Capítulo 32
Voltar ao colégio Pádua depois de tudo é como reviver todo o horror da formatura pela segunda vez. Sinto os olhares e conversas sobre mim onde quer que eu vá. As pessoas me evitam como se eu tivesse alguma doença contagiosa. O único motivo para eu estar aqui agora é a esperança de encontrar Cris e falar com ele. No entanto, não o encontro em lugar algum. Eu devia ter imaginado que ele não viria.
O diretor me chama em sua sala para uma longa conversa constrangedora sobre tudo o que houve. Ele parece mais interessado em me dar um sermão sobre ser mais cauteloso e cuidar da minha imagem para evitar novos escândalos para o colégio do que me apoiar ou me punir. Mas no fim, ele entende que fui tão vítima quanto Cristiano nessa história. Por ironia, a responsabilidade de tudo fica com Heitor e ele é o único a receber uma suspensão pela exibição do vídeo. Nicolas, mais uma vez, escapa ileso.
O dia mal começou e eu já me sinto exausto. Assim que me livro da conversa com o diretor, vou direto para a sala a fim de evitar qualquer possível abordagem, onde pretendo me afundar até a hora da saída. No entanto, sou barrado por Nicolas no corredor:
— Muito bem, Téo. Meus parabéns — diz ele em tom sarcástico, com aquele sorriso que me faz querer socá-lo. — Eu não estava botando fé, mas no fim você fez a coisa certa e cumpriu com o combinado.
— Eu não tive nada a ver com aquele maldito vídeo!
— Ah, mas sem a sua colaboração, nunca teria sido possível desmascarar Cristiano. Você foi uma peça fundamental para a execução do plano, apesar de nossos desentendimentos insignificantes.
— Desentendimentos insignificantes? — digo, tremendo de raiva. — Você mandou seu capanga me espancar!
— Tome cuidado com suas palavras, essa é uma acusação muito grave. Você tem alguma prova do que diz?
Apesar da raiva que sinto, a fala de Nicolas me deixa sem reação. É claro que não tenho provas, ele fez um serviço muito bem feito. E, mais uma vez, estamos diante de testemunhas que não hesitarão em me condenar.
Encolho os ombros e estou prestes a entrar na sala, quando uma figura feminina se precipita da massa de estudantes, aplicando um sonoro tapa no rosto de Nicolas.
— Aí está a sua prova. Agora deixe Téo e a minha família em paz, ou eu não respondo por mim!
Olho estupefato para Bianca, a face corada e ainda ofegante pelo tapa desferido. Nicolas faz uma cara de desgosto, a marca visível de quatro dedos contornando sua bochecha.
— Vou ignorar esse tapa, porque você está claramente descontrolada.
— Você ainda não me viu descontrolada!
Nicolas a olha espantado, mas não ousa dizer mais nada. Sob as vaias e xingamentos de alguns, ele desaparece porta adentro. Então todos voltam sua atenção para o que estavam fazendo antes, como se nada tivesse acontecido. Ninguém parece disposto a comprar uma briga com Bianca.
— Téo, você está bem?
Por um momento apenas a encaro, paralisado. Se há um tempo atrás alguém me dissesse que Bianca Batista me defenderia contra Nicolas, eu teria dado risada.
— Acho que sim... o que foi que acabou de acontecer aqui?
Ela coloca uma mexa loira atrás da orelha, me olhando meio envergonhada.
— Já estava na hora de alguém enfrentar aquele filha da puta. Eu exagerei?
— Não, aquilo foi brilhante. Embora seja inesperado.
— É, eu sei que me comportei como uma mimada fútil esse tempo todo, mas eu não fazia ideia sobre Cristiano. Eu só fiquei com Nicolas porque achei que ele era o garoto que mais irritaria o meu pai.
— Que bom então que você mudou de opinião.
Ela abre um sorriso triste.
— Antes tarde do que nunca. Me avise se Nicolas voltar a te incomodar.
— Obrigado. E Bianca, quanto ao seu irmão... como ele está?
Bianca me olha com uma expressão não muito promissora.
— Como você deve imaginar, não está sendo fácil. Cristiano já quebrou cinco vasos desde aquela noite, agora está na fase "isolado no quarto". Meu pai conversou com o diretor do colégio, e como as notas dele são mais do que suficientes para passar de ano, ficou decidido que Cristiano não precisava mais voltar para assistir as últimas aulas. Agora ele só sai de casa para correr, para aliviar o estresse, e porque sabe que não vai encontrar nenhum rosto conhecido às cinco horas da manhã.
Sinto um bolo se formar na boca do estômago.
— Ele nunca vai me perdoar, não é?
— Eu não acho que meu irmão seja do tipo que perdoa fácil... Eu sinto muito, a culpa de tudo é minha. Nada disso teria acontecido se eu não tivesse resolvido ficar com Nicolas.
— Mas no fim fui eu que aceitei a proposta de Nicolas, então só estou pagando pelo meu erro. Cris foi o único que nunca mereceu nada disso. Eu mesmo não me perdoaria...
— Não seja tão duro consigo mesmo. Todos nós cometemos erros. Dê um tempo para a poeira abaixar, e aí quem sabe.
Solto um suspiro, cético. Acho que nem ela acredita no que acabou de me dizer. Ainda assim, Bianca aperta meu ombro no intuito de me confortar.
— Eu tenho que ir agora — diz ela. — Se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo.
— Obrigado.
Não tenho coragem de encarar ninguém durante a aula. Não sei dizer o que não suporto mais: os olhares julgadores da maioria de meus colegas de sala, ou os de compaixão de meus antigos amigos. Jonas tenta uma aproximação desajeitada, mas eu me fecho para qualquer tipo de contato. No intervalo, invento que estou com dor de cabeça para ir embora. De qualquer forma, não conseguiria me concentrar em aula nenhuma.
Passo o dia todo como um zumbi, andando de um lado a outro do quarto sem conseguir fazer nada de útil. A cena do vídeo na formatura continua passando pela minha mente como um filme de terror. Não consigo parar de pensar em Cristiano. Preciso fazê-lo me ouvir de alguma forma.
***
Acordo às quatro da manhã após um sono agitado, com o coração acelerado. Pego uma bicicleta velha esquecida no quintal e saio sem que minha tia perceba. Não sei exatamente em que ponto decidi ir atrás de Cristiano, mas agora que estou a caminho, não consigo me imaginar fazendo outra coisa.
Deixo a bicicleta em um terreno baldio próximo da avenida onde sei que ele corre todas as manhãs, sem me importar que alguém possa roubá-la, então fico esperando que Cris apareça.
Estamos no verão, mas posso sentir a brisa fresca da madrugada em minha pele. A avenida é cortada por um córrego com uma mureta de concreto contornando sua margem para a segurança dos transeuntes. Há uma passarela arborizada por toda a sua extensão que é muito popular para a prática de esportes em Salto Belo. Ela está deserta a essa hora, mas aos poucos os mais corajosos começam a aparecer para a caminhada matinal.
Eu espero pelo que parece uma eternidade, até finalmente avistá-lo: Cristiano correndo com fones de ouvido, a face corada e o cabelo preto bagunçado balançando contra o vento, alheio ao mundo ao seu redor. Sinto um nó no peito, mas me obrigo a correr até ele.
Cris fica chocado ao me ver, estancando no centro da passarela como uma estátua viva. Arranca os fones em um gesto brusco, mas antes que eu diga qualquer coisa, volta a correr, passando por mim como se eu fosse apenas um obstáculo a ser ultrapassado. Corro atrás dele, tentando alcançá-lo.
— Cris, espera! Precisamos conversar.
Ele mantém o ritmo, inabalável. Mas, pelo menos, não colocou os fones de volta.
— Não tenho nada para conversar com você.
Não tenho o mesmo fôlego que ele e meus pulmões ardem em protesto por correr na mesma velocidade, mas eu me recuso a ceder.
— Cris... por favor... você tem que... me ouvir... pode me mandar... embora, mas...
Meus dedos quase alcançam a barra da camiseta de Cris, quando ele para de repente e se vira, quase nos fazendo trombar. Apoio minhas mãos nos joelhos, inspirando e expirando como um cachorro após seu passeio matinal.
— Está tentando se matar? — Cris acusa com raiva. Não parece nem um pouco cansado.
— Não, só... estou tentando... falar com você...
Cris olha para cima, como se buscasse auxílio dos céus. Então me puxa para a sombra de um Ipê, a tempo de nos tirar da rota de colisão com um bombado com cara de poucos amigos que vinha a uns vinte quilômetros por hora.
— Diga logo e depois vá embora. Não quero atrasar ainda mais a corrida.
Ele ainda não me olha nos olhos, mas pelo menos agora tenho sua atenção. Inspiro fundo algumas vezes, esperando minha respiração normalizar para começar a falar.
— Eu não sabia daquele vídeo, você precisa acreditar em mim. Eu não fazia ideia do que Nicolas pretendia.
— Mas ainda assim você se aliou a ele. Aceitou aproximar-se de mim por interesse próprio. Mentiu esse tempo todo.
— Não! Quer dizer, sim... eu cometi um erro ao aceitar aquela proposta, mas me arrependo disso todos os dias. Depois que te conheci melhor... trair você era uma tortura para mim. Eu tentei desistir do acordo, mas Nicolas começou a me ameaçar para que eu fizesse o que ele queria. Eu trocaria de lugar com você de bom grado só para não vê-lo sofrendo mais.
— Isso não muda os fatos, Téo. Você traiu a minha confiança, isso não é algo que possa ser consertado.
— Mas... se você me perdoasse, nós podíamos esquecer tudo isso e começar de novo, do zero. Por favor...
Ele finalmente me encara, mas seus olhos estão nublados, a raiva estampada na face.
— Como pode me pedir algo assim? Como espera que eu esqueça toda a humilhação, aquela gente toda me olhando como se eu fosse algum bicho exótico, os xingamentos, tudo... não, é impossível.
— Olha, eu sei que é uma situação de merda, mas... as pessoas saberem que você é gay não é o fim do mundo. Claro que vai ser difícil no começo, mas daqui a pouco todo mundo esquece daquele vídeo e aos poucos você pode voltar a ter uma vida normal.
— Você sabe que as coisas não são fáceis assim. Metade da minha vida eu fui refém do medo do que Nicolas poderia fazer comigo. Ele me fazia pensar que o que eu sentia era errado, que eu não passava de uma aberração, que nunca poderia ser feliz. Eu estava apenas começando a superar isso, quando você...
Cris cerra o maxilar, incapaz de completar a frase. Tudo o que eu queria era tocá-lo agora.
— Mas agora você está livre dele. Nicolas não pode fazer mais nada contra você. Cris...
Em um gesto involuntário, ergo a mão em direção ao seu rosto, mas Cristiano se afasta, como se meu toque fosse ácido. Sinto um nó na garganta. O aperto em meu peito quase me dilacera.
— Você nunca vai me perdoar?
— Eu não acho que seja capaz...
Respiro fundo, lutando para permanecer inteiro.
— De qualquer forma, você não terá que me aturar por muito mais tempo. Eu vou morar com o meu avô no ano que vem, então nós nunca mais vamos nos ver.
Cris me olha com uma expressão estranha, e por um momento acho que pode simplesmente me mandar embora. Está prestes a dizer algo, mas por fim não diz nada. Então sua expressão se transforma em algo mais sombrio. A raiva que emana dele é quase palpável.
— É verdade que Heitor e os amigos dele te espancaram na final da Intercolegial?
A forma agressiva como ele diz me faz encolher contra o tronco do Ipê.
— Como... como soube disso?
— Jonas contou para Bianca, que me contou. É verdade, então? Sempre achei que tinha algo de estranho nessa história de queda da arquibancada.
Engulo em seco, desviando o olhar. Se a situação fosse outra, eu estaria surpreso com o fato dele mencionar o nome de Jonas junto ao de Bianca de forma tão casual. No entanto, tudo o que posso fazer é um gesto mínimo com a cabeça, confirmando, o que é o suficiente para a raiva de Cristiano atingir o seu ápice. Sem aviso, seu punho fechado encontra um ponto alto do tronco ao lado do meu rosto em um soco violento e furioso que quase me faz cair para trás.
— Por que você não me disse, porra?
Me recupero o suficiente para voltar a encará-lo.
— Porque eu tive medo de te perder. Se você soubesse o motivo... não ia mais querer saber de mim e isso eu não podia suportar.
Cris respira fundo, passando uma mão pelos cabelos a fim de se controlar.
— Bem, e agora você me perdeu de toda forma. É melhor nos separarmos aqui...
Suas palavras me atingem como uma descarga elétrica e eu entendo. Finalmente entendo. Está tudo acabado, para sempre. Uma lágrima solitária desce em direção à bochecha enquanto o vejo virar as costas para voltar a correr. Sinto algo se fechar em meu peito. Não posso deixá-lo ir assim.
— Cris, espera!
Limpo a lágrima quando ele volta a se virar. Então puxo o escapulário para fora da camisa. Eu vinha usando-o desde que o recebi de Cris, mas agora isso não faz mais sentido.
— O que é isso? — questiona ele, mais surpreso do que irritado.
Minha mão está tremendo, mas o estendo para ele.
— O escapulário da sua mãe... não posso mais ficar com ele depois de tudo o que houve.
Mais uma vez, vejo sua expressão se fechar. Só que agora há algo como uma tortura excruciante em seus olhos. Ele não faz menção de pegar a correntinha, e após um tempo segurando-a sou obrigado a abaixá-la.
— Não se devolve um presente dado de coração — diz ele, a voz embargada. — Ainda que a pessoa em questão não o mereça. Pode jogar fora se não o quiser mais, mas não irei aceitá-lo de volta. Agora, se me der licença, tenho uma corrida para terminar.
Suas palavras penetram minha alma, dilacerando meu coração por completo. Paralisado, fico vendo-o se afastar, correndo para longe de mim. Para cada vez mais longe...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro