Capítulo 22
Tenho andado distraído
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso
Só que agora é diferente
Sou tão tranquilo e tão contente...
Quase sem querer - Legião Urbana
Duas semanas.
Duas semanas inteiras. Esse foi o castigo da tia Fabrícia. Duas semanas sem celular, trancado dentro de casa, isolado do resto do mundo. Duas semanas sem falar com Cris, sem saber o que está se passando com ele.
Duas semanas que ele foi embora depois de ter revelado que era gay e eu ter perdido a fala. Não sei o que deu em mim. Acho que o choque foi muito grande. E tia Fabrícia poderia expulsá-lo a qualquer instante se desconfiasse do motivo de sua visita. E ainda tem o Nicolas, que permanece sendo uma ameaça constante, que não pode nunca saber da minha descoberta.
E eu ainda não sei qual a verdadeira intenção de Cris ao se revelar para mim. Talvez ele estivesse se sentindo sozinho e precisasse de alguém em quem não tivesse que esconder sua verdadeira essência? Talvez ele tenha enxergado em mim uma válvula de escape, porque somos iguais? Ou talvez... talvez... não, não posso pensar nessa possibilidade! Porque pensar nessa possibilidade seria alimentar uma esperança inútil e não posso criar expectativas sobre isso. De qualquer forma, não poderíamos ficar juntos, seria perigoso demais. Ainda assim, só de pensar que ele poderia... que ele também poderia... Ah...
Depois de duas semanas inteiras no escuro, estou quase enlouquecendo.
Mas, para a minha sorte, estamos no ano do vestibular e isso significa que a direção preparou uma semana especial com aulas de reforço durante as férias, o que é uma oportunidade excelente para encontrar Cris antes do início do segundo semestre.
Chego cedo no primeiro dia. É estranho o colégio estar tão vazio. A falta do burburinho habitual de alunos e do calor humano parecem aumentar ainda mais o frio da manhã nublada de julho. Me embrulho na minha jaqueta, caminhando vagarosamente para a sala, sem deixar de esquadrinhar o pátio em busca de Cris. Felizmente Nicolas não virá, já que sua vaga na faculdade está garantida.
Meus amigos me encontram primeiro. Emílio, Lavínia e Jonas parecem ter vindo juntos e há um clima de cumplicidade entre os três que me deixa enciumado. O episódio de Jonas com Bianca parece nunca ter existido. Ele caminha com o braço em torno do ombro de Lavínia, que ri de algo que Emílio acabou de dizer. Eu me sinto excluído, embora saiba que não é culpa deles.
— Olha só, o sumido resolveu aparecer — Emílio me cumprimenta com um soquinho no ombro.
— Téo, onde foi que você se enfiou nessas férias? — inquire Lavínia. — Eu te mandei um monte de mensagens!
A preocupação genuína deles me faz sentir um pouco melhor. Só Jonas me cumprimenta com frieza, talvez ainda ressentido com o que eu disse na festa junina.
— Minha tia me tomou o celular — digo, suspirando. — É uma longa história...
— Vamos entrar — oferece Emílio. — Temos algum tempo antes da aula começar.
— Sim, por favor — responde Lavínia, se aconchegando mais em Jonas. — Está muito frio aqui fora.
Começo a acompanhá-los, quando meus olhos finalmente captam a figura rígida de Cristiano atravessando o pórtico, as mãos nos bolsos de seu casaco preto de couro. Essa visão é o suficiente para fazer meu coração acelerar.
Meus amigos param ao perceberem que parei também, me encarando de forma interrogativa.
— Eu, hum... tenho que checar uma coisa. Podem ir na frente, depois a gente se fala.
Corro para Cristiano assim que me livro deles. Ele estaca no meio do pátio ao me ver. Parece surpreso e confuso, com receio da minha aproximação. Eu sorrio para ele, para mostrar que está tudo bem.
— Oi, Cris.
— Oi, Téo.Você sumiu...
— Eu sei, eu sinto muito por isso. Minha tia me colocou de castigo, eu não podia sair de casa nem usar o celular.
Ele olha para baixo, mordendo os lábios.
— Eu pensei que estava me evitando.
— Nem pensar, por que eu faria isso?
— Não sei, por que talvez tenha sido um erro eu ter ido te visitar? Talvez... talvez você não tenha gostado do que eu te disse.
— Não, eu só... eu fiquei surpreso, eu não esperava... e tinha a minha tia e eu estava todo sujo e fiquei morrendo de vergonha...
Cristiano olha para o pátio adiante, para os Ipês quase pelados à espera da primavera, para todos os lados, menos para mim. Sua postura exala o medo e a insegurança que vêm dele em ondas. Aproximo minha mão com cuidado, tocando com os nós dos dedos suavemente nas costas de sua única mão exposta. Ele finalmente me olha, atordoado.
— Cris, eu sinto muito por aquele dia — digo em voz baixa, olhando fixamente para seus olhos negros, a fim de lhe passar segurança. — Eu devia ter dito isso antes, mas quero que saiba que seu segredo está seguro comigo.
Nesse momento, porém, duas meninas passam por nós, rindo e conversando alto, e Cris afasta imediatamente a mão da minha, como se acabasse de levar um choque, escondendo-a de volta no bolso do casaco.
Ele dá um passo atrás, hesitando o olhar sobre o meu.
— Não podemos falar sobre isso aqui. Alguém pode ouvir.
— Tudo bem — digo, disfarçando minha frustração. — Era só isso. Bom, agora você sabe.
Começo a me virar para voltar à sala, mas Cristiano me surpreende cortando-me a frente.
— Espera! Não é que eu não queira conversar, é só que esse não é o local nem o momento mais adequado para isso.
— Tá tranquilo, Cris. Sério, eu entendi.
— Então... — ele hesita por um momento, espremendo as sobrancelhas, como se as próximas palavras lhe custassem a sair. — Será que podemos nos encontrar depois da aula?
Certo, isso é inesperado. Sei que nos encontramos várias vezes antes e que estudamos juntos e até dividimos a mesma cabine de banheiro, mas ainda assim isso parece diferente. Como se existisse algo a mais no ar. Ou talvez seja apenas meu coração idiota entrando em curto circuito pela milésima vez.
— Sim, claro — consigo dizer, e espero que meu rosto esteja neutro o suficiente para não delatar a montanha russa de emoções que me invadiu. — Na sua casa?
— Não. Eu, na verdade, estava pensando em um lugar diferente dessa vez — os olhos dele descem para as mãos, depois voltam para o meu rosto. Está corado, mas pode ser efeito do frio. — Na... cachoeira?
Definitivamente algo a mais.
— Tá, pode ser. Na cachoeira então.
Uma mordida de lábios e um meio sorriso, como se ele não conseguisse evitar.
— Te vejo mais tarde então.
Quando enfim chego na sala, também estou sorrindo.
***
A cachoeira Olhos D'Água já foi o orgulho de Salto Belo, daí inclusive veio o nome da cidade. Costumava ser o local de passeio de muitas famílias aos finais de semana. Havia um mini-zoológico com as espécies nativas do cerrado da região, um parque ecológico com direito a escorrega, balanços de pneus, gangorras e até uma ponte de corda e tábuas de madeira atravessando a cachoeira que era uma febre entre as crianças. Me lembro de atravessar essa ponte correndo várias vezes, de parar no meio e me pendurar nas cordas, balançando-a perigosamente para o horror das outras mães. Era um lugar cheio de gente, cheio de vida. Bonito de se ver.
Mas hoje está tudo abandonado, o mato invadiu o parque, os nichos dos animais permanecem vazios e cada tijolo que sobreviveu de pé está coberto de pichações. A ponte arrebentou de um dos lados, deixando-a pendente e perpetuamente inerte e inútil. Entra prefeito, sai prefeito, todos sempre prometem revitalizar a área, mas ninguém nunca faz nada a respeito. Apenas a cachoeira permanece intacta, límpida e farta, como uma lembrança dos tempos gloriosos que não voltam mais.
Tudo isso passa por minha mente quando chego. Estou tentando entender porque Cristiano escolheu esse lugar para nos encontrarmos. Eu inventei uma desculpa para não almoçar com os meus amigos e vim direto para cá. Eles não ficaram muito felizes com isso, mas teremos muitas oportunidades como essa depois. Com Cris pode ser a única.
Checo meu hálito com a mão em concha sobre a boca e o nariz, então me sinto iditota por fazer isso. Não quero alimentar falsas esperanças.
Caminho sentindo o sangue se espalhando pelo rosto. Minha jaqueta está amarrada na cintura pelas mangas, porque já não está mais frio. Em Salto Belo, apenas as noites e as manhãs pertencem ao inverno. As tardes são sempre do verão.
Encontro Cristiano com o pé apoiado em uma das muretas em ruínas, atirando pedras em direção à queda d'água. Respiro fundo, aspirando o ar úmido e fresco tão característico, e me aproximo devagar. O barulho da água é tão intenso que soa como uma constante orquestra sinfônica natural.
— Então é aqui que pretende me matar, Cris? — digo, olhando para baixo. A estrutura rochosa da cachoeira forma uma linha horizontal tortuosa, como um bolo de aniversário que alguém esqueceu de alinhar o glacê. — Eu devia saber que não ia me contar seu segredo de graça. Pelo menos será uma morte machadiana digna.
Cris endireita o corpo e se vira para mim, sorrindo com seus dentes brancos perfeitos e a covinha que sempre faz meu coração acelerar.
— Uma morte machadiana digna?
— Você sabe, aquela coisa toda de "ao musgo que primeiro invadiu as úmidas calças do meu cadáver".
Cristiano balança a cabeça, então começa a gargalhar. É uma gargalhada espontânea e sincera, como nunca o vi fazer antes.
— Está lendo Machado de Assis? Não te reconheço mais.
Dou de ombros, tentando manter uma postura neutra.
— A culpa é sua por me influenciar com seus gostos literários estranhos.
— Você vai me agradecer no futuro, quando tiver passado na Fuvest.
— É, bem... pode ser...
Sorrio de volta para ele. É difícil não sorrir. O sol reflete com intensidade contra o meu rosto, me obrigando a estreitar os olhos quando olho para Cris. Ele me observa por um instante, então morde os lábios, hesitando em dizer algo.
— Que foi? — pressiono. — Tem uma alface nos meus dentes?
Ele solta uma risada pelo nariz, depois volta a ficar sério.
— Não, é que... seus olhos ficam verdes no sol.
Definitivamente ele está tentando me matar.
— É, bom... — Chuto uma pedra para o desfiladeiro, mas ela pára no mato a alguns centímetros da borda. — Eu tenho uma história boba sobre a cor dos meus olhos, mas você provavelmente não vai querer ouvir.
— Pelo contrário, eu adoraria ouvir... Por favor?
Ele me olha com expectativa, o que faz minhas bochechas corarem. Deixo escapar uma risada nervosa.
— Tá, é que... quando eu era mais novo, meu avô me levava para pescar no Rio Grande, lá na divisa com Minas. Eu não tinha muita paciência para esperar o peixe fisgar a isca, então ficava mais filmando, fazendo uns vídeos experimentais, do que pescando. E, bem... em um desses vídeos eu percebi que o rio era da cor dos meus olhos, então comecei a fantasiar que eu era filho do rio. Quer dizer, eu sei que provavelmente eles são verdes por causa do sangue italiano da família do meu avô, mas enfim... eu disse que era uma história boba.
— Não, não. Eu gosto mais da primeira versão também.
Eu o encaro, cético. Não acredito que ele me fez contar essa história ridícula. Mas Cris não me faz sentir nada ridículo, pelo contrário. Ele sustenta seu olhar sobre o meu por um tempo além do necessário, o que faz brotarem algumas borboletas em meu estômago.
— Então... — consigo dizer por fim. — O que era que você queria me dizer?
É a vez dele hesitar.
— É que... não é algo fácil de falar assim, abertamente.
— Você me disse que era gay, o que pode ser mais difícil que isso?
— Bom, na verdade... — ele passa uma mão pelos cabelos, me lançando um olhar tímido. — Eu estive pensando enquanto vinha para cá e acho que posso dizer o que tenho para dizer através de uma música do Renato Russo.
Meus lábios estão sorrindo antes que eu perceba. Dou um passo para frente, me aproximando mais de Cris.
— Uma música?
Ele sorri de volta, todo nervoso, mas mantém o olhar cheio de expectativa.
— Isso. Você gostaria de ouvir?
— É claro!
— Tudo bem então... — ele pigarreia, limpando a garganta. — É assim: "Já não me preocupo se eu não sei porquê; às vezes o que eu vejo quase ninguém vê; e eu sei que você sabe quase sem querer; que eu quero o mesmo que você".
É possível se esquecer de como respira? Porque não sei se estou respirando agora. Acho que não tenho mais nenhum neurônio funcionando agora.
— Você... você quer...?
Cris se aproxima um pouco mais, deixando apenas um espaço de cinco centímetros entre nós. Não está mais sorrindo.
— Isso é, se eu estiver interpretando isso direito e se você quiser o mesmo que eu, então sim.
Perco completamente a razão.
— Eu quero te beijar.
— Eu também.
Não sei quem dá o próximo passo, nem quem fecha primeiro a distância que restava entre nós. E isso não tem a mínima importância, porque meu mundo todo agora se resume: aos lábios de Cristiano movendo-se contra os meus, doces, febris, dedicados; às mãos de Cristiano em volta da minha cintura enquanto ele me beija, me apertando como se todo o contato não fosse o suficiente; à textura macia dos cabelos de Cristiano enrolados em meus dedos quando eu os afundo em sua nuca.
E é tão bom. Melhor do que qualquer sonho que já tive. É como se pudéssemos flutuar pela cachoeira, sem pontes.
***
Estamos deitados em nossos casacos, observando a água cair, ininterrupta. Estou com a cabeça apoiada no peito de Cris, ainda sem acreditar que tudo isso é mesmo real. Passamos os últimos trinta minutos nos beijando. Cris e eu. Nós nos beijamos tanto que meu lábio inferior chegou a inchar.
— Eu nunca pensei que você fosse gay — digo com um suspiro, pousando a mão em sua barriga.
— Eu sempre tive medo que descobrissem, por isso me esforçava para não deixar transparecer nada — Cris diz com pesar, então começa a acariciar meus cabelos. — Mas achei que você saberia, já que sou fã do Renato Russo.
— Como assim? Renato Russo também era gay?
— Bissexual na verdade. Ele cantou sobre gostar de meninos e meninas em várias músicas, e morreu de Aids nos anos 90, uma época em que ser soropositivo era uma sentença de morte, além do estigma causado por uma sociedade preconceituosa.
— Nossa, eu não sabia disso...
Fico um tempo em silêncio, absorvendo suas palavras, até que o medo começa a tomar conta de mim. Ele não está me dizendo isso à toa. E se Cris não quiser nada além de me beijar hoje e amanhã fingir que nada aconteceu?
Tomando coragem, apoio o peso do corpo em um cotovelo para encará-lo.
— Cris... O que você quer fazer agora?
Sinto seus músculos enrijecerem sob meus dedos.
— Você quer dizer sobre nós?
— É que... eu quero levar isso adiante, mas não quero que se sinta pressionado a nada. Na verdade, vou entender e aceitar qualquer coisa que você quiser, só não quero ter que me afastar de você.
Com a minha resposta, ele volta a relaxar, enlaçando minha cintura em um aperto.
— Não, eu também quero levar adiante, nós só não podemos contar para ninguém por enquanto. Ainda não me sinto preparado... para que as pessoas saibam sobre mim.
Estremeço ao pensar em Nicolas, no que ele pode fazer se souber. De jeito nenhum ele pode saber sobre nós.
— Claro, eu entendo. Vamos manter isso em segredo. Até porque, acho que minha tia me expulsaria de casa se soubesse.
Ele solta um longo suspiro, voltando a acariciar meus cabelos.
— Podemos continuar estudando juntos, como antes. Assim não levantamos suspeitas.
— Bom, não exatamente como antes, porque agora eu vou querer muitos beijos.
Ele ri, me puxando de volta para o seu peito.
— Quanto a isso, nós podemos negociar.
— Ah, é? E como seria essa negociação?
— Um beijo a cada dez exercícios? E se você errar algum, não tem beijo.
Grunho, afundando a cabeça em seu peito.
— Isso é muito pouco. Vou fazer você me beijar de qualquer jeito.
— Ei, não vale burlar as regras.
— Eu nunca concordei com regra nenhuma. — Subo com uma trilha de beijos pelo pescoço de Cris até alcançar seus lábios de novo, então digo em um fio de voz, roçando nossos narizes. — De qualquer forma, você não vai resistir ao meu poder de sedução.
Pressiono os lábios contra os dele antes que ele possa dizer qualquer coisa. Cris sequer oferece alguma resistência, apenas me beija de volta com o mesmo entusiasmo de antes. Em um segundo, nos perdemos nos braços um do outro.
Oi meus amores, como estão?
Me desculpem mais uma vez pelo atraso, eu tive que reescrever o capítulo porque não estava achando muito bom...
Mas enfim chegamos ao capítulo que todos esperavam, e com direito à música que dá título a nossa história, espero que tenham gostado. Essa música é meu xodozinho e combina perfeitamente com a história do nosso Teotiano (nome do shipp que a @KarynSaNt ajudou a escolher) <3'
Como será esse relacionamento de agora em diante? Será que Téo e Cris poderão curtir sua paixão em paz ou algo acontecerá para atrapalhar nosso recém-formado casal?
Antes de ir, deixe seu voto e seu comentário!
Beijos e até a próxima ;)
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro