
04 | PECADOS DO PAI
04
OS PECADOS DO PAI
ADAM
6 MESES ANTES
SÁBADO A NOITE
FINAL DO VERÃO EM BAYFIELD
Pelas quatros paredes do meu loft, reverbera uma melodia dançante. Não conheço a cantora, já tinha me deparado com aquela letra em algum lugar, mas nada que valesse a minha atenção. Mas se era o que a mulher morena – com cabelos na atura dos ombros, pele levemente bronzeada e lábios carnudos - , em cima da pequena mesa de centro, em frente a mim, queria ouvir, não me importava.
Meus lábios secos envolvem a palha de seda preenchida por maconha. Dou uma tragada longa, profunda, liberando a fumaça entre as minhas narinas e permitindo cada centelha do meu corpo a entregar-se a aquele momento prazeroso, onde todos os pensamentos, pesadelos e fantasmas iam embora.
Isso é bom
Analiso a qualidade do produto entre meu indicador e polegar. Jogo minha cabeça para trás, relaxado. Na maioria das noites tinha que beber para dormir, uma forma de adormecer as lembranças.
Era fodido e ferrado. Desde a adolescência flertava com a morte sem temor, mas infelizmente ela nunca me chamou para dançar. Talvez aquela fosse a minha punição, estar vivo. Ao invés de ter o pescoço ou alguma artéria cortada em um jogo de hóquei, uma bala alojada no meu cérebro ou coragem o suficiente para usar a arma guardada no fundo falso da minha gaveta de meias. Apenas uma lembrança de que poderia sair pelos fundos, da festa infernal que a vida tinha se tornado para mim.
Então, já que estava condenado a viver, iria fazer do meu jeito. O único que conhecia, me esconder na escuridão da noite, não beber na frente dos outros, transar feito um louco – apesar do prazer não perdurar depois de uma longa gozada – e fumar quantos baseados conseguisse.
Se era condenado, não teria mal cometer todos os pecados cabíveis em uma lista. Nunca fui santo. Não era santo quando conheci o inferno, talvez nem lembrasse dos meus erros, se não fosse a maldita culpa que assolava cada partícula da minha mente, a culpa impregnada nos rostos dos fantasmas e principalmente, a maior culpa de todas, a de estar vivo.
Como disse, sempre flertei com a morte, infelizmente eu não fazia o seu tipo.
— O que você está pensando? — dedos finos e frios afundam-se em minha barba, levantando minha cabeça.
Encaro os penetrantes olhos felinos que pareciam um par de esmeraldas profundos. Sinto os joelhos, da mulher trajando um sutiã preto rendado e calça jeans, afundarem-se ao meu redor no sofá de couro. Suas mãos não me tocam, apoiando-se no encosto. Mas sua boceta ainda coberta roça sem ressalvas contra o meu membro pulsante e preso contra o zíper da calça.
— Adam — os lábios pintados de vermelho lançam uma lufada de ar quente contra a minha orelha.
O chamado parecia distante. Estava tão relaxado e absorto que não queria responder a Teresa. Meu pecado preferido nos dias de solidão. Uma das atrações principais do Paris Hall, que quebrou sua regra de ouro: nunca transar com um cliente.
Segundo ela, foi impossível resistir a mim, pois parecia um animal indefeso, que não poderia ser tocado ou ter um pedido negado. Resposta duvidosa, mas serviu para que a arrastasse até a minha velha Ford F-100 e a comesse sentada no meu colo – como agora – em um banco de couro.
Suas unhas vermelhas passeiam por meu abdômen, despertando sensações adormecidas, que não duram muito, assim que se ocupa em arrancar a camiseta cinza do meu corpo.
— Você não me disse quem era a garota de ontem a noite — não sei o que me desperta mais, se o toque gelado dos meus dedos no meu abdômen ou aquelas palavras — Ela te deixou irritado a ponto de você ir embora sem me esperar — seus lábios roçam na minha orelha — Fiquei chateada.
Maneio a cabeça negativamente. Confuso. Sem saber em que momento passamos dela dançando sensualmente na minha mesa de centro, para perguntas pessoais.
— Era a irmã do Elliot — a resposta sai fácil.
Não me fazendo recordar porque tinha demorado tanto para proferi-la. Porém o tinha feito, guardado aquela informação só para mim. Não que tivéssemos segredos, mas nossa relação resumia-se a sexo, nada a mais. Sem questionamentos. E queria que continuasse assim.
A mão livre da mulher de cabelos negros, agarra o papelote a base de erva de cannabis esquecido em minha mão. A encaro, apenas para vislumbrar sua tragada e a exagerada lufada de fumaça que seus lábios expelem em direção ao teto.
— Devo me preocupar? — ela tenta soar casual, enquanto encara o teto, mas não tem como não ser invasiva.
A encaro, engolindo a amarga saliva com gosto de erva, a morena em meu colo dissimula. Fingindo que a conversa não era pessoal. Porém sabia que estávamos atravessando limites impostos. Desde o começo sabia que sentimentos poderiam surgir, mesmo sempre deixando claro a minha posição. E mesmo querendo negar, o fim estava próximo.
— Ela é uma criança — declaro meu ponto de vista — Acha que deve começar a se preocupar com crianças, Teresa? — pigarreio desconfortável — E já deve ter ido embora.
Era o que eu esperava.
Seus dedos sustentam o papelote aceso no ar, assim que seus olhos verdes prestam atenção em mim.
— Então podemos mudar de assunto? — peço, começando a sentir o tesão ir embora.
Sua mão agarra meu rosto. Sua cabeça assente, antes dos seus lábios carmim serem tomados por um sorriso devasso e sua mão espalmar-se em meu ombro e deslizar por meu pescoço.
— Você não joga com crianças — sua observação é cheia de conhecimento. Suas unhas afundam-se em minha barba com força. Eu gosto. Minha língua projeta-se para fora, alargando mais o sorriso pecaminoso nos lábios próximos a mim — Nenhuma saberia jogar o seu jogo.
— Não — assinto, afundando meus dedos em suas nádegas.
Não a amava. Não a tornaria decente. Não a tornaria minha esposa. Mas a desejava. E meu pau duro era prova disso.
Projetando meu corpo para frente, ansiando por sugar seus lábios, que afastam-se, sem nenhum toque concreto, com seus dedos que seguram minha cabeça. Ela arqueia sua sobrancelha fina e negra. Antes de abocanhar meus lábios com fome e enfiar a língua na minha garganta. Seu beijo é urgente, cheio de desejo, nossas línguas dançam, nossos dentes arrancam mordiscadas que provocam gemidos abafados entre nossas bocas.
Ofegantes, nossas testas encostam-se, com os lábios livres. O sorriso travesso ainda está lá, seus dedos ágeis apoiam a folha de palha em meus lábios, em um convite para uma última tragada. Não rejeito, soprando a fumaça contra as suas narinas, delicadamente, a permitindo inalar cada particular do ar, aumentando o ritmo do seu quadril inquieto contra o meu colo. A ausência do seu calor é perceptível, quando seu corpo se afasta para apagar o baseado e colocá-lo na mesa.
Permitindo liberdade para os seus dedos que abrem caminho no meu couro cabeludo. Porém o tesão não está ali e entre o pulsar no meio das minhas pernas. A urgência por liberdade é grande, assim como prazer. O contato faminto dos nossos lábios, não desestimula suas unhas que descem profundas e cortantes contra meu abdômen. O botão e o zíper da minha calça não parecem ser um grande obstáculo para os seus dedos que envolvem meu membro com facilidade, arrancando gemidos dos meus lábios com o toque firme em movimentos repetitivos de subida e descida, em meu membro grosso e rígido.
Entre a música que não era do meu agrado, um barulho irritante não é ignorado por meus tímpanos, não dou muita importância, na verdade nenhuma, o toque dos experientes dedos no meu membro estava satisfatório, o polegar pressionando a cabecinha babando era delirante, obrigando os meus dedos a se afundarem contra as voluptuosas nádegas envoltas por um jeans sexy.
Projeto minha mão para longe, não conseguindo evitar o choque da minha palma contra aquela nádega firme, recebendo como resposta um gemido vocálico próximo a minha orelha.
— Chupa — peço, ansiando pelo toque dos seus lábios úmidos e quentes.
O sorriso que alargava-se nos lábios de Teresa é resposta suficiente, para que desfizesse a sua posição sobre meu colo e ajoelha-se entre as minhas pernas, encarando-me sobre os grossos e negros cilícios, enquanto sua língua saboreava a baba perolada expelida pela cabeça pulsante do meu pau.
O barulho irritante ainda está lá, insistente. Irritante e cada vez mais presente. Contudo minha necessidade em gozar é urgente, tanto que meus dedos deslizam por entre as madeixas negras e sedosas, forçando o contanto da sua boca, tocando a base do meu pau na sua garganta, arrancando gemidos que vibram contra a minha garganta.
— Rápido — ordeno.
Ela obedece. Minha mão dita o ritmo. Seus dedos brincam com as minhas bolas. O sangue circula rápido e apressado no meu corpo, mas não faz as minhas bolas pararem de doer. Não antes que me aliviasse. Sua boca é rápida, seus olhos devassos encaram-me ansiosos pelo clímax final, que não demora a chegar, em uma enxurrada de liquido perolado dentro da sua boca.
— Oh — gemo, convulsionando meu corpo e arqueando meu quadril, sem deixar de prender a quente e úmida boca contra o eu pau.
Exausto meu corpo desfalece, permeando uma sensação de alivio e prazer.
— Delicia — ainda entre as minhas pernas, a dançarina profere, enquanto seu indicador e polegar limpa as laterais dos seus lábios.
O prazer flui por meu corpo, por uma fração de segundo. O zumbido irritante ainda está lá. O prazer começa a se esvair, embrulhando meu estômago e queimando em minha nuca em uma culpa avassaladora. Cerro os dentes. Não conseguindo controlar a irritação com a música que estava tornando-se irritante e o zumbido repetitivo.
— Droga — rosno entre os dentes, olhando ao meu redor.
Teresa projeta-se em minha frente, abrindo o botão e o zíper da sua calça, pronta para mais prazer, enquanto eu ansiava por mais uma tragada, que acaba sendo deixada de lado, assim que encontro o objeto pequeno, vibrante e piscando na mesa a minha frente.
— Ei — Teresa reclama, quando inclino-me para frente, não dando espaço para seu corpo sentar-se no meu colo.
— Isso está me irritando — rosno, agarrando o velho celular de flip.
— Desliga isso — ela ordena, assim que abro a parte superior do aparelho — Tem coisa mais importante acontecendo aqui.
Na tela pouco viva um nome brilha como luzes de Natal: Tomás.
Pai?
Tomás Baylor não era uma figura afetuosa, que mandava mensagens de bom dia, boa noite ou qualquer outra coisa, nossos encontros resumiam-se a uma velha rotina de jantares ao domingo, assistindo algum filme de faroeste, de preferência com o Clint Eastwood.
E não era domingo.
Nem nenhum almoço do tio Jim, seu irmão.
Era estranho
Espalmo minha mão, a impedindo de sentar-se em mim. Ignoro seu bufar, assim que sustento o aparelho contra a minha orelha.
— Pai — respondo prontamente, sabendo que algo estava fora do lugar.
Minha cabeça queima. O silêncio do outro lado da linha embrulha a cerveja no meu estômago. A adrenalina, junto com a gozada, começa a diminuir a sensação de relaxamento do baseado.
— Adam, preciso da sua ajuda — as palavras gaguejadas chegam até mim — Estou encrencado, filho.
♦
Os pelos da minha nuca eriçam-se com o silêncio cheio de presságio. Odiava o silêncio, capaz de alimentar as vozes na minha cabeça e o seu significado funesto em minha vida. Meus lábios secos, saciam-se com a água que bebo, sedento, ansiando para que nenhum resquício da maconha permanecesse no meu organismo. Claro que a adrenalina, que acelerava meu sangue, já era estimulo suficiente para afastar meu status de chapado.
Tento mais uma vez completar a maldita ligação.
— Aqui é Jim Baylor, deixe sua mensagem
A insuportável mensagem gravada se repete pela quinta vez.
— Estamos com problemas — arfo o ar cansado por aquelas palavras não serem novas — Estou no velho armazém na saída da cidade.
Fecho o celular. Jogo no banco do lado. Poderia lidar com o problema sozinha, mas se a merda fosse grande precisaria da ajuda. E o único outro ser capaz de me ajudar era James Baylor, irmão mais novo do meu pai e chefe de polícia da cidade.
Nem com Tomás Baylor sendo irmão do chefe de polícia era capaz de evitar aquelas merdas. Parecia que atraia aquelas merdas.
Dentro da velha caminhonete Ford F100, estacionada em um beco escuro, encaro a rua deserta. Observo a pouca movimentação na velha fábrica de sapatos abandonada.
Dois homens cruzam-se vez ou outra, enquanto caminham em torno da construção retangular. O telhado está livre. A rua deserta. E em minha cabeça as palavras do meu pai reverberam: estou encrencado.
Não era a primeira vez que as ouvia. Certamente não seria a última. Não de Tomás Baylor. Quando criança, não entendia os motivos das discussões dos meus pais. Minha mãe reclamava esbravejada. Ele a ignorava. E para mim ele era o cara que chegava no meio da noite com uma bicicleta nova, luva de beisebol original, acompanhava-me aos jogos, sempre me incentivando. Eu não entendia nada, até a partida dela, quando tinha não tinha nem 10 anos.
E foi ainda um pirralho, que descobri o lado obscuro do meu pai: viciado em jogo e apostas. Jamais consegui apagar da minha mente a primeira vez que tive que cuidar dele, uma semana após a partida da minha mãe, meu – até então – herói, também sumiu por uma semana, retornando, todos machucado, sem falar muito e dizendo que tínhamos que deixar a casa.
Sem esquecer da recorrente promessa: Eu vou parar filho, eu prometo.
Promessas vazias, que duravam menos de um mês, afinal as corridas de cavalo, jogos de pôquer e lutas eram irresistíveis, para a sua sede de dinheiro fácil, sempre dizendo:
É agora filho, vamos ficar milionários.
Ou
Eu estou sentindo, a sorte está comigo, você vai ver, só mais uma.
E antes que pudesse entender a vida direito, estava trabalhando na oficina local, tentando chegar a tempo aos treinos de hóquei e tomando conta de um homem que era capaz de vender até a mim. Ou quase isso.
Quando fui embora não pensei nela. Estava com raiva. O odiava pelo que tinha feito. Quando voltei, não tive esperança que as coisas tivessem mudado. Mas, o velho estava vivo, graça ao tio Jim. Finalmente o fardo não era somente mais meu.
Das outras vezes era só pagar a dívida. Porém, há alguns anos atrás, havia tornado os bens de nós dois, ou seja, ele não poderia vender, doar, hipotecar, nem nada do tipo, sem a minha assinatura ao lado da sua no papel.
Agora o plano era outro. Não tínhamos dinheiro. Ou seja, seria mais fácil invadir o lugar e extrai-lo antes que fossemos notado. O esconderia por alguns dias, em outra cidade, ou até conseguir vender alguma coisa para juntar o dinheiro. Sem meter a polícia. Se tio Jim viesse era como civil, ele não podia mais encobrir as cagadas do meu pai. Assim como eu.
Arfo o ar entre os lábios, assim que os dois homens encontram-se no mesmo ponto, antes de cada um tomar um caminho diferente. Rosqueio a tampa no litro de água, jogando contra o tapete emborrachado do assoalho, esfrego meus dedos na Sig Sauer P226, escondida no fundo falso da minha gaveta de meias, no banco ao lado. Abro a porta, encaixando a arma entre o cós da calça jeans e minha pele. Encosto a porta sem nenhum estrondo. Correndo em direção ao socorro do homem que mais uma vez tinha arrumado uma dívida maior do que poderia pagar.
Meus coturnos tocam suavemente o chão empoeirado que cerca a velha fábrica. Em pisadas leves e precisas, torno-me a sombra do gorducho, com uma careca no topo, que traja um paletó negro, escondendo seu colete a prova de balas.
5 segundos
Era o tempo que tinha. E o tempo que começa a correr, quando faço mais barulho do que devia, mas conseguindo agarrar o pescoço do homem alguns centímetros mais baixo do que eu. Meus antebraços forçam-se contra a sua garganta, pressionando também o outro braço em torno do seu pescoço. Seus pés chocam-se desesperados contra o chão. Seu rosto começa a mudar de coloração com a falta de ar, que finalmente desfalece seu pesado corpo entre os meus braços. O arrasto, o encostando contra a parede que fazia sombra suficiente para que pudesse atingir meu próximo alvo.
— Ei — mas sou notado primeiro, pelo loiro alto, musculoso, com tatuagem saindo pela extensão do seu pescoço, que corre em minha direção — O que você está faz...
A frase morre em seus lábios, assim que meu punho alcança seu queixo. Seus dedos tateiam o revolver preso no seu cinto. Sem sucesso. Minha mão é mais rápida em afastar o seu objeto de defesa, com um golpe no interior do seu antebraço. Odiava golpes baixos, mas meu tempo era apertado, e meu joelho não titubeou em acertar as suas bolas. Fraquejando seus joelhos, que chocam-se no chão, deixando seu rosto com as bochechas roxas na altura do meu abdômen. A oportunidade perfeita para as minhas mãos que seguram sua cabeça, a acertando com repetitivas joelhadas que expelem sangue e o que parecia serem dentes da sua boca. Seguro o colarinho da sua camisa.
Minhas mãos tremulam, cerrando o punho que acerta a occipital da sua face repetidas vezes, alimentando minha sede de violência.
Adam
Um grito distante e perdido no tempo alcança meus tímpanos. Flashes de figuras ofuscadas em minha cabeça começam a surgir. Inimigos do passado. Meu punho choca-se com fúria contra o capanga. Soco diferentes rostos, mas atinjo apenas um. Meus dedos seguram o colarinho da camisa já manchada de vermelho, facilitando meus repetitivos golpes.
Abra os olhos Adam
Paro
Pisco repetidas vezes. Abro minha mão tremula, encaro o sangue estampado nos nós dos meus dedos. Observo o rosto coberto de sangue, com a pele dilacerada e corpo inanimado. O peso na minha outra mão é prova o suficiente da falta de consciência do capanga. Trago a amarga saliva, ignorando mais uma vez as vozes e imagens que ameaçavam a minha sanidade. Largo o corpo desfalecido.
Pai
Mantendo o meu objetivo em mente. Arrasto os meus pés pelo solo coberto de cascalhos, em direção a porta traseira daquele lugar. Eu conhecia aquela antiga fábrica, qualquer adolescente conhecia, todos bebíamos lá. E todos sabíamos que lá era o esconderijo de Nigel, o Carrasco de Bayfield, agiota nas horas vagas, punter nas épocas dos campeonatos esportivos e organizador das melhores partidas de cartas da cidade. Capaz de despejar pais de famílias, usar crianças e espancar mulheres. Eu sabia disso, já tinha visto o resultado do seu trabalho em umas das meninas da senhora Spellman, o que o havia banido do Paris Hall.
A porta metálica range, revelando um corredor estreito de concreto. Agarro a Sig Sauer P226 presa na minha calça. Recosto meu corpo na parede, agonizando com o silêncio, em passadas lentas, precisas, apoio o calcanhar antes de encostar o peito do pé no piso. Uma caminhada que funciona bem, até a quietude ser quebrada por um gemido.
Paro
— Hum — o gemido se repete — Hum — e mais uma voz, como uma bússola apontando a direção.
Subir as velhas escadas de metal é a tarefa mais cuidadosa que exijo dos meus pés, tentando não ranger a precária estrutura. Hum. Aproximo-me dos gemidos que cada vez exigem menos atenção dos meus tímpanos. Sustento a arma em ambas as minhas mãos, enquanto caminho sobre a velha plataforma, com visão privilegiada para o velho pátio ocupado por duas ou três máquinas esquecidas pelos antigos proprietários. Porém o gemido vinha na direção da parede em que meu corpo se escorava.
— Hum — o gemido é presente.
Paro. Escuto. Absorvo o barulho, com duas portas diante de mim e apenas uma escolha. O gemido é mais forte, junto com o que parecia ser o arrastar das pernas de uma cadeira contra o piso. Meu polegar puxa a trava de segurança da arma. Meus joelhos arqueiam-se, em pisadas lentas que aceleram meu coração, talvez efeito da adrenalina ou da maconha ainda fazendo efeito no meu organismo.
Passo pela porta escolhida, recosto no batente, saindo na passagem da porta, que tem sua maçaneta girada pelos meus dedos, que a empurram com força a chocando contra a parede oposta, em um estrondo seco, que reverbera pela cobertura metálica. Dando livre passagem para o som abafado de socorro. Sem nenhuma retaliação.
Isso pode dar certo
Penso, esticando meu pescoço para espiar o espaço quadrado, com janelas cobertas por velhos jornais e uma cadeira com um corpo amarrado no centro.
— Pai — sussurro, correndo em direção da figura familiar, com os braços atados para trás e uma mordaça improvisada na boca.
— Hum — o murmuro é uma resposta positiva.
Presto atenção no olho roxo e nariz sangrando, mas os ignoro, aqueles ferimentos não eram novidade, não naquele homem, algo comum para um apostador falido. Agacho-me diante dos seus pés, arrancando a amordaça em sua boca para baixo. Devolvo a arma para o cós da minha calça.
— Adam — sua fala é apressada, quase desesperada.
Dou a volta, dando atenção aos complicados nós em uma corda presa em seus pulsos.
— Precisamos sair daqui — o interrompo.
— Adam, me escuta — seus pulsos se debatem, dificultando a minha tarefa — É uma armadilha.
O aviso é tardio. Um click de algo sendo engatilhado é suficiente para perceber meu engano. O cano gelado roça contra o meu couro cabelo, em uma ameaça silenciosa. E o meu único meio de defesa, e arrancado da minha cintura.
— Rapazes, temos a presença ilustre do herói de Bayfield — a voz conhecida retumba atrás da minha cabeça — Para mim é um espertalhão que entregou os companheiros — aperto a corda solta entre meus dedos, com aquelas palavras que me assombravam.
Uma possível verdade.
Meus braços são agarrados embaixo da axila, sustentando-me diante do homem alto, de cabelos negros bem aparados, bigode ralo contornando seus lábios, um pouco mais baixo do que eu e olhar sombrio. O sádico sorriso nos lábios de Nigel não é uma saudação, mas o prenúncio do punho cerrado que acerta minhas costelas, enquanto meu corpo é sustentando pelos dois homens quase idênticos.
— Seu bastardo — a fúria no homem que me golpeia é justificável, assim que noto quem era.
Mais um golpe. O golpe é certeiro e dolorido, mas há muito tempo tinha aprendido a não demonstrar fraqueza diante dos meus algozes. Os socos do gorducho baixo, que deveria estar desmaiado do lado de fora, se repetem. Cerro meus dentes, absorvendo cada contato com um prazer sádico, uma punição que não era capaz de aplicar a mim mesmo.
— Deixa ele em paz, Nigel — a suplica do meu pai é distante.
Porém surte efeito. E os dedos largos do homem trajando um paletó vermelho, camisa de linho e gravata preta, repousam sobre os ombros do homem robusto, cessando os murros. Mas não sumindo com a vermelhidão espalhada em suas bochechas furiosas.
— Relaxa Frank, já teve a sua vingança — o capanga estreita os olhos em minha direção, um claro aviso de que não havia sido suficiente, mas, afasta-se obedientemente — Você irritou os meus homens, baby Baylor — seus dedos compridos chocam-se fraternalmente contra a minha face — Eu gostei do show, mas eles acharam de mau tom, afinal você quase matou o colega deles.
Tento afastar a minha cabeça do seu toque. Sem êxito.
— O que você quer? — rosno, com os braços ainda presos por dois homens da minha altura.
Seu ombro dança, junto com seu lábio inferior que projeta-se para frente, enquanto caminha em torno de mim e dos homens que me prendiam. O som do solado do seu sapato o acompanhava a cada nova pisada, delatando seu caminho.
— O seu pai tem sido um mau cliente — seu tom de ponderação ecoa pelas paredes de tijolos, seu indicador chama alguém ao fundo.
O homem na casa dos cinquenta anos, cabelos grisalhos, rosto machucado e roupa manchada de sangue é arrastado até diante dos meus olhos. Tomás Baylor, meu pai. Seus olhos são baixos, com a velha e familiar vergonha que assombrava a nossa relação. E mesmo devendo abandona-lo, não poderia fazê-lo. E as merdas dele, eram a única coisa que me impediam de estourar os meus miolos.
— Fica comigo, Nigel — proponho, ansiando por tirar meu pai dali — Deixa ele ir e fica comigo.
Sua mão espalma-se diante dos meus olhos. Suas grossas sobrancelhas juntam-se crispando a pele da sua testa. Obrigando-me a engolir as minhas palavras.
— Não — a letras são silabadas calmamente, enquanto seus olhos analisam o senhor humilhado e devastado diante de mim, com o corpo sustentado por um capanga não muito diferente dos que me prendiam.
— Eu posso ser útil — insisto.
Ele para. Analisa-me dos pés as cabeças, enquanto esfrega seu indicador e polegar. Suas narinas sopram o ar sonoramente. Seu corpo projeta-se em minha direção, seus dedos agarram meu queixo, girando meu rosto para os lados, seu polegar ergue meu lábio superior, analisando meus dentes, terminando com uma análise minuciosa dos músculos dos meus braços, como se analisasse uma mercadoria animal.
Cerro meus punhos. Ansiando por não estar preso.
— E como seria isso? — suas pupilas negras e dilatas encaram-me — Seria meu capanga? — seus braços cruzam-se na altura do peito — Aceitaria fazer o que fosse preciso para cobrar as dívidas dos moradores medíocres dessa cidade?
Trago uma amarga saliva, ciente dos métodos utilizados pelo Carrasco e seus capangas, resumia-se a pagar com algum pedaço do corpo, até com a própria vida.
— Não — e a resposta vem dos lábios do homem na casa dos quarenta anos, seus lábios alargam-se em um sorriso de satisfação — Não, você não seria capaz, baby Baylor.
Não. Não seria.
Sabíamos disso. O que tornava tudo pior, principalmente com a ausência de um plano.
— Quanto ele deve? — questiono, não conseguido ignorar o encolher de ombros do homem mais velho no canto da sala.
— Hum — Nigel pondera, voltando a esfregar a ponta dos seus dedos, enrugando seu queixo, enquanto pensava — Dessa vez, somando juros, meus homens feridos e nosso encontro aqui, a dívida fica na casa dos 100 mil.
100 mil
A porra de 100 mil.
A casa onde meu pai morava não valia isso. A velha marcenaria onde eu morava necessitava de reformas nesse valor.
100 mil.
E as dívidas que morriam na casa das centenas ou poucos milhares, havia se transformado em algo de três malditos dígitos.
Não consigo controlar a risada que resfolega em minhas narinas. Explodindo em um gargalhada, diante do fim fatídico já previsto para o senhor Tomás Baylor, o fundo do poço. E o pior, é que eu seria arrastado junto. Definitivamente, essa tinha sido a maior quantia que ele já tinha comprometido, desde os meus oito anos de idade, quando perderá nossa casa de 60 mil, para outro agiota.
Meu algoz me analisa, estreitando os olhos de forma peculiar.
— Engraçado, certo?
Assinto. Deixando o humor nada prazeroso morrer em meus lábios.
— Você não sabia? — ele aproxima-se, encarando-me com curiosidade, inclinando sua cabeça para o lado — Já faz algum tempo que o seu pai vem perdendo nas corridas de cavalo e emprestado para jogar no pôquer. Ele insiste em apostar no azarão — a indignação em seu tom, não era nada comovente.
— E você insiste em aceitar as apostas dele — rebato, provocativamente.
Suas mãos espalmam-se para cima, na altura da sua cintura, em total impotência.
— O que eu posso fazer? — seus ombros elevam-se, acentuando seu tom de inocência — Tenho uma família para sustentar.
Maneio negativamente a cabeça. Meus braços são puxados com mais força em repreensão. Arfo o ar entre os lábios, quando não consigo ignorar a dor embaixo das minhas axilas. Uma sensibilidade adquira após passar por algumas sessões pendurado.
— Então, como vamos fazer? — o carrasco questiona, caminhando em direção ao meu pai — O pagamento vai ser em dinheiro ou podemos cortar alguns dedos, é bom dar o exemplo para os outros devedores — ele agarra a mão pálida do meu pai, acariciando dedo por dedo — É meio antiquado, mas gosto de ver sangue.
— Eu pago. Eu vou pagar tudo, eu prometo Nigel — o homem de cabelos grisalhos se pronuncia, com os olhos fugindo dos meus — Só deixa o Adam fora disso.
— Não — a recusa é imediata, abandonado seu meio alternativo de pagamento e voltando sua atenção para mim.
— Eu preciso de tempo para juntar o dinheiro — revelo.
Minha conta deveria ter menos de uma dezena. Vender imóveis velhos não era fácil, nem tinham tanto valor assim. Não tinha aquele dinheiro. Poderia juntar se vendesse tudo que tínhamos, mas o tempo não estava ao meu favor.
— Ótimo — o sorriso sádico assume os lábios do homem moreno com bigode ralo — 48 horas é aceitável.
Não. Merda
— Eu preciso de duas semanas — jogo uma estimativa baixa, mesmo sabendo que seria impossível.
— Duas semanas? — seus dentes mordem seu lábio inferior — Não acha que está abusando, baby Baylor? — seus sapatos couro quebram a distância entre os nossos corpos, a ponta do seu indicador passeia pela lateral do meu rosto, assim que seus lábios aproximam-se da minha orelha — Deixa eu cortar o velhote. Acabamos com a dívida e você se livra dele. — propõem como um diabo.
Idiota
Debato-me, tentando me livrar dos dedos firmes que me detinham. Fechando meu punho, que ansiava por acertar aquele rosto soberbo. Como eu queria ficar sozinho com Nigel, não teria piedade. Não seria capaz de deixa-lo respirando quando terminasse. E isso me assustava, essa sede de sangue.
— Ohhh — ele celebra animado, batucando o solado do seu sapato ao se afastar — Finalmente uma reação que eu gosto.
Sinto a veia no meu pescoço pulsar. Com a impotência em poder saciar meus desejos. Debato meu corpo, sem sucesso. Desistindo. Aperto minhas pálpebras, tentando limpar a minha mente em busca de clareza.
— Só precisamos de tempo para vender alguns imóveis — meu pai tenta negociar — Se quiser podemos passar as escrituras para o seu nome, assinamos qualquer coisa.
Assinar.
Um relâmpago passa por minha mente, trazendo consigo uma ideia que iria me arrepender amargamente depois.
— Eu prefiro dinheiro, você sabe
— Eu pago mais cinquenta mil — interrompo, roubando a atenção dos olhos castanhos que encaram-me sobre os ombros — Você dá duas semanas e eu pago mais cinquenta mil de juros. Totalizando cento e cinquenta mil — trago o bolo na minha garganta.
O carrasco analisa pensativamente. Girando os calcanhares, afasta sua atenção do meu pai.
— E se não pagar? — pondera.
— Você pode fazer o que quiser comigo — ofereço, sabendo que não chegaria a tanto, não quando tinha uma boia salva vidas — Até me matar.
Ele assente.
— Cento e cinquenta mil, daqui duas semanas? — seus lábios repetem a proposta — Parece aceitável.
— Mas depois do valor pago, você afasta-se do meu pai — tento impor mais uma condição.
As pontas dos seus dedos esfregam-se, enquanto seus lábios balbuciam algo, como uma oração silenciosa. Ele encara o velho no canto. Volta sua atenção para mim. Curvando uma das laterais dos seus lábios.
— Observaram como se discute negócios rapazes? — a plenos pulmões ele cantarola para os três brutamontes e o gorducho ainda presentes na sala — Fechado — finalmente piscando em minha direção — Os deixem ir. Nos vemos daqui duas semanas.
TERCEIRO DIA
Feliz que vocês estão gostando e participando. AMANHÃ o capítulo é inédito 😍
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