░CACHORRO░
I
— Felipe! Onde nós estávamos com a cabeça?
Ele olhou Larissa com olhos de quem saciara sua sede:
— Em sexo!
— Ora, não seja vulgar.
— Vulgar? Se o que houve aqui não foi sexo...
Ela sorriu. Um sorriso meigo, doce, que Felipe adorava.
— Sim, eu sei, mas prefiro dizer que pensávamos no amor. Um amor sufocado, talvez morto, que ressuscitou depois de vinte anos...
— Em mim ele nunca esteve morto.
— Eu sei...
— Não, não sabe. Se soubesse, não teria me deixado partir sozinho, naquele dia.
— E você pensa que foi fácil? Pensa que não quis dizer que te amava, que queria ir para o fim do mundo com você?
— E por que não o fez?
Larissa baixou a cabeça, como se de repente tivesse voltado à realidade. À sua frente surgiu a imagem do marido, dos filhos, dos pais. De acordo com sua religião, deu-se conta da pecadora que era; da adúltera que se tornara. Se recriminava Felipe por agir como um cão à procura da fêmea no cio, esquecia-se o quanto também poderia ser julgada. Ele notou a repentina mudança em seu semblante:
— O que houve?
— Como vai ser agora? Sou uma adúltera.
— Adúltera?
— E que outra palavra você tem para o que eu fiz?
Felipe balançou a cabeça, rindo:
— Pronto! Dois pecadores, agora só falta seu pai para nos apedrejar em praça pública.
— Não brinque com isso!
Mesmo assim, ele considerou as complicações do ato:
— Do ponto de vista jurídico, sim, você de fato é uma adúltera¹.
— Preocupa-me muito mais a lei de Deus do que a dos homens.
— Ora, mas você mesma não acabou de dizer que tudo o que houve aqui foi amor? Se realmente acredita em Deus, acha que Ele é contra o amor? Acha que Ele aprova que você viva com um homem sem amá-lo? Ou que aprove a mentira?
— Mentira?
— Claro. Ou você não mente ao Henrique toda vez que diz que o ama?
— Não reduza a isso, Felipe, eu não minto para ele. Eu realmente o amo, só que é um amor...
Felipe cortava-lhe as palavras:
— Há vinte anos você disse que havia muita coisa em jogo. Realmente havia: interesse familiar, gratidão, pena... Não?
Larissa continuava com a cabeça baixa:
— E amor também.
Felipe desdenhou:
— Não, nem mesmo o tal do amor universal, pois se casar com uma pessoa por gratidão ou pena é faltar com a caridade, não acha?
Larissa concordava, ainda que julgasse que havia exageros da parte dele. Felipe prosseguiu:
— E quanto a mim?
— O que tem você?
— Você sempre alimentava minhas esperanças e depois recuava...
— Eu não sabia ainda o que queria da vida, só tinha dezoito anos.
— E por que não disse logo que não queria nada comigo? Por que não me desiludiu de uma vez?
— Infantilidade.
— Infantilidade? A mim sempre pareceu um jogo, a festa do "estica e puxa", pois até no último instante você disse que poderia ter dado certo, mas havia muita coisa em jogo.
Larissa desviou o olhar para o mar:
— Reconheço que errei — e voltou a encará-lo —, mas não estou aqui? Quer prova maior do meu amor?
— Pode ter sido apenas o que eu disse no início: sexo. Em geral, ele move as pessoas a fazerem loucuras.
Mais uma vez ela tinha que lhe dar razão. Haveria mesmo amor ou fora apenas uma atração irresistível? Precisava esfriar a cabeça e pensar. Levantou-se:
— Vou tomar um banho.
Enquanto ela se afastava, Felipe a observou de corpo inteiro, praticamente nu. Para quem tivera dois filhos, Larissa mantinha-se em esplêndida forma. Assim que ela entrou no banheiro e fechou a porta, ele deixou-se cair na cama e jogou os braços para trás, satisfeito, apesar de tudo.
II
— Admira-me que não haja empregados aqui.
— Há o caseiro e a mulher, Flávio e Alessandra. Eles vêm três vezes por semana. Hoje era dia deles, mas os dispensei. Virão amanhã, em troca de hoje.
— Ah!... Muito conveniente. Você premeditou tudo, então...
Ele confirmou:
— Sim!
— Não sei por que ainda me espanto...
Felipe tocou os cabelos de Larissa:
— Você fica linda com os cabelos molhados.
— Sou linda de qualquer jeito, meu amor.
— Pude comprovar isso.
Felipe havia preparado uma mesa de café, enquanto ela tomava banho. Larissa sentou-se.
— Está mais calma? — perguntou ele, dedilhando sobre a mesa como se tocasse uma escala ao piano
— Estou, mas não quero mais falar sobre o assunto, não por enquanto.
— Não é amanhã que seu marido chega?
— É. — Tomou de uma copo e serviu-se. — Deixa eu provar o suco. Espero que o tenha feito tão bem quanto toca piano.
— É bem provável que não.
— Hum... Até que está bom.
A conversa continuou amena, sem grande profundidade, até que um suave toque da mão de Felipe, deslizando pelo braço dela, desencadeou tudo de novo. Da troca de olhares, repletos de desejo, a um caloroso beijo, os "lençóis macios" reencontraram seus corpos uma segunda vez.
III
Almoçaram no mesmo local do dia anterior. A refeição não transcorreu tão intempestiva quanto antes, mas o pudor excessivo deixou o clima quase idêntico. Mais tarde, Felipe levou-a para casa e assim que chegaram, seguiu-a em silêncio, acomodando-se numa cadeira, enquanto ela pegava água na geladeira, pensativa. Era impressão sua ou o ímpeto que Felipe nunca tivera — e que aflorara subitamente, tinha também esfriado na mesma proporção? Entendia, porém, que toda a situação devia ser complicada para ele, o fato de ela estar casada e ter dois filhos. Sentindo-se confusa, acabou por desviar o assunto:
— Estou preocupada com o seu Maurício...
— Por quê?
— Com certeza vai dar um jeitinho de dizer ao Henrique que nos viu juntos.
— E quanto aos vizinhos?
— Não conhecemos quase ninguém e a maior parte das casas são de veraneio. Não há ninguém com intimidade suficiente para chegar no meu marido. Já o seu Maurício...
— Pois é, Larissa, todo cuidado teria sido pouco, mas agora é tarde.
A buzina de um carro a fez tomar um susto:
— Ouviu a buzina?
— Ouvi.
— Meu Deus!, deve ser o Henrique! E agora, Felipe?
— Acho melhor eu sair pela porta dos fundos.
— Mas o seu carro está aí na frente!
— É mesmo. Bom, então eu vou ter de me esconder embaixo da cama. Ou no guarda-roupa.
— Não brinque.
— Vamos manter a calma, Larissa, pois não estamos fazendo nada de errado.
— Você tem razão. Vamos fazer de conta que você me encontrou na cidade e me trouxe aqui. E eu lhe ofereci um café.
— E isso não é nenhuma mentira.
— Então fique aqui — pediu ela, e saiu.
IV
Larissa perguntava-se por que Henrique ainda não tinha entrado, mas logo percebeu: não havia outro carro na rua, apenas o de Felipe.
— Felipe, venha aqui.
Ele achou estranho que ela o chamasse, mas saiu e quando viu o que acontecia, indagou:
— Mas quem buzinou, afinal?
— Aquele carro ali na frente, nada a ver comigo. Ainda bem.
— E por que deveria ser o Henrique? Ele não disse que só vem amanhã?
Larissa não respondeu. Seu coração novamente disparou. Felipe aproximou-se dela:
— O que houve?
Antes mesmo que ela pudesse dizer qualquer coisa, um carro preto, que há pouco virara a esquina, parou atrás do conversível. Felipe logo notou o que estava acontecendo:
— Parece que ele resolveu mesmo antecipar a vinda, não é?
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¹Em 1990, o adultério ainda era considerado crime no Brasil. De acordo com o Código Penal da época, o artigo 240 previa pena de detenção de 15 dias a 6 meses para quem cometesse adultério (e também para o 'corréu'). A ação penal só podia ser iniciada pelo cônjuge ofendido e dentro de um mês após o conhecimento do fato. No entanto, o adultério deixou de ser crime em 2005, com a revogação desse artigo pela Lei nº 11.106, passando a ser tratado como uma questão civil, e não penal. Isso significa que, em caso de traição, o cônjuge traído pode pedir uma indenização por danos morais, mas não pode prender o cônjuge infiel.
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