░ELEFANTE░
Quinta-feira, 15 de fevereiro.
I
Estava quase na hora de fecharem as apostas do sorteio das 15h00. Há mais de uma semana Samuel vinha perseguindo o burro, mas não tinha jeito. E já dera jacaré no segundo prêmio.
— E aí, Samuel? Vai no burro de novo?
— Vou. Agora estou com medo de mudar o palpite. A gente não pode complicar: sonhei com rio, tinha que ser jacaré.
— É, você tem razão, sonho a gente não complica. Ontem mesmo veio um sujeito aqui e disse que sonhou com a sogra. Eu falei na hora: joga na cobra! Não deu outra: ele ganhou!
— É mesmo? Então vai no jacaré. Milhar na cabeça. — Entregou o dinheiro ao cambista.
— Qual número?
— 6957. Vi a placa de um carro batido num poste.
— Olha aí o sonho se confirmando. 57 é jacaré, mas melhor cercar, não? Aceita sugestão? Joga metade no 1º e o resto do 2º ao 5º, milhar e centena, que tal?
Todo cambista sugeria algo do gênero, em especial quando alguém queria jogar tudo na cabeça (apenas no milhar do 1º prêmio). Era um meio de favorecer não só o banqueiro, mas também o apostador. Esse tinha mais chances de ganhar e o banqueiro, em compensação, desembolsaria uma quantia menor, em caso de acerto.
Samuel, porém, fez-se irredutível:
— Não! Põe tudo no milhar do 1º.
O cambista fez o jogo e entregou o pule para Samuel:
— Aqui está! Boa sorte.
— Deus te ouça!
No dia seguinte, o resultado: dera a milhar, só que no 2º!
II
Felipe dirigiu-se à escola de música e embora tudo parecesse rotina, seu estado emocional não era dos melhores. Sua mente estava superexcitada. Via assassinos por todas as partes, sentia-se vigiado, e mal sabia ele — ainda que não houvesse nenhum capanga de bicheiro em seu encalço, ao menos alguém estava à espreita: Roberto, a mando de um 'certo' major. O detetive o seguia por todos os lados e já tirara fotos dele e Larissa em encontros furtivos, no entanto, sem ter ainda algo que considerasse realmente comprometedor. Além disso, já incluíra no relatório o fato de que Felipe tinha uma namorada (ou ex) cujo nome era Carla Moreira.
Felipe deixou o carro em frente à escola, um sobrado antigo muito bem cuidado, com belo jardim à frente e dois holofotes, cujos fachos, à noite, deixavam a fachada em um lindo tom de azul. A alguns metros da entrada ouvia-se um som duro e entrecortado de piano, o que fez Felipe adentrar uma sala de estudos e orientar um aluno do 3º ano. Ele estudava uma peça do livro "Invenções a Duas Vozes", de Bach.
— Mi bemol.
O rapaz parou:
— Como?
— Aqui... Veja. Não é ré. É mi bemol.
— Ah, certo, obrigado. Nossa, é preciso memória de elefante para guardar tudo isso!
— Toque mais devagar e preste bem atenção nas notas e dedilhados. Estude por trechos e não se esqueça: são duas vozes, temos de ouvi-las nitidamente. Para memorizar mais fácil, tente antes compreender a partitura. Qualquer dúvida, só me chamar.
Naquele mesmo instante, sentado em seu carro, Roberto observava uma moça que acessava a escola. Devia ter uns dezessete ou dezoito anos. Era morena, com os fios de cabelo sedosos e pretos caindo sobre os ombros. Vestia uma bermuda bem agarrada e uma miniblusa que deixava à mostra o umbigo.
— Que delícia! — balbuciou.
Na recepção, a secretária informou à moça que Felipe estava resolvendo algumas questões na administração, solicitando a ela que aguardasse. Felipe dava poucas aulas e era um privilégio estudar com ele, embora todos os professores ali fossem de bom nível. Cecília entusiasmou-se com a movimentação, com os sons de violão, flauta e piano, misturando-se no corredor. Quem sabe não poderia estudar um instrumento, quem sabe piano...
Saiu para tomar um sorvete e voltou depois, sob a vigilância de Roberto. Coincidentemente, quase trombou com Felipe:
— Cecília?
— Oi.
— Que faz aqui?
— Estava pensando... Estou a fim de estudar música. Você pode me dar umas dicas?
— Estou saindo para almoçar. Podíamos conversar depois?
— Posso almoçar com você?
A secretária olhou-a de cima a baixo, balançando a cabeça, em sinal de desaprovação. Felipe respondeu:
— Bem... Pode sim.
— Então vamos?
Roberto observou os dois, enquanto saíam. Ao atravessarem a rua, Cecília pegou na mão de Felipe, que não refugou de imediato.
— Será possível? Mais uma? — disse Roberto a si mesmo. — Vou tirar uma foto, assim o Henrique vai ver que esse cara não passa mesmo de um conquistador barato.
Felipe levou Cecília a um restaurante do tipo self-service, não muito longe dali. Almoçaram tranquilamente e enquanto Felipe pedia a sobremesa, a garota foi logo ao assunto:
— Sabe, Felipe, a verdade é que estou a fim de você.
Ele arregalou os olhos, mas seu espanto já não era tão grande assim:
— Cecília, tenho idade para ser teu pai...
— Eu sei, mas o que tem isso? Eu gosto de você, sou maior de idade e você... bem, você deve sentir algo por mim, pois me olha de um jeito diferente... desde aquele dia na cozinha, em Ilhabela...
E ele olhava, sem dúvida, desejando-a. Cecília era linda, um corpo jovem e sedutor, não havia quem não se encantasse por ela, mas daí a dizer que gostaria de namorá-la, ia uma distância muito grande.
— E quem falou em namoro, Felipe? Vamos só curtir, sem compromisso.
Mas havia um entrave: ela era a filha de Larissa. E que impetuosidade da garota!
— Entrave? Bom, seria entrave se você realmente estivesse saindo com a minha mãe. Está?
— Claro que não! — A contundência da resposta dizia por si mesma. — Cecília, você é linda, mas é também especial e é justamente por isso que não podemos nos envolver.
Cecília estava irredutível:
— Mas eu já disse, não quero compromisso. — E estava quase ao ponto de dizer: "Quero transar contigo, é isso".
Ele rechaçou:
— Não quero te iludir. Não pode e nem deve haver nada entre nós dois, nada além de amizade. Se quiser estudar piano, fico às tuas ordens.
— Eu devia imaginar. É a idade, não é?
— Nada disso e isso até me atrai, se quer saber. Você é maior e sendo consensual, a idade não é empecilho, mas tem a tua mãe.
Cecília sentiu-se em choque, embora já desconfiasse. Observara bem a troca de olhares entre os dois e agora tinha certeza.
— Minha mãe já é comprometida.
— Isso não me impede de gostar dela.
— Não tenha esperanças com 'dona' Larissa — informou. — Ela jamais cederá.
"Mal sabe ela sobre mim e sua mãe", pensou Felipe. E tinha que ser forte para resistir aos encantos da filha também.
— Cecília, é melhor você ir.
"Antes que eu faça uma bobagem", pensou.
Cecília levantou-se de maneira abrupta, arrastando a cadeira. Em seu semblante um misto de vergonha e raiva. Saiu, em disparada.
— Será que é sina minha discutir em restaurantes com as mulheres dessa família? — disse a si, Felipe, enquanto via Cecília saindo do estabelecimento.
A garota não se conformava e realmente fora ingênua ao pensar que ele cederia tão facilmente aos encantos de sua jovialidade — embora tivesse passado perto. Caminhando célere, algum tempo depois chegou à clínica de sua mãe, que ficava a cinquenta minutos a pé do restaurante. Susana, a secretária, saudou-a:
— Oi, Cecília. Como vai?
Ela foi seca:
— Minha mãe está ocupada?
— Está atendendo a um paciente, mas quase terminando.
— Muitos pacientes ainda hoje?
— Na próxima meia hora, nenhum.
Mais uma vez esperou na recepção, até que Larissa a recebeu, dez minutos depois:
— Oi, filha? O que foi? — perguntou, enquanto entravam na sala e Larissa trancava a porta.
— Estive com Felipe.
Larissa gelou:
— Felipe?
— É. — E sempre direta, logo revelou: — Fui dizer que estou a fim dele, mas ele não quis nada comigo, e deu a entender que gosta de você.
Larissa estava muda. Cecília a sabatinou:
— E você, também gosta dele?
A médica sentiu-se acuada. O que diria à filha? Seria o momento de dizer a verdade?
— Ele agiu certo, querida. Se não gosta de você, foi melhor assim, pelo menos você não fica alimentando ilusões. Quanto a mim, mesmo que eu gostasse, ou tivesse gostado, sou uma mulher casada — e pensou: "Embora nem sempre estejamos casados com quem realmente amamos".
Ela não dissera explicitamente, mas Cecília entendera o recado. Então a mãe estava mesmo apaixonada por Felipe?
— Se você gosta dele, por que continua com o meu pai?
— Eu não disse que gosto dele. E mesmo que gostasse, o compromisso que tenho com teu pai é para toda a vida.
Cecília balançou a cabeça, em desacordo:
— Não sei se vale a pena viver guiada por compromissos e não por amor. — Aproximou-se da mãe. — Quero que saiba, mãe, que não vou me importar se você deixar o meu pai e for viver com o Felipe. Se realmente o ama, tem mais é que investir nisso.
— Não se importaria mesmo?
— Que você deixasse o papai? Claro que não!
— Digo, não se importaria de perder o Felipe para mim?
— Mãe, o que é isso? Uma disputa?
Larissa sorriu:
— Claro que não, querida. Foi só uma pergunta, mas caso eu ficasse com o Felipe, assim mesmo você ficaria do meu lado?
Cecília enrubesceu:
— Que pergunta, mãe. É claro que sim!
Larissa queria ter certeza disso. Não porque ela achasse que Cecília não fosse capaz de um gesto dessa natureza, pelo contrário. Identificava na filha uma presença de espírito que a colocava acima dos preconceitos. Ficar a seu lado, ela ficaria, mas suportaria ver Felipe nos braços da própria progenitora?
Embora tudo não passasse — assim julgava Larissa, de uma paixão de verão, e amanhã ou depois a filha já estaria envolvida em outra, sabia também o quão dramáticos costumam ser os jovens, enquanto vivenciando essas paixões. E nessas condições, até que passasse o furor, os resultados poderiam ser catastróficos.
III
Daniel Torres foi convencido a escutar o conselho do avô e mudou-se temporariamente para a casa dele. Nilo Romano morava em luxuosa casa no Brooklin, a chamada "Fortaleza". Sempre havia meia dúzia de seguranças espalhados por ali: no portão, nos jardins, na piscina... Era a escolta armada do bicheiro, que quase sempre o acompanhava aos lugares onde fosse.
— Oi, vô. Tudo bem?
— Tudo. Resolveu finalmente ouvir esse pobre velho?
Daniel deu-lhe um abraço:
— Meu pai disse que corremos risco de vida. Aqui estou, na sua 'fortaleza'!
— Não brinca não! A coisa tá séria, mas depois eu explico tudo.
Daniel possuía os cabelos loiros e os olhos azulados. Herdara aqueles traços da mãe, pois o pai era moreno, de cabelos e olhos castanhos. Todavia, o formato comprido do rosto e as covinhas nas bochechas, além das sobrancelhas espessas, eram do pai. Nilo considerava a companhia de Daniel muito agradável. Embora fosse um adolescente, tinha opiniões formadas e ideias avançadas para a idade. Além do mais, jogava xadrez.
— Xeque-mate!
Nilo Romano ficou sem ação.
— O senhor precisa treinar um pouco mais, vô.
— Bela jogada.
— Quer jogar outra?
— Depois. Vamos até o jardim. Preciso conversar um pouco com você.
Sentaram-se à beira da piscina:
— Como vai o curso de engenharia?
— Bem puxado — e contou-lhe um pouco sobre o curso. — Mas o senhor não vai querer que eu fique falando sobre eletrônica, vai? Que tal irmos logo ao assunto?
Nilo assentiu com a cabeça:
— Boa garoto, é assim que se fala. — Ajeitou os óculos, preocupado. — É com relação ao caso do General...
Explicou-lhe o risco que a família poderia estar correndo. Daniel preocupou-se:
— Será que eles podem tentar alguma coisa?
— Nunca se sabe, por isso que é bom tomar cuidado. Não fique sozinho, nem vá a lugares sem movimento. Sabe, a melhor coisa é não sair muito de casa, mas vou colocar alguém para te vigiar, pelo menos até a poeira abaixar.
— O senhor não tem nada a ver com isso, digo, com a morte do General, tem?
Nilo mostrou-se firme:
— Claro que não! — declarou, mudando de assunto. — E essa tal de Larissa, você conhece?
— Conheci ontem na escola de música. Muito bonita.
— Sabia que ela é casada com um major do Exército?
— Não, mas qual o problema? Meu pai disse que ela é só uma amiga. E ele namora a Carla.
— Para teu governo, a Carla já dançou. Essa Larissa é uma paixão antiga, de quando seu pai tinha uns vinte anos. Eles se reencontraram outro dia em Ilhabela e não estou gostando nada dessa história, os dois estão mesmo tendo um caso.
— Sério? Não estava sabendo. Já pensou na hora que a Carla souber, do jeito que é brava?
— Não quero nem ver!
IV
No dia seguinte, Nilo fez uma visita à 43ª Delegacia de Polícia, procurando pelo delegado Amaral.
— Meu caro Amaral. Como vai?
— Vou indo, devagar e sempre.
— E o caso do General?
Amaral suspirou, desanimado:
— Está me deixando de cabelo em pé. Você acredita que estão me questionando só por que eu e você somos amigos? Pensam que isso pode influenciar na minha investigação.
Nilo bufou:
— Garanto que não tenho nada a ver com a morte daquele infeliz.
— Eu sei, mas assim como você tem amigos na polícia, o General também tinha. Apesar de desacreditado e de estar envolvido em mil confusões, você sabe, ele ainda desfrutava de uma posição importante na hierarquia do jogo e consequentemente, junto da polícia.
Nilo concordou:
— Foram mais de dez anos no segundo lugar e isso não é pouco tempo, só que o tolo sonhava em me alcançar e daí meteu os pés pelas mãos.
Amaral comentou, fazendo um elogio:
— Você chegou ao topo e nunca despencou.
— Sei trabalhar, né? Veja o velho Patrocínio, ele foi um dos pioneiros aqui em São Paulo, e como está agora? Desbancado primeiro por mim; depois pelo General.
Amaral reconheceu:
— Verdade, mas você também é bem mais diplomático. Agora, sobre o Nicão lá na zona Leste, tá pegando firme e se o Patrocínio bobear vai perder o lugar outra vez.
Nilo deu de ombros:
— Fazer o quê? O coitado já está velho demais. E o filho anda amedrontado, desde o atentado no mês passado.
O filho de Patrocínio, que agora cuidava dos negócios do pai, herdados do avô, levara um tiro no peito. Além disso, haviam colocado fogo em seu escritório.
Amaral entrelaçou os dedos e esticou os braços acima da cabeça, espreguiçando-se:
— Fazia tempo que o jogo do bicho não sofria uma baixa desse porte, como a do General, desde aquela vez que pegaram aqueles caras do Rio de Janeiro, faz o quê? Uns cinco anos? E o General envolvido, como sempre.
— Pois é! Deu suporte para o pessoal do Rio entrar e esse era um dos pontos que eu divergia radicalmente dele. Não acho justo deixar o pessoal do Rio explorar o filão de São Paulo. Pô, o do Rio já é um dos melhores do Brasil e ainda eles vem aqui, querer abocanhar o que é nosso?
General havia-se associado ao carioca Geraldinho, filho de Raul Tenente, um bicheiro muito popular no Rio de Janeiro. Tinham formado a dupla "GG" e com isso General permitiu aos cariocas tomarem conta do CEAGESP, a chamada "Serra Pelada", por ser o lugar em que mais se apostava em todo o estado de São Paulo. E foi justamente com a injeção de dinheiro vindo de fora, que General conseguira aumentar a comissão dos cambistas, bem como o valor dos prêmios — a afrontosa "cotação maluca". Por conta disso, os banqueiros de São Paulo romperam com ele e General, obviamente, já nem participava das reuniões.
— Naquele dia da churrascaria foi cogitado dar cabo da vida dele — lembrou Nilo —, mas o General tinha inimigos não só aqui em São Paulo, no Rio também.
Por mais absurdo que pudesse parecer, Nilo Romano sentia-se à vontade para falar com o delegado — esse era o retrato da contravenção, intimamente ligada à polícia e tudo por um bem comum, o dinheiro. Não haviam chorado as delegacias, a morte de General? No entanto, a ligação entre Nilo e Amaral era realmente de amizade, afinal, o pai de Amaral havia sido companheiro de faculdade de Nilo, quando esse ainda era apenas um estudante de administração, custeado pelo pai, Ivo Romano.
— General e Geraldinho: um desfecho trágico — comentou Amaral. — Os dois assassinados brutalmente.
Geraldinho e mais dois companheiros acabaram metralhados na Lapa, São Paulo. Um morreu e o outro ficou paralítico. Geraldinho sobreviveu, mas foi morto no Rio, dois anos depois. Por conta da dupla "GG", havia a suspeita de que Raul Tenente pudesse ser o mandante da morte de General.
— O Raul nega participação — informou Amaral. — Alega que qualquer um do Rio pode ter encomendado a morte dos dois, pois o Geraldinho não tinha o apoio dos cariocas na negociata com os paulistas, nem dele próprio, o pai.
Nilo balançou a cabeça:
— Sabe o que eu acho? É chumbo trocado. O General mandou matar o Geraldinho, por algum rolo deles. E o Raul encomendou a morte do General, para vingar o filho.
— Vai saber! Nem eu, que sou da polícia.
Nilo sorriu, ironicamente:
— Vocês sabem de tudo, não me venha com lorota, só fingem que não. — E riu mais uma vez. — Mas esse caso vai acabar igual aos outros: em nada!
O próprio General era um exemplo do que Nilo acabara de dizer, sobre impunidade, que ia muito além dos assassinatos. Certa vez, condenado a seis meses de prisão pela 1ª Vara Distrital da Lapa, com mandado de prisão expedido, General não chegou a cumprir um dia sequer, pois logo foi expedido um contramandado: a Justiça concedera-lhe o benefício de sursis, apesar dos 17 inquéritos que tinha nas costas. Quem podia, então, com os bicheiros?
O delegado suspirou:
— Cá entre nós, estou pedindo a Deus que me tirem desse caso. — E justificou: — Desde o começo devia estar a cargo do Deic, pois é lá que investigam homicídio de autoria desconhecida. Aliás, tem um novo delegado titular lá, um tal de Basílio de Almeida, que dizem ser incorruptível. Queria ver ele se virar com esse abacaxi.
Nilo tranquilizou-o:
— O Secretário de Segurança é meu amigo. Acho que consigo ajeitar isso para você.
O esquelético Amaral, fumante alucinado, deu uma tragada:
— Veja o que consegue.
— Pode deixar.
Saindo dali, Nilo foi direto para seu escritório, na avenida Angélica. Seu gabinete faria inveja a qualquer executivo de multinacional: tinha por volta de sessenta metros quadrados e sobre a mesa com tampo de vidro, meia dúzia de aparelhos telefônicos. Estavam a 17 andares acima da Angélica e até chegar à sala do poderoso bicheiro, qualquer um teria que passar por um pequeno exército de homens altos e carrancudos.
— Como vai, Nilo?
Nilo levantou os olhos:
— Felipe? Você aqui?
— Os seguranças me revistaram. O que houve?
— Ah, desculpe por isso, é que também recebi uma ameaça de morte!
— Quê? Quando foi isso?
— Faz uma hora, por telefone. Eu tinha acabado de falar com o Secretário de Segurança Pública e daí me ligaram.
— E o que disseram?
— "Fique esperto, pode acontecer com você o que aconteceu com o General".
Felipe estava preocupado:
— O mesmo que disseram para mim. Já avisou a polícia?
— Já, acabei de ligar para o delegado Amaral, da 43, mas em breve esse caso estará nas mãos do Deic, segundo o secretário.
— Sei...
Nilo tomou fôlego:
— Estou pensando em sumir por uns tempos e pensei em viajar, só que estou preocupado com você. Acho que você devia se mudar para a Fortaleza, igual ao Daniel.
— Vou pensar. Talvez fosse melhor mesmo...
— Pense, mas pense rápido. E voltando à viagem, eu vou precisar de sua ajuda para despistar a turma. Depois te explico os detalhes. — Nilo pigarreou: — Outra coisa, sobre negócios... Você consegue tocar até eu voltar?
— Não tem outra pessoa?
— Não, e como sempre digo, só tenho você de confiança.
Felipe não estava muito a fim de lidar novamente com aquelas questões. Substituíra Nilo por duas vezes, tendo feito várias bobagens na primeira, mas se saído bem na segunda.
À época, a primeira convocação pegara o músico de surpresa...
— Gostaria que você me ajudasse nos negócios, enquanto faço a cirurgia.
— Eu?
— Sim, você! Minha esposa já morreu e além da minha filha, você é a única pessoa em quem confio, só que Ângela seria uma presa fácil. Além de não ter mulheres nesse ramo, ela não leva o mínimo jeito.
— E por acaso eu levo? Sou músico e lá entendo de jogo do bicho? Não sei nem quantos bichos são."
Nilo riu:
— Isso são apenas detalhes, você aprende. O que importa é seu raciocínio rápido. Eu observo como você conduz os seus negócios.
— Negócios? Se administrar uma escola de música pode ser chamado de negócio... Bem, eu sou o maior dos empresários.
— Não importa a empresa, se não souber levar vai para o buraco do mesmo jeito. Não dizem que os melhores economistas são as donas de casa? E sempre gostei das suas ideias.
— Andei falando alguma coisa?
— Em alguma dessas conversas que a gente teve, durante uma cervejinha ou outra. Mas não se preocupe: vou estar ao seu lado, dando todas as dicas. E será por um período curto.
— Tudo bem. Acho que chegou a hora de eu retribuir a ajuda que você me deu.
Felipe voltou ao presente:
— Nilo, mas que fique claro, sem essa conversa de ser seu sucessor, está bem?
Nilo era prático e não estava preocupado com o futuro, queria apenas resolver o presente:
— O futuro a Deus pertence.
— E por quanto tempo Nilo?
— Uns dois meses, não mais. Até a temperatura baixar. Daí eu volto do meu esconderijo.
Diante da situação, Felipe aceitou:
— Tudo bem, sem problemas.
— Ótimo! Vamos então combinar como será a minha "fuga"...
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