Capítulo 36
Quanto tempo eu esperei alguém
Eu andava sem ter direção
Inventei caminhos, me perdi
Me encontrei quando te conheci
O Terno - Não espero mais
Passo o dia seguinte como um zumbi. Arrumo minhas malas e cuido dos últimos preparativos para o ingresso no alojamento da faculdade. Estou tentando não pensar em Cris. Lavínia me garante que estará comigo na rodoviária até o último segundo e praticamente obriga Emílio a fazer o mesmo. Tenho muita sorte em ter amigos como eles. Tia Fabrícia vai chamar um táxi para mim quando chegar a hora, porque ela não faz questão de me acompanhar até a rodoviária. Estou tentando não pensar em Cris.
Meus olhos ainda estão inchados. Passei a noite toda chorando, mas nada que um óculos de sol não resolva. Amanhã começo uma nova vida longe daqui, é nisso que devo me concentrar. Não em Cris. Eu fiz tudo o que estava ao meu alcance, abri meu coração, escancarei meus sentimentos para ele, agora tudo o que me resta é aceitar minha derrota. E acreditar que algum dia a dor de perdê-lo se torne suportável.
Não me lembro de ter comido. Não me lembro sequer de ter tomado banho. Quando dou por mim, estou na sala com uma mala de mão e uma de rodinhas, além da mochila nas minhas costas, esperando pela chegada do táxi. Ouço o som dos sapatos de Tia Fabrícia quando ela vem ficar do meu lado.
— Que Deus tenha piedade de sua alma em São Paulo — ela diz com sua voz rígida. Nem mesmo a despedida do sobrinho é capaz de amolecer seu coração de pedra.
Mas, depois de tudo o que passamos, estou muito cansado para discutir com a minha tia, então apenas lhe lanço um sorriso triste.
— A senhora não vai sentir a minha falta, não é?
Tia Fabrícia bufa, contrariada.
— Ora, como pode pensar isso? Apesar de tudo você é meu sobrinho, é claro que...
— Não precisa mentir, tia. Eu sei que apenas suportava a minha presença aqui por causa do meu avô.
Minha tia fica me olhando como se me analisasse profundamente, até que algo se modifica em sua expressão, uma suavidade que eu nunca havia visto antes. Então ela suspira.
— Você é igualzinho a sua mãe, sabia? Não só na aparência. Ela também dizia o que pensava, sem se importar se magoaria alguém com suas palavras. E quando queria algo, corria atrás e agarrava com as duas mãos. Ninguém podia impedi-la de nada.
Fico olhando de queixo caído. Eu nunca tinha ouvido minha tia falar assim da minha mãe. Não é exatamente gentil, mas pelo menos ela não a acusou de nada dessa vez. É então que percebo que essa talvez seja minha única chance de arrancar a verdade dela.
— Como ela era?
Tia Fabrícia dá de ombros.
— Você já sabe.
— Não, quero dizer quando vocês duas eram pequenas. Como era o relacionamento de vocês?
Fico esperando por uma repreensão por perguntar algo íntimo. Mas é a minha mãe, eu tenho o direito de saber.
No entanto, surpreendentemente, minha tia não se aborrece comigo dessa vez, apenas me encara longamente antes de falar:
— Nós éramos próximas, se é isso que quer saber. Eu sempre fui mais pé no chão, mas sua mãe era uma idealista, vivia com a cabeça no mundo das nuvens. Todos os dias, antes de dormir, ela inventava uma história maluca e me obrigava a ouvir até eu fingir que tinha dormido. Era irritante — ela faz uma pausa, pressiona a ponte do nariz, então solta as próximas palavras em um sussurro quase inaudível. — Eu a amava.
Estou chocado demais para dizer algo inteligível. Nunca pensei que minha tia fosse capaz de amar algo ou alguém além de si mesma, mas aí está...
Fico pensando se deveria abraçá-la ou não. Depois de todas as brigas, repreensões e castigos, não sei como reagir a sua confissão. Dou um passo incerto em sua direção.
— Tia, isso é...
Nesse momento, a buzina do táxi fere nossos ouvidos, nos despertando do transe. Tia Fabrícia rapidamente endireita a coluna, voltando a sua postura rígida de sempre.
— É melhor ir logo, antes que perca o ônibus.
Suspiro em derrota. Ainda falta mais de meia hora para o ônibus sair, mas não adianta discutir. Sei que o momento de abertura já passou, então apenas assinto, resignado.
— Adeus, Teobaldo — é a última coisa que minha tia me diz antes de eu deixar sua casa para sempre.
***
Estou parado diante da plataforma de embarque, com minhas malas aos meus pés, esperando a chegada do ônibus. Não vejo nenhum rosto conhecido ao redor. Sinto frio apesar do calor que está fazendo, então visto uma jaqueta, me sentindo a pessoa mais solitária do universo.
Téo: Lavínia, cadê você? Eu já estou aqui na rodoviária.
Lavínia: Ah, eu sinto muito, Téo... surgiu um compromisso de última hora, não vou conseguir chegar a tempo.
Téo: Que compromisso de última hora pode ser mais importante que se despedir do seu melhor amigo?
Lavínia: Eu sinto muito mesmo, não dá para explicar agora...
Tento não me frustrar muito com isso, embora um sentimento vazio de perda e decepção comece a tomar conta do meu corpo.
Téo: Emílio? Você pelo menos vem, né?
Emílio: Desculpa, Téo. Minha mãe acabou de sair, tenho que ficar para cuidar dos meus irmãos.
Téo: Jonas?
Jonas não responde nada. Que tipo de amigos eles são?
O ônibus finalmente chega, o barulho alto do motor sufocando minha raiva. Tento não pensar em nada enquanto deixo as malas no bagageiro e subo com a mochila. Não tem muita gente, no máximo umas dez pessoas, então pelo menos será uma viagem tranquila. Escolho um dos últimos assentos e, enquanto me ajeito para sentar, recebo mais uma mensagem de Lavínia:
Lavínia: Você já está dentro do ônibus?
Téo: Sim.
Lavínia: Sozinho?
Téo: Claro que estou sozinho, se não se lembra acabei de ser abandonado pelos meus amigos.
Lavínia: Hum.
Reviro os olhos para a tela do celular, guardando o aparelho no bolso da calça. Não estou com a menor paciência para tentar decifrar o que significa esse "hum".
Então mudo de ideia e pego o celular de volta. Ponho os fones e abro o Spotify, colocando uma playlist qualquer para tocar. No entanto, pelo visto, até o Spotify resolveu me sacanear hoje, porque a música que toca é Não espero mais, da banda O Terno.
Grunho para o celular, dando pause na música. Não estou em condições de ouvir músicas felizes e apaixonadas no momento. Viro para o lado da janela, fechando os olhos e cruzando os braços. Com alguma sorte, conseguirei dormir.
Não passa nem dois minutos, quando a sombra de alguém tampa a pouca luminosidade que consigo enxergar dentro das pálpebras.
— Oi — diz uma voz que conheço muito bem. Uma voz que sempre faz meu coração acelerar. — Posso me sentar aqui?
Abro os olhos lentamente, com medo da minha mente estar me pregando uma peça. Mas Cristiano está bem aqui, com uma mão apoiada no banco da frente e uma mochila jogada de lado no ombro esquerdo. Está vestindo uma calça jeans escura e uma camiseta branca com listras estreitas e espaçadas em azul marinho. Seus cabelos negros estão perfeitamente desgrenhados, do jeito que o faz parecer um modelo que acabou de sair do banho. E tem um sorriso tímido no rosto, o suficiente para deixar à mostra sua covinha.
Eu reparo em tudo isso, tentando assimilar sua presença aqui enquanto me seguro para não gritar. Se o fizesse, poderia cair morto no chão do ônibus, e não posso morrer agora.
— Claro — consigo dizer, me esforçando ao máximo para me conter enquanto sinto a pulsação bater no fundo da garganta.
Cris acomoda sua mochila no compartimento suspenso junto a minha, e então se senta ao meu lado. Estou com os olhos pregados nele, a boca aberta em uma expressão congelada de surpresa.
Cris não diz nada. Apenas olha para suas mãos em seu colo, alargando o sorriso como se não conseguisse segurar. O motor do ônibus volta a ganhar vida, roncando alto.
— O que... — experimento dizer, tentando controlar as batidas do meu coração. — O que está fazendo aqui?
Ele se vira para me encarar, o que me causa uma nova onda de palpitações.
— O mesmo que você, eu suponho. Indo para São Paulo, fazer minha matrícula na USP.
— Mas... eu pensei que seu pai fosse te levar de carro.
Ele dá de ombros.
— Eu preferi vir de ônibus.
Fico encarando, mal ousando respirar.
— Cris, isso significa... O que isso significa? — faço uma pausa, lutando para controlar meu nervosismo minimamente. — Significa que você me perdoou?
— Eu já te perdoei há muito tempo, mas não sabia se conseguiria confiar em você de novo. Esse tempo todo em que ficamos afastados... foi tão doloroso. Eu fiquei pensando naquilo que você me disse, sobre não deixar que Nicolas ganhasse de novo, então percebi que não estava sendo justo comigo mesmo, que estava me privando de algo pelo simples medo de ser feliz.
— Espera, então você leu as minhas mensagens?
— Eu li, sim. Li cada uma delas, mas ainda não estava pronto para responder nada. Só ontem, depois que você foi embora lá de casa, eu finalmente entendi que precisava fazer alguma coisa ou iria te perder para sempre.
Em algum momento enquanto ele falava, minha mão pousou sobre a dele. Em vez de afastá-la, Cris a agarrou com força, como um bote salva-vidas.
Eu não consigo parar de sorrir.
— Aí você teve essa ideia de vir me encontrar na rodoviária?
— Sei que foi uma ideia maluca, mas eu pensei que se você podia fazer um escândalo na porta da minha casa, eu podia fazer isso também. Tive que correr para conseguir preparar tudo, mas no fim deu certo. Eu pedi para que seus amigos não viessem, porque queria fazer uma surpresa para você.
A mensagem de Lavínia finalmente faz sentido.
— Eles sabiam? Que bando de traidores!
— Não brigue com eles, a culpa foi minha.
Cris tem uma expressão leve e divertida na face que me faz derreter. O ônibus dá um tranco para frente, colocando-se enfim em movimento, o que nos faz aproximar mais.
— Eu quero tanto te beijar.
Inclino o corpo sobre o dele, ansioso para alcançar seus lábios, mas Cris me segura com o punho no alto do peito, deixando um espaço mínimo entre nós.
— Espera, Téo. Se vamos mesmo tentar de novo, temos que fazer isso do jeito certo desta vez. Você precisa me prometer que nunca mais vai esconder mais nada de mim. Temos que ser honestos um com o outro a partir de agora.
Olho no fundo dos seus olhos, mantendo a expressão séria e firme para que ele saiba que pode confiar em mim.
— Eu prometo, Cris. Eu vou te contar tudo, nunca mais vou mentir para você, eu juro. Juro pela alma da minha...
Não consigo terminar a fala porque Cris me puxa para frente, quase fazendo nossos rostos se chocarem. Sinto seu hálito de menta sobre mim. Meu lábio inferior formiga com a perspectiva de tocá-lo. Cris sobe a mão para o meu pescoço e sorri quando seus dedos encontram a corrente do escapulário. Uma veia pulsa descontrolada contra sua pele.
— Não precisa jurar pela alma da sua mãe. Eu acredito em você.
Nossos lábios finalmente se tocam, selando o pacto mútuo. É um beijo desajeitado a princípio, devido ao movimento cadenciado do ônibus, mas que vai se tornando intenso e profundo à medida que a língua de Cris avança sobre a minha boca, preenchendo-a por completo.
Por um momento me sinto inebriado pela sensação dos seus lábios contra os meus, a pele quente e macia, o milagre de poder beijá-lo de novo. Mas então Cris me afasta delicadamente com as mãos e, antes que eu possa reclamar, vejo uma preocupação em seus olhos direcionada a um dos bancos da frente. Um homem de meia idade, de cabelos grisalhos e bigode fino está com o pescoço virado para trás, nos encarando com um misto de nojo e desprezo.
Minha vontade é de ir mandá-lo tomar conta de sua própria vida, mas não quero estragar meu momento com Cris com uma briga desnecessária, então apenas solto um grunhido contrariado.
— É melhor não fazermos isso aqui — Cris diz em um tom decepcionado.
— Tudo bem. — Volto a me ajeitar no banco, inclinando o corpo para o lado para me encostar nele, então digo em um sussurro. — Mas assim que pararmos no primeiro posto, você não me escapa.
Ele volta a sorrir, puxando minha mão para o seu colo e entrelaçando nossos dedos.
— Mal posso esperar.
Sorrio de volta, relaxando e deitando a cabeça em seu ombro. Então me lembro do que ouvi de Bianca e endireito a coluna no assento.
— Cris, é verdade que socou a cara de Heitor?
Cristiano dá de ombros, mas como continuo a interrogá-lo com os olhos, diz finalmente:
— Eu tinha que socar alguma coisa. Pensei em fazer isso com o Nicolas, mas Bianca disse que já tinha batido nele por nós dois.
— Heitor quebrou o maxilar.
— E agora pensará duas vezes antes de espancar alguém da forma covarde como fez com você.
— Caramba, Cris. Você tem que me prometer que nunca mais vai quebrar a cara de ninguém.
Ele parece pensar por um momento, então volta a me olhar.
— Prometo não quebrar a cara de ninguém que não mereça.
Balanço a cabeça em descrença.
— Como é que você pretende ser um advogado se só faz justiça com as próprias mãos?
Ele arqueia uma sobrancelha, me olhando com uma expressão divertida na face.
— Você falou igual ao meu pai. Ele me deu um sermão de duas horas sobre isso.
— Você devia ouvi-lo, seu pai sabe o que diz. — Aperto sua mão contra a minha, acariciando a lateral com o dedão. — Não acredito que está mesmo aqui.
Como resposta, ele abre um sorriso luminoso, e por um momento eu me perco em seus traços.
— Agora tudo será diferente. Não quero nunca mais ter que me esconder.
— Não vou deixar você se esconder. Nós vamos sair e ir em todas as festas possíveis — de repente, sou invadido por um sentimento de empolgação e a expectativa por tudo que nos aguarda pela frente. Nossa vida em São Paulo. — E vou te levar em uma boate gay e...
Cristiano suspira alto.
— Eu não acho que uma boate gay seja o meu tipo de lugar...
— Mas Cris, você precisa ir pelo menos uma vez para experimentar. De qualquer forma, temos que tirar muitas selfies e lotar o feed do Nicolas com fotos nossas. Não podemos esquecer de agradecê-lo todos os dias por ter nos juntado.
Sua risada preenche o ar. Algumas cabeças se viram para nos olhar, mas Cris não dá bola dessa vez.
— Esse sim é um bom plano.
Abro um sorriso presunçoso.
— Você tem que admitir que é brilhante.
Dou uma piscadinha, então volto a relaxar do meu lado do banco. Depois de um tempo, tiro o celular do bolso e divido o fone com Cris, colocando de volta a playlist que antes eu tinha pausado. Vamos ouvindo O Terno enquanto o ônibus avança pela estrada escura, dessa vez a música fazendo total sentido. Definitivamente, valeu a pena esperar.
Olá, pessoal, como vão?
Demorei, mas cá estou trazendo o último capítulo de QSQ para vocês <3'
Me contem o que acharam desse final, gostaram da surpresa de Cris? Acharam que ficou faltando algo?
Obrigada a todos que acompanharam até aqui e me desculpem pelas falhas...
O livro acabou, mas sinto que ainda há muito a ser explorado sobre Téo e Cris. Talvez eu faça um conto futuramente mostrando um pouco da vida de universitários deles em São Paulo, de Cris se abrindo para novas amizades e se tornando mais confiante, e Téo sendo essa pessoa caótica e divertida que é, e completamente apaixonado pelo namorado. Ainda tem a questão do avô do Téo que não sabe sobre a sexualidade do neto e o medo que ele tem de ser rejeitado. Enfim, são muitas possibilidades...
Antes de sair, não se esqueçam de votar e comentar!
Nos vemos na próxima história ;)
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