Capítulo 26
"Nada é tão ruim que não possa piorar", era esse o ditado. Se é que era um ditado.
Não sei porque me lembrei disso agora. Estou em um ônibus para Ribeirão Preto, indo assistir à final da Intercolegial, com Emílio ao meu lado. O colégio Pádua conseguiu a tão sonhada vaga nos pênaltis, em um jogo sofrível, e então fretamos um ônibus para apoiar o time na última etapa do campeonato, que será em um campo neutro. Talvez eu esteja só irritado porque não pude me sentar com Cris.
Tudo o que me resta é ficar encarando suas costas rígidas. Ele está previsivelmente sozinho em um banco, porque mesmo com sua posição privilegiada de goleiro, ninguém se atreve a forçar uma aproximação com alguém de temperamento tão difícil. Me dói vê-lo assim sozinho, tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Eu só queria massagear suas costas, fazê-lo relaxar e dizer que ficará tudo bem.
Em um ponto da viagem não consigo segurar um grunhido insatisfeito, o que rende uma olhada de canto de Emílio.
— Você poderia ser menos óbvio — ele diz.
Faço uma careta de desgosto.
— E você poderia dizer isso mais baixo, estamos em um ônibus lotado.
Mas ao invés de desencorajá-lo, Emílio vira o corpo em minha direção, sorrindo com malícia.
— Vai mesmo me deixar no escuro, Téo? — sussurra ele.
Sinto minhas bochechas corarem.
— Não sei do que está falando.
O sorriso cresce em seu rosto.
— Não se faça de desentendido comigo, rolou ou não rolou?
Dou um soco de lado, o que só serve para fazê-lo rir ainda mais.
— Cale a boca!
— Vai, não precisa dizer, só faz que sim ou que não com a cabeça.
Esse é o meu melhor amigo, me fazendo passar vergonha em uma viagem escolar. Esfrego o rosto com as mãos, tampando os olhos, depois abaixo lentamente. Ele continua me olhando com aqueles olhinhos de cachorro pidão. Faço um gesto mínimo com a cabeça, sentindo meu rosto arder em brasas.
— Eu sabia! Você não me engana.
Começo a distribuir tapas pelos ombros, braços e tronco de Emílio. Ele se diverte como nunca.
— Agora vê se fica quieto, ninguém pode saber disso.
— Ai! Tá, tá — concede ele, voltando a endireitar a coluna no banco. — Os detalhes você me conta depois, mas agora eu quero te ajudar.
Arqueio uma sobrancelha, cético.
— Ajudar como?
Emílio abre outro sorriso, dessa vez mais conspiratório e misterioso.
— Eu conheço a quadra de Ribeirão, confie em mim.
Não faço ideia do que ele tem em mente, então só me resta esperar.
A viagem não demora muito mais e logo estamos todos descendo, fazendo uma algazarra com o time. Procuro por Lavínia involuntariamente, até me lembrar, com uma pontada no peito, que ela não se juntará a mim dessa vez. Ainda não sei como vou suportar ficar sem Lavínia, mas não quero pensar nisso agora. O técnico, o mesmo que me expulsou do treino após eu quase ter quebrado a perna, chama os jogadores, indicando o vestiário com o polegar, mas Emílio me puxa discretamente para um canto.
— Presta atenção, passando o primeiro corredor vai ter uma curva para a esquerda, de lá é só seguir reto, passando por três janelas de correr, virar à direita, então você vai sair em um salão retangular de frente para o refeitório, à esquerda terá outro corredor, você conta três portas e voilá! A quarta é uma despensa cheia de tralhas que fica sempre destrancada, mas ninguém nunca entra lá.
Meu cérebro está rodando enquanto tento assimilar tudo o que ele disse.
— Espera, você quer que eu entre nesse lugar? Para quê?
— Espere e verá.
Sem querer, meu olhar se cruza com o de Cris antes dele desaparecer dentro do vestiário e sinto um frio na barriga.
— Emílio, o que você vai fazer?
Porém, nesse momento, o técnico grita chamando o restante dos jogadores, o que inclui Emílio. Ele me dá uma piscadinha antes de partir.
— Considere como um presente de natal antecipado.
Que ótimo. Devo estar muito desesperado para concordar com um plano maluco desses.
Agora estou indo na direção contrária da arquibancada, onde meus colegas correm para pegar os melhores lugares para o jogo. Ando pelo corredor que Emílio me indicou, tentando me lembrar das direções certas. Ele disse à esquerda ou à direita?
Com muito custo consigo chegar no lugar certo. Para a minha sorte, as dependências estão todas vazias, já que todos estão concentrados na partida final, e eu só tenho que me esconder duas vezes para não ser visto. Quando finalmente alcanço a despensa, meu coração está quase saindo pela boca.
É um cômodo escuro, sem janelas, abarrotado de tralhas inúteis, como bolas murchas e chuteiras rasgadas. Respiro fundo, tentando me acalmar enquanto me camuflo entre as sombras dos armários. Menos de um minuto depois, a porta se abre e uma silhueta rígida se precipita para dentro, fazendo meu coração se acelerar pela milésima vez. Me aproximo por trás, com o mínimo de barulho possível, e me ergo nas pontas dos pés para tapar os olhos de Cris.
— Adivinha quem é? — sussurro contra seu pescoço.
Os ombros relaxam ao mesmo instante. Ele passa uma mão pelo meu braço esticado, me puxando para frente.
— Alguém que não tem o menor senso de perigo.
Já estou sorrindo quando ficamos cara a cara. Ele é lindo, mesmo com o rosto semi oculto pelas sombras, os olhos brilhando como duas obsidianas de fogo. Meus dedos traçam a curva do pescoço até o maxilar quadrado. O contato com a pele quente me faz estremecer.
— Vai dizer que você não gosta?
Como resposta, ele me puxa pela cintura, fazendo desaparecer a distância entre nós enquanto sela nossos lábios em um beijo profundo e intenso. Aproveito a sensação da sua boca contra a minha, sua língua explorando cada canto da minha enquanto ele me empurra com o corpo até me encurralar contra uma parede.
Não tenho intenção alguma de escapar. Eu queria me fundir a ele. Passo as mãos pelo peito de Cris, depois pelo abdômen, sentindo cada parte reagir ao meu toque, até que meus dedos encontram o cós de sua bermuda.
Ele se afasta de repente, separando nossas bocas. Solto um grunhido insatisfeito. Desde o nosso "incidente", Cris me corta sempre que tento algo mais ousado.
— Téo... — ele me encara, a respiração ofegante. O rosto corado de desejo. — Eu te disse que ninguém podia saber sobre nós.
Respiro fundo, tentando controlar minhas emoções.
— Ah... é só o Emílio, eu juro. Ele é de confiança.
— Hum... — ele segura meu rosto com as duas mãos, passando o polegar pelo meu lábio inferior. Parece lutar contra a vontade de me beijar outra vez. — Nós não temos muito tempo...
Acaricio seus braços delicadamente.
— Tudo bem, eu só queria te dar um beijo de boa sorte. Você parecia tão tenso dentro do ônibus.
— Ah, é que não me sinto à vontade com tanta gente ao redor. — Ele abre um sorriso que poderia me cegar se estivéssemos ao ar livre. — Na verdade, estou explodindo de felicidade.
— É mesmo? — digo, fazendo biquinho. — E pode-se saber o motivo de tanta felicidade?
— Além de você? — concede ele, beijando a palma da minha mão. — Minha irmã finalmente colocou um pouco de juízo na cabeça e se livrou daquele verme.
— É mesmo? — forço um sorriso, fingindo ignorar o fato. — Que ótimo, fico feliz por você, mas... — engulo em seco, pensando em Jonas e na minha briga com Lavínia. — Ela pode se envolver com outra pessoa, já pensou nisso?
— Eu tento não pensar.
— Mas se fosse outro... uma pessoa decente... você aceitaria?
Nesse momento uma campainha toca, indicando a entrada do time em campo.
— Eu tenho que ir — lamenta Cris.
— Certo.
Ele continua me olhando, sem se mover.
— E então?
Arqueio uma sobrancelha.
— Então o que?
— Aquele beijo de boa sorte?
— Achei que já tinha feito isso.
— Mas eu não sabia que era um beijo de boa sorte, então não valeu.
— Meu Deus! — rio, então o puxo pela camisa, unindo nossas bocas em um beijo urgente meio desajeitado. — Boa sorte, vou estar na primeira fila torcendo por você. Agora vai logo antes que tenham que te arrastar para a quadra.
— Vou jogar por você.
Ele me dá um último selinho, então sai correndo porta afora, me deixando sozinho e todo derretido.
***
Quando finalmente chego na quadra, ela já está lotada e a algazarra é generalizada. Apitos, cartazes e vuvuzelas estão por toda a parte. O jogo mal começou e as torcidas já gritam provocações uma para a outra, mostrando que a competição será acirrada também fora de campo.
Só encontro um lugar vago pelo meio da arquibancada, onde me espremo entre o que parecem ser gêmeos com o dobro da minha massa corpórea. Eles resmungam alguma coisa que não consigo entender, mas eu sento no banco mesmo assim. Logo minha mente se desliga da confusão ao redor e eu me concentro apenas no jogo.
É uma partida difícil, não é à toa que as duas equipes chegaram à final. O colégio Pádua avança com Emílio costurando com a bola pela direita, que cruza para Jonas cabecear. Metade da quadra explode em vivas com a abertura do placar, mas não há tempo para comemorações. O time adversário arranca com tudo em seguida, deixando a defesa para trás. Cristiano dá um salto certeiro, mas a bola, que chega ao gol como um foguete, lhe escapa pelas pontas dos dedos. Com o empate, vem uma nova onda de gritos exaltados e xingamentos de todo o tipo.
O jogo segue dramático até o fim. Para cada gol marcado pelo colégio Pádua, um novo gol era marcado pelo time adversário, fazendo com que ninguém conseguisse uma vantagem satisfatória por muito tempo. Quando o apito soa, sinalizando o fim da partida e as equipes se reúnem para a preparação da cobrança dos pênaltis, tenho que morder minha língua para não gritar um incentivo para Cris.
Enquanto o clima de suspense perdura pelo ar, o brutamontes a minha esquerda se retira, e alguém muito mais leve se senta em seu lugar.
— Meu amigo Téo — diz aquela voz irritante e familiar que me dá calafrios toda noite só de lembrar. — Apreciando o jogo?
Me viro para encará-lo. Nicolas não está sorrindo dessa vez, a expressão sombria lhe impingindo uma aura perigosa.
— Eu não sou seu amigo — digo, mesmo sabendo que provocá-lo não é uma boa ideia.
Ele me lança um olhar cortante.
— Pior para você. Posso ser muito bom para os amigos, mas sou ainda melhor com os inimigos.
— Isso é uma indireta?
— Muito pelo contrário. O que eu tenho para dizer, digo abertamente, não há o que esconder. Como, por exemplo, o fato de Bianca ter terminado comigo recentemente, o que me deixou muito irritado.
— Eu não tenho culpa que ela tenha caído em si.
Seu olhar endurece sobre o meu. Lá embaixo, na quadra, as equipes começam a se posicionar para a cobrança dos pênaltis, alheios ao meu drama particular.
— Aí é que você se engana, meu caro. Você tem muita culpa, porque se tivesse feito o que tínhamos combinado, eu já teria desmascarado Cristiano e Bianca estaria nas minhas mãos.
— Eu tentei...
— Não tentou o suficiente! — ele grita, então me olha com um brilho lunático, como uma esperança tardia. — Você por acaso tem algo para mim? Algo que o comprometa?
Imediatamente, lembro do áudio apagado. É melhor assim. Tenho que ser forte por Cris e aguentar as consequências.
— Não. E por que você ainda precisa desmascarar Cristiano? Se Bianca terminou com você, mesmo que consiga levar o plano a cabo, isso não vai fazê-la voltar. Pelo contrário, ela pode querer nunca mais olhar na sua cara.
— Porque trata-se de uma questão de honra. Mas você não entenderia — Nicolas aproxima o rosto, e cada palavra seguinte sai em um sussurro envenenado. — Apenas lembre-se de nossa última conversa e aprecie o fim do jogo, porque esse também é o fim da linha para você. Eu te avisei, Téo...
Com essa ameaça, ele desaparece em meio a multidão. Fico pregado no lugar, tremendo e suando frio. Em nossa última conversa, Nicolas disse que faria algo contra mim, algo como um corretivo, e agora sei que não passará de hoje. Preciso ficar em alerta, porque não sei como nem de onde virá o ataque.
Levo um susto quando ouço o apito autorizando a cobrança do primeiro pênalti. Emílio chuta direto na gaveta, acertando em cheio. Uma onda de vivas. O mesmo se repete com o atacante adversário. Heitor chuta para fora, mas Cristiano defende o próximo. Jonas acerta por pouco. A bola escapa de Cris em um ângulo impossível. No fim, está 4 a 3 para o colégio Pádua. A tensão aumenta sobre o último jogador, que se concentra para o chute final. Agora é tudo ou nada.
Cruzo os dedos, torcendo em silêncio. Cristiano mal ousa piscar. Vejo a bola cruzar em câmera lenta, então Cris projeta o corpo para frente, agarrando-a no ar com firmeza antes de desabar vitorioso ao chão.
A quadra explode em vivas e eu grito em puro êxtase até ficar sem voz. Em algum momento em meio ao delírio coletivo, o olhar de Cris encontra-se com o meu e ele se permite um sorriso aberto e confiante, deixando à mostra aquela covinha que eu tanto amo.
Estou tão feliz que demoro alguns minutos para recobrar consciência do perigo da situação. Procuro ao redor, até encontrar Nicolas virado de costas, conversando distraidamente com alguém. Calculo que é a minha melhor chance de sair despercebido.
Oi meus amores, como vão? Me contem o que acharam do capítulo de hoje!
Infelizmente, esse foi o último capítulo do ano, então aproveitem! Minha vida está uma loucura, eu voltei a estudar (quem começa a estudar em pleno dezembro, não é mesmo?) e estou com uns problemas familiares, está difícil conciliar tudo e ter cabeça para escrever, e considerando que estamos chegando em um momento crítico da história, prefiro me afastar por um tempo até me organizar direitinho para voltar com tudo no ano que vem.
Então, caso eu não tenha tempo para entrar depois, já deixo aqui meus votos de um feliz natal e um ano novo repleto de luz e realizações a todos!
Antes de sair, deixe seu voto e seu comentário.
Beijos e nos vemos em 2022 ;)
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