● CINCO || RUAN - HUGO
RUAN
Bocejo pela terceira vez desde que deixamos o bairro onde moramos. Pensando nas fotos que vi ontem na internet após chegar em casa meio tonto, o lago no qual iríamos pescar parecia um rio, tamanha sua grandeza. O pai do meu vizinho, com seu jeito sério de ser desde que o vi pela primeira vez, me observa uma vez ou outra. Deve estar se questionando o motivo de ter um estranho invadindo seu momento com o filho. Mas não posso voltar atrás. Já estou aqui e estamos nos aproximando do lugar onde vamos ficar.
Hora ou outra, sinto os dedos de Hugo tocarem os meus delicadamente para logo se afastar lentamente. Observo – o pelo canto do meu olho e lhe dou um pequeno sorriso. Rindo baixinho com os olhos que tanto gosto de ver e pintar, volta sua atenção para a janela.
O dia aos poucos começa a clarear, com o Sol surgindo timidamente por entre as nuvens cinzentas. Quinze minutos depois, seu pai estaciona sob uma árvore frondosa de extensos galhos e tronco grosso. Saltamos do carro e juntos tiramos tudo de dentro do porta malas. Pego minha mochila também, onde minha mãe colocou toda sorte de alimentos. Acredito que tenha pensado que iria para muito longe. Sorrio penando nela e na euforia que a dominou assim que contei sobre o beijo e o convite que recebi.
- Já pescou alguma vez Ruan? - A voz grossa do pai de Hugo quase me faz saltar em meu lugar, por estar imerso em pensamentos.
Aceno rapidamente. Papai e eu tínhamos o costume de ir pescar ao menos uma vez no mês. Eu quase sempre não pegava nada. Mas adorava sua companhia, mesmo com ele tirando sarro de mim por ter uma péssima mão para a pesca.
- Claro!
- Bom. Hugo, você fica responsável por preparar as iscas e você, me ajudará a montar as cadeiras ali. – aponta para a beira do enorme lago.
- Mas pai! – quase que um beicinho se forma nos lábios dele. Fico olhando e com uma vontade enorme de repetir o que fizemos ontem. Pisco algumas vezes e desvio o olhar.
- Hugo...
- As minhocas são nojentas pai!
- Eu sei.
- É engraçado para você? – aperta seus olhos na direção do homem enorme, que esboça em seu rosto largo e coberto por uma barba castanha, um pequeno sorriso de lado.
- Podemos dizer que sim.
O filho bufa, indo em direção a um balde de metal fechado. Enquanto pego as cadeiras dobráveis, escuto – o resmungar baixinho. Seguro um sorriso.
Seu Franco prepara as varas que vamos usar. Pego também as garrafas com água, refrigerante e energético. Colocando – as sobre uma mesa de metal que ficará ao lado das cadeiras. Recebo um elevar de queixo como agradecimento e me sinto orgulhoso por meus feitos.
Não demora muito para nós três estarmos sentados, eu e Hugo em silêncio e observando a superfície esverdeada do lago. Aos pés de Franco, um pequeno rádio de pilha toca canções antigas. Escuto – o balbuciar alguns refrões.
- O que está achando? – sussurra. Viro – me levemente em sua direção e inclino – me um pouco.
- Por que está sussurrando? – imito seu gesto. Ele ri baixinho, os olhos cheios de alegria.
Essa alegria fica tão bonita nele e é tão contagiante que me pego querendo sempre estar sorrindo quando está próximo. E olha que só começamos a ficar perto um do outro a partir de ontem.
Mas para meu coração, parece uma vida.
- Os peixes podem fugir entende? – o olho com dúvida.
- Não tinha ouvido falar disso.
- Mas acontece. – diz com uma segurança que quase me convence.
- Estou gostando. Fazia tempo que não saia para pescar.
- Tem uma meta de quantos peixes pretende pegar?
- Hum...acho que não. E você?
- Não preciso de metas. Sei que vou pegar muitos. – orgulho se destaca em suas palavras.
- Convencido você não é?
- Quietos! – comanda seu pai. Nos calamos e voltamos nosso foco para a superfície do lado.
Pelas próximas horas nós bebemos, comemos e rimos. Seu Franco foi se soltando aos poucos e a imagem de homem sério e que pode parti – lo ao meio se você respirar errado perto dele, se foi. Com a animação transparecendo em seu rosto, nos contava de suas aventuras quando jovem e que não foi amor a primeira vista, quando conheceu a esposa. Que eram como cão e gato. Enquanto nos relatava os altos e baixos de seu ainda não relacionamento, eu esboçava em minha mente a imagem de dois jovens, tomado pelos desejos mas que eram orgulhosos demais para se render a eles.
Foi uma imagem bonita de ter em mente.
Eu como esperava, não peguei mais do que um minúsculo peixe que fiz questão de devolvê – lo para seu lar. Levando em conta a velocidade que nadou, parecia muito feliz por ter sido libertado do humano sem tato algum para a pesca.
Seu Franco igualava com o filho na quantidade de peixes que pesaram. O sorriso que trocaram foi gravado em minha mente. E despertou por um instante a lembrança de outro sorriso que nunca fui capaz de esquecer.
Era quase uma hora da tarde quando enfim, fomos embora. O Sol que nos agraciou quando chegamos, tinha partido há muitas horas. Deixando para trás, um céu cheio de nuvens cinzentas. Hugo e eu colocamos as coisas de volta no porta malas. A viagem de volta foi feita com a gente cantando a plenos pulmões músicas antigas. As vezes surgia uma segunda voz.
Como moramos lado a lado, não fui deixando longe de casa.
Minha mãe me esperava na porta. Seu rosto não escondia o sorriso largo e bonito muito menos a ansiedade de saber como foi lá. Seu Franco entrou após prometer que iríamos novamente no mês que vem pescar.
Deixando a mim e a seu filho na calçada. De frente para minha casa.
- Você realmente gostou de ir pescar com a gente?
- Muito! – Era verdade e o sorriso que ocupa meu rosto é mais uma prova de que falo a verdade.
Olhando para sua casa, dá um passo em minha direção. Praticamente entrando no meu espaço pessoal. Fato com o qual não me importo no momento. Seu olhar se prende ao meu. E me esqueço que temos como plateia minha mãe e talvez parte da vizinhança. Só me importo com o garoto na minha frente. Que torce os dedos magros rente ao corpo.
- Quero te fazer outro convite. – Toma fôlego. Meu coração para por um segundo e volta a bater com toda a velocidade. – Aceita tomar sorvete comigo mais tarde?
Me seguro no lugar para não sair dançando e pulando ao redor como um doido. Não sei se será como amigos ou se terá mais beijos. Mas estou ansioso para mais tarde.
- Claro mas eu pago.
- Mas...
- Você me levou para pescar, um programa de pai e filho. Mas mesmo assim me incluiu nele. – Engulo em seco. Dentro de mim uma mistura de saudade e gratidão se juntam em meu coração. – Eu pago o sorvete.
- Tudo bem. – Beija minha bochecha esquerda com rapidez e vai correndo para sua casa.
Me viro, dando de cara com o amor da minha vida. Ela tem as mãos em seu peito.
- Oh, vocês são tão fofos. – Passo por ela pela porta aberta. Ela abraça meus ombros e beija minha bochecha pois ainda seguro a outra ainda quente do recém contato dos lábios dele contra ela.
- Mãe!
- Me conta, como foi lá? Se divertiu? E esse beijo que acabei de ver? Se declarou filho?
Fiquei um pouco tonto por suas perguntas disparadas a milhares de segundos. Nos jogamos no sofá da sala, rindo baixinho.
- Tanto tempo que não te ouvia sorrir assim meu filho. – enche meu rosto de beijos. Seu ataque maternal tem fim quando tento me afastar.
- Acho que é o amor. – digo simples.
- Ele realmente tem o poder de curar muitas dores.
- Foi divertido pescar com pai e filho. – Começo a responder as suas questões anteriores. – O beijo na bochecha mãe. – reviro meus olhos tentando não sorrir largamente.- E não, não me declarei. – Passo as mãos por meus cabelos.
- E quando fará isso?
- Eu realmente não sei. – sua cabeça cai contra meu ombro. – Mas nós vamos sair mais tarde.
- Um encontro? – quase saltita no lugar. Dou de ombros.
- Vamos tomar sorvete mãe.
- Um encontro.
- Se você diz. – beijo seu rosto.
Me ergo com uma ideia em mente. Ela me manda tomar banho para que possamos almoçar. Aceno positivamente subindo as escadas de dois em dois degraus.
Entro correndo em meu quarto, pego tudo o que vou precisar e me fecho em meu estúdio, tendo em mente a imagem de pai e filho sorrindo em comemoração. Por simplesmente passarem a manhã juntos. E começo a esboçar os primeiros traços, que são carregados de felicidade e companheirismo.
HUGO
- Está levando camisinha?
- Meu Deus Mari! – sinto meu rosto quente.
- O que? Prioridades amigo. – Dá de ombros.
- Só vamos tomar sorvete.
- Na sorveteria tem um amplo banheiro. Só para você saber! – Jogo meu chinelo nela, que desvia rindo.
- Não estou levando camisinha por dois motivos. – Resolvo me explicar. – Um: nós apenas vamos tomar um sorvete e dois: não estou pronto ainda.
Ficando um pouquinho mais séria se aproxima me abraçando por trás. Com seu rosto colado ao meu, nos olhamos no espelho por alguns minutos.
- Um dia estará pronto. – beija minha bochecha com força. – Mas é sempre bom andar com uma camisinha a mão. Mamãe quem disse e ela sabe das coisas.
Damos risada. Minha tia Suzana fala de sexo com a gente como se estivesse falando do tempo. Com uma tranquilidade impar. Nos trata como igual.
Conversamos um pouco mais sobre seu aniversário e também sobre o fiasco que foi sua declaração para Saulo. De acordo com minha amiga que pagou um carro de som para a tarefa, pensou que o cara por quem tem uma queda, estivesse em casa. Mas se enganou e quem ouviu tudo foi sua futura sogra. Minha amiga chegou rindo aqui, um pouco abismada.
Ela vai embora dizendo que vai organizar outra tentativa e me deseja sorte. Arrumo meus cabelos mais uma vez mas meus cachos tem vontade própria, ficando do jeito que eles querem.
Toco a campainha e espero com o coração aos saltos.
Fico um tanto sem fôlego quando olhos claros e profundos me fitam dos pés a cabeça. Espero que essa roupa esteja boa.
- Oi...- ergo a mão em um cumprimento simples.
- Já vou mãe! – Fecha a porta rapidamente. – Oi. Está muito bonito. – diz baixinho.
- Hum...obrigado. Você também está lindo.
A sorveteria não fica longe do bairro onde moramos, então decidimos ir a pé mesmo. Ambos calados, eu não tinha vontade alguma de falar qualquer coisa. E Ruan não parecia incomodado com o silêncio. O local está abarrotado de pessoas. Em sua maioria famílias que tiraram o domingo a tarde para passear. Sair um pouquinho da rotina. Deixo a escolha da mesa onde vamos sentar a cargo dele. Que acerta em cheio ao escolher uma que fica ao lado de uma enorme janela, que pega do chão ao teto e de onde podemos ver uma pequena área verde, onde crianças brincam como se não tivesse amanhã.
Fazemos o pedido e aguardamos.
- Tenho uma coisa para você! – ergo as sobrancelhas em surpresa. Ele sorri de lado, esfrega as mãos na calça jeans clara e retira algo do bolso.
Coloca o papel dobrado sobre a mesa de formato redondo.
- É um desenho? – Minhas mãos coçam para pega – lo. Eu só vias seus desenhos de maneira furtiva entre as aulas ou na hora do intervalos na escola. Mas pelo pouco que vi, eram muito bonitos.
- Sim. Espero que goste. – Quase suspiro ao ver suas bochechas ficarem escarlates.
Vibrando de ansiedade, pego com cuidado o papel que está dobrado em quatro partes. Com uma suavidade maior ainda, o desdobro. Dessa vez não consigo segurar o suspiro que me escapa de forma tão natural mas contento toda a surpresa que sinto.
Logo depois sou dominado por um carinho sem igual.
No desenho em questão, eu e meu pai somos retratados em um momento tão feliz e leve. É de quando estávamos comemorando nosso sucesso em nossa pesca. Uma coisa que fazemos desde que posso me lembrar. A curva do sorriso do meu pai eternizado em um tão simples pedaço de papel. Os olhos castanhos como os meus contendo toda a sua felicidade. A postura altiva mas nunca arrogante. E depois eu me vejo. Quase como se estivesse olhando para meu reflexo em um espelho. Seguro – me na mesa ao constatar que até as ditas pintinhas douradas, que há em meus olhos, ele conseguiu coloca - las nesse desenho. Eu estou parecendo tão eu nele. Nunca pensei que meu sorriso fosse tão bonito.
- Ruan...- digo um tanto engasgado.
- Não gostou? – Insegurança é clara em suas palavras. Nego freneticamente. E sem pensar, me levanto e dou a volta na mesa. Dou – lhe um beijo estalado na sua bochecha.
Volto para meu lugar, abraçando meu presente contra meu peito. Sem vontade alguma de larga - lo.
- Eu amei! Sério.
- Tudo bem então. – parecendo um pouco atordoado, segura a bochecha em questão.
- Chocolate com pedaços de biscoito para você. – Recebo um sorriso bonito de dona Veridiana, enquanto posiciona diante de mim a taça com o sorvete. Logo faz o mesmo com Ruan. – E para você o de limão.
- Obrigado dona Veridiana.
- Nada meu filho. – Nos deixa.
Com cuidado guardo o desenho em meu bolso. E ataco essa delícia marrom. O sabor explode em minha boca e mastigo com animação os pedaços de biscoitos.
- O que? – pergunto com a boca cheia. Tapo – a rapidamente.
- Você. Parece que está comendo a melhor coisa do mundo. – Pego um pouco do dele, comendo devagar. Aponto minha colher roxa em sua direção.
- É a melhor coisa do mundo.
- Não é para tanto.
- É! – Teimo. Rimos. – Achei um defeito em você.
- Sério?
- Muito sério. Quando te via de longe, o achava o ícone da perfeição. E claro que seu ar de “não me toque”, me atraia também mas, ai está. Você não gosta de chocolate. Quem nessa vida não gosta de chocolate?
- Desabafo.
Por um momento ele fica em silêncio. Põe seu sorvete de lado, se inclinando sobre a mesa.
- Sou perfeito?
- Não mais! – Dou uma risadinha meio nervosa.
Ele também ri parecendo mais nervoso que eu. O restante do tempo passamos comigo falando sobre meu curso. Meu acompanhante parecia muito interessado em tudo p que eu dizia. Como propôs, ele pagou pelo sorvete. Sem vontade alguma de ir para casa, esticamos nossa caminhada em direção a praça da cidade.
Mas o tempo não queria cooperar conosco. Nos brindando com uma chuva fraca. Corremos dela e nos abrigamos sob um toldo de uma loja de ferramentas.
- Queria passear um pouco mais.
- Eu também. – Sinto – o se aproximar. Meu coração acelera. – Hugo?
- Sim?
- Sei que só vai ficar na cidade só mais dois meses. – Fico de frente para ele. Muito interessado em suas palavras. Com as mãos nos bolsos, fita os tênis azuis. – Assim como eu. Disse que queria ser meu amigo. Mas eu não quero ser apenas seu amigo. Quero mais. – Ergue o rosto cheio de determinação. Meu Deus, estou adorando isso. Principalmente quando invade meu espaço pessoal e posso respirar seu hálito fresco cheirando a limão. – O beijo de ontem não foi o suficiente. E...- O calo ficando na ponta dos pés e beijando levemente sua boca. Lábios macios e com gosto de limão.
Passado o susto, suas mãos seguram minha cintura e me trazem para mais perto de seu corpo. O calor que sinto através das suas roupas me aquece a um nível quase desesperador.
Não há chuva, loja de ferragens, não há pessoas correndo para se abrigar da chuva. Há somente nós. Hugo e Ruan. Eu e ele. E o sentimento que tenho por ele e ele por mim.
- Eu também não quero ser só seu amigo Ruan. – deixo pequenos beijos em seus lábios. O sorriso que enfeita seu rosto é quase obsceno de tão bonito. Toco a linha de sua boca, desenhando – a com a ponta de meu dedo indicador. – Seu sorriso é muito bonito sabia?
- É?
- Muito. Quando você sorri, é como ganhar um presente que nem ao menos sabia que desejava.
A mesma paixão que me domina, está nítido em seus olhos. Como pude ter medo de me abrir para ele? Como não vi que sentíamos o mesmo um pelo outro? Ele sorri um pouco mais, ainda abraçado comigo.
- Nós temos dois meses. Até lá vamos viver um dia de cada vez. O que acha?
Pensa por um segundo. E acena.
- Dois meses.
É pouco tempo mas algo me diz que nossa história não vai ter fim no dia que nos mudarmos. Quero crer que o que sinto não é passageiro. Muitos diriam que como um adolescente cheio de hormônios, essa paixonite vai passar.
Mas sinto que não.
Mesmo antes de ver um sorriso verdadeiro em seu rosto. Sentia que meu coração era de Ruan. Então ele sorriu e eu soube.
Cheguei e já vou postar o epílogo. Espero de coração que tenham gostado desse conto.
18/06/21
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