Capítulo 3
Pare, do que diabos você está falando? (Ha)
Tire meu lindo nome da sua boca
Não somos iguais, com ou sem isso
Não fale sobre mim como se soubesse como me sinto
Está no topo do mundo, mas seu mundo não é real
Seu mundo é imaginário
Therefore I am - Billie Eilish
Sou um dos primeiros a chegar no colégio Pádua no primeiro dia de aula do ano letivo. Como venho com a minha tia e ela é professora, temos que chegar antes dos alunos, o que me deixa com tempo livre de sobra. Mas eu não reclamo. Graças a Deus não temos aulas de artes no colegial, porque não sei como suportaria minha tia como professora também.
Ela já entrou para a sala dos professores e eu fico zanzando pelo pátio vazio. O colégio não é muito grande, mas tem uma área aberta com um canteiro de Ipês rosa ao lado onde os alunos gostam de passar o tempo livre. O prédio é uma construção relativamente moderna, com tijolos cor creme e janelas grandes e bem arejadas para compensar o pouco espaço que temos. Ao fundo, depois da cantina, fica a quadra de futebol, o meu lugar menos favorito de todos.
Sei que a maioria dos alunos vai chegar em cima da hora ou se atrasar, todos querendo esticar as férias ao máximo. No entanto, me surpreendo com a entrada de uma família de três pessoas: o Dr. Joaquim Batista e seus dois filhos, Bianca e Cristiano. O homem veste um terno preto formal e óculos de aro de tartaruga. Caminha de expressão fechada, olhando com severidade para os filhos, ambos com o uniforme escolar. Cristiano tem o semblante neutro, mas sua irmã está de braços cruzados, em uma postura de visível revolta. Eles param ao meio do pátio. Parecem discutir.
E minha curiosidade fala mais alto que meu bom senso. Chego mais perto para ouvir o que estão falando, ocultando-me sob a sombra de um dos Ipês para que eles não percebam minha presença ali.
— Não insista, Bianca, eu já dei a minha palavra final — ia dizendo o Dr. Joaquim, muito irritado. — Não quero saber de você de conversinha com nenhum garoto. Nada de namoro enquanto seu irmão não estiver namorando também.
— Mas pai, isso é tão medieval! — Bianca cruza os braços, batendo os pés em indignação. — Só a Agnes já teve três namorados, por que não posso namorar também?
— Porque você não é a Agnes. Ao contrário, tem uma família zelosa que preza pelo seu bem e pela sua reputação. Você é muito nova para namorar e, além disso, ainda não sabe o que quer. Não há porque apressar as coisas com um namoro de que irá se arrepender depois.
— Eu sei o que eu quero! Quero ser livre para fazer as minhas escolhas, sem que precise pedir autorização para o meu pai ou para o meu irmão a cada passo que dou. Eu não sou mais uma criança!
— Enquanto você agir como uma, será tratada como uma.
— Você não pode me proibir de sair com quem eu quero!
— Não estou te proibindo, você pode sair com o seu irmão sempre que ele sair. E pode namorar quando ele também namorar.
Bianca parece prestes a explodir. Encara o irmão com fúria nos olhos, apontando um dedo acusador, como se pudesse transpassá-lo com ele.
— Olhe bem para ele, pai! Acha mesmo que existe alguma possibilidade de alguma garota querer alguma coisa com ele? Cristiano é um grosso, afasta todo mundo que tenta se aproximar dele. Não faz nenhuma questão de ser simpático e por isso não tem amigos. Você não pode me condenar a ter a mesma vida miserável que a dele.
— Isso não é verdade — Cristiano se manifesta pela primeira vez. — Eu apenas sou seletivo, não vou me aproximando de qualquer um como você.
— Seu irmão é responsável e sensato, você devia seguir o exemplo dele.
— Claro, assim daqui a pouco estarão me chamando de "a senhorita Frankenstein" — ironiza ela, fazendo aspas com os dedos no ar. — Isso é tão absurdo! Vocês dois são absurdos! Eu devia denunciá-los por me manterem como uma prisioneira dentro da minha própria casa...
Bianca vai dizendo enquanto marcha para longe, sem esperar por uma resposta do pai. Tromba comigo no caminho, me empurrando com violência.
— E você sai da minha frente!
— Não se preocupe, pai — ouço Cristiano dizer antes de me afastar. — Ficarei de olho para que ela não faça nenhuma besteira.
Finjo que estou ajeitando minha mochila quando o Dr. Joaquim passa por mim, o semblante sombrio e sério. Cristiano sai em seguida em direção à sala e eu permaneço sozinho no pátio.
Não consigo acreditar no que acabei de ouvir. Apesar de Bianca ser uma patricinha mimada e esnobe, tem toda a razão de se revoltar contra o pai. Por mais que a relação com a minha tia seja ruim, pelo menos não tenho um cão de guarda vigiando meus passos. Além do mais, sinto um pouco de pena por ela não poder namorar antes do irmão. Cristiano não parece do tipo que namorará antes dos quarenta anos de idade.
***
Meia hora depois, a sala já está cheia com a baderna adolescente habitual. Cristiano está sentado na primeira carteira, rígido e sério como um poste. Me lança um olhar mortal quando passo por ele, como se me acusando por ter escutado sua conversa com o pai, e eu faço questão de me sentar do lado oposto da sala, o mais longe possível.
No entanto, também estou mais silencioso que o habitual nesta manhã. O terceiro ano será decisivo para o meu futuro e não posso marcar bobeira. Talvez essa seja a única chance que terei de passar no vestibular e entrar em uma boa universidade, tudo o que eu preciso para conquistar minha independência e começar uma vida nova longe do conservadorismo de Salto Belo e das amarras religiosas da tia Fabrícia.
Estou tentando me manter otimista quanto a isso mas, na verdade, quando penso nas minhas notas do ano passado, dou uma desanimada. Sei que preciso melhorar muito para passar em uma faculdade pública e, ao menos que consiga uma bolsa milagrosa em uma faculdade particular, não terei dinheiro para me bancar sozinho. Meu avô abriu uma poupança em meu nome e se esforça para depositar uma quantia todo mês, para me ajudar nos estudos. Sou muito grato pelo gesto e nem sei o que seria de mim sem o meu avô, mas também sei que o dinheiro que tem lá não é o suficiente para me manter nem no primeiro ano em São Paulo.
Estou tão concentrado que nem percebo quando Lavínia e Emílio chegam juntos, rindo e conversando enquanto se sentam ao meu redor.
— Nossa, que cara séria — comenta Lavínia, virando-se para mim. — Problemas com a sua tia de novo?
— Problemas com a minha tia eu tenho todos os dias. Estou pensando em um jeito de melhorar meu desempenho esse ano. Tenho que passar no vestibular de qualquer jeito.
— Você só precisa estudar em vez de ficar sonhando acordado — opina Emílio atrás de mim, o que me faz virar para encará-lo. — Nenhuma vaga cai do céu, tem que correr atrás.
— Espero que isso não inclua deixar os amigos no vácuo.
Ele dá um sorriso de canto, deixando os dentes à mostra. Passa a mão pelo cabelo cacheado, meio sem graça. Droga, por que tem que ser tão lindo?
— Isso foi uma indireta?
— Não por isso. O senhor sabe muito bem que te mandei uma mensagem no sábado que está sem resposta até agora.
— Eu sei, me desculpa. Minha mãe inventou de ir em Ribeirão passear no Shopping, cheguei morto em casa, apaguei.
— Te perdoo só por causa dessa carinha de cachorro abandonado.
Normalmente, Emílio teria feito graça do meu comentário. Mas não hoje.
— A aula já vai começar — ele diz em tom sério e se vira para frente, endireitando a coluna.
Pode ser impressão minha, mas Emílio está estranho desde aquele dia do carnaval. Como se quisesse manter distância. Não posso negar que isso me magoa, Emílio e eu somos inseparáveis desde o fundamental. Antes mesmo de conhecer Lavínia, ele já era meu amigo, e Emílio nunca foi do tipo que se afasta dos amigos por causa de garotas.
Mas, pelo visto, isso mudou. Talvez ele esteja levando essa garota realmente a sério e, nesse caso, ter um amigo gay engraçadinho não faça mais sentido.
Tento não pensar nisso durante a aula e deixar para lá. Mas apesar de sua postura fria, Emílio se junta a nós no intervalo, e nosso grupinho agora é oficialmente de quatro pessoas. Pegamos uma mesa e nos sentamos. Jonas observa o movimento de estudantes ao redor, ainda se adaptando à nova rotina.
— Vocês vão querer alguma coisa da cantina? — pergunta Emílio, oferecendo-se para pegar os lanches para a gente.
Nós agradecemos e ele se levanta, afastando-se em direção à enorme fila que havia se formado.
— Você sabe quem é a garota que ele está ficando? — questiono para Lavínia, sem conseguir conter minha ansiedade.
— Não, ele não me disse nada.
— Isso é estranho. Por que ele esconderia de nós?
— Você se preocupa demais, Téo. Relaxa, talvez ele ainda não esteja confortável para nos dizer, só isso.
— Mas nós somos os amigos dele!
— O que não nos dá o direito de invadir a sua vida íntima.
Balanço a cabeça em descrença, em seguida volto-me para Jonas.
— E você, o que acha?
Jonas leva um tempo para perceber que falo com ele. Está olhando com cara de bobo para o grupinho de patricinhas do primeiro ano. Bianca e suas amigas, Agnes e as gêmeas Larissa e Isabela. As quatro conversam alto e riem feito um bando de siriemas, ignorando a figura taciturna de Cristiano Batista, postado um pouco mais atrás a lhes vigiar. Reviro os olhos para a cena, antes de trazer Jonas de volta à realidade.
— Ahm... o que eu acho sobre o que?
— Não acredito que ainda está pensando que tem chances com Bianca!
— Qual o problema? Olha, eu não acho que ela seja tão ruim quanto você pensa. Nós trocamos uma ideia naquele dia do carnaval, eu senti que rolou um clima.
Ao ouvi-lo, gesticulo de forma exagerada para Lavínia, em busca de apoio, mas ela está bebendo o suco de laranja que Emílio acaba de trazer, sem um pingo de interesse no assunto. Pessoas hétero são estranhas.
— Não quero te desanimar, mas se você ouvisse o que eu ouvi hoje de manhã, saberia que é impossível sair algo dali.
— O que você ouviu?
Então eu conto a história toda de mais cedo com o Dr. Joaquim Batista e os filhos. Quando termino, até Emílio parece horrorizado.
— Eu te disse — comenta Lavínia. — Essa família é bizarra.
— Pois esse é mais um motivo para eu não desistir.
Não consigo segurar uma risada nervosa.
— Desculpa, Jonas, mas você está muito longe de ser o mocinho salvador dessa história. Até porque, Bianca não é nenhuma donzela frágil e indefesa.
Antes que ele proteste, aponto com o queixo para que veja com os próprios olhos. Nicolas, Heitor e mais alguns babacas da nossa sala aproximaram-se do grupo de Bianca, e eles estão fazendo graça para as meninas. Um deles distrai Cristiano, enquanto os outros passam os braços pelos ombros das garotas, levando-as para fora. Nicolas e Heitor disputam a atenção de Bianca, que parece extremamente satisfeita com aquilo. Ela faz um biquinho, fingindo pensar em sua difícil escolha, até que agarra cada um por um braço e sai com os dois, deixando o irmão perdido.
Depois disso, Jonas não diz mais nada. Permanece de cara fechada e braços cruzados, o que me deixa satisfeito, porque esta é a minha primeira vitória em meu plano de aproximá-lo de Lavínia.
***
O sinal acaba de tocar e volto para a sala, andando despreocupado pelo corredor lotado de alunos. Está abafado e eu diminuo os passos, esperando o corredor se esvaziar um pouco. Não sou um grande fã de aglomerações.
Meus amigos já estão dentro da sala quando me aproximo da porta, porém, antes que eu possa atravessar o portal, alguém tromba comigo e sou empurrado para o lado. Por um momento fico preso, prensado entre o batente da porta e o corpo da pessoa que tentou passar ao mesmo tempo que eu. Então fazemos força juntos, até que nossos corpos desobstruam o vão da porta.
Quando olho para o lado, meu sangue ferve de raiva. A pessoa que me empurrou é ninguém menos que Cristiano Batista. Que ótimo!
— Você, de novo? — ele me acusa sem o menor propósito. Aproxima-se de mim com todo o seu porte de atleta, encarando-me furioso. — Acaso está me perseguindo?
— Está louco? Foi você quem esbarrou em mim dessa vez.
Ainda estamos na entrada da sala, impedindo a passagem dos retardatários do intervalo. Mas eu não vejo ninguém. Estou tão irritado que a única coisa que vejo à minha frente é toda a prepotência de Cristiano Batista.
— Pois eu acho que você fez de propósito. Eu ainda estava longe, dava muito tempo para você ter entrado na sala.
Então eu perco a paciência, porque não dá! Esse cara tem o dom de me tirar do sério.
— Não tenho culpa se você perdeu a hora bancando o cão de guarda da sua irmã. Ou será que ficou com caganeira de novo e teve que ir correndo para o banheiro?
As pessoas começam a rir e gritar, algumas batendo palmas, agitadas, mas eu não presto atenção. Estou concentrado em Cristiano, que agora está com o rosto vermelho, quase roxo. Posso ver a luta interna que trava consigo mesmo, mas não me importo nem um pouco. Ele provocou, então que aguente.
— Escuta aqui, você se acha muito esperto, não é? Mas não pense que vai se dar bem pra cima de mim, não. Sei muito bem como a gente do seu tipo age. Eu acabo com o seu show em um segundo.
— O que você quer dizer com gente do meu tipo? Gente pobre, como eu? Ou gente gay, como eu?
— Gente escandalosa como você. Gente que não se dá ao respeito.
— Ah, é? Pois fique sabendo que é melhor ser assim do que ser um ogro estúpido como você. Não tenho medo de cara feia, pode vir para cima se quiser!
Nesse ponto, o ar está tão pesado que quase posso cortá-lo com uma faca. Fico esperando pelo próximo passo de Cristiano, mas ele não vem. Em vez disso, uma voz autoritária se faz ouvir por trás da confusão de alunos:
— O que está havendo aqui? Todos já para dentro, a aula já vai começar!
Cristiano me fuzila com o olhar antes de ir para a sua carteira. Os últimos alunos que entram passam por mim desapontados pela briga que não aconteceu. Meu coração está acelerado quando caminho para o meu lugar, mas antes de alcançá-lo, alguém me puxa pelo cotovelo.
— Ei, não sabia que você e Cristiano tinham uma rixa.
É Nicolas, um dos garotos que acompanhou Bianca no intervalo, com um sorriso malicioso na face. Não sei muito sobre ele, apenas que o pai é um figurão da advocacia na cidade, assim como o Dr. Joaquim Batista, pai de Cristiano e Bianca.
Acontece que ainda estou muito irritado e sem paciência alguma para babacas desse tipo.
— E daí, o que você tem com isso? Quer brigar também?
Ele ri com gosto, abanando as mãos de forma apaziguadora.
— Ei, calma! Tô na paz, só achei interessante a discussão de vocês.
Estou prestes a dizer que interessante vai ser o soco que vou dar na cara dele, quando Lavínia vem em meu auxílio, me impedindo de fazer outra besteira.
— Vem, Téo, deixa isso para lá!
Mas, durante toda a aula, não consigo deixar de lançar olhares hostis em direção a Cristiano, e sei que ele também faz o mesmo quando não estou olhando. Não faço a menor ideia do que está acontecendo aqui, mas tenho certeza de que isso não vai prestar.
Olá queridos leitores, o que acharam do capítulo de hoje?
O que será que vai acontecer agora?
Se está gostando, deixe seu voto e seu comentário.
Beijos e até o próximo capítulo ;)
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