradeceu aos céus por não ter pedido uma ama de leite e ainda ter leite materno de sobra para oferecer a criança. Assim que afastou a parte de cima do vestido com dificuldade para alimentar Jane uma ventania lhe atingir a fazendo tremer de frio. Com os dentes trincando, ouviu o silêncio se tornar realidade no meio do oceano e deduziu que a menina apenas estava faminta.
Quando sua filha caiu no sono, Diana soltou um riso de escárnio; no meio daquele caos a pequena Porter conseguiu dormir como um anjo. Agarrando a filha para mantê-la aquecida, a mulher dormiu em sonhos perturbados sem saber qual seria seu próximo passo para em busca à sobrevivência.
O sol havia acabado de nascer quando Diana acordou com Jane tentando segurar seu nariz. Assim que abriu os olhos certificou-se que sua filha estava melhor, sentindo seu corpo reclamar de dores que esquecera que possuía desde a noite passada. Lambeu os lábios secos e olhou em volta. Não há palavras que descrevam sua felicidade ao ver que a um quilômetro havia terra - provavelmente uma ilha.
Acomodou a filha na proa do barco e ignorando a dor no corpo ela começou a remar com afinco, desejando está em terra firme o mas rápido possível. Fora difícil não prestar atenção no choro de Jane que buscava o alento da mãe no meio daquelas águas agitadas do oceano e concentrar-se em seu objetivo.
Antes mesmo de chegar na praia a mulher pulou com a criança nos braços com um sorriso que não cabia em sua face. Rodou a menina no ar fazendo-a soltar uma risada gostosa e esquecer o motivo de seu choro.
― Vamos sobreviver, minha princesa! ― Exclamou com entusiasmo.
Ser criada em uma fazenda e sempre ter contato com animais era uma das vantagens que Diana tinha; lembrava de correr com frequência pelo bosque perto de sua casa e deixar sua ama maluca quando trazia pequenos animais dentro dos vestidos. Sua mãe criticava suas atitudes ― aquilo não era coisa para mocinhas ficarem fazendo, mas ela não se importava.
Tinha vantagem de que seus pais sempre estavam ocupados demais para manter os olhos nela e sua esperteza a fazia ser uma boa negociadora com Senhora Ward de suas escapadas das aulas de francês. Por um tempo achou que sua selvageria, como as meninas da sua idade referia às suas preferências de passatempo, seria um problema para um casamento descente, entretanto, Professor Porter se mostrou totalmente indiferente a isso. Na realidade ouvir sobre suas aventuras era um dos seus favoritos passatempos. O homem poderia não ser cheio de pretendentes por causa da estatura e a profissão peculiar, entretanto, Diana se viu apaixonada por Michael Porter.
Corajosa que era, ela não demorou muito para se declarar para o professor. Michael não poderia ficar mais surpreso e, com as pernas bambas, confessou seu amor e explicou que nunca esperava que seria recíproco. O que tinha de inteligência tinha de insegurança. Não era considerado um bom partido comparado aos duques e lordes da Inglaterra, assim como o fato de ser baixinho e ter começado a ficar careca cedo, Porter nunca imaginara que uma mulher esbelta e esperta como Diana poderia se apaixonar por alguém como ele, pois naquela época ele não entendia que o amor ia além do que os olhos viam.
Recordar-se do marido fizera Diana sentir o sorriso murchar. Não saia como faria para contatá-lo e falar o que acontecera. Mal tinha ideia se sobreviria naquela "ilha" desconhecida. Não demorou muito para quebrar os saltos dos sapatos para andar confortavelmente pela selva. Seu objetivo era achar água potável e algumas frutas para alimentar a barriga faminta. Com cipós amarrou Jane nas costas, tendo certeza que ela não cairia, e subiu com dificuldade uma das árvores para pegar algumas mangas.
Diana saboreara a comida e tomara banho em uma cachoeira em pequena parte deserta onde os elefantes e os hipopótamos estavam longe. Brincou com sua filha e a lavou cuidadosamente, jogando pelos arbustos a fralda suja. Naquela noite ouvindo o barulho dos grilos e tentando se livrar dos mosquitos a mulher se permitiu respirar fundo e descansar de verdade.
Os dois meses seguintes foram os piores da vida de Diana. Ter que proteger de sua filha de predadores sozinha e enfrentar todos os temores que a selva lhe trazia eram verdadeiros pesadelos. No começo ela tinha esperança de estar em algum lugar do continente africano onde seu marido pudesse a encontrar, mas não foi isso que aconteceu. Começara a construir uma pequena casa da árvore, mas tudo se tornava mais difícil já que não havia quem cuidasse da pequena Jane, sobretudo a falta de ferramentas necessárias lhe resultaram calos e cortes em suas mãos. No final, aquela pequena casa possuía apenas quatro paredes e o teto que nas primeiras noites deixaram a mulher apreensiva; e se o teto caísse enquanto ela dormia? Felizmente nada aconteceu e ela e sua filha tinham um lugar seguro para deitar à noite.
Faltava poucos dias para que a menina fizesse dez meses quando o pior aconteceu. Diana não sabia quanto tempo já havia se passado, pois perdera as contas assim que perdeu de vista a árvore marcada que servia de calendário.
Estava subindo em cima de uma goiabeira cogitando a ideia de arriscar a caçar, mesmo que a prática não lhe fosse convidativa, sentia falta de comer carne. Jane estava embaixo da árvore em seu campo de vista, sentada brincando com um pequeno graveto. Concentrada em pegar uma das frutas maduras que estavam longe de seu alcance, não percebera que Jane saiu engatinhando atrás de um esquilo e uma leopardo fêmea conhecida como Sabor estava bem atrás de um dos arbustos. O animal andava devagar pronto para dar o bote, esperando o momento oportuno para atacar a sua presa.
Diana suspirou de felicidade ao alcançar a fruta e olhou para baixo procurando pela filha. Seu coração pareceu sair do peito quando percebeu que ela não estava mais ali.
― Jane? ― Gritou esperando que a menina soltasse qualquer barulho que fosse típico de um bebê.
Quando ela pôs o pé a um galho abaixo em desespero para encontrar sua filha, Sabor atacou-a por trás pulando em suas costas. No susto deixou a lança cair longe. Sentindo suas garras atingir seus ombros, Diana soltou um grunhido de dor. Antes que pudesse se mexer e tentar tirar o animal de cima de si, sentiu os dentes afiados atingir seu pescoço sem dó, sufocando-a e rasgando sua garganta. Passaram-se minutos de dor e sofrimento até que Diana desse seu último suspiro e servisse de jantar para Sabor.
Perseguindo o pequeno esquilo, Jane mantinha um sorriso infantil no rosto. Ba-ba-ban era como chamava o animal. Quando o animal correu ao redor da árvore ela o imitou, mas acertou algo duro antes de completar a volta. Ao levantar a cabeça fitou cara de poucos amigos de um gorila enorme.
― Bu! ― ela falou fazendo bolinhas de saliva.
O gorila era Kerchak, o líder dos gorilas da floresta. Ele abaixou a cabeça analisando aquele pequeno animal desconhecido. Não tinha muito pelos e tinha algo estranho entre as pernas ― algo amarelo e encardido. Jane esticou os braços e abraçou a grande pata do gorila fazendo o lembrar que era exatamente daquele jeito que sua filha se agarrava nele.
― Kerchak? O que é isso? ― Perguntou Kala, sua esposa, se aproximando.
― Eu não sei. ― Respondeu levantando Jane de cabeça para baixo e entregando-a em seus braços de qualquer jeito.
Kala cheirou com receio o cabelo da menina e foi descendo pelas costas. Jane ria, pois seu nariz fazia cócegas em suas costas, mas a gorila se afastou assim que sentiu o mal cheiro naquela parte amarelada que cobria o corpo da criança.
Sua atenção voltou-se quando percebeu que ela segurava seu dedo indicador com cuidado fazendo e chupava o outro. A inocência que exalava em seus olhos lhe lembrara sua filha que havia sido morta há meses pela Sabor. Fora um dos momentos mais difíceis de sua vida. Entretanto, ali em sua frente poderia ser sua solução.
― Cadê sua mãe? ― perguntou, mas não teve nenhuma respostas a não ser um sorrisinho.
― Você ver algum desses, Kerchak? ― O gorila olhou para os lados.
― Não. ― Respondeu tentando fingir desinteresse.
― Podemos ficar? ― Kala pediu com os olhos brilhando. ― Por favor!
― Você sabe que isso não substituirá... ― Falou rancoroso, porém foi interrompido.
― Claro que sei! ― Disse Kala ultrajada.
Kerchak suspirou e olhou para trás onde todos os gorilas o observavam em silêncio.
― Até acharmos um da sua espécie. ― Decretou, contudo no fundo pedia para que não encontrasse ninguém semelhante aquele bicho estranho.
Um instinto paterno que lhe atingira quando vira sua filhote pela primeira vez estava de volta e ele gostava daquela sensação. ― Mas, lembre-se, nossa família vem primeiro. Qualquer problema que isso quase você arca com as consequências.
Terk correra para ver o que era aquilo nos braços da tia, ignorando os olhares feios que as outras gorilas davam em direção à Kala e seu novo bebê.
― O que é isso, tia Kala? ― indagou curiosa. ― Qual o nome?
― Um filhote. ― Falou ― E vai se chamar Jane, pois ela é a graça e a misericórdia do Criador.
Terk fez uma careta.
― Por que você não coloca Terk como eu? ― sugeriu a pequena gorila ― É um nome bonito.
Kala revirou os olhos.
― Está bem, mocinha, hora de ir. ― Disse a mãe da filhote de gorila a puxando para longe.
― Mas mãe...
― "Mas" nada! ― Retrucou a colocando atrás das suas costas e andando para acompanhar o grupo.
Vendo que estava sendo deixada para trás, Kala jogou Jane em suas costas, mas criança escorregou e caiu dois passos à frente. Fora difícil fazê-la se agarrar aos pelos das costas sem que a machucar, mas logo as duas estavam no lugar em que geralmente todos os gorilas dormiam e logo as duas estavam aconchegadas em uma das árvores.
Jane não sabia que naquele dia perdera uma mãe e ganhara, ao mesmo tempo, uma nova família.
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