Capítulo 7 - FILIPE - parte II
Assim que as senhoras foram embora, terminei de comer todas as guloseimas que trouxeram. Eu precisava procurar uma academia. Correr não seria suficiente.
— Enfim, paz — Padre Giovanni comenta sentado em sua poltrona, e me acomodo no sofá.
Ele aparentava ser mais velho do que o Bispo Túlio. Baixinho e rechonchudo, Padre Giovanni estava bem para ter quase oitenta anos.
— Essas são as ovelhas mais fiéis — conta, referindo-se às nossas visitas.
— São excelentes senhoras.
— São um pé no saco!
Arregalo os olhos.
— Pode ser sincero, Filipe. Somos padre, não santos. Às vezes elas tiram a minha paciência. — Ele ri e arfa em seguida, mostrando um cansaço inexistente.
— As igrejas só mudam de endereço, não é?
— Exatamente — Aponta para mim. —, exatamente. Quer dizer que você vai conhecer a região?
— A senhora Fátima pediu para que sua filha me ajude nessa tarefa.
Ele faz um bico. Não era difícil perceber sua insatisfação.
— Algum problema nisso?
— Essa menina não é uma boa companhia.
Meu primeiro pensamento que tenho é que ele não sabe do que está falando. Aurora parece ser a pessoa mais inofensiva do mundo.
— Apóstata — completa, torcendo a boca em desaprovação. — Sempre foi.
Franzo o cenho e ajeito-me no sofá.
— Talvez essas sejam as pessoas que devemos dar mais atenção, não acha, padre?
Ele faz um muxoxo.
— Eu desisti faz tempo. Quem sabe você, sendo novo, possa amolecer aquele coração de pedra.
— Farei o possível.
— Haja reza para isso! — diz num tom divertido.
— Estou pronto.
— É bom estar mesmo. Pra tudo. Agora — Ele se levanta bem devagar. Dava para ver um vestígio de dor nas costas. —, deixe-me tirar um cochilo.
— Amanhã a missa é às 7h? Se estiver cansado, posso...
Eu estou mesmo precisando colocar a cabeça em ordem. Rezar uma missa seria uma ótima opção.
— O que está pensando, guri? Não morri ainda! Nada de tomar meu lugar. Onde já se viu?!
Sua objeção me assusta.
— Desculpe, não foi essa a intenção. Apenas quero ajudá-lo.
— Você vai, quando eu morrer. — Ele está realmente bravo e isso quase me dá vontade de rir. — Enquanto isso, vai se entender com esse povo. Podem parecer inofensivos, mas não são. Algumas vezes mordem. — Ele arqueia apenas uma sobrancelha sobre as grossas lentes dos seus óculos retrógrados. — Quanto menor a cidade, maior o trabalho. Meu primeiro ano no batistério foi em Porto Alegre. Sei do que estou falando. Agora, me deixe repousar. Vai passear por aí — Ele faz um gesto com a mão, me dispensando.
Fico quieto. Estava sem respostas para argumentar alguma coisa. Ele é o padre da Igreja e eu fui convocado para ajudá-lo por conta da sua idade avançada, mas, pelo jeito, isso o ofendeu.
Assim que fico sozinho, resolvo retornar à ligação de Milena. Quando ela ligou, não pude atendê-la.
— Oi, Filipe.
Ela arfa do outro lado da linha.
— Que bom ouvir sua voz.
— É bom ouvir a sua voz amiga também.
Eu a ouço sorrir.
— Como está aí? Conte-me tudo.
— Está tudo bem. Bom... muitas coisas para processar em apenas um dia.
— Eu consigo imaginar. O padre é velho mesmo? As pessoas são legais? A cidade é tão pequena assim?
Respondo a cada uma das suas perguntas. Conto-lhe toda confusão do dia anterior e a recepção de hoje, inclusive de Aurora, a minha nova guia de turismo.
— Fico feliz que esteja fazendo amizades. Imagino a cara das pessoas quando souberam que você era o novo padre. Eu pagaria para ver isso, Filipe! Sabe disso, não é? Um homem gato como padre é bastante... hum... inusitado. Ainda mais para uma cidade pequena, onde os padres ficam na mesma igreja por dezenas de anos até morrer.
— Foi a mesma cara de sempre – brinco. — Aurora não gostou muito da ideia da mãe em me levar pra conhecer a região.
— Você assusta, Filipe.
— Eu não faço isso.
Ela ri alto do outro lado.
— Ah, o Bruno chegou!
Ouço a voz do meu amigo ao fundo.
— E aí, Filipe! — Ele pega o celular da esposa. — Como está, cara?
— Tudo bem por aqui.
— Já comeu uva? Bebeu vinho?
— Sim, foi praticamente a primeira coisa da sua lista que fiz. Até comi todos os doces italianos.
— Oh, coisa boa! Não se esquece da gente, hein?!
— Isso seria impossível.
— Fale com a Milena. — Ele devolve o aparelho para ela.
— Fique bem, meu amigo.
Nós nos despedimos e fico feliz por falar com eles.
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