● EPÍLOGO
RUAN
Diferente do Natal ano passado, nesse não havia lágrimas, dor ou tristeza. Se no ano interior estava enterrando o homem que sempre terei como meu Norte e fonte se inspiração. Nesse estava sorrindo como há muito tempo não fazia e celebrava a data tão especial com as pessoas que mais amava no mundo.
Minha mãe e Hugo.
Antes da ceia acontecer, ainda de manhãzinha. Nos levantamos cedo, tomamos café em silêncio e nos sentamos na mesa que há no quintal traseiro. Deitei minha cabeça em seu ombro delgado e exposto pela camisa regata que usava. Vagarosamente, senti que acariciava meus cabelos que receberam um corte bonito e atial na semana anterior. Tudo sob o olhar animado de Hugo. O garoto com quem passei muitas horas juntos. Ora conversando sobre tudo e nada. Ou nos envolvendo em silêncios leves que as vezes diziam muito.
- Achei que nunca mais te veria sorrir filho. - começa baixinho. Os carinhos nunca cessando. Suspiro.
- Eu também.
Fica em silêncio por alguns segundos.
- Não sabíamos se era um menininho ou uma menininha até o momento que nasceu sabia? - há saudades em seu tom de voz.
Uma saudade que ecoa com a minha. Uma que acredito nunca irá desaparecer. Perdemos o amor de nossas vidas de forma tão brutal. Que as feridas dessa perda ainda sangra em nós.
- Sério? - questiono muito interessado, mesmo que eu conheça a história de trás para frente. Gosto de ouvi - la. É como se de alguma forma, eu participasse daquele dia tão especial para eles.
- Acho que sempre foi tímido! Não abria as pernas de jeito nenhum. - ri. Bufo alto.
- Mãe!
- É verdade! A cada consulta a médica sempre dizia: hoje não é o dia papais! O bebê de vocês não quer se mostrar.
Engulo em seco ouvindo além da saudade envolta a cada palavra sua. Ouço lágrimas.
- Mãe...- me afasto um pouquinho e seguro seu rosto. Limpo com suavidade o líquido quente e transparente que espelha as minhas presas.
- Estou bem! - beija as palmas de minhas mãos. Toma fôlego e sorri. - Quando nasceu, ela gritou alto e rindo que era um menino. Naquele momento seu pai e eu disputamos quem chorava mais. Você não chorou ao nascer. Até achei que havia algo errado mas fomos tranquilizados. Com um beijo pedi para seu pai ir ficar com você.- beija meus cabelos se demorando um pouco mais. Eu já me sinto me afogando no meu próprio mar de emoções.
Fui muito amado por meu pai. Ele era rígido quando tinha que ser mas acima de tudo éramos amigos. Com uma ligação que ultrapassava o entendimento. Mesmo revoltado com o fato dele ter sido tirado de mim, sempre serei grato por ter tido a oportunidade de ter sido tão amado por ele.
- No decorrer dos meses, notamos que sua quietude era uma característica sua. Não chorava a não ser se estivesse com fome, sujo ou sono. Mas seus sorrisos eram sua marca registrada. - funga. - Cresceu sendo um garoto tímido mas de sorriso estonteante. E como meu bebê era lindo. - aperta minhas bochechas. Sorrio.
- Toda mãe acha os filhos bonitos mãe!
- Mas eu tinha razão. - se aquieta por um instante. - Quando tudo aconteceu, fiquei sem seus sorrisos. Eu achei que nunca mais te veria sorrir bebê. Eles eram tudo para mim. E quando perdemos seu pai. Os perdi também.
Uma lágrima sorrateira escapa do meu olho esquerdo. Não me incomodo em limpa - la. Ela carrega um pouco da dor que sempre vou sentir.
- Sei que está feliz com Hugo. Mas não baseie sua felicidade nele.
Uma virada e tanto de assunto. Meu coração acelera.
- Mãe...
- Amo que deu a oportunidade dele se aproximar. Meu filho está beijando na boca! - arregala os olhos de forma teatral enquanto fico vermelho.
- Jesus mãe! - rimos um pouco. Com ela é sempre assim. Uma montanha russa de emoções.
- Agora é sério. Em algumas semanas irão morar em cidades diferentes. Como vai lidar com isso?
Menciona o assunto que resolvi ignorar desde que comecei a sair com meu vizinho. Sei que ambos prometemos curtir o tempo que tínhamos até que a vida adulta batesse a nossa porta. Mas conforme o tempo vai passando, me pego pensando que não quero deixar a cidade. Deixa - lo. Mas temos nossas responsabilidades.
- Estamos conversando sobre isso. - minto pela primeira vez para minha mãe.
E esse fato deixa um gosto amargo em minha boca.
Mas é o melhor. Pois não quero preocupa - la.
- Eu te amo filho e só quero sua felicidade.
- Eu sei. - É verdade. Eu sabia. Sentia seu amor por mim de forma concreta mas não de forma opressiva.
- Só por favor! Não deixe de sorrir nunca mais. São seus sorrisos que fazem meu dia.
- confessa.
Me aconchego em seus braços.
- Não vou!
- Está preparado para comemorar o Natal, mesmo sem ele conosco? - murmura.
Penso por um instante.
Não estou. Acho que nunca vou estar. Mas tenho que me esforçar em seguir em frente sem esquece - lo. Para que isso não aconteça, todos os dias esboço um desenho dele. E por incrível que pareça todos os dias surge um traço novo. Como se de alguma forma, minha mente se esforce em mante - lo vivo de alguma forma.
- Não mas por ele vou me esforçar.
- É assim que se fala bebê. - me enche de beijos. Rimos como loucos quando caímos na grama um pouco úmida do sereno da noite e sou atacado por seus dedos finos mas fortes que me enchem de cócegas.
Algumas horas depois, estou no meu quarto tentando me decidir entre duas camisas novas.
- Ambas são pretas! - o comentário cheio de diversão chega até mim e não consigo não sorrir.
Ergo meus olhos e o encontro vestindo uma camisa gasta azul, bermuda jeans e chinelos. Mesmo simples. Ele continua lindo. Os olhos bonitos, onde estão imersas as pintinhas douradas me observam com interesse e diversão.
- Eu sei. - bufo revirando meus olhos. - Mas ambas são novas.
- São lindas! - entra e fecha a porta atrás de si. Sinto meu corpo esquentar com o simples pensamento de te - lo comigo no quarto.
- Hum...- murmurou limpando minhas mãos suadas em minha calça de moletom gasta.
Estamos saindo há semanas mas sempre fico nervoso perto dele. Esse é seu efeito sobre mim. Ele me desmonta com um olhar.
Ao ir na festa de aniversário de sua amiga, nunca pensei que o beijaria após praticamente acusa - lo de tramar contra mim. Ou que iria pescar com ele e seu pai. Relembrando dos meus próprios momentos com meu pai. Ou que nos beijaríamos sob um toldo e que entraríamos em um acordo de curtir os poucos meses que ainda tínhamos na cidade.
São tantas coisas e mesmo com medo do que o futuro reserva para nós. Me sinto sortudo por te - lo comigo. Tudo pode estar acontecendo muito rápido para quem olha de fora. Mas essa é a vida. As vezes lenta. As vezes rápida para os expectadores. Mas no ritmo certo para os que a vivenciam.
- Olha já estou ficando sem graça com você me olhando assim! - diz baixinho e vejo que vermelho colore suas bochechas. É bonito.
- Desculpa. - dou de ombros.
- Só se me beijar! - me pisca um olho. Rindo, me aproximo devagar, a respiração rasa.
Com gentileza, emolduro seu rosto em minhas mãos. Mesmo louco para tomar seus lábios maravilhosos nos meus. Tomo meu tempo observando cada traço de seu rosto.
Então ele lambe a boca vermelha e me perco. Ele geme quando junto nossos lábios e enfio minha língua em sua boca. É bom sentir o gosto de suco junto a sua saliva. Não sei por quanto tempo nos beijamos mas ao fim dos beijos, sinto a boca inchada, o rosto fervendo e muito excitado.
Ainda não tivemos um contato mais íntimo a não ser carícias. E nem sei se vamos ter mas gosto do tempo que passamos juntos. Pego Hugo olhando para a tenda que é minha calça agora. Engulo em seco sentindo minha pele arrepiar mas não desvio minha atenção de seu rosto.
- Espero que estejam vestidos! - mamãe entra com uma bandeja contendo suco e sanduíches.
Pulo para longe dele e me viro para a janela. Seria horrível minha mãe ver o quanto estou duro.
Ela tem a audácia de rir.
- Não fique com vergonha filho! Trouxe o sanduíche que adora. Venha comer Hugo!
Ele ri alto e ouço o baque de seu corpo caindo na cama. Me jogo ao seu lado e pego um copo com suco. Tomando um longo gole, estou com sede. Minha mãe nos deixa e comemos em silêncio.
- Como está? - corre seu dedo por meu braço.
- Melhor do que pensei. - sou sincero. - Ano passado, nesse mesmo dia enterrava meu pai. - suspiro. - Hoje ainda sinto a dor mas estou feliz.
Fica em silêncio.
- Estou muito feliz também por ter você e sua mãe passando o Natal conosco.
Sinto em suas palavras sua sinceridade. Quando sua mãe fez o convite a minha, recuei em mim mesmo por um instante. Mamãe tinha a respiração presa ao me observar e nossa vizinha tinha empatia pura nos olhos. Foi o sorriso do meu pai que me fez acenar lentamente. Pois mesmo que o convite tenha sido feito a nós dois. Para minha mãe só iríamos se estivesse tudo bem para mim.
E me sinto leve.
Beijo sua bochecha cheia de comida, arrancando uma risada dele.
- Eu também!
HUGO
Fecho a mala com uma última peça de roupa muito lentamente. Meu coração ficando pequeno a cada vez que o horário de partir se aproxima. Dois meses se passaram tão rápido que é difícil acreditar que amanhã estarei em uma nova cidade, estudando o que tanto amo. Mas sabendo que uma parte de mim ficaria com Ruan.
O garoto de quem não consegui tirar os olhos desde o primeiro momento que o vi entrar na sala. De quem meus olhos não se desviaram por um ano todo. Por quem aos poucos fui me apaixonando. Com quem fiquei trancado em um quarto, nos beijamos, fomos pescar no fia seguinte e nos beijamos novamente. Por fim admitindo o que ambos sentíamos um pelo outro.
E tivemos dois meses de muitos beijos, abraços, carinhos e sorrisos. Dois adolescentes vivendo a vida como se não houvesse um amanhã.
Mas havia e ele chegou para nós.
Suspiro ao lembrar de como estava amuado hoje. E também de como cheguei ao ponto de lhe fazer cócegas para tirar um sorriso seu. Pois eu amo quando ri abertamente, fazendo com o que os olhos azuis se iluminem e quase se fechem. Descobri que ele não ri apenas com os lábios mas os olhos também o acompanham.
- Filho...- ergo o olhar e dou de cara com meu pai. Seu corpo maciço ocupando todo o espaço da porta.
- Oi...- me sento. Ele vem calmamente e se estabelece ao meu lado. Seu dedo grande toca minha bochecha.
- Está chorando! - diz simplesmente. Faço careta e corro para limpar meu rosto. - Não precisa ficar com vergonha.
Aceno em silêncio. Ele também não faz questão de quebra - lo. Meu pai nunca foi um homem de muitas palavras. Muito calmo, nada o tira do sério. Quando minha orientação sexual veio a luz, receber dele um completo silêncio quase me matou mas mamãe pediu que eu tivesse paciência. Pois estava digerindo a notícia. Mas que eu teria seu total apoio assim como do meu pai.
E foi o que aconteceu. A confirmação de que tudo ficaria bem foi receber seu abraço de urso demorado.
- Sabe que é livre para escolher ficar. - se pronuncia baixo. Aceno que sim. Mas não seria justo com meu sonho e com meus pais que investiram tanto. - Aquele garoto parece gostar de você.
- Eu também gosto muito dele.
Em meu coração sinto que o amo. Um amor adolescente para muitos. Mas o amo. Se vamos ficar juntos no final de quase cinco anos longe. Não sei. Mas nunca vou me arrepender de abrir meu coração para ele.
- Se não aguentar a saudade, sabe que daremos um jeito.
- Obrigado pai! - ele me puxa para seus braços e enterro meu rosto em sru peito amplo. Sua camisa com a logo da oficina cheirando a suor e graxa mas não me importa.
Esse cheiro sempre me lembrou de que eu tinha um lar para quem voltar.
- De início não entendi quando soube que é gay. - fico tenso. - Mas jamais passou en minha cabeça te desprezar ou te expulsar de casa. - engulo em seco. - Você é um pedaço meu. O garoto que falou "papai" primeiro, que vivia me seguindo pela oficina quando criança, que chorou no meu colo quando seu peixinho morreu. Posso não ser de muitas palavras mas eu te amo filho.
No final de suas palavras já estou me engasgado com minhas lágrimas e ranho. Esfrego meu nariz em sua camisa e arranco um grunhido seu. O peito vibra com una risada alta.
- Não perde essa mania. - afasta os cachos do meu rosto. - A distância não será para sempre filho.
Concordo respirando fundo.
- Abraço em grupo! - Não dá tempo de me preparar apenas para me agarrar ao meu pai enquanto minha mãe se joga sobre nós e dá um jeito de se enfiar entre a gente e nos abraça por nossos pescoços. - Amo vocês, homens da minha vida!
Rimos.
- E esse rosto vermelho? - um pouco da diversão deixa seu rosto.
- Estávamos tendo nosso tempo de meninos! - papai diz beijando o rosto da esposa suavemente.
- Me senti excluída agora! - faz careta. - Algo que eu possa ajudar?
Nego lentamente. Também tivemos una conversa sobre o tempo que ficaria lá. E também chorei.
Acenando lentamente, se ergue batendo palmas.
- Pedi pizzas! Vão lavar as mãos!
Deixa o quarto rapidamente mas sei que antes de dormir virá falar comigo novamente. Suspiro aliviado por ter ambos comigo.
A tela do meu celular se ilumina com uma mensagem e quase corro para ver se é dele. Mas não deixo de sorrir ao ver escrito:
"Saudades de você minha metade!" Mari.
Minha amiga viajou duas semanas antes de mim e de acordo com ela. Está amando a cidade mas que seria perfeito se eu estivesse lá.
Meu celular vibra com outra mensagem. Sorrio mais largamente dessa vez e uma última lágrima cai na tela, embaçando parte das primeiras palavras.
"Já estou com saudades amor!" Ruan
- Eu também!
Como previ, antes de dormir mamãe passou em meu quarto e não evitei mais lágrimas. A noite eu passei em claro. No dia seguinte, tomei café forçado pois não estava com fome mas eram horas de viagem e poderia acabar passando mal. Com as malas em mãos, não evito olhar para a casa dele e fico triste por não vê - lo antes de ir.
O caminho para a rodoviária é feito em silêncio. Confirmo minha passagem e me sento nas cadeiras de plástico aguardando com meus pais, um de cada lado meu, a hora de partir.
O motorista desce do ônibus e anuncia que está na hora. Com as pernas trêmulas, me ergo me despedindo dos meus pais com abraços apertados e choro de uma saudade já sentida. Fico com um pouco de raiva por Ruan não ter vindo se despedir. Ele ao contrário de mim, viaja amanhã.
- Hugo! Hugo, espera! - me viro quase cambaleando pois uma fraqueza se apoderou de mim. Seu corpo se choca contra o meu. E quase sinto como se pudesse respirar novamente.
Ele está com o rosto vermelho, suado e com a respiração rasa. Não posso e não quero larga - lo. Tenho medo de piscar e ele sumir. Aceno de longe para sua mãe que me lança um sorriso. O mesmo do filho.
- Pensei que não viria! - dou voz aos meus pensamentos.
Ele ri e nega, segurando meu rosto. Me esqueço que estamos na rodoviária e com plateia. Agora só há nós, nossa eminente partida e nossos corações que parecem pulsar em um só ritmo.
- Nunca faria isso Hugo! - beija minha testa. O gesto me aquecendo por dentro. - Tinha que fazer algo antes.
- O que?
Então percebo um pacote retangular em sua mão. Vejo quando minha mãe vai falar com o motorista, na certa pedindo por um pouco de tempo.
Me entrega o pacote.
- Queria que tivesse uma lembrança nossa. Abre!
Seu rosto se torna vermelho sangue.
Com o coração aos pulos abro e tapo minha boca. Ao olhar para mim e ele em forma de desenho sob aquele toldo. Onde muitas incertezas nos rondavam mas que ainda assim não nos impediram de nos beijar.
- Somos nós! - digo engasgado. Ele ri acenando.
- Sim! Eu nunca esqueci daquele dia e de todos que vieram. Vamos estar longe um do outro mas nunca vou te esquecer. - diz com firmeza.
Meu coração adolescente quer acreditar que anos longe, não vão nos mudar. Mas a vida é móvel e vamos mudar sim. Mas ainda assim, o abraço e digo bem perto do seu ouvido.
- Eu te amo!
Ele parece parar de respirar e o sorriso lindo que tanto amo surge quase rasgando seu rosto bonito em dois.
- Eu também te amo Hugo!
O motorista chama minha atenção e sei que tenho que ir. Beijo seus lábios muito rapidamente. Seguro a moldura com um momento nosso eternizado em seus traços e me despeço dele e de minha família.
Ao entrar naquele ônibus nunca imaginaria que teríamos muitos anos juntos e que o amor que achava sentir quando jovem, não seria nada comparado ao que sentiria anos depois.
Quando o vi pela primeira vez quis me aproximar. Quando o observava perdido em seus desenhos me vi caindo por ele. Mas foi quando ele sorriu que o amei totalmente.
Fim!?
Com meu coração aos pedaços me despeço por enquanto desses dois. Foi lindo escrever a história deles.
Que mesmo em meio ao caos que está nosso mundo, possamos ainda acreditar no amor. Na amizade e companheirismo.
18/06/21
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro