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░URSO░

Segunda-feira, 16 de abril.

I

Jorge dirigiu-se à casa dos pais de Larissa, no bairro do Tatuapé. O dia estava quente, mas a meteorologia previa a chegada de uma frente fria, embora não houvesse ventos e pancadas de chuvas repentinas, como nos dias anteriores. Uma fina garoa lentamente se iniciava. Tocou a campainha. Um homem de aproximadamente 60 anos, baixo e troncudo, cabelos grisalhos surgiu detrás do carro:

— Pois não?

— Bom dia. Meu nome é Jorge Fontana e fui eu quem ligou on­tem à noite.

— Ah, sim, um momento. Vou pegar a chave do portão.

A casa parecia uma "fortaleza", onde o mesmo espírito de inexpugnabilidade da mansão de Nilo no Brooklin fora imaginado. Além do portão, alto e com lanças, a partir da garagem Ivan ainda abriu duas portas até chegarem à sala.

— Sente-se, por favor. Vou chamar a Joana.

Joana, uma mulher baixa e de cabelos compridos, apareceu com um avental na cintura, todo molhado; as barras da calça arregaçadas e os pés no chão, a típica 'dona de casa'.

— Desculpe os trajes, Sr. Fontana, é que hoje é dia de limpeza e eu achei que o senhor não viesse mais.

— Atrasei-me bastante, é verdade.

— Joana, pode ir se arrumar que eu atendo o Sr. Fontana — disse Ivan.

— Então vou me ajeitar e passar um café.

Joana retirou-se, com Ivan puxando duas cadeiras na mesa da sala:

— E então, o que você deseja saber?

— O senhor conhecia Felipe Torres, não é?

— Conhecia, sem dúvida, desde que ele tinha uns quinze anos, dezesseis talvez. Estudava piano na mesma escola que minha filha, Larissa.

— Ele frequentava muito sua casa?

— Ah, sim, bastante. — Havia um toque de nostalgia em sua voz. — Passava muitas horas aqui, batendo papo e tocando piano. Sabe, era um bom rapaz, mas revoltado com os problemas da família, em especial com o pai, que bebia muito. E a gente dava muita força para ele, mas infelizmente se perdeu na vida.

— O senhor acha?

— E não? Uma pessoa que vira genro de um banqueiro do jogo do bicho pode ser considerada bem sucedida?

— Depende do ponto de vista, creio eu.

— Não do ponto de vista de Deus, eu afirmo. Tá certo que o pobre se esforçou, foi estudar música no exterior e se tornou um bom pianista; e não teve culpa de se engraçar justo pela filha do Nilo Romano, apesar de a ter engravidado, mas trabalhar para o sogro, aí ele se perdeu — Ivan inclinou o corpo —, e cá entre nós, aquelas ideias materialistas que ele tinha na cabeça, tudo muito bonitinho, palavras ensaiadas, mas...

Jorge procurou abster-se de quais­quer comentários sobre religião. Ao desviar ligeiramente o assunto, tentou, mesmo sem procuração, justificar a atitude do morto:

— O Felipe não trabalhava para o sogro, até onde sei. Tinha uma escola de música e parece que o substituiu apenas algumas vezes.

Ivan postara-se irredutível:

— Isso para mim já basta, além do mais, ele usufruía de toda a luxúria conquistada com o dinheiro da contravenção. Até insinuou para nós que fosse tudo dele.

Joana ressurgiu na sala, interrompendo Ivan. Tirara o avental e penteara o cabelo, descendo as barras da calça; e nos pés colocara um par de sandálias verdes.

— A Joana está aqui e não me deixa mentir — prosseguiu Ivan —, eu sempre gostei do Felipe e reajo como um pai que vê seu filho se perder.

— Um filho que se perde precisa de aconselhamento, não de execração — comentou Jorge, arrependendo-se no segundo seguinte de o ter dito.

Ivan, porém, recebeu a afirmação com tranquilidade:

— Exato, mas não foi por falta de falar. Joana é testemunha. O mesmo aconteceu com minha filha Helena, que também se desviou do caminho reto. Joana sabe, não foi por falta de conselhos.

Jorge voltou-se para Joana, a fim de que ela também participasse da conversa:

— Vocês têm outra filha, então?

— Temos, a Helena. — E Joana não deixou que se fizesse um mau juízo, devido ao comentário anterior: — É uma moça muito boa e inteligente, está trabalhando numa peça de teatro.

Jorge retornou a Ivan:

— Mas seu Ivan, o que é o que senhor pensa a respeito da morte de Felipe?

— Ah, sim, desviamos o assunto. Olha, deve ter sido um marginal qualquer, por causa dessa guerra entre as quadrilhas. E já te adianto: acho um absurdo que meu genro esteja sendo apontando como criminoso, onde já se viu, um homem temente a Deus. Mas o álibi dele é a resposta para esses futriqueiros.

— E o senhor, tem álibi?

Ivan quase caiu da cadeira:

— Eu?

— Sim, e não estranhe eu perguntar, pois essa é uma pergunta que a polícia civil poderá fazer ao senhor a qualquer momento. Como ex-policial militar, o senhor sabe bem disso.

Ivan meditou um pouco, sempre tranquilo:

— Você tem razão. — E pensou mais um pouco. — Não, não tenho, mas devia estar em cas. Sou aposentado e hoje em dia faço apenas uns bicos como chaveiro, não sei se viu uma portinha aí do lado, onde tenho meu estabelecimento.

— Vi sim.

Ivan continuou:

— Normal­mente saio à tarde ou de manhã, para dar umas voltas. Naquele dia não me lembro o que fiz.

— Acho que você deu uma saída, sim.

Ivan quase ia dizendo à mulher: "fique quieta":

— Sinceramente, Joana, eu não lembro, mas também eu não teria condições de pular aquele muro, teria? A Joana, então, com essa dor nos joelhos... — Deu uma gargalhada.

Jorge aproveitou o momento de descontração:

— Outra coisa que a polícia pode querer investigar: o senhor tem duas ar­mas em seu nome, não tem?

Ivan ficou sério novamente:

— Você é fogo, hem, rapaz! Quer ver as 'bichinhas'?

— Não há necessidade.

— Mas agora faço questão.

Pediu a Jorge que o acompanhasse a um quarto nos fundos da casa. De um armário trancado com cadeado, retirou uma 765, semiautomática. E também um revólver calibre 22.

— Esse 22 sempre foi meu xodó — declarou.

Jorge pegou-o na mão, verificando que o tambor estava vazio. Ivan justificou:

— Ah, sim, tirei as balas. Estão na cartucheira.

Dito isso, Ivan revirou uma caixa cheia de tranqueiras:

— Engraçado, a cartucheira não está aqui, mas tinha certeza que estava. Isso é um perigo, não pode sumir. — Revirou outras caixas, com várias bugigangas. — Ora, onde será que está?

— Pode deixar, seu Ivan. Depois com calma o senhor procura.

Ivan desistiu, mesmo preocupado. Guardou as armas e a caixa, trancando novamente o armário. Antes de ir embora, Jorge tomou um cafezinho:

— Está uma delícia, dona Joana, muito obrigado. — Tomou-o rapidamente e saiu.

— Será que ele está desconfiando de você?

— Claro que não, Joana. Tudo isso aí não passa de especulação, esses detetives são assim mesmo.

Mais tarde, porém, quando limpava uma gaveta no armário da cozinha, Joana encontrou algo que a deixou encafifada:

— Ivan — gritou ela, para o marido. — Ivan!

Alguns segundos depois, ele respondeu:

— Já vou. — E apareceu, logo em seguida. — O que foi?

— Onde é que você foi naquele dia?

— Que dia?

— No dia em que o Felipe morreu.

— Não sei.

— Você foi ao banco?

— Não lembro...

— Achei um extrato do banco. Aqui está: agência Pinheiros, dia 13 de março, 16h15. Não foi o dia em que o Felipe morreu? Por que você foi num banco tão longe? Aliás, o apartamento do Felipe não fica em Pinheiros?

Por um instante, Joana não percebeu o alcance de suas pa­lavras. Só aos poucos foi tendo consciência da gravidade de sua descoberta. Lembrou-se que Larissa tinha dito que Felipe fora assassinado por volta de 17h15. Ivan teria saído do Tatuapé, atravessado a cidade e ido até Pinheiros só para ir ao banco? E ainda por cima, no horário e próximo do local onde Felipe morrera?

— Ivan, você matou o Felipe?

Ele ficou sem ação, o rosto lívido e o coração disparado:

— É claro que não, mulher! Está louca?

— Então como é que você explica esse extrato?

Ivan tomou fôlego:

— Na verdade, naquele dia eu havia resolvido falar com ele e exigir que não importunasse mais a nossa filha. Depois do almoço, liguei para a escola de música e lá informaram que às terças-feiras ele não ficava na escola no período da tarde e que estaria em casa lá pelas 17h00. Daí ficou fácil, porque o endereço dele estava em todos os jornais.

— Ivan, meu Deus! E depois?

— Como o táxi da ida acabou ficando muito caro, e fiquei sem dinheiro, passei primeiro num banco na rua dos Pinheiros, mas quase não o peguei aberto, entrei faltando um minuto para as quatro. Tinha poucas pessoas na fila. Saquei o dinheiro e pedi um extrato, depois segui a pé até a rua do prédio. Fiquei de tocaia, observando. Vi quando ele chegou no Camaro azul.

— Jesus do céu! E aí?

— Estava receoso e não sabia se ia ou não até o edifício. Resolvi então caminhar um pouco para criar coragem e passados uns vinte minutos, pensei bem: "Não, eu não cheguei até aqui para desistir, mas Senhor, meu Deus, entrego em tuas mãos a decisão do que eu devo fazer; e se não for da Sua vontade o que pretendo, dê-me um aviso". Quando retornei à rua, uma surpresa: vi Helena descendo de um táxi e achei aquilo muito estranho. Daí fiquei esperando, observando mais um tempo. Ela entrou na garagem, e passados alguns minutos, saiu no carro da Larissa.

Joana estava boquiaberta:

— Senhor! E o que mais?

— Imaginei que Larissa poderia também estar no prédio e teria emprestado o carro para Helena. Pensei: "Com Larissa aí não vai dar para falar com ele". Mesmo assim, resolvi passar pela frente do prédio e, seguindo pela calçada, vi a casa ao lado, percebendo logo que estava vazia...

— A tal casa da pilha de tijolos, de que falam os jornais?

— Ela mesma.

— E como sabe que ela estava vazia?

Ivan estampou no rosto um ar de esperteza:

— Pelo chão da garagem, cheia de folhas e propagandas de supermercado, com muito mato no jardim. "A casa está fechada faz tempo", raciocinei.

Joana tinha medo da continuação:

— E daí você entrou no prédio pela casa? Meu Deus, Ivan!

— Calma, Joana! É lógico que não entrei em lugar nenhum. Eu até pensei em fazer isso, mas tinha ido lá para falar com Felipe e não para invadir o prédio. Foi só uma bobagem que me ocorreu naquela hora, mas eu te falei de um aviso de Deus, não foi? E o Senhor não enviou só um, mas dois: o primeiro, Helena! O segundo, uma viatura de polícia que dobrou a esquina e passou por mim em disparada, fazendo-me lembrar que também fui policial. "Outro aviso! Obrigado, meu Deus". Desisti de tudo e fui embora.

Joana estava aliviada:

— Graças ao Senhor nosso Deus! Já não bastava aquela besteira que você fez, prender aqueles estudantes em 71? Lembra o problema que deu, quando veio a abertura? Você quase foi expulso da polícia.

Ivan assentiu:

— Pois é, e eu me arrependo daquilo, Joana, mas dessa vez a mão de Deus evitou o pior. — E mal sabia Joana que a filha de Nilo Romano era uma das estudantes presas naquele dia e o quanto isso ainda poderia lhes causar problemas, mesmo depois de tanto tempo.

— Você precisa pensar mais antes de fazer as coisas, Ivan. E por que você não me falou nada que foi até Pinheiros?

— Porque não queria que você ficasse pensando coisas, exatamente como está pensando agora. Joana, a polícia não pode saber de nada disso, está bem? Muito menos esse tal Jorge.

— Mas e se alguém me perguntar onde você esteve, o que digo?

— Diga que não sabe de nada e que eu saí para andar aqui perto. Não precisam saber onde realmente fui, afinal, eu não fiz nada de errado. Confie em mim. Por isso que disse ao Jorge que não tenho álibi, já para não levantar suspeitas, pois todo assassino que se preza se preocupa em ter um.

Ivan pegou o extrato das mãos dela, rasgou-o e jogou-o no lixo, encerrando o assunto.

II

Eram 17h30 e aquela segunda-feira era a primeira pós feriado de Páscoa. O final de semana havia sido ótimo para Henrique, pois ele e a esposa haviam reatado e muito embora a princípio fosse tão somente um acordo de convivência mútua, quem sabe não poderia ser o começo de uma nova fase na relação amorosa de ambos. Simbolicamente, o reatar coincidiu justamente com a data em que se celebrava a ressurreição de Cristo (e como cristãos, isso lhes pareceu um bom presságio). E claro, os filhos ficaram muito contentes e dispostos a esquecer tudo, dando à mãe um voto de confiança.

Larissa ainda pensava neles quando fechou a porta de sua sala e dirigiu-se ao homem que a esperava na recepção. O último cliente do dia despediu-se de todos e saiu. O homem então se levantou e es­tendeu sua mão:

— Boa tarde, sou Jorge Fontana.

— Foi você quem ligou hoje de manhã?

— Eu mesmo.

— Acho melhor conversarmos na minha sala — sugeriu, dirigindo-se à secretária: — Susana, algum cliente na próxima meia hora?

— Não, por hoje encerramos.

— Ótimo.

Jorge acompanhou Larissa e os dois acomodaram-se no agradável consultório.

— Está investigando a morte de Felipe, é isso? A pedido do Nilo... Pelo menos foi esse o recado que a Susana me deu.

— Estou, sim.

Ela ajeitou seu porta-lápis:

— Será que o Nilo pensa que falta competência ao delegado?

— Não exatamente, mas ele acha que o Basílio está sujeito a muitas pressões.

— Sei... E você já fez algum progresso?

— Por enquanto não, mas pensei que talvez você pudesse me ajudar.

Larissa recostou o corpo na cadeira reclinável:

— Tudo que eu sei já disse para a polícia e provavelmente você já sabe tudo a respeito.

— Sei sim, mas é que sempre surge algo novo quando se conversa mais um pouco sobre o assunto.

Ela parecia estar ouvindo o próprio delegado, referindo-se à mesma coisa.

— Você tem razão, mas o que quer saber, exatamente?

— Poderia me relatar novamente tudo o que aconteceu naquele dia?

— Claro.

Larissa repetiu pela enésima vez seus passos na fatídica data, com Jorge ouvindo atentamente. Ela repetiu tudo, exatamente como no depoimento dado à polícia, não acrescentando (ou retirando) uma vírgula ao que já fora dito.

— Uma coisa que quero perguntar — prosseguiu Jorge —, sabia que o Felipe tinha uma arma?

— Sabia, sim. Eu a vi no porta-luvas do carro dele, lá em Ilhabela.

— E você soube que essa arma sumiu?

— Sério? Mas Felipe disse que ia guardar ela no apartamento, não o fez?

— Não sabemos. Ele não te falou nada, se escondeu a arma em algum lugar?

— Não.

Larissa então contou a ele o acontecido em Ilhabela, cujo relato bateu com a informação prestada por Alessandra, mulher do caseiro.

— Então não tem mesmo nenhuma ideia de onde a arma pode estar...

— Nenhuma, mas... por que está perguntando? Acha que o assassino a utilizou?

— Talvez...

— E como ele saberia onde a encontrar?

A essa pergunta seguiu-se um silêncio e era evidente a resposta, que Larissa logo percebeu no olhar penetrante lançado por Jorge.

— A pergunta mais apropriada — seguiu ele —, é: quem sabia dessa arma? Percebe meu interesse? Se essa arma é a que foi utilizada no crime, isso restringiria sobremaneira a gama de suspeitos.

— Sei aonde quer chegar: meu marido sabia, não é? É isso que quer dizer?

— Não só ele, você mesma, seus pais e seus filhos; o caseiro e a mulher, muitos sabiam... mas não muitos.

Larissa achava um absurdo Cecília e Jairo constarem de uma lista de suspeitos, mas ignorou a suspeição sobre os filhos, voltando seu foco para Henrique:

— Todo mundo acredita que Henrique matou Felipe e tudo bem que pensem assim, até eu pensaria, se olhasse de fora, toda­via, ele não pode­ria estar em dois lugares ao mesmo tempo, concorda?

— Sem dúvida que não, mas poderia ter mandado alguém fazer o serviço, não acha?

Larissa riu:

— Se ele fosse um banqueiro do bicho, muito provavelmente.

— Mudando de assunto, você tem uma arma, não tem? Por sinal, calibre 22, a mesma do delito.

— Como sabe disso?

— Tenho uma lista...

— E como conseguiu essa informação?

— Digamos que tenho um amigo, com acesso ao registro de ar­mas...

Larissa riu outra vez:

— O que o Nilo não consegue, não é? Tenho uma arma sim. Henri­que me deu faz muito tempo, mas eu odeio essas coisas. Está guardada no cofre. — Levantou-se e abriu um pequeno cofre embutido na parede, que ficava escondido atrás de um quadro. — Aqui está. — Pegou o revólver e passou-o a Jorge. Era novo e nunca tinha sido usado, mas o que chamava a atenção era que o tambor estava vazio. — As balas? — Havia uma pequena caixa metálica, também dentro do cofre. — Estão aqui.

Jorge comentou:

— Enquanto eu aguardava na recepção, conversei um pouco com Susana e ela me disse que outro dia entraram aqui na clínica pela janela do seu consultório...

Larissa confirmou a ação com um suspiro:

— Verdade!, e quando eu soube logo pensei na arma, mas ainda bem que não encontraram o cofre. Levaram coisas de menor valor: um fax e uma secretária eletrônica.

Jorge levantou-se para examinar melhor a referida janela. Era em madeira, do tipo veneziana com guilhotina, um modelo bem antigo. Os sinais de arrombamento eram claros. A janela dava para os fundos do imóvel e não possuía grades, muito fácil de entrar, ao que ele comentou:

— É dar sopa ao azar, hem? Essas janelas do tipo veneziana são muito fáceis de abrir.

Ela concordou:

— Preciso mesmo trocar com essa janela urgência. Comprei essa casa para montar a clínica e ainda não a reformei, o imóvel é bem antigo.

Tentando imaginar o percurso feito pelo assaltante, Jorge perguntou:

— Essa área dos fundos tem comunicação com o corredor lateral, com acesso direto para a rua?

— Sim, tem, foi assim que entraram.

— E mesmo da recepção, o corredor é um ponto cego, já notou?

— É? Nunca tinha notado. Mais um motivo para eu mudar essa janela, mas ainda sobre a minha arma, como pode notar ela está novinha em folha, nunca foi usada. Se quiser, pode levá-la para os peritos.

Ele sorriu:

— Não será preciso, dá para ver que nunca disparou um projétil sequer. — Abriu a caixa das balas. — E também não está faltando nenhuma.

Após o exame, Larissa pegou o conjunto e trancou-o novamente no cofre.

— Só você sabe a combinação?

— Sim, só eu. — Recolocou o quadro no lugar para esconder o cofre. — Com certeza irá também verificar as armas do meu marido, não? Estão aí, na sua lista?

— Sim, estão. Ele possui duas, mas nenhuma é calibre 22. Por sinal, onde seria o melhor lugar para falar com ele?

— Deve estar chegando em casa agora. Estou indo para lá. Vamos?

III

Larissa ofereceu um café a Jorge, enquanto Henrique não chegava. Os filhos do casal estavam em casa e ele pôde enfim conhecê-los. Como sempre, Cecília mostrou-se muito solícita:

— Então você é o famoso Jorge Fontana, do caso Arautra? Sabe que já li o livro que escreveram sobre o caso?

— Ah é? Que bom!

— Nunca imaginei que ia conhecer você e o delegado Basílio, em pessoa.

— Fico lisonjeado.

— E eu honrada. Daniel também fala muito de você.

— Vocês estão namorando?

— Estamos.

— Daniel é um ótimo rapaz — garantiu Jorge. — Acredito que vocês vão se dar muito bem.

Jairo não pensava o mesmo:

— Essa aí é fogo de palha, logo já vai estar com outro.

— Jairo! — advertiu Larissa.

— E não é?

Henrique chegou, estranhando a presença de Jorge — e não confessava, mas agora andava cismado sempre que via algum homem a rodear Larissa. Beijou a esposa no rosto e encarou o advogado, curioso. Nunca o tinha visto. Quem seria?

— Ah, Henrique, deixa te apresentar, esse é Jorge Fontana. Ele está investigando a morte de Felipe Torres.

Henrique apertou-lhe a mão um tanto quanto contrariado. Será que o 'maldito' Felipe Torres nunca mais iria sair de suas vidas?

— É um prazer. Trabalha no Deic?

— Não. Tenho uma firma de advocacia, a Fontana Lobo Advogados Associados e fui contratado para investigar o caso pelo Nilo Ro­mano.

— Sei quem ele é, embora nunca tenha tido o desprazer de falar com ele frente a frente. Sorte a dele!, mas o que quer de nós?

Jorge relevou a rispidez, era cabível e natural, pois Henri­que vinha sendo acusado ostensivamente do crime em todos os jornais sensacionalistas e, além disso, sua esposa era diariamente achincalhada nas colunas sociais, pelo caso amoroso e extraconjugal.

— Estive conversando com sua esposa a respeito dos passos dela naquele famigerado dia. Quanto a você, parece não haver muito o que perguntar.

Henrique mostrava-se confiante:

— Ah, sim, mas faço questão de sempre repetir, e até já falei para o delegado Basílio, o meu álibi é o mais indiscutível do mundo.

De fato, era. Segundo constava, havia quinze alunos na turma de mergulho, aos quais o major dava instruções. Auxiliando-o, o capitão Macedo, que ao Deic havia declarado...

          — Sim, estávamos todos no galpão das piscinas e do tanque de mergulho.

          — Aconteceu algo entre 16h00 e 18h00? — O delegado Basílio elegera aquele período como sendo a faixa ideal para um álibi, naquele caso.

          — Estivemos todos juntos, eu, o major e os quinze alunos. Que me lembre, nada aconteceu de especial.

          — Em nenhum momento o major saiu da vista de vocês?

          Macedo pensou:

          — Ah, sim, apenas uma vez, quando o telefone tocou no escritório e fui atender. Era para ele.

          — Voz de homem ou mulher?

          — Homem, mas não se identificou, apenas pediu para falar com o major Oliveira. Então o chamei e quando ele pegou o telefone, fez sinal com a mão para que eu saísse e fechasse a porta.

          — E quanto tempo ele falou ao telefone?

          — Creio que uns cinco minutos, nem isso.

Henrique ouvia atentamente o relato trazido por Jorge:

— Certo, mas e daí?

— E daí, major, que eu acho que o senhor deveria começar a se preocupar.

— Como assim?

— Fiquei sabendo que o delegado Basílio andou investigando o tal Roberto, aquele detetive...

Henrique desviou os olhos para a esposa, depois voltando-os a Jorge. Larissa, que já havia despachado os filhos para os quartos, mostrou-se preocupada, ao mesmo tempo encabulada, mas não deixou de perguntar:

— Preocupar-se por que, Jorge?

Ele se ajeitou no sofá:

— Roberto não tem álibi para o horário e a polícia suspeita que a ligação que o senhor recebeu, ocorrida exatamente às 16h20, poderia ter sido realizada por ele, para o seu gabinete, major.

Ele se enfezou:

— Mas isso é um insulto! Eu vou processar esse maldito delegado.

— Calma, major, é uma suspeita apenas, a título de hipótese.

Henrique continuava possesso:

— Hipótese, uma vírgula! Já estou por aqui com essas teorias do delegado Basílio. Parece que todo mundo quer destruir meu álibi, colocando-me como mandante do crime.

— Isso era inevitável, Henrique — comentou Larissa. — E te peço perdão por isso.

Henrique perquiriu:

— Mas e o que prova o raio dessa ligação?

Jorge retirou a lista de telefonemas que Nilo lhe entregara há alguns dias e a correu com o dedo indicador:

— Aqui está! A ligação foi realizada de um telefone público na esquina da rua Joaquim Antunes com a rua dos Pinheiros, ou seja, a apenas 150 metros do edifício Gaivotas, praticamente uma hora antes do crime ser cometido.

Henrique e Larissa emudeceram, com o major estampando no rosto a cor da tinta aplicada nas paredes: o branco! Jorge prosseguiu:

— Imaginam, major, que o Roberto poderia ter ligado ao senhor por alguma razão, como por exemplo, informar do andamento de alguma ação. E vocês bem podem imaginar que ação seria essa.

Henrique permaneceu mudo, com Larissa já em pânico:

— Henrique, afinal, quem ligou para você? Foi mesmo o Roberto?

Ele permanecia quieto, como se buscasse pensar numa resposta plausível — e que certamente não existia, até que disse:

— Não posso dizer quem me ligou, Larissa, senão as coisas irão realmente se complicar para nós. Talvez eu precise dos seus serviços como advogado, Sr. Fontana.

E não disse mais nada, afinal, sua longa carreira no Exército estava por um fio. Em sua retina um filme passou, toda uma trajetória. Aos dezoito anos, o ingresso na Aman — depois de um árduo curso na EsPCEx¹, em Campinas, onde a prova intelectual e de aptidão física já tinham sido de nível quase sobre-humano; até chegar ao curso na Esao², coroado com o posto de major. Promovido, ganhara o direito de inscrever-se na Eceme, o primeiro passo para o tão almejado coronelato e o comando de uma unidade.

Neste momento de reflexão, o escândalo pesava em seu peito como um abraço de urso, sufocante e inescapável, apertando-o com toda a força, sem deixar espaço para respirar ou se mover. Cada memória de luta e conquista agora parecia em vão, esmagada pela força implacável desse animal imaginário.

IV

Daniel havia saído com Cecília, e mais alguns amigos dela, quase todos pertencentes ao grupo de jovens da igreja. Pedro, um dos rapazes do grupo, considerado o mais fervoroso, estava incomodado com a presença de Daniel — e não só por terem dito a ele que o moço era filho de um banqueiro do jogo do bicho, assassinado há pouco tempo, mas também porque Pedro tinha um grande interesse em Cecília. Na primeira oportunidade, ele perguntou:

— Você é mesmo filho do bicheiro que foi assassinado?

Cecília olhou com preocupação para o namorado, pois sabia como Pedro, dentro de sua eloquência, costumava ser encrenqueiro.

— Sou. Meu nome é Daniel Torres. Por quê?

— Por nada.

Daniel não deixou por menos e demonstrou-se firme:

— Algum problema?

— Não, não, nada não. Só curiosidade.

— Ah, bom, porque se tiver algum problema é só me avisar.

Os amigos de Pedro, vendo que ele ia acabar se dando mal, quebraram a tensão:

— Gente, vamos tomar um sorvete?

Todos toparam. Já um pouco dispersos, Cecília abraçou o namorado:

— Gostei de ver, desse jeito acabo me apaixonando.

— Ainda não se apaixonou?

A pergunta fora em tom jocoso, mas naturalmente que Cecília ainda trazia guardado consigo um segredo inviolável: sua conflituosa relação com o pai do próprio Daniel, Felipe Torres, mal resolvida em seu coração.

Entre reflexões e pensamentos, eis que um tiro foi ouvido e um grande tumulto gerou-se no shopping em que passeavam. Alarde e correria, pessoas gritando em pânico e quando perceberam, havia um dos jovens da turma baleado, caído no chão.

— Meu Deus! Acudam! Socorro! — implorou uma das meninas.

Daniel enfim se deu conta da realidade das advertências do avô — de permanecer em casa e de não se expor em locais públicos. O avô inclusive tinha sido contrário à sua volta para a casa de Soraia, onde, porém, ele se sentia mais à vontade. E ainda no calor dos acontecimentos, passaram por eles dois brutamontes, que logo renderam um homem branco, armado com um revólver calibre 38. Eram os seguranças de Nilo.

Um deles segurou o fugitivo por trás, travando-lhe a ação com uma gravata, impulsionando seu braço para baixo de forma inapelável, enquanto o outro solicitava que o bandido largasse a arma no chão. Mais um pouco, seguranças do próprio local apareceram e ajudaram na rendição. A polícia foi chamada e por sorte havia um médico de folga entre os transeuntes, que logo deu assistência ao jovem, examinando-o:

— Fique calmo, não se mexa. Parece que foi somente um tiro de raspão.

E realmente tinha sido, uma vez que o buraco de bala era visível em um totem de madeira, à entrada de uma das lojas. Pedro, estirado no chão e choramingando, olhou para Daniel:

— Tá vendo, Cecília? É com esse cara que você quer ficar? Quase me mataram.

Cecília abraçara-se a Daniel, estático e em silêncio, pois não sabia até que ponto a confusão se dera realmente por seu motivo, numa real tentativa de homicídio. Mais tarde, porém, foi sabido que se tratava de um assalto a uma loja. O bandido atirara nos seguranças do estabelecimento e saíra em disparada, sendo depois rendido pelos seguranças de Nilo.

O acontecido, entretanto, não fora suficiente para abalar o relacionamento entre Cecília e Daniel, pelo contrário, o fortaleceu, pois ela sabia não se tratar de um atentado. Diante dos fatos, seria até casuísmo afirmar isso. Mesmo assim, Henrique proibiu a filha de namorar o neto de Nilo.

A garota, nervosa e irritada, saiu de casa e foi morar com Helena. Era mais uma que desertava da família, por amor aos Torres.

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¹EsPCEx: Escola Preparatória de Cadetes do Exército.
²Esao: Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.

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