Parte 3 - Eduardo e Mônica
Parte 3
Eduardo e Mônica
No dia seguinte, depois de baixar O Exterminador do Futuro, receber sua compra de suprimentos para parar de viver de congelados e brigar trinta vezes com o Adão por ele ter deixado a mãe deles, de sessenta e oito anos, ir até a padaria comprar bolinho de chuva, Mônica sentou na frente do seu notebook pessoal e estalou os dedos.
Desde a noite anterior, ela estava com uma coceirinha na mão, querendo voltar a programar, e a sua conversa com Eduardo fez com que ela notasse quantas pessoas estavam em casa e não conseguiam exercer suas funções na sociedade por causa do isolamento.
Ela passou a manhã inteira com um copo gigantesco de café, depois da yoga e da vitamina, apenas para ter uma dieta balanceada, verificando que, para sua completa e total tristeza, suas passagens e hotéis e passeios da Ásia haviam sido cancelados com sucesso e ela teria se reembolso em até dois meses. Uma lágrima imaginária escorreu pelos seus olhos quando ela mandou um print daquilo para Renata que mostrou a mesma tela, quase ao mesmo tempo.
Depois de um omelete de almoço, ela continuou desenvolvendo seu aplicativo, querendo colocá-lo no ar ainda naquela noite para tentar ajudar o máximo de pessoas que conseguisse.
Quando deu dez para as seis, Mônica ouviu a voz de Eduardo correndo de um lado para o outro — e, agora, ela sabia que ele estava correndo atrás da cachorra e não de exercícios físicos.
Seis e quinze, o seu vizinho colocou uma música velha e que ela detestava, porém, precisamente naquele dia, ela gostou de ouvi-la, pois havia um significado um pouco diferente.
Eduardo e Mônica ressoava pelo apartamento dele, fazendo com que ela fosse para sacada, tentando encontrá-lo dentro do apartamento, porém ele já estava do lado de fora com uma cerveja em sua mão direita, óculos escuros nos olhos, "O nome do Vento" na esquerda e sentado em uma cadeira de escritório que parecia muito mais confortável do que o mundo de almofadas que ela havia criado. O mais estranho na combinação dele era que ele usava meias com chinelo, algo que deveria ser moralmente proibido.
Assim que a viu, Eduardo levantou sua garrafa na direção dela em um brinde distante.
— Eu odeio essa música! — ela gritou, sabendo que ele não a escutaria se ela não aumentasse sua voz.
— Eu também, mas achei que hoje fazia sentido colocar, sabe? — o rapaz saiu da sua cadeira e Charlotte avançou contra a calça dele, enfiando seus dentes no tecido.
Agora Mônica conseguia entender ainda mais o motivo para a correria e os pulos que aconteciam diariamente, cada vez mais fascinada com a dinâmica daquela dupla.
— O que você está planejando para hoje? — ele indagou, bebendo mais da cerveja.
— O Exterminador do futuro — ela apoiou o seu corpo contra o ferro de sua sacada.
— Isso eu já sei, mas me conta do que eu não sei — ele pediu, retirando os óculos escuros do rosto, pendurando-o em sua blusa polo.
Parecia que ele suspeitava que ela estava planejando algo, então ela apenas sorriu e lhe contou sobre o aplicativo TodosJuntos, como ela queria apresentá-lo naquela noite ainda, aproveitando que tinha público para noite de filme e o que ele efetivamente poderia fazer pela sociedade.
Eduardo gostou, até mesmo pegou o QR-code que ela deixou na tela do seu celular para baixar antecipadamente, conversando sobre a ideia. Era ainda um pouco jovem, contudo estava pronto para o uso, e ele mesmo lhe garantiu aquilo testando as funcionalidades que ela lhe explicou a distância.
— Isso é incrível! Você montou da noite para o dia? — ele perguntou, deslizando seus dedos pela tela, deixando seus olhos analisarem cada pequeno detalhe que ela havia desenhado.
— É um código simples, provavelmente não é o ideal, porém já dá para usar — ela arrumou seu cabelo que voava em seu rosto.
— Não se desmereça, Mônica, tá incrível — ele lhe garantiu — eu posso usar? Posso mandar para as pessoas usarem?
— Pode. Vou explicar hoje como usar antes do filme para os demais, mas pode — ela assentiu, contente por ter acertado.
— Amada? — Mônica ouviu de cima e levantou sua cabeça, colocando a mão na frente do sol para observar a senhora do 504 pendurada em sua sacada, olhando para baixo — foi você que colocou o filme ontem?
— Foi sim! — a garota respondeu, acenando.
— Ah, que ótimo! Foi lindo! Posso pedir para colocar "Uma linda mulher" na próxima? — a senhorinha pediu — eu não sei mexer na televisão da minha casa e colocar aquele site de filmes.
— Sem problemas! — Mônica olhou para Eduardo e ele estava olhando para ela, concordando com um sorriso sincero nos lábios — vou preparar para passar hoje.
— Obrigada, amada! — a senhorinha desapareceu e uma sacola de biscoitos desceu pela sua sacada com um barbante o prendendo — eu fiz uns biscoitinhos de goiabada. Este pacotinho é para você. Não se preocupe eu passei bastante álcool no saquinho e juro juradinho que não estou doente.
Aquilo deveria ser uma quebra de quarentena, não é? Porém a moça não conseguiu se negar, apenas pegou o saco, desamarrando-o do barbante e levantou sua cabeça, sentindo seus olhos começarem a lacrimejar com o gesto.
Mônica era uma manteiga derretida com gestos de carinho e amor.
— Obrigada! — ela gritou, tentando esconder a lágrima que descia dos seus olhos para que o rapaz não a ficasse olhando daquele jeito — para de olhar.
— Você chora quando ganha biscoitos de goiaba? — ele perguntou, matando sua garrafa e a deixando no chão ao seu lado, algo que Charlotte interpretou como um novo brinquedo, dando patadas para que a garrafa andasse sempre que ela a tocasse.
— Eu gosto de gestos de carinho — ela entrou em seu apartamento, colocou metade dos biscoitos em um pote e voltou para sacada, notando que Eduardo ainda estava ali — metade é seu.
— O filme foi sua ideia — ele meneou a cabeça.
— A caixa de som foi sua — ela sorriu — no três. Um. Dois. Três!
Mônica jogou o saco de biscoitos e Eduardo o pegou depois de quase tropeçar na garrafa e em Charlotte.
— Obrigado — ele agradeceu — mas agora vou desinfetar isso, porque você tocou no saco, sabe? Melhor prevenir do que remediar.
— Eu faria exatamente o mesmo — ela teve que admitir — nos vemos mais tarde!
.:.
Mônica respirou fundo, pegando o alto-falante que Adão tinha esquecido em sua casa, ligando-o ao perceber que eram sete horas e várias pessoas já estavam em suas sacadas, esperando pelo filme, mesmo que ninguém tivesse combinado nada com ninguém.
— Boa noite, gente! — a moça falou, chamando a atenção para si mesma, projetando o pequeno do logo de TodosJuntos que Renata havia criado para ela naquela tarde — sei que estamos cada um em sua própria casa, muitos de nós incapacitados de trabalhar, então eu criei um aplicativo em que você pode oferecer seus serviços online para pessoas que talvez precisem. Isso jamais vai substituir o emprego de verdade, porém, por enquanto, podemos nos ajudar da maneira que pudermos certo? — ela trocou a tela, deixando o QR-code do aplicativo — temos a versão para Iphone e Android. Podem baixar se vocês têm algum serviço a oferecer ou se quiserem contratar um serviço. Eu, por exemplo, estou louca para encontrar uma pessoa que me ajude a rearrumar meu apartamento, pois ele está um caos — ela respirou fundo depois de uma risadinha nervosa — é isso, vamos nos unir. Todos juntos. E aí podemos sair mais fortes dessa. Bom filme!
A garota voltou a respirar, desligando o alto-falante, ouvindo a primeira palma solitária ecoar pela noite, sendo seguida por mais uma dezena.
Ela não iria chorar. Não iria chorar. Então apenas deu play no filme e ouviu a senhorinha do 504 dar pequenos saltinhos de alegria no andar de cima ao ver o título exibido no prédio.
O seu celular começou a apitar e ela notou a quantidade de downloads que o aplicativo estava tendo, as interações e que, realmente, as pessoas estavam levando a sério aquilo, oferecendo consultas de nutrição, médicas, fisioterápicas, estéticas, de guarda-roupa, oratória e muitos outros temas que ela nem suspeitou que poderiam existir online.
A campainha tocou menos de cinco minutos depois e ela estranhou, pegando sua máscara bege de algodão e olhou pelo olho mágico apenas para descobrir que era o seu porteiro.
— Robertinho? — ela abriu a porta, encarando-o com confusão pela sacola de comida que ele tinha em mãos — eu não pedi nada.
— Pediu sim! — ela ouviu a voz do Eduardo berrar do outro lado da porta dele, provavelmente espiando tudo pelo seu próprio olho mágico.
— Comida é comida, já está até paga — Robertinho esticou o pacote para ela, forçando-a a pegá-lo — boa noite! Se cuide!
— Você também!
Ele saiu e ela fechou a porta, sentindo cheiro de comida sair dali.
Mônica correu para sua sacada, vendo que Eduardo estava batalhando por espaço na sua cadeira, já que Charlotte estava dormindo ali, com a mesma embalagem de comida que ela tinha em mãos.
— O que é isso? — ela indagou, mesmo que a resposta fosse tão óbvia que faziam suas bochechas doerem de tanto sorrir.
— Pensei que a gente poderia fingir que estamos jantando juntos, e para isso nós precisaríamos comer a mesma comida, então pedi delivery — ele pegou a cachorra no colo e se sentou na cadeira, deixando-a no chão, indignada por ter sido acordada para aquilo.
— Você me comprou jantar? — ela não queria sorrir tão tolamente quanto estava sorrindo, porém suas bochechas congelaram naquele sorriso e nada poderia desfazê-lo.
— E um vinho também, aí podemos brindar.
Ela abriu a sacola e viu que ele estava correto, havia meia-garrafa de um vinho tinto.
— Ao que brindamos?
— Sei lá, as coisas que a gente encontra quando não está procurando? — ele sugeriu, já com a taça em mãos.
Ela pediu um minuto, correndo pela sua casa, trocando sua blusa de lã furada por um suéter verde que deixava seus olhos castanhos mais esverdeados, servindo o vinho em uma taça e pegando talheres para comida.
— Agora estou pronta — ela anunciou, sentando-se em seu amontoado de travesseiros, vendo que ainda tinha completa visão daquilo que queria, e não era o filme — obrigada pelo jantar, Eduardo.
— Eu que agradeço a companhia, Mônica — eles brindaram sem estalar taças, assistindo ao filme — qual vai ser o de amanhã? Exterminador do Futuro finalmente?
— Podemos tentar de novo — ela abaixou seus olhos para comida e viu que era um delicioso filé a parmigiana do Bar do Alemão, o melhor de São Paulo — meu deus, eu amo esse restaurante.
— Ufa — ele colocou a mão no peito, soltando o ar dos seus pulmões — eu me arrisquei nessa um pouco com essa.
— Sim, mas comigo funcionou — ela enfiou uma garfada da boca e o queijo derreteu em sua língua, fazendo com que ela revirasse seus olhos em aprovação — melhor parmigiana de São Paulo.
— Onde você esteve todo esse tempo? Como eu nãos sabia que essa pessoa quase perfeita morava bem do meu lado? Você projeta filmes para entreter as pessoas, faz amizade com a dona Ofélia, conversa com o vizinho chato, faz aplicativo para ajudar as pessoas. Até mesmo a Amélia parou de fazer a reforma infinita dela e o César e a Antônia não estão mais brigando. Tudo isso em um único dia.
Como ele sabia o nome de todos ali? E por que ela não sabia?
— Você não é chato — ela bebeu da sua taça, sentindo que o vinho descia pela garganta como água, tentando não se deixar atingir pela metralhadora de elogios que estava recebendo.
— Não vai perguntar por que eu disse quase perfeita? — ele passou as mãos no cabelo, retirando-os da frente dos seus olhos.
— Como você conhece todo mundo? — ela indagou o que queria saber e ele lhe levantou uma sobrancelha, notando que ela estava desviando se sua pergunta propositalmente.
— Reunião de condomínio, eu vou em todas. Você, claramente, não vai em nenhuma, pois até ontem eu nunca tinha te visto aqui — ele sorriu, voltando a comer, aceitando sua mania de defletir assuntos.
— Como sabe? — ela continuou com as perguntas.
— Porque eu me lembraria se tivesse te visto — ele inclinou a cabeça para frente, porém hesitou quando Charlotte avançou no seu colo, querendo um pedaço da sua comida — sai, demônio!
Mônica riu deles, pois não havia como encarar aquela cena e não sentir que ela também fazia um pouco de parte.
— Ei, sei que estou sendo otimista — ela chamou a atenção dele de volta — mas você gostaria de fazer alguma coisa quando a quarentena acabar? Tipo ir a uma festa estranha com gente esquisita?
Eduardo riu daquilo, entendendo a referência.
— Ou a gente pode ir para uma lanchonete, cinema ou parque — ele acrescentou, ainda regado de referências à música que eles compartilhavam.
— Isso é um sim? — ela indagou, ansiosa.
— Não deveria ser eu a te perguntar isso? — ele encarou sua taça, girando o vinho que havia ali dentro
— Mas eu perguntei primeiro.
No entanto, antes que ele pudesse lhe responder, um grito se estendeu pelo térreo do prédio, fazendo com que Mônica pausasse o filme para que eles conseguissem entendessem o que estava acontecendo.
Era Fred no parquinho das crianças, bem em cima do escorregador.
— A Thereza está bem! Ela vai ficar bem! E ela aceitou casar comigo! — ele berrou com todas as forças do seu pulmão.
Uma onda de gritos e comemorações se estenderam por todos os prédios que assistiam aquela cena — mesmo que a maior parte das pessoas não fizessem ideia de quem eram Thereza e Fred —, trazendo um pouco de alegria, amor e esperança naquela época tão complicada.
Ela apertou o play do filme assim que o Robertinho pediu para Fred entrar no seu apartamento e parar de violar o isolamento. Mostrando Julia Roberts maravilhosa em seu vestido de gala.
— Mônica — Eduardo a disse o seu nome e ela o olhou com lágrimas tolas nos olhos — você tem que parar de chorar.
— Eu não consigo. Eu amo finais felizes — ela hesitou, limpando seus olhos com a manga do seu suéter.
— Mas a gente não tá no final. É só o começo, né? — ele pegou Charlotte no colo — diz pra ela que é só o começo, bolinha — ele chacoalhou a cachorra que apenas rosnou para ele — e, enquanto estamos isolados, o que me diz jantarmos amanhã de novo?
— Acho uma ótima ideia, mas amanhã é minha vez — ela complementou.
— Eu gosto deste plano.
E foi assim que Eduardo e Mônica se conheceram, por causa de uma quarentena e um filme.
Fim
Notinha:
Como prometido, um conto sobre quarentena, com uma aparição surpresa de Eduardo e Mônica!
Espero que vocês tenham gostado.
A ideia era apenas trazer um sorrisinho no rosto de vocês e lhes assegurar que vai ficar tudo bem.
Fiquem bem. Se cuidem.
Beijinhos
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