Fazenda Ágape, Gramado - RS, Abril de 2014.

- Entre! - Digo para quem batia na porta do escritório. - Ana Júlia, uma garota de dezenove anos que me tira do sério desde o primeiro dia, em que seus pais a trouxeram para cá depois de uma overdose há três semanas, entrou com sorriso que fez com me perguntasse por que eu ainda insisto, suspirei erguendo a sobrancelha esperando pelo tufão.

- Lauren, você sabe que amanhã é Páscoa? – Perguntou com um sorriso radiante, desafiando-me. - Ou por causa desse negócio de crente não podemos curtir a Páscoa? - Fiquei ali parada olhando-a, e pensando no que responder, a Páscoa era muito especial para mim, foi depois de entender o real significado da Páscoa, que eu abri meu coração para Jesus. Sorri enquanto uma ideia brotava na minha cabeça.

- Claro que podemos comemorar a Páscoa, mas nós vamos fazer nossos próprios ovos de chocolate. - Falo levantando. - Vou até a cidade comprar os ingredientes e as forminhas, você avisa aos outros.

- Mas eu não sei fazer ovo de Páscoa! - Apavorou-se, se aproximando mais.

- Que nada! É moleza, derrete as barras de chocolate em banho-maria, coloca nas forminhas deixa na geladeira de um dia para o outro, recheia com doces, junte as duas partes e embrulhe em papel alumínio, e o ovo está pronto. - A garota me olhava de olhos abertos, assustada, peguei minha bolsa, passei o braço no pescoço dela, e saímos juntas.

- Vai ser muito divertido! - Falo sorrindo. - Diga aos outros. - Procurei Pietro, meu braço direito e disse a ele minha ideia; ele gostou e se prontificou a ajudar Ana Júlia a falar com os outros. Na cidade comprei tudo que iríamos precisar; e liguei para Paulo, o garoto que iria me ajudar a por meu plano em prática, isso é, se tiver como ele chegar aqui, espero em Deus que sim.

Naquele sábado, fizemos inúmeros ovos de chocolate, inclusive para nossos familiares, nos divertimos muito, foi realmente uma festa de chocolate, e para minha surpresa, todos os internos colaboraram com a limpeza sem se importar com a escala. Até Ana Júlia que desde que chegara não se enturmara com ninguém, estava mais acessível, sorrindo e conversando com os outros. Além dos internos, dos seguranças e das cozinheiras apenas eu e o Pietro ficávamos na clínica nos fins de semana, e muitos deles tinham dificuldades para se misturar, mas naquele dia, todos estavam empolgados, e eu arriscaria um palpite de que eles estavam verdadeiramente felizes; Ana Júlia falou mais do que falara nas últimas horas mais do que falara nas últimas três semanas, Katia a psicóloga iria gostar de saber disso, sorri feliz, lembrando-me porque eu ainda insisto.

O domingo de Páscoa amanheceu frio, e levantei desanimada, pois os internos, principalmente os que vinham de lugares quentes do País, detestavam acordar cedo na serra gaúcha. Parei na porta chocada, eles estavam ajudando a preparar o café da manhã? Aí está uma coisa rara de ver, rara não, eu ainda não havia presenciando uma cena como essa principalmente em um domingo tão frio, friccionando as mãos me juntei a eles. Depois do café da manhã começamos a preparar os recheios dos ovos.

- Talvez você devesse incluir culinária na terapia ocupacional. - Pietro me disse à tarde, quando estávamos terminando de embalar os ovos. - Olhei para eles conversando e rindo, estavam interagindo, mas nada daquilo era obrigatório, não fazia parte do tratamento deles, eu não sei se eles estariam empolgados se fosse da rotina deles.

- Talvez eu fale com a Katia e com eles, vai que cola! - Falo sorrindo. - No final da tarde, estou admirando o trabalho deles; eles organizaram os ovos na grande mesa do refeitório, e juntaram as mesas pequenas para que o maior número de pessoas ficasse junto, devo admitir, eu estava muito orgulhosa deles.

- "Senhor, cuide de cada um deles, e prepare seus corações para conhecer a verdade do Seu Amor, e assim como um dia o Senhor me chamou para estar contigo, chame-os Senhor, restaure as suas vidas, faça de cada um deles homens e mulheres de Deus, trabalhando para o Seu Reino. Em nome de Jesus". - Pedi suspirando. Ouvi um barulho e me virei, e sorri feliz ao vê-los com seus instrumentos, fui até eles e abracei a cada um, desde que conhecera Paulo há quatro anos ele se tornou muito importante para mim, e o compromisso que ele tem com a Obra de Deus só faz com que eu o ame e o admire ainda mais.

- Que bom ver vocês! - Falo emocionada, sentindo saudades de minha filha, não a vejo desde dezembro, e ver estes garotos é como vê-la. Mostro onde reservei para eles colocarem os instrumentos.

- Pensei que vocês não iriam poder vir, assim tão em cima da hora. - Falei com Paulo, feliz por Deus ter ouvido minhas orações.

- Eles ficaram animados quando eu disse a eles sobre a sua ideia, infelizmente o Márcio não pôde vir, mas eu vou assumir o lugar dele. - Ele fala distraído.

- Você está bem? Algum problema com o Márcio? - Pergunto preocupada.

- Está tudo bem, e o Márcio operou a garganta, está de repouso!

- Agora entendi, porque eles estavam disponíveis. – Comento sorrindo, os Heróis da Fé tinha uma agenda apertada, mas graças a Deus, sempre que podiam eles me ajudavam.

- Espero em Deus que essa cirurgia não atrapalhe o Márcio a cantar. - Falo preocupada.

- Deus vai abençoa-lo que não, o médico disse que provavelmente ele não alcançará as notas que costumava alcançar, mas alcançará outras, então creio que teremos novidade nos vocais da banda Heróis da Fé. - Ricardo grita Paulo, e o salão começa a encher.

- Quem são eles? - Pergunta Ana Júlia mal-humorada. - Pensei que seríamos apenas nós.

- Não se preocupe você vai gostar deles. E se você resolver ficar com a gente, você os verá com certa frequência, sempre que podem eles estão aqui, Paulo um dos integrantes da banda, bem não tão integrante assim mais, é um dos nossos mais fieis colaboradores, e como desde crianças que eles estão juntos, meio que todos eles são colaboradores.

- Como funciona isso de não ser 'tão integrante assim'? – Ela perguntou curiosa, sorri lembrando-me de quando os pais se casaram e mudaram para outro estado, e ele passou a ser apenas o compositor da banda.

- É uma longa história, um dia quem sabe eu te conto! Se você realmente estiver interessada.

- Boa noite pessoal! - Paulo gritou no microfone.

Todos responderam as garotas animadas demais, e os garotos de menos. Sorrio, não importa qual seja a geração, ou o país, a insegurança juvenil é sempre a mesma.

- A voz dele é tão linda quanto ele! – Ana Júlia comenta corada, mas sorrindo.

- "Estamos progredindo". – Penso sorrindo. – Só não se empolgue, ele é do tipo que só ama uma vez, e o coração dele já tem dona. – Sussurro no ouvido dela.

- O que é uma pena! – Ela fala brincando, com a mão no coração. E o brilho no olhar dela me diz, que o Espírito Santo está preparando aquele coraçãozinho para a mensagem que os meninos têm para eles essa noite.

- "Obrigada Senhor"! – Penso abraçando-a, nos virando para o palco.

- Sei que estão todos com fome, e ansiosos para experimentar esses ovos de chocolate, mas antes disso vamos refletir um pouco. – Dizia Paulo. - Alguém aqui sabe me dizer o que significa a Páscoa? – Silêncio absoluto, ele sorriu.

- Não tenham receio, podem falar! O que é a pascoa para vocês? - Tornou a perguntar.

"RENOVO". "VIDA NOVA". "COMER CHOCOLATE A VONTADE". "COELHO DA PÁSCOA". "OVO DA PÁSCOA".

Foram algumas das palavras que eu consegui entender, ergui a sobrancelha preocupada.

- "Meu Deus, seja o Seu Santo Espírito a falar através do Paulo". - Pedi aflita.

- Muito bem! - Paulo os aplaudiu, e os outros rapazes assoviaram e aplaudiram também. - Agora eu vou dizer o que é a páscoa para nós, Heróis da Fé, mas para que vocês entendem melhor, vou lhes contar uma história, sobre a primeira Páscoa. Havia um povo há muitos anos atrás sendo escravizado no Egito, esse povo sofria muito, então eles clamaram a Deus, e Ele os ouviu, e mandou alguém para liberta-los. Mas o Faraó, o líder daquele lugar não permitiu que o povo se fosse, e por isso seu povo pereceu, e sofreu com pragas horrorosas, e ainda assim o Faraó não cumpria com a sua palavra, que era deixar o povo ir embora. Assim houve nove pragas, e a décima foi a pior de todas.

- Deus disse a Moisés e a Arão. - Continuou Ricardo. - Aos dez desse mês, tome para cada família um cordeiro, se a família for pequena, junte duas, pois não pode desperdiçar comida, o carneiro tem que ser imaculado, e o sangue, ponham sobre os umbrais e as vigas das portas de cada família, e comam a carne assada, com pães ázimos, e ervas amarga, e o que sobrar do carneiro queime-o no fogo. "Assim, pois o comereis: os vossos lombos cingidos, os vossos sapatos nos pés, e o vosso cajado na mão; e o comereis apressadamente; está é a Páscoa do Senhor". E naquela noite o anjo da morte levou todos os primogênitos de todo o Egito, salvos os das famílias que havia do sangue do cordeiro em suas portas, pois este era o sinal, de que Deus os estava livrando da morte. E finalmente o Faraó deixou aquele povo ir embora.

- Aqueles primogênitos foram salvos pelo sangue de um cordeiro. - Joaquim falou. - Eles foram salvos de uma morte física, e foram embora daquela terra, mas o Egito ficou de luto, e furioso o Faraó tentou detê-los, o que lhe causou mais percas, a quem disse que Páscoa é renovo vida nova, meus parabéns. Para aquele povo, foi isso o que aconteceu uma nova vida, longe da escravidão do Egito. Mas Deus amava aquele povo de tal maneira, que Ele queria mais para eles.

- Deus em sua suprema bondade, deu o Seu Filho no lugar do cordeiro. - Disse Marcos. - O povo ficou rebelde, não obedecia mais a Deus, faziam coisas que o entristecia, mas mesmo assim, Ele continuou a ama-los, e fez uma nova aliança com o homem. E Jesus se fez carne, para ser sacrificado pelos nossos pecados. Enquanto o cordeiro livrou os primogênitos hebreus da morte física, Jesus o "cordeiro que tira o pecado do mundo", livra a todos nós da morte espiritual. Por Adão somos pecadores, e por Jesus somos salvos. Ele morreu na cruz, para que todos nós pudéssemos nos aproximar dEle. Todos nós somos pecadores, temos problemas, e nos afastamos de Deus, mas Ele está sempre de braços estendidos para nós.

- Jesus foi sacrificado na sexta-feira e no domingo de Páscoa ressuscitou. - Começou Davi. - O sangue dEle não foi passado nos umbrais das portas, foi derramado pela terra, "para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna", todos sem exceção. Ambas as histórias é sobre Páscoa, agora eu gostaria que vocês me ajudassem, por favor! O que significa a Páscoa?

Eu olhei para todos aqueles rostos, que até o momento ouvia atentamente o que os garotos falavam.

- "Obrigada Senhor". - Respirei fundo.

- Sacrifício! - Ouvi baixinho, e não reconheci a voz.

- Perdão, eu acho que ouvi algo, mas não tenho certeza, por favor, quem falou poderia falar mais alto! – Pediu Paulo.

- Sacrifício. - Umas três vozes se fizeram ouvir. E outras acompanharam.

- Isso! A Páscoa representa o sacrifício do cordeiro imaculado, que seu sangue livrou os filhos dos hebreus da morte, e os livrou da escravidão do Egito. E o sangue de Cristo também imaculado, para que nós fôssemos libertados da escravidão do pecado, e termos livre acesso a Ele, e um dia irmos morar na morada que Ele foi nos preparar. Esse é o significa da páscoa para nós. – Disse Ricardo.

- Não importa o que se passa na sua alma, o que te trouxe aqui. - Retomou Paulo. - Hoje Jesus está te dizendo: Foi por você que Eu morri, e fiz isso porque Eu te amo, e quero te ter ao meu lado, o pecado que te oprime, escraviza, envergonha, destrói, Eu já tomei para Mim, todas as acusações que o inimigo lançar contra ti, Eu já as tomei para Mim naquela cruz, o inimigo não tem nenhum poder sobre você. - Ana Júlia levantou a mão, fechei os olhos em pânico, o que seria agora!

- Quer dizer que não devemos comemorar a Páscoa? - Perguntou tímida, olhei-a surpresa.

- Claro que devemos comemorar! Somos livres em Cristo, temos a vida eterna a nossa espera pelo sacrifício dEle, temos muito que comemorar. O que nos entristece, é vermos a comercialização do Seu sacrifício, as pessoas não estão interessadas, no sacrifício que houve, elas querem lucrar mais e mais, e isso é sim muito triste.

- E os ovos que fizemos? - Pergunta Ana Júlia me olhando, e eu sorri para ela.

- Nós vamos comer é claro! - Respondeu Marcos sorrindo. – A Lauren nos disse que vocês mesmos fizeram esses ovos de chocolate, juntos, respeitando uns aos outros, levando em conta a opinião uns dos outros, e estamos todos felizes por fazer parte dessa família, pois é isso que somos uma grande família, onde o nosso Pai supremo, nos coloca diante de pessoas que precisam de nós e que nós precisamos delas, pois somos todos membros de um mesmo corpo guiados pela cabeça que é Cristo. – Ana Júlia sorriu tímida, e eu sorri, Deus é mesmo muito Bom!

- E, por favor! Tem chocolate quente? Isso aqui está gelando. - Disse Ricardo sorrindo, e todos sorriram.

- Vocês entenderam o significado real da páscoa? - Perguntou Paulo. - Houve um estrondo de 'sim'. E eu fui até os garotos.

- Pessoal, vamos jantar. E depois a banda Heróis da Fé, vai tocar um pouco para nós. E sim Ricardo, nós temos chocolate quente.

- Louvado seja Deus. - Ele sorriu erguendo as mãos.

O jantar foi excepcional, e os ovos de chocolate estavam deliciosos, mas o que realmente encheu o meu coração de alegria foi ver os meus queridos internos, perguntando de Jesus para os garotos.

- Oi Lauren. - Sussurrou Ana Júlia com os olhos vermelhos.

- Oi querida! - Exclamei preocupada.

- Aquele estudo bíblico que tem nas quartas-feiras, eu ainda posso participar? - Perguntou tímida, senti meus olhos arderem devido às lágrimas.

- Claro meu amor! - Eu a puxei para um abraço, dando Glórias por este dia espetacular.

Os garotos tocaram, contaram histórias, e ouviram histórias, muitas delas tristes, mas a esperança que é Jesus Ressurreto brilhava em seus olhares, e nos olhares dos meus garotos e garotas também. Horas depois, de muito louvor e adoração, choros e risos, histórias alegres e tristes, ovos de chocolates e chocolate quente, encerramos a noite, começamos todos juntos a organizar as coisas, em seus devidos lugares e fomos todos descansar, e mais uma vez eu agradeci a Deus por me amar, e amar a cada uma daquelas pessoas que estavam ali, mesmo sendo tão quebradas, afinal como dissera Marcos Deus põe as pessoas certas em nossas vidas, e para Ele que é o Oleiro da vida, não há vaso quebrado que não tenha jeito.

Até o próximo conto! 💖

Publicado: março de 2021.

Modificado: 16 de setembro de 2021.