Oitava Semana - Então... Falta Muito Ainda?
Quarentena, Dia 50 – Hoje faz exatamente cinquenta dias que eu não tenho nenhum arranca-rabo com a Dona Lourdes. Não estou nos reconhecendo! Sério: nenhuma treta por causa da vaga na garagem, nenhum desentendimento pelo descarte do lixo, nenhuma acusação de termos jogado seu gato na lixeira – só para constar: nunca fizemos isso com o bichinho; o caso é que ele sempre mergulha por cima do ombro de quem quer que abra a lata de lixo no dia em que o seu Horácio do 62 faz macarrão com sardinha –, nenhuma queixa porque a Dona Horrores(?) largou o saco de lixo no elevador – às vezes eu desconfio que a Dona Lourdes reclama comigo porque me acha boa ouvinte –, nada sobre o excesso de fumaça que sai pela janela da nossa cozinha – essa reclamação é típica das sextas-feiras, que é o meu dia de cozinhar, e aí, só orando; mas nos últimos tempos não tenho tido muitas oportunidades de frequentar a cozinha, já que duas cozinheiras de mão cheia a tem mantido ocupada quase vinte e quatro horas por dia. Enfim, Dona Lourdes não reclama de absolutamente nada com a minha pessoa há exatos cinquenta dias. Estou começando a ficar preocupada. Será que não seria o caso de pedir que um médico venha dar uma examinada na síndica? Porque isso não é normal...
Quarentena, Dia 51 – Falando na Dona Horrores, ela e o marido estão muitíssimo bem de saúde. De juízo, não se pode dizer o mesmo. O Seu Ezequiel, porteiro do prédio, mandou o zelador, Severino Mosca-Morta verificar se tinha alguém morto no apartamento, e ele descobriu que o casal anda estocando o lixo lá dentro. Esse é o motivo da catinga que sentimos no corredor. O pior é que eles se recusaram a tomar uma providência para se livrar daquilo, e desta vez, até o mosca-morta do Severino falou grosso ao exigir que façam a limpeza, ou ele vai chamar a vigilância sanitária. Já vi gente porca, mas que nem esse casal aí da frente, não tem, não. Oh, gentalha!
Quarentena, Dia 52 – Dessa vez eu decidi aproveitar a quarentena para aprender algo útil – além do crochê que a Bibi me ensinou. Cristiana hoje me ensinou a fazer pão. E olha, modéstia a parte, a padeira de primeira viagem aqui arrasou! Tirando o fato de o pão não ter crescido, e de eu talvez ter exagerado um tantinho assim no açúcar, ficou perfeito.
Quarentena, Dia 53 – É possível que tenhamos um novo vizinho gato no prédio. Quer dizer, eu acho. Acho que é morador do prédio... Ou o visitante de alguém no quinto andar. E acho que é gato, mas, com a máscara, a gente só tem acesso a um pedaço do rosto das pessoas. Os olhos eram bonitos, porém, é meio esquisito paquerar uma pessoa de máscara. Sempre fico imaginando se quando a máscara sair eu não vou me deparar com a bruxa debaixo do véu do Pica-Pau...
Quarentena, Dia 54 – O apartamento da frente continua fedendo. Hoje o Severino deu um ultimato ao casal para resolver o problema, ou será multado pelo condomínio. E estou pensando seriamente em adicionar um prendedor nasal à minha máscara de ecobag, porque está difícil passar pela catinga no corredor.
Quarentena, Dia 55 – A última coisa que eu esperava ver na vida, era a Cristiana trocando receitas com a Dona Lourdes. A criatura pode ser cricri, mas a receita de abóbora recheada que ela compartilhou com a gente é de comer rezando! Rezando principalmente para o carboidrato virar alface no organismo, porque eu não estou podendo comprar roupas maiores agora. Mas também não consigo parar de comer essa maravilha.
Quarentena, Dia 56 – Já li tudo o que tinha parado na estante. Já escrevi seis roteiros. Já comi tudo o que tinha na geladeira. Engordei quatro quilos. Minha rotina de malhação foi para as cucuias. Meu cabelo com a progressiva atrasada está sendo confundido com uma palha de aço. E meu vizinho não para de escutar sofrência. Pai, por que nos abandonaste?
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