Capítulo 9 - FILIPE - Parte IV
Caminhamos até lá e os barris mudam de madeira para um aço.
— Esses são os tanques de aço inox que são utilizados em todo o mundo e temos também os barris de carvalho. Cada um em etapas diferentes.
Aurora começa a me explicar o processo que inicia a vinificação.
Com uma doçura incrível, ela gesticula e esclarece algumas das minhas dúvidas quando me mostra cada detalhe.
Percebo o brilho dos seus olhos aumentarem quando começa a contar o passo-a-passo do seu trabalho.
Ela me mostra a desengaçadeira e esmagadeira, máquina que remove os engaços dos grãos, o processo de prensagem e fermentação.
— Após o término da fermentação alcoólica, resíduos sólidos, matéria orgânica e bactérias ficam no fundo do tanque — explica, passando a mão no imenso tanque de aço inox. Esse é o nome do processo de transferência para limpar. Para evitar que os sabores e aromas indesejáveis sejam passados ao vinho.
Aurora me conta os próximos processos de clarificação onde o vinho é submetido a alguns métodos onde são removidos componentes que podem deixá-lo turvo e a estabilização ao calor, ao frio e a estabilização microbiológica.
Ela me conduz até os corredores onde ficam catalogadas as garrafas conforme a safra e casta.
— Sabe aquela história que quanto mais velho o vinho é melhor?
— Já ouvi algumas vezes. — Túlio sempre dizia com orgulho os anos que continha na aquisição que fazia.
— Essa história não é verdade — ela sorri. Parece um sorriso de criança. — Nada dura para sempre.
— Então o que faz o vinho durar mais tempo? Já vi vinhos com dez, vinte anos de idade.
— São os taninos — responde. — Sabe aquela sensação de adstringência ao beber ou comer algo? — Meneio a cabeça em concordância. — São os taninos. Eles que causam a sensação de secura na boca. Tem algumas frutas que comemos e sentimos isso. São substâncias orgânicas. Eles são encontrados principalmente na parte externa de vários tipos de plantas. São aqueles vinhos mais fortes, intensos e de maior qualidade. São esses que suportam o tempo. Os vinhos jovens e refrescantes não vão ganhar qualidade, vão se manter. Vão durar quatro, no máximo, cinco, seis anos. Hoje oitenta por cento dos vinhos produzidos no mundo são vinhos leves e de menores estruturas. Vinhos que duram décadas são mais difíceis de serem produzidos.
— O seu vinho... aquele que provei. Ele tem um sabor forte.
— Os taninos causam isso. É um dos vinhos difíceis. Modéstia parte.
— E podem ser guardados por anos?
— Sim. E por isso, nem todo ano iremos conseguir produzi-los.
— Por quê?
— Porque o vinhedo precisa atingir a qualidade que esse vinho exige. Por isso foi tão difícil e esperado por mim o resultado. Se a uva não estiver perfeita para esse vinho, certamente ele virará um vinho leve, o oposto do Aurora. O Otto colocou meu nome no vinho, por ser meu primeiro vinho.
— Nada mais justo — sorrio. — Então, nem todo ano terão novas garrafas do Aurora?
— Infelizmente não. Depende da safra. Ou seja, dos anos que tem a colheita. Desde que iniciei a produção, apenas conseguimos fazer duas safras: 2012 e 2014.
— Isso é fantástico. Acaba sendo a natureza que comanda tudo.
— Exatamente.
— Acho que é sempre assim, não é? Para tudo.
Faço que sim.
No subsolo do local, vejo a enorme sala onde ficam milhares de barris. O lugar tem um cheiro peculiar e a imensidão de barricas parecem não ter fim. Eu começo a contar as fileiras e logo me perco.
— Uau!
— Aqui é onde eles passam a maior parte do tempo. Amadurecendo — conta Aurora andando à minha frente. — Esse amadurecimento pode ser processado nos próprios barris de inox ou nesses — ela aponta. — de madeira de carvalho.
— E tem ideia de quantas garrafas são produzidas?
— Em torno de 12 milhões ao ano. Contando todas as vinícolas da Casa.
— Isso é muito — sorrio.
— Somos o principal produtor de vinho nacional e o principal exportador também. Não somos maiores só na qualidade, mas também pela diversidade de vinhos. A Casa Fontenelle tem vinícolas em regiões diferentes, sendo essa a matriz. E isso nos dá sabores desiguais. O Brasil é ótimo pela grandiosidade e diferentes regiões de cultivo, geográficas, climáticas. Temos mais de 1.300 hectares de vinhedos, todos de uvas viníferas, daquelas que te mostrei lá fora. 800 hectares apenas aqui, no Vale dos Vinhedos, onde tudo começou. Fora as outras vinícolas espalhadas pelo Brasil e outros países.
— Estou dentro de um império? — brinco.
Ela pisca três vezes antes de responder.
— Um imenso império.
Pego meu celular e tiro algumas fotos do lugar.
— E qual é a diferença? — pergunto, colocando a mão em uma das barricas de carvalho. — Qual a diferença do vinho que amadurece aqui ou no de inox?
— Os barris de carvalho liberam maior oxigenação, ajudam na redução de taninos e na acidez do vinho, além de aguçar novos aromas e sabores. Tanques de aço limitam a exposição do vinho ao oxigênio, mantendo-os mais frescos.
Observo cada detalhe do seu rosto enquanto me responde. Ela realmente tem um talento especial para isso.
— O que foi? — pergunta quando percebo que ela parou de falar e eu ainda a encaro.
— Nada! Eu estou encantado com tudo.
Ela sorri feliz.
— Começamos bem então.
— Esse lugar é incrível, Aurora.
— Pode me chamar de Rory. Se quiser.
— Rory. Você é abençoada por viver aqui.
— É — ela suspira. — Acho que sim.
Ela desfaz nosso olhar e, a seguir, me mostra a parte de engarrafamento e, por fim, uma sala grande de degustação com mesas repletas de diferentes tipos de taças de cristais.
— Você estudou enologia aqui na região? — pergunto, quando ela indica uma das mesas para sentarmos.
— Sim. Na federal, mas aprendi muita coisa na prática. Espere aqui um segundo?
Faço que sim.
Ela sai da sala e volta bem rapidamente com duas garrafas em mãos.
— Esse é o Lote 12. — Mostra uma das garrafas, colocando a outra de lado. — Vinho feito com as uvas que ainda crescem no primeiro lote da Casa Fontenelle.
Ela abre a garrafa e nos serve.
O vinho é excepcional.
— O Lote 12 ainda pertence a vinícola?
Ela abre um lindo sorriso.
— É a melhor parte dela.
— E está na lista para visitar? — pergunto.
— Não, eu não a coloquei. Tirando as parreiras havia um lindo jardim. Era um lindo lugar, mas com o tempo foi sendo esquecido.
Ela olha para o relógio de pulso, como se pensasse em algo e ajeita o cabelo antes de sorrir para mim.
— Você tem pressa? — pergunta com os olhos em mim.
— Eu? Não — nego com a cabeça.
Ela franze a testa e sorri piscando algumas vezes.
— Está um pouco tarde, mas se corrermos, nós podemos chegar ainda de dia. Você quer ir até lá?
— Sou todo seu, Aurora.
Percebo seus olhos abrirem mais do que o normal e sorri com malícia.
Sinto meu rosto queimar.
— Não deveria dizer isso, padre.
— Eu não quis dizer isso, eu... Eu quero ir sim ir até o local— respondo, sorrindo sem graça, tentando consertar o mal-entendido.
— Estou brincando, Filipe, eu entendi.
Ela se levanta, pega a outra garrafa e me entrega.
— Esse é um presente.
— Ah, não precisa, eu...
— Recusar presente é feio, padre.
Arqueio uma sobrancelha. Ela havia começado a me chamar de padre e sinto que é proposital.
Eu sorrio, querendo mostrar que não me importo.
— Obrigado, Aurora.
— De nada. Agora vamos, porque além de ser distante, a estrada é péssima.
Aceito a ideia. Por mais que eu tente evitar, sinto que estou aceitando além do que deveria.
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